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Humano-Demasiado-Humano

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tardiamente o pensamento lógico um tanto mais agudo, a rigorosa

investigação de causa e efeito, quando as nossas funções de razão e

inteligência ainda hoje retornam involuntariamente àquelas formas

primitivas de inferência, e vivemos talvez metade de nossa vida

nesse estado. — Também o poeta, o artista, atribui a seus estados

e disposições causas que não são absolutamente as verdadeiras;

nisso ele nos recorda uma humanidade antiga e pode nos ajudar a

compreendê-la.

14. Ressonância simpática. — Todos os estados de espírito

mais fortes trazem consigo uma ressonância de sensações e estados

de espírito afins: eles revolvem a memória, por assim dizer. Algo

em nós se recorda e torna-se consciente de estados semelhantes e

da sua origem. Assim se formam rápidas conexões familiares de

sentimentos e pensamentos, que afinal, seguindo-se velozmente, já

não são percebidas como complexos, mas como unidades. Neste

sentido fala-se do sentimento moral, do sentimento religioso, como

se fossem simples unidades: na verdade, são correntes com muitas

fontes e afluentes. Também aí, como sucede freqüentemente, a

unidade da palavra não garante a unidade da coisa.

15. Não há interior e exterior no mundo. — Assim como

Demócrito transferiu os conceitos de "em cima" e "embaixo" para o

espaço infinito, onde não têm sentido algum, os filósofos

transportam o conceito de "interior e exterior" para a essência e a

aparência do mundo; acham que com sentimentos profundos

chegamos ao profundo interior, aproximamo-nos do coração da

natureza. Mas esses sentimentos são profundos apenas na medida

em que com eles, de modo quase imperceptível, se excitam

regularmente determinados grupos complexos de pensamentos, que

chamamos de profundos; um sentimento é profundo porque

consideramos profundo o pensamento que o acompanha. Mas o

pensamento profundo pode estar muito longe da verdade, como,

por exemplo, todo pensamento metafísico; se retiramos do

sentimento profundo os elementos intelectuais a ele misturados,

resta o sentimento forte, e este não é capaz de garantir, para o

conhecimento, nada além de si mesmo, tal como a crença forte

prova apenas a sua força, não a verdade daquilo em que se crê.

16. Fenômeno e coisa em si. — Os filósofos costumam se

colocar diante da vida e da experiência — daquilo que chamam de

mundo do fenômeno — como diante de uma pintura que foi

desenrolada de uma vez por todas, e que mostra invariavelmente o

mesmo evento: esse evento,12 acreditam eles, deve ser interpretado

de modo correto, para que se tire uma conclusão sobre o ser que

produziu a pintura: isto é, sobre a coisa em si, que sempre costuma

ser vista como a razão suficiente do mundo do fenômeno. Por

outro lado, lógicos mais rigorosos, após terem claramente

estabelecido o conceito do metafísico como o do incondicionado, e

portanto também incondicionante, contestaram qualquer relação

entre o incondicionado (o mundo metafísico) e o mundo por nós

conhecido: de modo que no fenômeno precisamente a coisa em si

não aparece, e toda conclusão sobre esta a partir daquele deve ser

rejeitada. Mas de ambos os lados se omite a possibilidade de que

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