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Humano-Demasiado-Humano

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primeiramente isso é uma hipótese, depois uma crença

acompanhada de representação e invenção visual: "essas serpentes

devem ser a causa desta sensação que tenho eu, que estou

dormindo" — assim julga o espírito de quem dorme. O passado

recente, desse modo inferido, é para ele tornado presente mediante

a imaginação excitada. Todos sabem, por experiência, como o

indivíduo que sonha entremeia rapidamente no sonho um ruído

forte que lhe chega, como o repicar de sinos ou tiros de canhão,

isto é, explica-o depois a partir do sonho, de forma que pensa

experimentar primeiro as circunstâncias ocasionadoras e depois o

ruído. — Mas como sucede que o espírito do sonhador se

equivoque assim, quando esse mesmo espírito costuma ser tão

sóbrio na vigília, tão cauteloso e cético em relação a hipóteses? de

modo que a primeira hipótese para explicar uma sensação é

imediatamente aceita como correta? (pois durante o sonho

acreditamos nele como se fosse realidade, isto é, consideramos a

nossa hipótese totalmente demonstrada). — O que quero dizer é: tal

como o homem ainda hoje tira conclusões no sonho, assim também

fez a humanidade no estado da vigília, durante milênios: a primeira

causa que ocorresse ao espírito, para explicar qualquer coisa que

exigisse explicação, bastava para ele e era tida como verdadeira.

(Segundo relatos de viajantes, os selvagens procedem assim ainda

hoje.) No sonho continua a agir em nós esse antiqüíssimo quê de

humanidade,11 pois ele é o fundamento sobre o qual evoluiu a razão

superior, e ainda evolui em cada homem: o sonho nos reconduz a

estados longínquos da cultura humana e fornece um meio de

compreendê-los melhor. Se o pensamento onírico torna-se agora

fácil para nós, é porque durante imensos períodos da evolução

humana fomos treinados exatamente nessa forma de explicação

fantástica e barata a partir da primeira idéia que nos ocorre. Nisto o

sonho é um repouso para o cérebro, que durante o dia tem de

satisfazer as severas exigências impostas ao pensamento pela

cultura superior. — Um processo semelhante, verdadeira porta e

vestíbulo do sonho, podemos observar na inteligência desperta. Se

fechamos os olhos, o cérebro produz uma quantidade de

impressões luminosas e de cores, provavelmente como uma

espécie de poslúdio e eco de todos os efeitos luminosos que o

penetram durante o dia. Mas a razão (juntamente com a

imaginação) transforma de imediato esses jogos de cores, em si

amorfos, em determinadas figuras, formas, paisagens, grupos

animados. Aqui o processo efetivo é novamente uma espécie de

dedução da causa a partir do efeito; ao perguntar de onde vêm

essas cores e impressões luminosas, o espírito supõe como causa

essas figuras e formas: ele as vê como determinando essas cores e

luzes, porque de dia, com olhos abertos, está habituado a achar

uma causa determinante para cada cor e cada impressão luminosa.

A imaginação continuamente lhe oferece imagens, recorrendo às

impressões visuais do dia para produzi-las, e exatamente assim faz

a imaginação do sonho: — isto é, a suposta causa é inferida do

efeito e representada após o efeito: tudo isso com extraordinária

rapidez, de modo que, como diante de um prestidigitador, pode

haver uma confusão do julgamento e uma sucessão se apresentar

como algo simultâneo, ou mesmo como uma sucessão invertida. —

Desses processos podemos concluir como se desenvolveu

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