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373. Presunção. — O que mais devemos prevenir é o
crescimento dessa erva daninha que se chama presunção, que
arruína toda boa colheita dentro de nós; pois há presunção na
cordialidade, na demonstração de respeito, na intimidade benévola,
no carinho, no conselho amigo, na confissão de erros, na
compaixão por outros, e todas essas belas coisas provocam
repugnância, quando tal erva cresce entre elas. O presunçoso, ou
seja, aquele que quer significar mais do que é ou aquilo por que é
tido, faz sempre um cálculo errado. É certo que ele tem um êxito
momentâneo, na medida em que as pessoas diante das quais é
presunçoso normalmente lhe tributam, por medo ou comodidade, a
medida de respeito que ele solicita; mas elas se vingam
asperamente, subtraindo, do valor que até então lhe deram, tanto
quanto ele solicitou além da medida. Não há nada que os homens
façam pagar mais caro que a humilhação. O presunçoso pode
tornar o seu mérito real tão suspeito e pequenino aos olhos dos
outros, que é pisoteado por eles com pés sujos. — Mesmo uma
atitude orgulhosa devemos nos permitir somente quando podemos
estar seguros de não ser incompreendidos e vistos como
presunçosos, diante de amigos e esposas, por exemplo. Pois nas
relações humanas não há tolice maior do que granjear a fama de
presunção; é ainda pior do que não ter aprendido a mentir por
delicadeza.
374. Diálogo. — O diálogo é a conversa perfeita, porque tudo
o que uma pessoa diz recebe sua cor definida, seu tom, seu gesto
de acompanhamento, em estrita referência àquele com quem fala,
ou seja, tal como sucede na troca epistolar, em que a mesma
pessoa tem dez maneiras de exprimir sua alma, conforme escreva a
este ou àquele indivíduo. No diálogo há uma única refração do
pensamento: ela é produzida pelo interlocutor, como o espelho no
qual desejamos ver nossos pensamentos refletidos do modo mais
belo possível. Mas como se dá com dois, três ou mais
interlocutores? Então a conversa perde necessariamente em finura
individualizadora, as várias referências se cruzam e se anulam; a
locução que agrada a um não satisfaz a índole de outro. Por isso o
indivíduo é forçado, lidando com muitos, a se recolher em si
mesmo, a apresentar os fatos como são, mas tira dos assuntos o
lúdico ar de humanidade que faz da conversa uma das coisas mais
agradáveis do mundo. Ouça-se o tom em que homens que lidam
com grupos inteiros de homens costumam falar, é como se o
baixo-contínuo de todo o discurso fosse: "este sou eu, isto sou eu
que digo, pensem disso o que quiserem!". Esta é a razão por que
em geral as mulheres de espírito deixam uma estranha, penosa,
desanimadora impressão naqueles que as conhecem em sociedade:
falar com muitos, diante de muitos, priva-as de toda amabilidade de
espírito, e apenas mostra, numa luz crua, a consciente preocupação
de si mesma, a tática e a intenção de uma vitória pública: enquanto
no diálogo essas mesmas mulheres tornam a ser femininas e
recuperam a graça de seu espírito.
375. Fama póstuma. — Só faz sentido esperar o
reconhecimento de um futuro distante se supomos que a
humanidade permanecerá essencialmente a mesma, e que toda