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Humano-Demasiado-Humano

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representação (como erro) que é tão rico em significado, tão

profundo, maravilhoso, portador de felicidade e infelicidade. Essa

conclusão leva a uma filosofia da negação lógica do mundo: que,

aliás, pode se unir tão bem a uma afirmação prática do mundo

quanto a seu oposto.

30. Maus hábitos de raciocínio. — Os erros de raciocínio mais

habituais dos homens são estes: uma coisa existe, portanto é

legítima. Aí se deduz a pertinência a partir da capacidade de viver, e

a legitimidade a partir da pertinência.23 Em seguida: uma opinião faz

feliz, portanto é verdadeira; seu efeito é bom, portanto ela mesma é

boa e verdadeira. Aí se atribui ao efeito o predicado de fazer feliz,

de bom, no sentido de útil, e se dota a causa com o mesmo

predicado de bom, mas no sentido de válido logicamente. O reverso

dessas proposições diz: uma coisa não é capaz de se impor, de se

manter, portanto é injusta; uma opinião atormenta, agita, portanto é

falsa. O espírito livre, que conhece bem demais o que há de errado

nessa maneira de deduzir e que tem de sofrer suas conseqüências,

sucumbe freqüentemente à tentação de fazer as deduções opostas,

que em geral também são erradas, naturalmente: uma coisa não é

capaz de se impor, portanto é boa; uma opinião causa aflição,

inquieta, portanto é verdadeira.

31. A necessidade do ilógico. — Entre as coisas que podem

levar um pensador ao desespero está o conhecimento de que o

ilógico é necessário aos homens e que do ilógico nasce muita coisa

boa. Ele se acha tão firmemente alojado nas paixões, na linguagem,

na arte, na religião, em tudo o que empresta valor à vida, que não

podemos extraí-lo sem danificar irremediavelmente essas belas

coisas. Apenas os homens muito ingênuos podem acreditar que a

natureza humana pode ser transformada numa natureza puramente

lógica; mas, se houvesse graus de aproximação a essa meta, o que

não se haveria de perder nesse caminho! Mesmo o homem mais

racional precisa, de tempo em tempo, novamente da natureza, isto

é, de sua ilógica relação fundamental com todas as coisas.

32. Necessidade de ser injusto. — Todos os juízos sobre o

valor da vida se desenvolveram ilogicamente, e portanto são

injustos. A inexatidão do juízo está primeiramente no modo como

se apresenta o material, isto é, muito incompleto, em segundo lugar

no modo como se chega à soma a partir dele, e em terceiro lugar

no fato de que cada pedaço do material também resulta de um

conhecimento inexato, e isto com absoluta necessidade. Por

exemplo, nenhuma experiência relativa a alguém, ainda que ele

esteja muito próximo de nós, pode ser completa a ponto de termos

um direito lógico a uma avaliação total dessa pessoa; todas as

avaliações são precipitadas e têm que sê-lo. Por fim, a medida com

que medimos, nosso próprio ser, não é uma grandeza imutável,

temos disposições e oscilações, e no entanto teríamos de conhecer

a nós mesmos como uma medida fixa, a fim de avaliar com justiça

a relação de qualquer coisa conosco. A conseqüência disso tudo

seria, talvez, que de modo algum deveríamos julgar; mas se ao

menos pudéssemos viver sem avaliar, sem ter aversão e inclinação!

— pois toda aversão está ligada a uma avaliação, e igualmente toda

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