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Humano-Demasiado-Humano

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precisamente do mito os filósofos gregos se privam: não é como se

quisessem deslocar-se da luz do sol para a penumbra, a escuridão?

Mas nenhuma planta se desvia da luz; no fundo esses filósofos

procuravam apenas um sol mais claro, para eles o mito não era

puro nem luminoso o bastante. Encontravam essa luz em seu

conhecimento, naquilo que cada um denominava sua "verdade".

Mas o conhecimento tinha então um esplendor maior; era ainda

jovem e conhecia pouco as dificuldades e os perigos de seus

caminhos; ainda podia, naquele tempo, ter a esperança de chegar ao

centro de todo o Ser com um salto e dali resolver o enigma do

mundo. Esses filósofos tinham uma sólida fé em si mesmos e em

suas "verdades", e com ela derrubavam todos os seus vizinhos e

precursores; cada um deles era um belicoso e violento tirano.

Talvez jamais tenha sido maior, no mundo, a felicidade de se crer

possuidor da verdade, mas também a dureza, a arrogância, a tirania

e maldade de uma tal crença. Eles eram tiranos, ou seja, aquilo que

todo grego queria ser e que todo grego era, se podia sê-lo. Talvez

apenas Sólon fosse uma exceção; em seus poemas ele diz como

desprezava a tirania pessoal. Mas o fazia por amor à sua obra, à sua

legislação; e ser legislador é uma forma sublimada de tirania.

Parmênides também fazia leis, assim como Pitágoras e

Empédocles, provavelmente; quanto a Anaximandro, fundou uma

cidade. Platão foi o desejo encarnado de se tornar o supremo

filósofo-legislador e fundador de Estados; parece ter sofrido

terrivelmente pela não-realização de sua natureza, e perto do fim

sua alma se encheu da mais negra bile. Quanto mais os filósofos

gregos deixavam de ter poder, tanto mais sofriam interiormente

com a biliosidade e ânsia de ofender; quando as diversas seitas

saíram a lutar por suas verdades nas ruas, as almas desses

pretendentes da verdade estavam inteiramente enlameadas de inveja

e cólera;113 o elemento tirânico grassava como um veneno em seus

corpos. Todos esses pequenos tiranos teriam gostado de se comer

vivos; neles não restava centelha de amor, e muito pouca alegria

por seu próprio conhecimento. — A afirmação de que em geral os

tiranos são assassinados e sua descendência tem vida breve

também é válida para os tiranos do espírito. Sua história é curta,

violenta, sua influência é bruscamente interrompida. De quase

todos os grandes helenos pode-se dizer que parecem ter chegado

muito tarde, ou seja, de Ésquilo, de Píndaro, de Demóstenes, de

Tucídides; uma geração depois — e tudo termina. É o que há de

turbulento e inquietante na história grega. Sem dúvida, hoje se

admira o evangelho da tartaruga. Pensar historicamente, nos dias de

hoje, equivale a crer que a história sempre se fez conforme o

princípio de "o menos possível no tempo mais longo possível". Ah,

a história grega passa tão rápida! Nunca mais se viveu tão

prodigamente, tão imoderadamente. Não me convenço de que a

história dos gregos tenha tido o curso natural que nela é decantado.

Eles tinham talentos muito grandes e muito diversos para serem

graduais, à maneira da tartaruga que anda passo a passo na

competição com Aquiles: o que é chamado de desenvolvimento

natural. Com os gregos tudo avança rapidamente, mas também

declina rapidamente; o movimento da máquina é tão intensificado,

que uma única pedra jogada nas engrenagens a faz explodir. Uma

tal pedra foi Sócrates, por exemplo; numa só noite a evolução da

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