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Humano-Demasiado-Humano

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461. Príncipe e deus. — Freqüentemente os homens se

relacionam com seus príncipes como fazem com seu deus, o

príncipe tendo sido muitas vezes o representante do deus, seu

sumo sacerdote, pelo menos. Tal sentimento, quase inquietante, de

reverência, medo e vergonha, já se tornou e continua se tornando

mais fraco, mas ocasionalmente se inflama e se liga a pessoas

poderosas. O culto ao gênio é um eco dessa veneração a príncipes

e deuses. Em todo lugar onde se busca elevar indivíduos a um

plano sobre-humano, surge também a tendência a imaginar

camadas inteiras do povo como sendo mais baixas e grosseiras do

que são na realidade.

462. Minha utopia. — Numa ordenação melhor da sociedade,

as fainas e penas da vida serão destinadas àquele que menos sofre

com elas, ou seja, ao mais embotado, e assim gradualmente até

aquele que é mais sensível às espécies mais elevadas e sublimadas

do sofrimento, e que portanto sofre mesmo quando a vida é aliviada

ao extremo.

463. Uma ilusão na doutrina da subversão. — Há visionários

políticos e sociais que com eloqüência e fogosidade pedem a

subversão de toda ordem, na crença de que logo em seguida o mais

altivo templo da bela humanidade se erguerá por si só. Nestes

sonhos perigosos ainda ecoa a superstição de Rousseau, que

acredita numa miraculosa, primordial, mas, digamos, soterrada

bondade da natureza humana, e que culpa por esse soterramento as

instituições da cultura, na forma de sociedade, Estado, educação.

Infelizmente aprendemos, com a história, que toda subversão desse

tipo traz a ressurreição das mais selvagens energias, dos terrores e

excessos das mais remotas épocas, há muito tempo sepultados: e

que, portanto, uma subversão pode ser fonte de energia numa

humanidade cansada, mas nunca é organizadora, arquiteta, artista,

aperfeiçoadora da natureza humana. — Não foi a natureza

moderada de Voltaire, com seu pendor a ordenar, purificar e

modificar, mas sim as apaixonadas tolices e meias verdades de

Rousseau que despertaram o espírito otimista da Revolução, contra

o qual eu grito: "Ecrasez l'infâme [Esmaguem o infame]!".149

Graças a ele o espírito do Iluminismo e da progressiva evolução foi

por muito tempo afugentado: vejamos — cada qual dentro de si —

se é possível chamá-lo de volta!

464. Comedimento. — A completa firmeza de pensamento e

investigação, ou seja, a liberdade de espírito, quando se tornou

qualidade do caráter, traz comedimento na ação: pois enfraquece a

avidez, atrai muito da energia existente, para promover objetivos

espirituais, e mostra a utilidade parcial ou a inutilidade e o perigo de

todas as mudanças repentinas.

465. Ressurreição do espírito. — No leito de enfermo da

política, geralmente um povo rejuvenesce e redescobre seu espírito,

que ele havia gradualmente perdido ao buscar e assegurar o poder.

A cultura deve suas mais altas conquistas aos tempos politicamente

debilitados.

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