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poder. No próprio ato do embuste, com todos os preparativos, o
tom comovedor da voz, da expressão, dos gestos, em meio ao
cenário de efeitos, são tomados da crença em si mesmos: é ela que
fala de modo miraculoso e convincente aos que estão à sua volta.
Os fundadores de religiões se distinguem desses grandes
embusteiros por não saírem desse estado de auto-ilusão: ou muito
raramente têm os instantes claros em que a dúvida os domina; em
geral se consolam, atribuindo esses momentos de clareza ao
adversário maligno. É preciso que haja o engano de si mesmo, para
estes e aqueles produzirem um grande efeito. Pois os homens
crêem na verdade daquilo que visivelmente é objeto de uma forte
crença.
53. Pretensos graus da verdade . — Um dos mais freqüentes
erros de raciocínio é este: se alguém é verdadeiro e sincero
conosco, então ele diz a verdade. Assim a criança acredita nos
julgamentos de seus pais, o cristão nas afirmações dos fundadores
da Igreja. De igual maneira, não se quer admitir que tudo o que os
homens defenderam com o sacrifício da felicidade e da vida, em
séculos passados, eram apenas erros: talvez se diga que eram
estágios da verdade. Mas no fundo as pessoas acham que, se
alguém acreditou honestamente em algo e lutou e morreu por sua
crença, seria bastante injusto se apenas um erro o tivesse animado.
Tal acontecimento parece contradizer a justiça eterna: eis por que o
coração dos homens sensíveis sempre decreta, em oposição a sua
cabeça, que entre as ações morais e as percepções intelectuais deve
necessariamente existir uma ligação. Infelizmente não é assim; pois
não há justiça eterna.
54. A mentira. — Por que, na vida cotidiana, os homens
normalmente dizem a verdade? — Não porque um deus tenha
proibido a mentira, certamente. Mas, em primeiro lugar, porque é
mais cômodo; pois a mentira exige invenção, dissimulação e
memória. (Eis por que, segundo Swift, quem conta uma mentira
raramente nota o fardo que assume; pois para sustentar uma
mentira ele tem que inventar outras vinte.) Depois, porque é
vantajoso, em circunstâncias simples, falar diretamente "quero isto,
fiz isto" e coisas assim; ou seja, porque a via da imposição e da
autoridade é mais segura que a da astúcia. — Mas se uma criança
foi educada em circunstâncias domésticas complicadas, então
manipula a mentira naturalmente, e involuntariamente sempre diz o
que corresponde a seu interesse; um sentido para a verdade, uma
aversão à mentira lhe é estranha e inacessível, e ela mente com toda
a inocência.
55. Suspeitar da moral por causa da fé. — Nenhum poder se
impõe, se tiver apenas hipócritas como representantes; por mais
elementos "mundanos" que possua a Igreja católica, sua força está
naquelas naturezas sacerdotais, ainda hoje numerosas, que tornam a
vida difícil e profunda para si mesmas, e nas quais o olhar e o
corpo consumido testemunham vigílias, jejuns, orações candentes,
e talvez até flagelações. Tais naturezas abalam e amedrontam as
pessoas: como? e se fosse necessário viver assim? — eis a terrível
pergunta que a visão desses homens suscita. Ao propagar essa