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578. O meio-saber. — O meio-saber é mais vitorioso que o
saber inteiro: ele conhece as coisas de modo mais simples do que
são, o que torna sua opinião mais compreensível e mais
convincente.
579. Inaptidão para o partido. — Quem pensa muito não é
apto para ser homem de partido: seu pensamento atravessa e
ultrapassa o partido rapidamente.
580. Memória ruim. — A vantagem de uma memória ruim é
poder fruir as mesmas coisas boas várias vezes pela primeira vez.
581. Causando dor a si mesmo. — A intransigência no pensar é
freqüentemente sinal de uma disposição interior inquieta, que anseia
pelo embotamento.
582. Mártires. — O discípulo de um mártir sofre mais do que
o mártir.
583. Vaidade residual . — A vaidade de algumas pessoas que
não necessitariam ser vaidosas é o hábito, conservado e
desenvolvido, de um tempo em que elas não tinham o direito de
acreditar em si, e mendigavam dos outros a pequena moeda dessa
crença.
584. Punctum saliens [ponto saliente] da paixão. — Quem está
na iminência de sucumbir à raiva ou a um violento amor atinge um
ponto em que a alma está cheia como um vaso: mas é preciso ainda
que se lhe acrescente uma gota d'água, a boa vontade para a paixão
(que geralmente chamamos de má). Basta apenas esse pequenino
ponto, e o vaso transborda.
585. Pensamento mal-humorado. — Aos homens sucede o
mesmo que aos montes de carvão na floresta. Apenas depois de
terem queimado e se carbonizado, como estes, os homens jovens
se tornam úteis. Enquanto ardem e fumegam, são talvez mais
interessantes, mas inúteis e freqüentemente incômodos. — De
modo implacável, a humanidade emprega todo indivíduo como
material para aquecer suas grandes máquinas: mas para que então
as máquinas, se todos os indivíduos (ou seja, a humanidade)
servem apenas para mantê-las? Máquinas que são um fim em si
mesmas — será esta a umana commedia [comédia humana]?
586. O ponteiro de horas da vida. — A vida consiste em raros
momentos da mais alta significação e de incontáveis intervalos, em
que, quando muito, as sombras de tais momentos nos rondam. O
amor, a primavera, toda bela melodia, a Lua, as montanhas, o mar
— apenas uma vez tudo fala plenamente ao coração: se é que atinge
a plena expressão. Pois muitos homens não têm de modo algum
esses momentos, e são eles próprios intervalos e pausas na sinfonia
da vida real.