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Humano-Demasiado-Humano

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medo-respeito.161 Mas o amor não reconhece nenhum poder, nada

que separe, distinga, sobreponha ou submeta. E, como ele não

reverencia, pessoas ávidas de reverência resistem aberta ou

secretamente a serem amadas.

604. Preconceito a favor das pessoas frias. — Pessoas que

rapidamente pegam fogo se esfriam depressa, sendo então de

pouca confiança. Por isso as que são sempre frias, ou assim se

comportam, têm a seu favor o preconceito de que são

particularmente seguras e dignas de confiança: são confundidas

com aquelas que pegam fogo lentamente e o conservam por muito

tempo.

605. O que há de perigoso nas opiniões livres. — O contato

ligeiro com opiniões livres é algo que estimula, uma espécie de

comichão; cedendo a ela, começamos a coçar o ponto; até que

enfim aparece uma dolorosa ferida aberta, ou seja: até que a opinião

livre começa a nos perturbar, a nos atormentar na posição que

temos na vida, em nossas relações humanas.

606. O desejo de uma dor profunda. — A paixão deixa, ao

passar, um obscuro anseio por ela, e ao desaparecer ainda lança um

olhar sedutor. Deve ter havido uma espécie de prazer em ser

golpeado por seu açoite. Os sentimentos mais moderados parecem

insípidos, em comparação; ao que parece, preferimos ainda um

mais intenso desprazer a um prazer mortiço.

607. Mau humor com os outros e com o mundo. — Quando,

como é tão freqüente, desafogamos nosso mau humor nos outros,

e na realidade o sentimos em relação a nós mesmos, o que no

fundo procuramos é anuviar e enganar o nosso julgamento:

queremos motivar esse mau humor a posteriori, mediante os erros,

as deficiências dos outros, e assim não ter olhos para nós mesmos.

— Os homens religiosamente severos, juízes implacáveis consigo

mesmos, foram também os que mais denegriram a humanidade:

nunca houve um santo que reservasse para si os pecados e para os

outros as virtudes; e tampouco alguém que, conforme o preceito

do Buda, ocultasse às pessoas o que tem de bom e lhes deixasse

ver apenas o que tem de mau.

608. Confusão entre causa e efeito. — Inconscientemente

buscamos os princípios e as teorias adequados ao nosso

temperamento, de modo que afinal parece que esses princípios e

teorias criaram o nosso caráter, deram-lhe firmeza e segurança:

quando aconteceu justamente o contrário. O nosso pensamento e

julgamento, assim parece, é transformado posteriormente em causa

de nosso ser: mas na realidade é nosso ser a causa de pensarmos e

julgarmos desse ou daquele modo. — E o que nos induz a essa

comédia quase inconsciente? A indolência e a comodidade, e

também o desejo vaidoso de ser considerado inteiramente

consistente, uniforme no ser e no pensar: pois isso conquista

respeito, empresta confiança e poder.

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