21.02.2021 Views

Humano-Demasiado-Humano

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

que trazem consigo um retrocesso e uma ocasional subestimação

da vita contemplativa. Mas é preciso reconhecer que nosso tempo

é pobre em grandes moralistas; que Pascal, Epiteto, Sêneca,

Plutarco são bem pouco lidos; que o trabalho e a diligência — que

antes estavam no cortejo da deusa Saúde — às vezes parecem

grassar como uma doença. Como falta tempo para pensar e

tranqüilidade no pensar, as pessoas não mais ponderam as opiniões

divergentes: contentam-se em odiá-las. Com o enorme

aceleramento da vida, o espírito e o olhar se acostumam a ver e

julgar parcial ou erradamente, e cada qual semelha o viajante que

conhece terras e povos pela janela do trem. Uma atitude

independente e cautelosa no conhecimento é vista quase como uma

espécie de loucura, o espírito livre é difamado, particularmente

pelos eruditos, que na arte com que ele observa as coisas sentem

falta de sua própria minúcia e diligência de formiga, e que de bom

grado o baniriam para um solitário canto da ciência: enquanto ele

tem a tarefa bem distinta e superior de comandar, de um ponto

afastado, todas as hostes de cientistas e eruditos, mostrando-lhes

os caminhos e objetivos da cultura. — Uma lamentação como a que

acaba de ser entoada provavelmente terá seu tempo e se calará por

si mesma, ante um intenso retorno do gênio da meditação.

283. Defeito principal dos homens ativos. — Aos homens

ativos falta habitualmente a atividade superior, quero dizer, a

individual. Eles são ativos como funcionários, comerciantes,

eruditos, isto é, como representantes de uma espécie, mas não

como seres individuais e únicos; neste aspecto são indolentes. — A

infelicidade dos homens ativos é que sua atividade é quase sempre

um pouco irracional. Não se pode perguntar ao banqueiro

acumulador de dinheiro, por exemplo, pelo objetivo de sua atividade

incessante: ela é irracional. Os homens ativos rolam tal como pedra,

conforme a estupidez da mecânica. — Todos os homens se

dividem, em todos os tempos e também hoje, em escravos e livres;

pois aquele que não tem dois terços do dia para si é escravo, não

importa o que seja: estadista, comerciante, funcionário ou erudito.

284. Em favor dos ociosos. — Como sinal de que decaiu a

valorização da vida contemplativa, os eruditos de agora competem

com os homens ativos numa espécie de fruição precipitada, de

modo que parecem valorizar mais esse modo de fruir do que aquele

que realmente lhes convém e que de fato é um prazer bem maior.

Os eruditos se envergonham do otium [ócio]. Mas há algo de nobre

no ócio e no lazer. — Se o ócio é realmente o começo de todos os

vícios,119 então ao menos está bem próximo de todas as virtudes;

o ocioso é sempre um homem melhor do que o ativo. — Mas não

pensem que, ao falar de ócio e lazer, estou me referindo a vocês,

preguiçosos.

285. A intranqüilidade moderna. — À medida que andamos

para o Ocidente se torna cada vez maior a agitação moderna, de

modo que no conjunto os habitantes da Europa se apresentam aos

americanos como amantes da tranqüilidade e do prazer, embora se

movimentem como abelhas ou vespas em vôo. Essa agitação se

torna tão grande que a cultura superior já não pode amadurecer

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!