You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
destruída por nossa maneira de ver, exatamente como a religião. O
conhecimento só pode admitir como motivos o prazer e o
desprazer, o proveitoso e o nocivo: mas como se arrumarão esses
motivos com o senso da verdade? Pois eles também se ligam a
erros (na medida em que, como foi dito, a inclinação e a aversão, e
suas injustas medições, determinam essencialmente nosso prazer e
desprazer). Toda a vida humana está profundamente embebida na
inverdade; o indivíduo não pode retirá-la de tal poço sem irritar-se
com seu passado por profundas razões, sem achar descabidos os
seus motivos presentes, como os da honra, e sem opor zombaria e
desdém às paixões que impelem ao futuro e a uma felicidade neste.
Sendo isso verdadeiro, restaria apenas um modo de pensar que traz
o desespero como conclusão pessoal e uma filosofia da destruição
como conclusão teórica? — Creio que o temperamento de um
homem decidirá quanto ao efeito posterior do conhecimento: eu
poderia imaginar um outro efeito que não o descrito, igualmente
possível em naturezas individuais, mediante o qual surgiria uma
vida muito mais simples e mais pura de paixões que a atual: de
modo que inicialmente os velhos motivos do cobiçar violento ainda
teriam força, em conseqüência do velho costume herdado, mas aos
poucos se tornariam mais fracos, sob influência do conhecimento
purificador. Afinal se viveria, entre os homens e consigo, tal como
na natureza, sem louvor, censura ou exaltação, deleitando-se com
muitas coisas, como um espetáculo do qual até então se tinha
apenas medo. Estaríamos livres da ênfase,26 e não mais seríamos
aguilhoados pelo pensamento de ser apenas natureza ou mais que
natureza. Certamente, como disse, isto exigiria um temperamento
bom, uma alma segura, branda e no fundo alegre, uma disposição
que não precisasse estar alerta contra perfídias e erupções
repentinas, e em cujas manifestações não houvesse traço de
resmungo e teimosia — essas características notórias e
desagradáveis de cães e homens velhos que ficaram muito tempo
acorrentados. Um homem do qual caíram os costumeiros grilhões
da vida, a tal ponto que ele só continua a viver para conhecer
sempre mais, deve poder renunciar, sem inveja e desgosto, a muita
coisa, a quase tudo o que tem valor para os outros homens; develhe
bastar, como a condição mais desejável, pairar livre e destemido
sobre os homens, costumes, leis e avaliações tradicionais das
coisas. Com prazer ele comunica a alegria dessa condição, e talvez
não tenha outra coisa a comunicar — o que certamente envolve
uma privação, uma renúncia a mais. Se não obstante quisermos
mais dele, meneando a cabeça com indulgência ele indicará seu
irmão, o livre homem de ação, e não ocultará talvez um pouco de
ironia: pois a "liberdade" deste é um caso à parte.