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Humano-Demasiado-Humano

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Capítulo oitavo

UM OLHAR SOBRE O ESTADO

438. Pedindo a palavra. — O caráter demagógico e a intenção

de influir sobre as massas são comuns a todos os partidos políticos

atuais: por causa dessa intenção, todos são obrigados a transformar

seus princípios em grandes afrescos de estupidez, pintando-os nas

paredes. Nisso já não há o que fazer, é inútil erguer um só dedo

contra isso; pois nesse âmbito vale o que afirmou Voltaire: quand la

populace se mêle de raisonner, tout est perdu [quando o populacho

se mete a raciocinar, tudo está perdido]. 144 Desde que isso

aconteceu, é preciso adaptar-se às novas condições, assim como

nos adaptamos quando um terremoto muda as velhas fronteiras e

os contornos do solo e altera o valor da propriedade. Além do mais,

se em toda política a questão é tornar suportável a vida para o

maior número de pessoas, que esse maior número defina o que

entende por uma vida suportável; se confiam que o seu intelecto

achará também os meios certos para alcançar esse fim, de que

serve duvidar disso? Eles querem ser os forjadores da própria

felicidade ou infelicidade; e, se este sentimento de

autodeterminação, o orgulho pelas cinco ou seis noções que a sua

mente abriga e manifesta, realmente lhes torna a vida agradável a

ponto de suportarem com gosto as fatais conseqüências de sua

estreiteza: então não há muito a objetar, desde que a estreiteza não

vá ao cúmulo de exigir que tudo deve se tornar política nesse

sentido, que todos devem viver e agir conforme esse critério. Pois

antes de mais nada é preciso permitir a alguns, mais do que nunca,

que se abstenham da política e se coloquem um pouco à parte: a

isso também os impele o prazer da autodeterminação, e também

algum orgulho que talvez derive do fato de calar, quando falam

muitos ou mesmo apenas muitos. Depois é preciso perdoar esses

poucos, se eles não levarem muito a sério a felicidade dos muitos,

sejam povos ou camadas da população, e vez por outra incorrerem

numa atitude irônica; pois sua seriedade reside em outro canto, sua

felicidade é um outro conceito, seu objetivo não pode ser abarcado

por uma mão canhestra que dispõe de apenas cinco dedos. Por fim,

de quando em quando chega — o que sem dúvida é o mais difícil

de lhes conceder, mas tem de lhes ser concedido — um instante

em que eles saem de seu taciturno isolamento e de novo

experimentam a força de seus pulmões: então gritam uns para os

outros, como gente perdida numa floresta, para se dar a conhecer e

se encorajar mutuamente; e é certo que então se ouvem coisas que

soam mal aos ouvidos para os quais não foram dirigidas. — Logo

depois faz-se novo silêncio na floresta, tanto silêncio que de novo

se escuta claramente o zumbido, o sussurro e o bater de asas dos

incontáveis insetos que vivem no seu interior e também acima e

abaixo dela.

439. Cultura e casta. — Uma cultura superior pode surgir

apenas onde houver duas diferentes castas na sociedade: a dos que

trabalham e a dos ociosos, os que são capazes de verdadeiro ócio;

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