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inclinação. Um impulso em direção ou para longe de algo, sem o
sentimento de querer o que é proveitoso ou se esquivar do que é
nocivo, um impulso sem uma espécie de avaliação cognitiva sobre
o valor do objetivo, não existe no homem. De antemão somos seres
ilógicos e por isso injustos, e capazes de reconhecer isto: eis uma
das maiores e mais insolúveis desarmonias da existência.
33. O erro acerca da vida é necessário à vida . — Toda crença
no valor e na dignidade da vida se baseia num pensar inexato; é
possível somente porque a empatia com a vida e o sofrimento
universais da humanidade é pouco desenvolvida no indivíduo.
Mesmo os homens raros, cujo pensamento vai além de si mesmos,
não lançam os olhos a essa vida universal, mas somente a partes
limitadas dela. Quem sabe ter em mira sobretudo as exceções,
quero dizer, os talentos superiores e as almas puras, quem toma o
seu surgimento como objetivo de toda a evolução do mundo e se
alegra com o seu agir, pode acreditar no valor da vida, porque não
enxerga os outros homens: portanto, pensa inexatamente. Do
mesmo modo quem considera todos os homens, mas neles admite
apenas um gênero de impulsos,24 os menos egoístas, desculpando
os homens no que toca aos outros impulsos: pode também esperar
alguma coisa da humanidade como um todo, e assim acreditar no
valor da vida: portanto, também nesse caso por inexatidão do
pensar. Tanto ao proceder de um modo como do outro, porém,
constituímos uma exceção entre os homens. A grande maioria dos
homens suporta a vida sem muito resmungar, e acredita então no
valor da existência, mas precisamente porque cada um quer e
afirma somente a si mesmo, e não sai de si mesmo como aquelas
exceções: tudo extrapessoal, para eles, ou não é perceptível ou o é,
no máximo, como uma frágil sombra. Portanto, para o homem
comum, cotidiano, o valor da vida baseia-se apenas no fato de ele
se tomar por mais importante que o mundo. A grande falta de
imaginação de que sofre faz com que não possa colocar-se na pele
de outros seres, e em virtude disso participa o menos possível de
seus destinos e dissabores. Mas quem pudesse realmente deles
participar, teria que desesperar do valor da vida; se conseguisse
apreender e sentir a consciência total da humanidade, sucumbiria,
amaldiçoando a existência, — pois no conjunto a humanidade não
tem objetivo nenhum, e por isso, considerando todo o seu
percurso, o homem não pode nela encontrar consolo e apoio, mas
sim desespero. Se ele vê, em tudo o que faz, a falta de objetivo
último dos homens, seu próprio agir assume a seus olhos caráter de
desperdício. Mas sentir-se desperdiçado enquanto humanidade (e
não apenas enquanto indivíduo), tal como vemos um broto
desperdiçado pela natureza, é um sentimento acima de todos os
sentimentos. — Mas quem é capaz dele? Claro que apenas um
poeta:25 e os poetas sempre sabem se consolar.
34. Para tranqüilizar. — Mas nossa filosofia não se torna
assim uma tragédia? A verdade não se torna hostil à vida, ao que é
melhor? Uma pergunta parece nos pesar na língua e contudo não
querer sair: é possível permanecer conscientemente na inverdade?
Ou, caso tenhamos de fazê-lo, não seria preferível a morte? Pois já
não existe "dever"; a moral, na medida em que era "dever", foi