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Humano-Demasiado-Humano

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587. Atacar ou intervir. — Não é raro cometermos o erro de

vivamente hostilizar uma tendência, um partido ou um período,

porque nos aconteceu enxergar apenas seu lado exteriorizado, seu

estiolamento ou "os defeitos de suas virtudes",160 que lhe são

inescapáveis — talvez porque nós mesmos tivemos notável

participação neles. Então lhes viramos as costas e buscamos uma

direção contrária; mas o melhor seria procurar os aspectos bons e

fortes, ou desenvolvê-los em nós mesmos. Isto requer, sem

dúvida, um olhar mais vigoroso e uma vontade maior de promover

o que é imperfeito e está em evolução, em vez de perscrutá-lo e

negá-lo na sua imperfeição.

588. Modéstia. — Existe modéstia verdadeira (isto é, o

reconhecimento de que não somos nossas obras); e ela convém aos

grandes espíritos, porque justamente eles são capazes de apreender

a idéia da completa irresponsabilidade (também para com aquilo que

criam de bom). As pessoas não odeiam a imodéstia dos grandes

enquanto eles sentem a própria força, mas quando querem

experimentá-la ferindo os demais, tratando-os imperiosamente e

vendo até onde suportam. Isso habitualmente demonstra a falta de

um seguro sentimento da força, e faz com que se ponha em dúvida

a sua grandeza. Nesse sentido a imodéstia, do ponto de vista da

prudência, é bastante desaconselhável.

589. O primeiro pensamento do dia. — A melhor maneira de

começar o dia é, ao acordar, imaginar se nesse dia não podemos

dar alegria a pelo menos uma pessoa. Se isso pudesse valer como

substituto do hábito religioso da oração, nossos semelhantes

lucrariam com tal mudança.

590. A presunção como o último meio de consolo. — Quando

alguém interpreta um infortúnio, sua carência intelectual, sua

doença, de modo a ver nele um destino predeterminado, uma

provação ou a misteriosa punição por algo cometido no passado,

torna o próprio ser interessante para si mesmo e se eleva, na

imaginação, acima dos semelhantes. O pecador orgulhoso é uma

figura conhecida em todas as seitas das igrejas.

591. Vegetação da felicidade. — Bem junto à dor do mundo, e

com freqüência no solo vulcânico dela, o ser humano fez seu

pequeno jardim de felicidade; se consideramos a vida com o olhar

daquele que da existência deseja tão-só conhecimento, ou daquele

que se abandona e se resigna, ou daquele que se alegra pela

dificuldade vencida, — em toda parte encontramos alguma

felicidade que brota ao lado da desgraça — e tanto mais felicidade

quanto mais vulcânico é o solo; apenas seria ridículo dizer que com

essa felicidade o próprio sofrimento estaria justificado.

592. O caminho dos antepassados. — É razoável que alguém

continue a desenvolver o talento a serviço do qual seu pai ou seu

avô despendeu esforços, e não se volte para algo totalmente novo;

de outro modo, afasta a possibilidade de atingir a perfeição em

qualquer ofício. É por isso que o provérbio diz: "Que caminho

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