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essa pintura — aquilo que para nós, homens, se chama vida e
experiência — gradualmente veio a ser, está em pleno vir a ser, e
por isso não deve ser considerada uma grandeza fixa, da qual se
pudesse tirar ou rejeitar uma conclusão acerca do criador (a razão
suficiente). Foi pelo fato de termos, durante milhares de anos,
olhado o mundo com exigências morais, estéticas, religiosas, com
cega inclinação, paixão ou medo, e termos nos regalado nos maus
hábitos do pensamento ilógico, que este mundo gradualmente se
tornou assim estranhamente variegado, terrível, profundo de
significado, cheio de alma, adquirindo cores — mas nós fomos os
coloristas: o intelecto humano fez aparecer o fenômeno13 e
introduziu nas coisas as suas errôneas concepções fundamentais.
Tarde, bem tarde — ele cai em si: agora o mundo da experiência e
a coisa em si lhe parecem tão extraordinariamente distintos e
separados, que ele rejeita a conclusão sobre esta a partir daquele —
ou, de maneira terrivelmente misteriosa, exorta à renúncia de nosso
intelecto, de nossa vontade pessoal: de modo a alcançar o essencial
tornando-se essencial. Outros, ainda, recolheram todos os traços
característicos de nosso mundo do fenômeno — isto é, da
representação do mundo tecida com erros intelectuais e por nós
herdada — e, em vez de apontar o intelecto como culpado,
responsabilizaram a essência das coisas como causa desse
inquietante caráter efetivo do mundo, e pregaram a libertação do
ser. — Todas essas concepções serão decisivamente afastadas pelo
constante e laborioso processo da ciência, que enfim celebrará seu
maior triunfo numa história da gênese do pensamento, que poderia
talvez resultar na seguinte afirmação: o que agora chamamos de
mundo é o resultado de muitos erros e fantasias que surgiram
gradualmente na evolução total dos seres orgânicos e cresceram
entremeados, e que agora herdamos como o tesouro acumulado do
passado — como tesouro: pois o valor de nossa humanidade nele
reside. Desse mundo da representação, somente em pequena
medida a ciência rigorosa pode nos libertar — algo que também não
seria desejável —, desde que é incapaz de romper de modo
essencial o domínio de hábitos ancestrais de sentimento; mas pode,
de maneira bastante lenta e gradual, iluminar a história da gênese
desse mundo como representação — e, ao menos por instantes,
nos elevar acima de todo o evento. Talvez reconheçamos então que
a coisa em si é digna de uma gargalhada homérica: que ela parecia
ser tanto, até mesmo tudo, e na realidade está vazia, vazia de
significado.
17. Explicações metafísicas. — O homem jovem aprecia
explicações metafísicas, porque elas lhe revelam, em coisas que ele
achava desagradáveis ou desprezíveis, algo bastante significativo; e,
se estiver descontente consigo mesmo, este sentimento se aliviará
quando ele reconhecer o mais entranhado enigma ou miséria do
mundo naquilo que tanto reprova em si. Sentir-se mais
irresponsável e ao mesmo tempo achar as coisas mais interessantes
— isso constitui, para ele, o duplo benefício que deve à metafísica.
É certo que depois se torna desconfiado em relação a toda espécie
de explicação metafísica; então compreende, talvez, que os
mesmos efeitos podem ser obtidos por outro caminho, igualmente
bem e de modo mais científico: que as explicações físicas e