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Por enquanto não conhecemos outro meio que pudesse transmitir a
povos extenuados a rude energia do acampamento militar, o ódio
profundo e impessoal, o sangue-frio de quem mata com boa
consciência, o ardor comum em organizar a destruição do inimigo,
a orgulhosa indiferença ante as grandes perdas, ante a própria
existência e a dos amigos, o surdo abalo sísmico das almas, de
maneira tão forte e segura como faz toda grande guerra: os regatos
e torrentes que nela irrompem, embora arrastem pedras e
imundícies de toda espécie e arrasem campos de tenras culturas,
em circunstâncias favoráveis farão depois girar, com nova energia,
as engrenagens das oficinas do espírito. A cultura não pode
absolutamente dispensar as paixões, os vícios e as maldades. —
Quando os romanos imperiais se cansaram um tanto da guerra,
procuraram obter nova energia da caça aos animais, dos combates
de gladiadores e da perseguição aos cristãos. Os ingleses de hoje,
que no conjunto também parecem ter renunciado à guerra, adotam
um outro meio para regenerar essas forças que desaparecem: as
perigosas viagens de descobrimentos, circunavegações e escaladas
de montanhas, realizadas com objetivos científicos, segundo dizem,
mas na verdade a fim de levar para casa energias extras, oriundas
de perigos e aventuras de toda espécie. Ainda se descobrirão
muitos desses substitutos da guerra, mas talvez se compreenda
cada vez mais, graças a eles, que uma humanidade altamente
cultivada e por isso necessariamente exausta, como a dos europeus
atuais, não apenas precisa de guerras, mas das maiores e mais
terríveis guerras — ou seja, de temporárias recaídas na barbárie —,
para não perder, devido aos meios da cultura, sua própria cultura e
existência.
478. A laboriosidade no Sul e no Norte. — A laboriosidade
nasce de dois modos bem distintos. Os trabalhadores do Sul se
tornam laboriosos não pelo impulso de ganhar, mas pela constante
necessidade alheia. Porque sempre há alguém a desejar que lhe
ferrem o cavalo, que lhe reparem a carroça, o ferreiro está sempre
em atividade. Se ninguém aparecesse, ele iria vadiar na praça do
mercado. Não é preciso muito para se alimentar num país fértil, ele
não necessitaria mais que uma pequena quantidade de trabalho, e
nenhuma laboriosidade, certamente; em último caso ele mendigaria
e ficaria satisfeito. — Mas a laboriosidade dos trabalhadores
ingleses tem por trás de si o sentido do ganho: ele é cônscio de si
mesmo e de suas metas e com a posse quer o poder, e com o
poder o máximo de liberdade e nobreza individual possível.
479. A riqueza como origem de uma nobreza de sangue. — A
riqueza produz necessariamente uma aristocracia da raça, pois
permite escolher as mulheres mais belas, pagar os melhores
professores, confere ao homem asseio, tempo para exercícios
físicos e, acima de tudo, afastamento do trabalho físico
embrutecedor. Assim ela cria todas as condições para, no período
de algumas gerações, fazer as pessoas andarem e até mesmo
agirem de maneira nobre e bonita: a maior liberdade de sentimento,
a ausência do que é mísero e mesquinho, da humilhação ante os
empregadores, da economia de centavos. — Precisamente essas
qualidades negativas são o mais rico dom da felicidade para um