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617. Semear e colher nas deficiências pessoais. — Homens
como Rousseau sabem utilizar suas fraquezas, lacunas e vícios
como adubo para seu talento, por assim dizer. Quando ele lamenta
a corrupção e degeneração da sociedade como triste conseqüência
da cultura, isso tem por base a experiência pessoal; a amargura
desta proporciona agudeza à sua condenação geral e envenena as
flechas que ele dispara; ele se desoprime inicialmente como
indivíduo, e pensa em buscar um remédio que seja útil diretamente
à sociedade, mas também indiretamente, por meio dela, a ele
próprio.
618. Ter espírito filosófico. — Habitualmente nos empenhamos
em alcançar, ante todas as situações e acontecimentos da vida, uma
atitude mental, uma maneira de ver as coisas — sobretudo a isto se
chama ter espírito filosófico. Para enriquecer o conhecimento, no
entanto, pode ser de mais valor não se uniformizar desse modo,
mas escutar a voz suave das diferentes situações da vida; elas
trazem consigo suas próprias maneiras de ver. Assim participamos
atentamente162 da vida e da natureza de muitos, não tratando a nós
mesmos como um indivíduo fixo, constante, único.
619. No fogo do desprezo. — É um novo passo rumo à
independência, ousar expressar opiniões que são tidas como
vergonhosas para quem as possui; também os amigos e conhecidos
costumam então ficar receosos. A pessoa dotada deve passar
também através desse fogo; depois disso pertencerá muito mais a si
mesma.
620. Sacrifício. — Havendo a escolha, deve-se preferir um
grande sacrifício a um pequeno: pois compensamos o grande
sacrifício com a auto-admiração, o que não é possível no caso do
pequeno.
621. O amor como artifício. — Quem realmente quiser
conhecer algo novo (seja uma pessoa, um evento ou um livro), fará
bem em receber esta novidade com todo o amor possível, e
rapidamente desviar os olhos e mesmo esquecer tudo o que nela
pareça hostil, desagradável, falso: de modo a dar ao autor de um
livro, por exemplo, uma boa vantagem inicial, e, como se estivesse
numa corrida, desejar ardentemente que ele atinja sua meta. Pois
assim penetramos até o coração, até o centro motor da coisa nova:
o que significa justamente conhecê-la. Se alcançamos este ponto, a
razão pode fazer suas restrições; a superestimação, a desativação
temporária do pêndulo crítico, foi somente um artifício para fazer
aparecer a alma de uma coisa.
622. Pensando bem demais e mal demais do mundo. — Se
pensamos bem demais ou mal demais das coisas, sempre temos a
vantagem de colher uma satisfação superior: com uma opinião
preconcebida que é boa demais, geralmente introduzimos nas
coisas (nas vivências) mais doçura do que elas realmente contêm.
Uma opinião preconcebida que é ruim demais produz uma decepção
agradável: o que havia de agradável nas coisas é aumentado pelo