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Humano-Demasiado-Humano

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isto é, de perder o senso científico que devia aos gregos.

266. Efeito subestimado do ensino ginasial. — Geralmente não

enxergamos o valor do ginásio nas coisas que nele aprendemos de

fato e que dele sempre conservamos, mas naquelas que são

ensinadas e que o aluno assimila a contragosto, para delas se livrar

o mais rapidamente que possa. A leitura dos clássicos — toda

pessoa educada há de convir — é, do modo como se realiza em

toda parte, um procedimento monstruoso: feita para jovens que de

maneira alguma estão maduros para ela, e por professores que com

toda palavra, às vezes com a própria figura, já cobrem de mofo

qualquer bom autor. Mas nisso está o valor que normalmente não é

reconhecido — esses professores falam a língua abstrata da

cultura superior, pesada e difícil de compreender, mas uma elevada

ginástica da mente; em sua linguagem aparecem continuamente

conceitos, termos especiais, métodos, alusões que os jovens quase

nunca ouvem na conversa com familiares ou na rua. Se os alunos

apenas ouvirem, seu intelecto será involuntariamente preparado

para um modo de ver científico. Não é possível que alguém saia

dessa disciplina totalmente intocado pela abstração, como puro filho

da natureza.

267. Aprender muitas línguas. — Aprender muitas línguas

enche a memória de palavras, em vez de fatos e idéias, quando a

memória é um recipiente que em cada indivíduo só pode acolher

uma medida certa e limitada de conteúdo. Além disso, o

aprendizado de muitas línguas prejudica por fazer acreditar que se

tem habilidades, e realmente confere algum prestígio sedutor no

trato social; também prejudica indiretamente, ao obstar a aquisição

de conhecimentos sólidos e a intenção de ganhar de maneira séria o

respeito das pessoas. Por fim, é como um golpe de machado na

raiz do refinado sentimento da língua que se tenha do idioma

materno: ele é incuravelmente ferido e arruinado. Os dois povos

que produziram os maiores estilistas, os gregos e os franceses, não

aprenderam línguas estrangeiras. — Porém, como as relações entre

os homens devem se tornar cada vez mais cosmopolitas e como

agora um comerciante estabelecido em Londres, por exemplo, já

tem de se comunicar por escrito e oralmente em oito idiomas,

aprender muitas línguas é sem dúvida um mal necessário; que,

chegando ao extremo, forçará a humanidade a encontrar um

remédio: e num futuro distante haverá para todos uma nova língua,

primeiro como língua comercial e depois como língua das relações

intelectuais, tão certo como um dia existirá navegação aérea. Pois

com que finalidade a ciência lingüística teria estudado por um

século as leis do idioma e aquilatado o que é necessário, valioso e

bem-sucedido em cada língua?

268. Sobre a história bélica do indivíduo. — Numa vida

humana que passa por várias culturas, achamos concentrada a luta

que normalmente se desenrola entre duas gerações, entre pai e filho:

o parentesco próximo exacerba esta luta, porque cada uma das

partes nela envolve, de maneira implacável, o íntimo da outra, que

conhece tão bem; então a luta será particularmente dura no

indivíduo; nele cada nova fase passa por cima das anteriores, com

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