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Humano-Demasiado-Humano

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Capítulo segundo

CONTRIBUIÇÃO À HISTÓRIA

DOS SENTIMENTOS MORAIS

35. Vantagens da observação psicológica . — Que a reflexão

sobre o humano, demasiado humano — ou, segundo a expressão

mais erudita: a observação psicológica — seja um dos meios que

nos permitem aliviar o fardo da vida, que o exercício dessa arte

proporcione presença de espírito em situações difíceis e distração

num ambiente enfadonho, que mesmo das passagens mais

espinhosas e desagradáveis de nossa vida possamos colher

sentenças, e assim nos sentir um pouco melhor: nisto se acreditava,

isto se sabia — em séculos passados. Por que foi esquecido neste

século, quando, ao menos na Alemanha, e mesmo na Europa, a

pobreza da observação psicológica se mostra em tantos signos?

Não particularmente em romances, novelas e considerações

filosóficas — estas são obras de homens de exceção; um pouco

mais no julgamento dos eventos e personalidades públicos; mas

sobretudo falta a arte da dissecação e composição psicológica na

vida social de todas as classes, onde talvez se fale muito das

pessoas, mas não do ser humano. Por que se deixa de lado o mais

rico e inofensivo tema de conversa? Por que não se lêem mais os

grandes mestres da sentença psicológica? — pois, sem qualquer

exagero: o homem culto que tenha lido La Rochefoucauld e seus

pares em espírito e arte é coisa rara na Europa; e ainda mais raro

aquele que os conheça e não os insulte. Mas é provável que mesmo

esse leitor incomum tenha com eles menos satisfação do que

deveria lhe dar a forma desses artistas; pois nem o espírito mais

refinado é capaz de apreciar devidamente a arte de polir sentenças,

se não foi educado para ela, se nela não competiu. Sem tal

instrução prática, consideramos esse criar e formar algo mais fácil

do que é na verdade, não sentimos com suficiente agudeza o que

nele é bem realizado e atraente. Por isso os atuais leitores de

sentenças têm com elas um prazer relativamente insignificante, mal

chegam a saboreá-las; de modo que lhes sucede o mesmo que às

pessoas que examinam camafeus: as quais elogiam porque não

sabem amar, e prontamente se dispõem a admirar, e ainda mais

prontamente a se esquivar.

36. Objeção. — Ou haveria um contrapeso à tese de que a

observação psicológica se inclui entre os atrativos e meios de

salvação e alívio da existência? Não deveríamos estar bastante

convencidos das desagradáveis conseqüências dessa arte, para dela

afastar intencionalmente o olhar dos que se educam? De fato, uma

fé cega na bondade da natureza humana, uma arraigada aversão à

análise das ações humanas, uma espécie de pudor frente à nudez da

alma podem realmente ser mais desejáveis para a felicidade geral de

um homem do que o atributo da penetração psicológica, vantajoso

em casos particulares; e talvez a crença no bem, em homens e

ações virtuosas, numa abundância de boa vontade impessoal no

mundo, tenha tornado os homens melhores, na medida em que os

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