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Humano-Demasiado-Humano

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19. O número. — A invenção das leis dos números se deu com

base no erro, predominante já nos primórdios, segundo o qual

existem coisas iguais (mas realmente não há nada de igual), ou pelo

menos existem coisas (mas não existe nenhuma "coisa"). A

hipótese da pluralidade pressupõe sempre que existe algo que

ocorre várias vezes: mas precisamente aí já vigora o erro, aí já

simulamos seres, unidades, que não existem. — Nossas sensações

de espaço e tempo são falsas, porque, examinadas

consistentemente, levam a contradições lógicas. Em todas as

constatações científicas, calculamos inevitavelmente com algumas

grandezas falsas: mas, sendo tais grandezas no mínimo constantes,

por exemplo, nossa sensação de tempo e de espaço, os resultados

da ciência adquirem perfeito rigor e segurança nas suas relações

mútuas; podemos continuar a construir em cima deles — até o fim

derradeiro em que a hipótese fundamental errônea, os erros

constantes, entram em contradição com os resultados, por

exemplo, na teoria atômica. Então ainda nos sentimos obrigados a

supor uma "coisa" ou "substrato" material que é movido, enquanto

todo o procedimento científico perseguiu justamente a tarefa de

dissolver em movimentos tudo o que tem natureza de coisa (de

matéria): também aí nossa sensação distingue entre o que se move

e o que é movido, e não saímos deste círculo, porque a crença nas

coisas está ligada a nosso ser desde tempos imemoriais. — Quando

Kant diz que "o intelecto não cria suas leis a partir da natureza, mas

as prescreve a ela",17 isso é plenamente verdadeiro no tocante ao

conceito de natureza, que somos obrigados a associar a ela

(natureza = mundo como representação, isto é, como erro), mas

que é a soma de muitos erros da razão. — A um mundo que não

seja nossa representação, as leis dos números são inteiramente

inaplicáveis: elas valem apenas no mundo dos homens.

20. Recuando alguns degraus. — Um grau certamente elevado

de educação é atingido, quando o homem vai além de conceitos e

temores supersticiosos e religiosos, deixando de acreditar em

amáveis anjinhos e no pecado original, por exemplo, ou não mais se

referindo à salvação das almas: neste grau de libertação ele deve

ainda, com um supremo esforço de reflexão, superar a metafísica.

Então se faz necessário, porém, um movimento para trás: em tais

representações ele tem de compreender a justificação histórica e

igualmente a psicológica, tem de reconhecer como se originou

delas o maior avanço da humanidade, e como sem este movimento

para trás nos privaríamos do melhor que a humanidade produziu até

hoje. — No tocante à metafísica filosófica, vejo cada vez mais

homens que alcançaram o alvo negativo (de que toda metafísica

positiva é um erro), mas ainda poucos que se movem alguns

degraus para trás; pois devemos olhar a partir do último degrau da

escada, mas não querer ficar sobre ele. Os mais esclarecidos

chegam somente ao ponto de se libertar da metafísica e lançar-lhe

um olhar de superioridade; ao passo que aqui também, como no

hipódromo, é necessário virar no final da pista.

21. Presumível vitória do ceticismo. — Admitamos um

momento o ponto de partida cético: supondo que não existisse um

outro mundo, um mundo metafísico, e que não tivéssemos uso

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