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caso, não foi aumentada por ela. Quem quiser colher felicidade e
satisfação na vida, que evite sempre a cultura superior.
278. Analogia da dança. — Hoje devemos considerar como
sinal decisivo de grande cultura alguém possuir força e flexibilidade
tanto para ser puro e rigoroso no conhecer como para, em outros
momentos, deixar que a poesia, a religião e a metafísica vão cem
passos à sua frente, por assim dizer, apreciando-lhes o poderio e a
beleza. Tal posição entre duas exigências tão diversas é muito
difícil, pois a ciência requer o domínio absoluto de seus métodos,
e, não sendo este requisito satisfeito, surge o outro perigo, o de
oscilar debilmente para cima e para baixo, entre impulsos diversos.
No entanto, a fim de mostrar uma via para a solução dessa
dificuldade, ao menos com uma analogia, lembremos que a dança
não é o mesmo que um vago balanceio entre impulsos diversos. A
alta cultura semelhará uma dança ousada: por isso, como foi dito, é
necessária muita força e flexibilidade.
279. Aliviando a vida. — Um dos principais meios de aliviar a
vida é idealizar todos os seus eventos; mas é preciso obtermos da
pintura uma noção clara do que é idealizar. O pintor solicita que o
espectador não olhe de maneira demasiado aguda e precisa, ele o
obriga a recuar uma certa distância para olhar; ele tem de pressupor
um afastamento bem determinado do observador em relação ao
quadro; deve até mesmo presumir, em seu espectador, um grau
igualmente determinado de agudeza do olhar;117 em tais coisas ele
não pode absolutamente hesitar. Portanto, quem quiser idealizar sua
vida não deve querer vê-la com demasiada precisão, deve sempre
remeter o olhar para uma certa distância. Desse artifício entendia
Goethe, por exemplo.
280. Quando o que agrava alivia, e inversamente. — Muita
coisa que em certos níveis da vida humana é agravamento, serve a
um nível superior como aliviamento, porque tais homens
conheceram mais fortes agravamentos da vida. Ocorre também o
inverso: a religião, por exemplo, tem uma dupla face, conforme um
homem erga o olhar para ela, para que lhe diminua o fardo e a
miséria, conforme desça os olhos até ela, como um grilhão que lhe
puseram para que não se eleve muito pelo ar.
281. A cultura superior é necessariamente incompreendida. —
Quem dotou seu instrumento apenas de duas cordas, como os
eruditos, que além do impulso de saber têm somente um impulso
religioso adquirido, não compreende os homens que sabem tocar
mais cordas. É da natureza da cultura superior, de muitas cordas
mais,118 que ela sempre seja interpretada erradamente pela inferior;
o que sucede, por exemplo, quando a arte é tida como uma forma
disfarçada de religiosidade. De fato, pessoas apenas religiosas
compreendem até a ciência como busca do sentimento religioso, tal
como os surdos-mudos não sabem o que é música, se não for
movimento visível.
282. Lamentação. — São talvez as vantagens de nosso tempo