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613. Tom de voz das idades. — O tom no qual os jovens falam,
elogiam, censuram, escrevem, desagrada aos mais velhos por ser
alto demais, e ao mesmo tempo surdo e indistinto como o som
dentro de uma abóbada, que adquire ressonância por causa do
vazio; pois a maior parte do que os jovens pensam não brota da
plenitude de sua natureza, mas ressoa e ecoa o que foi pensado,
falado, elogiado e censurado ao seu redor. Mas como os
sentimentos (de atração e de aversão) ecoam nos jovens muito mais
fortemente do que os motivos por trás deles, forma-se, quando
mais uma vez dão voz ao sentimento, aquele tom surdo e
retumbante que caracteriza a ausência ou escassez de motivos. O
tom da idade madura é rigoroso, abrupto, moderadamente elevado,
mas, como tudo o que é claramente articulado, de alcance vasto.
Por fim, a idade freqüentemente confere à voz uma certa brandura
e indulgência, e como que a edulcora: em alguns casos também a
azeda, sem dúvida.
614. Homens atrasados e homens antecipadores. — O caráter
desagradável, que é pleno de desconfiança, que recebe com inveja
todos os êxitos de competidores e vizinhos, que é violento e raivoso
com opiniões divergentes, mostra que pertence a um estágio
anterior da cultura, que é então um resíduo: pois o seu modo de
lidar com as pessoas era certo e apropriado para as condições de
uma época em que vigorava o "direito dos punhos"; ele é um
homem atrasado. Um outro caráter, que prontamente partilha da
alegria alheia, que conquista amizades em toda parte, que tem
afeição pelo que cresce e vem a ser, que tem prazer com as honras
e sucessos de outros e não reivindica o privilégio de sozinho
conhecer a verdade, mas é pleno de uma modesta desconfiança —
este é um homem antecipador, que se move rumo a uma superior
cultura humana. O caráter desagradável procede de um tempo em
que os toscos fundamentos das relações humanas estavam por ser
construídos; o outro vive nos andares superiores destas relações, o
mais afastado possível do animal selvagem que encerrado nos
porões, sob os fundamentos da cultura, uiva e esbraveja.
615. Consolo para hipocondríacos. — Quando um grande
pensador se acha momentaneamente sujeito à tortura da
hipocondria, pode consolar a si mesmo com estas palavras: "É de
sua grande força que este parasita se alimenta e cresce; se ela fosse
menor, você teria menos com que sofrer". Assim também pode o
estadista falar, quando os ciúmes e o sentimento de vingança, em
suma, o ânimo do bellum omnum contra omnes [guerra de todos
contra todos], do qual ele, como representante de uma nação, deve
necessariamente ser bastante capaz, ocasionalmente se introduz
também nas relações pessoais e lhe torna a vida difícil.
616. Alienado do presente. — Há grandes vantagens em
alguma vez alienar-se muito de seu tempo e ser como que arrastado
de suas margens, de volta para o oceano das antigas concepções do
mundo. Olhando para a costa a partir de lá, abarcamos pela
primeira vez sua configuração total, e ao nos reaproximarmos dela
teremos a vantagem de, no seu conjunto, entendê-la melhor do que
aqueles que nunca a deixaram.