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Humano-Demasiado-Humano

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para todas as explicações metafísicas do único mundo que

conhecemos, com que olhos veríamos homens e coisas? Isso

podemos cogitar, é útil fazê-lo, ainda que se rejeite a questão de

Kant e Schopenhauer terem cientificamente provado alguma coisa

metafísica. Pois, segundo a probabilidade histórica, é bem possível

que um dia os homens se tornem geralmente céticos nesse ponto; a

questão será então: que forma terá a sociedade humana, sob a

influência de um tal modo de pensar? A prova científica de

qualquer mundo metafísico já é tão difícil, talvez, que a

humanidade não mais se livrará de alguma desconfiança em relação

a ela.18 E quando temos desconfiança em relação à metafísica, de

modo geral as conseqüências são as mesmas que resultariam se ela

fosse diretamente refutada e não mais nos fosse lícito acreditar

nela. A questão histórica relativa a um modo de pensar não

metafísico da humanidade continua a mesma em ambos os casos.

22. Descrença no "monumentum aere perennius" [monumento

mais duradouro que o bronze].19 — Uma desvantagem essencial

trazida pelo fim das convicções20 metafísicas é que o indivíduo

atenta demasiadamente para seu curto período de vida e não sente

maior estímulo para trabalhar em instituições duráveis, projetadas

para séculos; ele próprio quer colher a fruta da árvore que planta, e

portanto não gosta mais de plantar árvores que exigem um cuidado

regular durante séculos, destinadas a sombrear várias seqüências de

gerações. Pois as convicções metafísicas levam a crer que nelas se

encontra o fundamento último e definitivo sobre o qual se terá de

assentar e construir todo o futuro da humanidade; o indivíduo

promove sua salvação quando, por exemplo, funda uma igreja ou

um mosteiro, ele acha que isto lhe será creditado e recompensado

na eterna vida futura da alma, que é uma obra pela eterna salvação

da alma. — Pode a ciência despertar uma tal crença nos seus

resultados? O fato é que ela requer a dúvida e a desconfiança,

como os seus mais fiéis aliados; apesar disso, com o tempo a soma

de verdades intocáveis, isto é, sobreviventes a todas as tormentas

do ceticismo, a toda decomposição, pode se tornar tão grande (na

dietética da saúde, por exemplo), que com base nisso haja a decisão

de empreender obras "eternas". Por enquanto, o contraste entre

nossa agitada, efêmera existência e o longo sossego das eras

metafísicas ainda é muito forte, pois os dois períodos se acham

ainda muito próximos um do outro; o indivíduo mesmo atravessa

hoje demasiadas evoluções internas e externas para ousar se

estabelecer duradoura e definitivamente, ainda que seja pelo tempo

de sua vida. Um homem totalmente moderno que queira, por

exemplo, construir uma casa para si, sente como se quisesse se

emparedar vivo num mausoléu.

23. A era da comparação. — Quanto menos os homens

estiverem ligados pela tradição, tanto maior será o movimento

interior dos motivos, e tanto maior, correspondentemente, o

desassossego exterior, a interpenetração dos homens, a polifonia

dos esforços. Para quem ainda existe, atualmente, a rígida

obrigação de ligar a si e a seus descendentes a um lugar? Para

quem ainda existe algum laço rigoroso? Assim como todos os

estilos de arte são imitados um ao lado do outro, assim também

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