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Humano-Demasiado-Humano

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cruel injustiça e desconhecimento de seus meios e fins.

269. Quinze minutos antes. — Às vezes encontramos alguém

cujas opiniões estão à frente de seu tempo, mas apenas o bastante

para antecipar as idéias vulgares da década seguinte. Ele possui a

opinião pública antes que ela seja pública; isto é: quinze minutos

antes dos demais, ele caiu nos braços de uma opinião que merece

tornar-se trivial. Mas sua fama costuma ser mais rumorosa que a

dos verdadeiramente grandes e superiores.

270. A arte de ler. — Toda orientação forte é unilateral;

assemelha-se à direção da linha reta e é exclusiva como esta, ou

seja, não toca em muitas outras direções, como fazem os partidos e

naturezas fracas em seu ir-e-vir ondulatório: portanto, também aos

filólogos devemos perdoar que sejam unilaterais. O estabelecimento

e a preservação dos textos, ao lado de sua exegese, realizados numa

corporação durante séculos, fizeram com que agora se chegasse

enfim aos métodos corretos: toda a Idade Média foi incapaz de uma

exegese estritamente filológica, isto é, de simplesmente querer

entender o que diz o autor — não foi pouco encontrar esses

métodos, não subestimemos esse fato! A ciência inteira ganhou

continuidade e estabilidade apenas quando a arte da boa leitura, isto

é, a filologia, atingiu seu apogeu.

271. A arte de raciocinar. — O maior progresso feito pelo

homem foi aprender a raciocinar corretamente. Isso não é coisa tão

natural como supõe Schopenhauer, ao dizer que "capazes de

raciocinar são todos, de julgar, poucos";115 mas foi algo aprendido

tardiamente, e que até hoje não predomina. Nos tempos antigos a

regra era o falso raciocínio: e as mitologias de todos os povos, sua

magia e superstição, seus cultos religiosos, seu direito, são as

inesgotáveis jazidas de provas de tal afirmação.

272. Os anéis de crescimento da cultura individual. — A força

ou fraqueza da produtividade espiritual não se acha ligada tanto ao

talento herdado quanto à medida de vigor116 que veio junto com

ele. A maioria dos jovens cultos de trinta anos retrocede nesse

primeiro solstício de sua vida e a partir de então perde o gosto para

mudanças espirituais. Por isso a salvação de uma cultura que não

pára de crescer requer imediatamente uma nova geração, que

entretanto não vai muito longe também: pois para recobrar a cultura

do pai o filho tem de gastar quase toda a energia herdada, que o

próprio pai possuía na fase da vida em que gerou o filho; com o

pouco excedente ele vai adiante (pois, ao se fazer o caminho pela

segunda vez, avança-se um pouco mais rápido; para aprender o

mesmo que o pai sabia, o filho não despende tanta energia).

Homens bastante vigorosos, como Goethe, por exemplo,

percorrem tanto caminho quanto quatro gerações; mas por isso

avançam depressa demais, de modo que os outros os alcançam

apenas no século seguinte, e talvez nem o façam inteiramente, pois

a coesão da cultura, a coerência de seu desenvolvimento, foi

enfraquecida pelas interrupções freqüentes. — As fases habituais

da cultura espiritual que se atingiu ao longo da história são

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