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Humano-Demasiado-Humano

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sobretudo no âmbito da política. — Por isso cada um, atualmente,

deveria chegar a conhecer no mínimo uma ciência a fundo: então

saberia o que é método e como é necessária uma extrema

circunspecção. Sobretudo às mulheres deve-se dar esse conselho;

sendo elas hoje, irremediavelmente, vítimas de todas as hipóteses,

em especial quando estas dão a impressão de algo inteligente,

arrebatador, animador, revigorante. De fato, uma observação mais

precisa revela que a grande maioria das pessoas educadas ainda

pede ao pensador convicções e nada além disso, e que somente

uma pequena minoria quer certeza. As primeiras querem ser

fortemente arrebatadas, para desse modo alcançarem maior força

elas mesmas; as outras, poucas, têm o interesse objetivo que não

considera as vantagens pessoais, nem mesmo a referida maior

força. Em toda parte onde o pensador se comporta e se designa

como gênio, isto é, quando olha os demais como um ser superior

ao qual compete a autoridade, ele conta com aquela classe de

pessoas, de longe a predominante. Na medida em que o gênio dessa

espécie mantém o fervor das convicções e provoca desconfiança

frente ao espírito modesto e cauteloso da ciência, ele é um inimigo

da verdade, por mais que acredite ser seu enamorado pretendente.

636. É certo que há uma espécie bastante diversa de

genialidade, a da justiça; e de modo algum posso me resolver a

considerá-la inferior a uma outra genialidade, seja filosófica, política

ou artística. É de sua natureza evitar, com sentida indignação, tudo

aquilo que ofusca e confunde o julgamento acerca das coisas; ela é,

portanto, uma adversária das convicções, pois quer dar a cada

coisa, viva ou morta, real ou imaginada, o que é seu — e para isso

deve conhecê-la exatamente; por isso põe cada coisa na melhor das

luzes e anda à sua volta com olhar cuidadoso. Enfim, dá até mesmo

à sua adversária, a cega ou míope "convicção" (como é chamada

pelos homens; as mulheres a chamam de "fé"), aquilo que é da

convicção — em nome da verdade.

637. É das paixões que brotam as opiniões; a inércia do

espírito as faz enrijecerem na forma de convicções. Mas quem

sente o seu próprio espírito livre e infatigavelmente vivo pode evitar

esse enrijecimento mediante uma contínua mudança; e se no

conjunto ele for mesmo uma bola de neve pensante, não terá na

cabeça opiniões, mas apenas certezas e probabilidades medidas

com precisão. Mas nós, que somos seres mistos, ora inflamados

pelo fogo, ora resfriados pelo espírito, queremos nos ajoelhar ante a

Justiça, como a única deusa que reconhecemos acima de nós. O

fogo em nós nos faz habitualmente injustos, e também impuros no

sentido dessa deusa; nesse estado nunca nos é permitido tomar de

sua mão, e jamais pousa sobre nós o grave sorriso de sua

complacência. Nós a adoramos como a velada Ísis de nossa vida;

envergonhados lhe oferecemos nossa dor como penitência e

sacrifício, quando o fogo nos queima e nos quer consumir. O

espírito é que nos salva, de modo a não ardermos e virarmos cinzas

totalmente; de vez em quando ele nos arranca do altar sacrificial da

Justiça, ou nos envolve num tecido de amianto. Salvos do fogo,

avançamos instigados pelo espírito, de opinião em opinião, através

da mudança de partidos, como nobres traidores de todas as coisas

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