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Humano-Demasiado-Humano

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recobradas pelos indivíduos de modo cada vez mais rápido.

Atualmente eles começam a entrar na cultura como crianças

movidas pela religião, e aos dez anos de idade atingem talvez a

vivacidade maior desse sentimento, depois passando a formas mais

atenuadas (panteísmo), enquanto se aproximam da ciência; deixam

para trás a noção de Deus, de imortalidade e coisas assim, mas

sucumbem ao encanto de uma filosofia metafísica. Esta lhes parece

também pouco digna de crédito, afinal; e a arte parece prometer

cada vez mais, de modo que por algum tempo a metafísica só

persiste e sobrevive transformada em arte, ou como disposição

artisticamente transfiguradora. Mas o sentido científico torna-se

cada vez mais imperioso e leva o homem adulto à ciência natural e

à história, sobretudo aos métodos mais rigorosos do conhecimento,

enquanto a arte vai assumindo uma significação mais branda e mais

modesta. Nos dias de hoje, tudo isso costuma suceder nos

primeiros trinta anos da vida de um homem. É a recapitulação de

um trabalho que ocupou a humanidade por talvez trinta mil anos.

273. Retrocedendo, mas não ficando para trás. — Quem hoje

ainda começa o seu desenvolvimento com sentimentos religiosos e

depois continua, talvez por muito tempo, a viver na metafísica e na

arte, recuou certamente um bom pedaço e inicia a disputa com

outros homens modernos em condições desfavoráveis:

aparentemente ele perde tempo e terreno. Mas, por haver se detido

em regiões onde o calor e a energia são desencadeados, e onde

continuamente o poder flui de fonte inesgotável, como uma torrente

vulcânica, ao deixar no momento certo essas regiões ele avança

mais rapidamente, seu pé adquire asas, seu peito aprende a respirar

de maneira mais calma, mais profunda e constante. — Ele apenas

recuou, para ter terreno bastante para seu salto: então pode até

haver algo de terrível, de ameaçador, nesse recuo.

274. Um segmento de nosso Eu como objeto artístico. — É um

indício de cultura superior reter conscientemente certas fases do

desenvolvimento, que os homens menores vivenciam quase sem

pensar e depois apagam da lousa de sua alma, e fazer delas um

desenho fiel: este é o gênero mais elevado da arte pictórica, que

poucos entendem. Para isto é necessário isolar essas fases

artificialmente. Os estudos históricos cultivam a qualificação para

essa pintura, pois sempre nos desafiam, ante um trecho da história,

a vida de um povo — ou de um homem —, a imaginar um

horizonte bem definido de pensamentos, uma força definida de

sentimentos, o predomínio de uns, a retirada de outros. O senso

histórico consiste em poder reconstruir rapidamente, nas ocasiões

que se oferecem, tais sistemas de pensamento e sentimento, assim

como obtemos a visão de um templo a partir de colunas e restos de

paredes que ficaram de pé. Seu primeiro resultado é

compreendermos nossos semelhantes como tais sistemas e

representantes bem definidos de culturas diversas, isto é, como

necessários, mas alteráveis. E, inversamente, que podemos

destacar trechos de nosso próprio desenvolvimento e estabelecê-los

como autônomos.

275. Cínicos e epicúrios. — O cínico percebe o nexo entre as

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