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etapa no esforço da ciência. Da crença na verdade encontrada
fluíram, aqui também, as mais poderosas fontes de energia. Muito
depois — somente agora — os homens começam a ver que, em
sua crença na linguagem, propagaram um erro monstruoso.
Felizmente é tarde demais para que isso faça recuar o
desenvolvimento da razão, que repousa nessa crença. — Também a
lógica se baseia em pressupostos que não têm correspondência no
mundo real; por exemplo, na pressuposição da igualdade das
coisas, da identidade de uma mesma coisa em diferentes pontos do
tempo: mas esta ciência surgiu da crença oposta (de que
evidentemente há coisas assim no mundo real). O mesmo se dá
com a matemática, que por certo não teria surgido, se desde o
princípio se soubesse que na natureza não existe linha exatamente
reta, nem círculo verdadeiro, nem medida absoluta de grandeza.
12. Sonho e cultura. — A função cerebral mais prejudicada
pelo sono é a memória: não que ela cesse de todo — mas é
reduzida a um estado de imperfeição, tal como deve ter sido em
cada pessoa durante o dia e na vigília, nos tempos primeiros da
humanidade. Arbitrária e confusa como é, confunde
incessantemente as coisas, baseada nas semelhanças mais ligeiras:
mas foi com essa mesma arbitrariedade e confusão que os povos
inventaram suas mitologias, e ainda hoje os viajantes costumam
observar como o selvagem tende ao esquecimento, como, após
uma breve tensão da memória, seu espírito começa a titubear e, por
simples relaxamento, produz mentiras e absurdos. Mas no sonho
todos nós parecemos com o selvagem; o mau reconhecimento e a
equiparação errada são a causa das inferências ruins de que nos
tornamos culpados no sonho; de modo que ao recordar claramente
um sonho nos assustamos com nós mesmos, por abrigarmos tanta
tolice. — A perfeita clareza de todas as representações oníricas,
que tem como pressuposto a crença incondicional em sua realidade,
lembra-nos uma vez mais os estados da humanidade primitiva, em
que a alucinação era extraordinariamente freqüente e às vezes
atingia comunidades e povos inteiros. Portanto: no sono e no
sonho, repetimos a tarefa da humanidade primitiva.
13. Lógica do sonho. — No sono, nosso sistema nervoso está
constantemente em excitação por múltiplos fatores internos, quase
todos os órgãos liberam substâncias e estão ativos,10 o sangue
circula impetuosamente, a posição de quem dorme pressiona
determinados membros, as cobertas influem sobre as sensações de
maneiras diversas, o estômago faz a digestão e perturba outros
órgãos com seus movimentos, os intestinos se torcem, o
posicionamento da cabeça traz posturas musculares insólitas, os
pés descalços, não comprimindo o chão com a sola, causam a
sensação do insólito, assim como o vestuário diferente de todo o
corpo — tudo isso, com sua extraordinariedade e conforme a
alteração e o grau cotidianos, excita o sistema inteiro, até a função
cerebral: de modo que há muitos ensejos para o espírito se admirar
e buscar razões para tal excitação: mas o sonho é a busca e
representação das causa s dessas sensações provocadas, isto é, das
supostas causas. Quem, por exemplo, cingir os pés com duas
correias, sonhará talvez que duas serpentes envolvem seus pés: