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liqüefeita ameaçava não bastar, mas tinha que; então ele jogou
pratos e travessas ali dentro, e mais tudo o que lhe caiu em mãos.
De igual modo aquele gênio lança dentro erros, vícios, esperanças,
ilusões e outras coisas, tanto de metal nobre como de metal vil,
porque a estátua da humanidade tem que ser produzida e
completada; que importa se aqui e ali foi empregado material
inferior?
259. Uma cultura masculina. — A cultura grega do período
clássico é uma cultura masculina. No que toca às mulheres,
Péricles disse tudo na oração fúnebre:111 elas são melhores quando
os homens falam o mínimo possível delas entre si. — A relação
erótica dos homens com os rapazes era, num grau inacessível ao
nosso entendimento, o pressuposto único e necessário de toda
educação masculina (mais ou menos como entre nós, durante
muito tempo, toda educação elevada da mulher se realizou apenas
mediante o namoro e o casamento); todo o idealismo da força da
natureza grega se lançou em tal relação, e é provável que nunca se
tenha tratado pessoas jovens tão atenciosamente, tão amavelmente
e visando o que teriam de melhor (virtus) como nos séculos VI e V
— conforme, portanto, a bela sentença de Hölderlin: "pois é
amando que o mortal dá o melhor de si".112 Quanto mais altamente
se estimava essa relação, mais declinava o comércio com a mulher:
a perspectiva da procriação e da volúpia — apenas isso entrava em
consideração; não havia troca intelectual, nem namoro de fato. Se
lembramos também que eram excluídas das competições e dos
espetáculos de toda espécie, então restam apenas os cultos
religiosos como elevado entretenimento para as mulheres. — É
certo que Electra e Antígona apareciam na tragédia, mas justamente
porque se tolerava isso na arte, mesmo não o querendo na vida
real: tal como hoje não suportamos o patético na vida, mas
gostamos de vê-lo na arte. — As mulheres não tinham outra tarefa
senão produzir corpos belos e fortes, em que prosseguisse vivendo
incólume o caráter do pai, a fim de combater a superexcitação
nervosa que crescia rapidamente numa cultura tão desenvolvida.
Isso manteve a civilização grega jovem por um período
relativamente longo; pois nas mães gregas o gênio grego retornava
sempre à natureza.
260. O preconceito a favor da grandeza. — Evidentemente as
pessoas superestimam tudo o que é grande e eminente. Isso vem da
percepção, consciente ou inconsciente, de que acham bastante útil
alguém lançar toda a energia numa só área e fazer de si como que
um órgão monstruoso. Sem dúvida um desenvolvimento uniforme
de suas energias é mais útil e mais auspicioso para o indivíduo; pois
cada talento é um vampiro que suga o sangue e o vigor das outras
energias, e uma produção exagerada pode levar à beira da loucura o
mais dotado dos homens. Também nas artes as naturezas extremas
despertam demasiada atenção; mas é preciso uma cultura muito
inferior para ser cativado por elas. Por hábito, as pessoas se
submetem a tudo o que deseja o poder.
261. Os tiranos do espírito. — A vida dos gregos brilha
somente onde cai o raio do mito; fora disso ela é sombria. E