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dúvida, eles erguem continuamente mais um pilar para seu poder;
mesmo os que pensam livremente não ousam contrariar um ser
assim abnegado, dizendo-lhe, com duro sentido de verdade: "Ó
enganado, não engane!". — Apenas a diferença das concepções os
separa dele, de modo algum uma diferença de bondade ou maldade;
mas aquilo de que não gostamos, costumamos tratar com injustiça.
Fala-se da astúcia e da arte infame dos jesuítas, mas não se vê a
auto-superação a que todo jesuíta se obriga, e como o regime
facilitado de vida, pregado nos manuais jesuíticos, deve beneficiar
não a eles, mas aos leigos. E podemos indagar se, com tática e
organização semelhante, nós, esclarecidos, seríamos instrumentos
tão bons, tão dignos de admiração pela vitória sobre si mesmo, pela
infatigabilidade, pela dedicação.
56. Vitória do conhecimento sobre o mal radical . — Para
quem deseja se tornar sábio é bastante proveitoso haver concebido
o ser humano, durante algum tempo, como basicamente mau e
degenerado: esta concepção é falsa, tal como aquela oposta; mas
ela predominou por épocas inteiras, e suas raízes se ramificaram
em nós e em nosso mundo. Para nos compreendermos, temos de
compreendê-la; mas para depois irmos mais alto, teremos que ir
além dela. Então reconheceremos que não existem pecados no
sentido metafísico; mas que também, no mesmo sentido, não
existem virtudes; que todo esse âmbito das concepções morais está
continuamente oscilando, que existem noções mais elevadas e mais
profundas de bem e mal, moral e imoral. Quem não deseja das
coisas senão conhecê-las, facilmente atinge a paz com sua alma e
erra (ou peca, como diz o mundo) no máximo por ignorância,
dificilmente por avidez. Esse alguém já não quer excomungar e
extirpar os desejos; o único objetivo que o domina por completo, o
de sempre conhecer tanto quanto for possível, o tornará frio e
abrandará toda a selvageria de sua natureza. Além disso, terá se
libertado de muitas concepções tormentosas, nada mais sentirá, ao
ouvir palavras como castigo do inferno, pecaminosidade,
incapacidade para o bem: nelas reconhecerá apenas as sombras
evanescentes de considerações erradas sobre o mundo e a vida.
57. A moral como autodivisão do homem. — Um bom autor,
que realmente põe o coração no seu tema, desejará que alguém
apareça e o anule, que exponha o mesmo tema de modo mais claro
e responda inteiramente as questões nele contidas. A jovem
apaixonada pretende que a devota fidelidade de seu amor seja
testada pela infidelidade do amado. O soldado deseja cair no campo
de batalha por sua pátria vitoriosa: pois na vitória de sua pátria
também triunfa seu maior desejo. A mãe dá ao filho aquilo de que
ela mesma se priva, o sono, a melhor comida, às vezes sua saúde,
sua fortuna. — Mas serão todos esses estados altruístas? Serão
milagres esses atos da moral, já que, na expressão de
Schopenhauer, são "impossíveis e contudo reais"? Não está claro
que em todos esses casos o homem tem mais amor a algo de si,
um pensamento, um anseio, um produto, do que a algo diferente
de si, e que ele então divide seu ser, sacrificando uma parte à
outra? Será algo essencialmente distinto, quando um homem
cabeça-dura diz: "Prefiro ser morto com um tiro a me afastar um