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Humano-Demasiado-Humano

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sentido. Mas como, mesmo em relação aos livros, a má exegese

não está de modo algum superada, e como na melhor sociedade

culta ainda encontramos freqüentemente resíduos de interpretação

alegórica e mística, assim também ocorre no tocante à natureza —

e mesmo pior ainda.

9. Mundo metafísico. — É verdade que poderia existir um

mundo metafísico; dificilmente podemos contestar a sua

possibilidade absoluta. Olhamos todas as coisas com a cabeça

humana, e é impossível cortar essa cabeça; mas permanece a

questão de saber o que ainda existiria do mundo se ela fosse

mesmo cortada. Esse é um problema puramente científico e não

muito apto a preocupar os homens; mas tudo o que até hoje tornou

para eles valiosas, pavorosas, prazerosas as suposições

metafísicas, tudo o que as criou, é paixão, erro e auto-ilusão; foram

os piores, e não os melhores métodos cognitivos, que ensinaram a

acreditar nelas. Quando esses métodos se revelaram o fundamento

de todas as religiões e metafísicas existentes, eles foram refutados.

Então resta ainda aquela possibilidade; mas com ela não se pode

fazer absolutamente nada, muito menos permitir que felicidade,

salvação e vida dependam dos fios de aranha de tal possibilidade.

Pois do mundo metafísico nada se poderia afirmar além do seu seroutro,

um para nós inacessível, incompreensível ser-outro; seria

uma coisa com propriedades negativas. — Ainda que a existência

de tal mundo estivesse bem provada, o conhecimento dele seria o

mais insignificante dos conhecimentos: mais ainda do que deve ser,

para o navegante em meio a um perigoso temporal, o conhecimento

da análise química da água.

10. Inocuidade da metafísica no futuro. — Logo que a religião,

a arte e a moral tiverem sua gênese descrita de maneira tal que

possam ser inteiramente explicadas, sem que se recorra à hipótese

de intervenções metafísicas no início e no curso do trajeto, acabará

o mais forte interesse no problema puramente teórico da "coisa em

si" e do "fenômeno". 8 Pois, seja como for, com a religião, a arte e a

moral não tocamos a "essência do mundo em si"; estamos no

domínio da representação, nenhuma "intuição" pode nos levar

adiante. Com tranqüilidade deixaremos para a fisiologia e a história

da evolução dos organismos e dos conceitos a questão de como

pode a nossa imagem do mundo ser tão distinta da essência inferida

do mundo. 9

11. A linguagem como suposta ciência. — A importância da

linguagem para o desenvolvimento da cultura está em que nela o

homem estabeleceu um mundo próprio ao lado do outro, um lugar

que ele considerou firme o bastante para, a partir dele, tirar dos

eixos o mundo restante e se tornar seu senhor. Na medida em que

por muito tempo acreditou nos conceitos e nomes de coisas como

e m aeternae veritates [verdades eternas], o homem adquiriu esse

orgulho com que se ergueu acima do animal: pensou ter realmente

na linguagem o conhecimento do mundo. O criador da linguagem

não foi modesto a ponto de crer que dava às coisas apenas

denominações, ele imaginou, isto sim, exprimir com as palavras o

supremo saber sobre as coisas; de fato, a linguagem é a primeira

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