You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
ficam à espreita das medidas do governo, procuram obstruir,
atravessar, inquietar o máximo que puderem, e com o ardor de sua
oposição impelem o partido contrário, o anti-religioso, a um
entusiasmo quase fanático pelo Estado; no que ainda concorre
secretamente o fato de nesses círculos os ânimos, desde a
separação da religião, sentirem um vazio e buscarem
provisoriamente criar, com a dedicação ao Estado, um substituto,
uma espécie de preenchimento. Após essas lutas de transição, que
talvez durem bastante, finalmente se decidirá se os partidos
religiosos ainda são fortes o bastante para restabelecer o antigo
estado de coisas e fazer girar a roda para trás: caso em que o
despotismo esclarecido (talvez menos esclarecido e mais temeroso
do que antes) inevitavelmente receberá nas mãos o Estado, — ou
se os partidos não religiosos predominam, e por algumas gerações
dificultam e afinal tornam impossível a multiplicação dos
adversários, talvez mediante a educação e o sistema escolar. Mas
então diminui também neles o entusiasmo pelo Estado; torna-se
cada vez mais evidente que com a adoração religiosa, para a qual o
Estado é um mistério, uma instituição acima do mundo, também foi
abalada a relação piedosa e reverente para com ele. Daí em diante
os indivíduos só vêem nele o aspecto em que lhes pode ser útil ou
prejudicial, e disputam entre si, usando de todos os meios para
obter influência sobre ele. Mas essa concorrência logo se torna
grande demais, os homens e os partidos mudam rápido demais,
derrubam uns aos outros montanha abaixo, de maneira selvagem
demais, quando mal alcançaram o topo. A todas as medidas
executadas por um governo falta a garantia da duração; as pessoas
recuam ante empreendimentos que necessitariam décadas, séculos
de crescimento tranqüilo, para produzir frutos maduros. Ninguém
sente mais obrigação ante uma lei, senão curvar-se
momentaneamente ao poder que introduziu a lei: mas logo
começam a miná-la com um novo poder, uma nova maioria a ser
formada. Enfim — pode-se dizer com segurança — a suspeita em
relação a todos os que governam, a percepção do que há de inútil e
desgastante nessas lutas de pouco fôlego tem de levar os homens a
uma decisão totalmente nova: a abolição do conceito de Estado, a
supressão da oposição "privado e público". As sociedades privadas
incorporam passo a passo os negócios do Estado: mesmo o resíduo
mais tenaz do velho trabalho de governar (por exemplo, as
atividades que se destinam a proteger as pessoas privadas umas das
outras) termina a cargo de empreendedores privados. O desprezo,
o declínio e a morte do Estado, a liberação da pessoa privada
(guardo-me de dizer: do indivíduo), são conseqüência da noção
democrática de Estado; nisso está sua missão. Se ele cumpriu a sua
tarefa — que, como tudo humano, traz em si muita razão e muita
desrazão —, se todas as recaídas da velha doença foram superadas,
então se abrirá uma nova página no livro de fábulas da humanidade,
em que serão lidas todas as espécies de histórias estranhas e talvez
alguma coisa boa. — Repetindo brevemente o que foi dito: os
interesses do governo tutelar e os interesses da religião caminham
de mãos dadas, de modo que, quando esta última começa a
definhar, também o fundamento do Estado é abalado. A crença
numa ordenação divina das coisas políticas, no mistério que seria a
existência do Estado, é de procedência religiosa: se desaparecer a