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Humano-Demasiado-Humano

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a privação e a luta contra ela. Além disso, aquele que em geral

renuncia a muita coisa será mais indulgente consigo em coisas

menores. É possível que aquele que se eleva acima do aplauso dos

contemporâneos não queira renunciar à satisfação de pequenas

vaidades.

599. Idade da presunção. — O autêntico período de presunção,

nos homens de talento, está entre os vinte e seis e os trinta anos de

idade; é o tempo da primeira maturação, com um forte resto de

acidez. Com base no que sentem dentro de si, exigem respeito e

humildade de pessoas que pouco ou nada percebem deles, e,

faltando isso num primeiro momento, vingam-se com aquele olhar,

aquele gesto presunçoso, aquele tom de voz que um ouvido e um

olho sutis reconhecem em todas as produções dessa idade, sejam

poemas ou filosofias, pinturas ou composições. Homens mais

velhos e mais experientes sorriem diante disso, e comovidos se

recordam dessa bela idade da vida, na qual nos irritamos com a

vicissitude de ser tanto e parecer tão pouco. Depois parecemos

mais, é verdade — mas perdemos a boa crença de sermos muita

coisa: que continuemos então a ser, por toda a vida, incorrigíveis

tolos vaidosos.

600. Ilusório, porém firme. — Assim como, para passar junto

a um precipício ou cruzar uma frágil ponte sobre um rio profundo,

necessitamos de um corrimão, não para nos agarrar a ele — pois

logo se romperia conosco —, mas para despertar na visão a idéia

da segurança, assim também precisamos, quando jovens, de

pessoas que inconscientemente nos prestem o serviço daquele

corrimão. É verdade que elas não nos ajudariam, se realmente nos

apoiássemos nelas em caso de perigo, mas dão a impressão

tranqüilizadora de que há uma proteção ao lado (os pais,

professores e amigos, por exemplo, tais como são normalmente os

três).

601. Aprender a amar. — É preciso aprender a amar, aprender

a ser bom, e isso desde a juventude; se a educação e o acaso não

nos derem oportunidade para a prática desses sentimentos, nossa

alma se tornará seca e até mesmo inapta para um entendimento das

delicadas invenções dos seres amorosos. Da mesma maneira deve o

ódio ser aprendido e alimentado, caso se queira odiar

adequadamente: do contrário, também o seu germe se extinguirá

pouco a pouco.

602. As ruínas como adorno. — Aqueles que passam por

freqüentes mudanças espirituais conservam algumas idéias e

hábitos dos estados anteriores, que então, como fragmentos de

inexplicável antigüidade, como cinzentas muralhas, afloram em seu

novo modo de pensar e agir: muitas vezes adornando toda a região.

603. Amor e reverência. — O amor deseja, o medo evita. Por

causa disso não podemos ser amados e reverenciados pela mesma

pessoa, não no mesmo período de tempo, pelo menos. Pois quem

reverencia reconhece o poder, isto é, o teme: seu estado é de

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