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históricas produzem ao menos no mesmo grau aquele sentimento
de irresponsabilidade, e talvez inflamem ainda mais o interesse pela
vida e seus problemas.
18. Questões fundamentais da metafísica. — Quando algum dia
se escrever a história da gênese do pensamento, nela também se
encontrará, sob uma nova luz, a seguinte frase de um lógico
eminente: "A originária lei universal do sujeito cognoscente consiste
na necessidade interior de reconhecer cada objeto em si, em sua
própria essência, como um objeto idêntico a si mesmo, portanto
existente por si mesmo e, no fundo, sempre igual e imutável, em
suma, como uma substância".14 Também essa lei, aí denominada
"originária", veio a ser — um dia será mostrado como gradualmente
surge essa tendência nos organismos inferiores: como os estúpidos
olhos de toupeira dessas organizações vêem apenas a mesma coisa
no início; como depois, ao se tornarem mais perceptíveis os
diferentes estímulos de prazer e desprazer, substâncias distintas são
gradualmente diferenciadas, mas cada uma com um atributo, isto é,
uma única relação com tal organismo. — O primeiro nível do
[pensamento] lógico é o juízo, cuja essência consiste, segundo os
melhores lógicos, na crença. Na base de toda crença está a
sensação do agradável ou do doloroso em referência ao sujeito que
sente. Uma terceira e nova sensação, resultado das duas
precedentes, é o juízo em sua forma inferior. — A nós, seres
orgânicos, nada interessa originalmente numa coisa, exceto sua
relação conosco no tocante ao prazer e à dor. Entre os momentos
em que nos tornamos conscientes dessa relação, entre os estados
do sentir, há os de repouso, os de não sentir: então o mundo e cada
coisa não têm interesse para nós, não notamos mudança neles
(como ainda hoje alguém bastante interessado em algo não nota que
um outro passa ao lado). Para uma planta, todas as coisas são
normalmente quietas, eternas, cada coisa igual a si mesma. Do
período dos organismos inferiores o homem herdou a crença de
que há coisas iguais (só a experiência cultivada pela mais alta
ciência contradiz essa tese). A crença primeira de todo ser
orgânico, desde o princípio, é talvez a de que todo o mundo
restante é uno e imóvel. — Nesse primeiro nível do lógico, o
pensamento da causalidade se acha bem distante: ainda hoje
acreditamos, no fundo, que todas as sensações e ações sejam atos
de livre-arbítrio; quando observa a si mesmo, o indivíduo que sente
considera cada sensação, cada mudança, algo isolado, isto é,
incondicionado, desconexo, que emerge de nós sem ligação com o
que é anterior ou posterior. Temos fome, mas primariamente não
pensamos que o organismo queira ser conservado; esta sensação15
parece se impor sem razão e finalidade, ela se isola e se considera
arbitrária. Portanto: a crença na liberdade da vontade é erro original
de todo ser orgânico, de existência tão antiga quanto as agitações
iniciais da lógica;16 a crença em substâncias incondicionadas e
coisas semelhantes é também um erro original e igualmente antigo
de tudo o que é orgânico. Porém, na medida em que toda a
metafísica se ocupou principalmente da substância e da liberdade
do querer, podemos designá-la como a ciência que trata dos erros
fundamentais do homem, mas como se fossem verdades
fundamentais.