Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
afirmo que ainda não houve filósofo que afinal não tenha olhado
com desdém — ou no mínimo com suspeita — para a filosofia que
criou em sua juventude. — Mas talvez ele não tenha falado
publicamente dessa mudança, por ambição ou — como é provável
nos seres nobres — por delicada atenção aos seus adeptos.
254. Crescimento do interesse . — No curso de uma formação
superior tudo se torna interessante para o homem, ele sabe ver
rapidamente o lado instrutivo de uma coisa e indicar o ponto em
que, utilizando-a, pode completar uma lacuna de seu pensamento
ou confirmar uma idéia. Assim é afastado cada vez mais o tédio, e
também a excessiva sensibilidade emocional. Por fim ele anda entre
os homens como um naturalista entre as plantas, e percebe a si
mesmo como um fenômeno que estimula fortemente o seu impulso
de conhecer.
255. Superstição da simultaneidade. — Coisas que ocorrem
simultaneamente têm ligação, acredita-se. Um parente morre longe
de nós, e ao mesmo tempo sonhamos com ele — portanto... Mas
morrem inúmeros parentes e não sonhamos com eles. O mesmo
acontece com os náufragos que fazem votos: não se vê depois, na
igreja, os ex-votos dos que pereceram. — Uma pessoa morre, uma
coruja pia, um relógio pára, tudo na mesma hora da noite: não
haveria uma relação entre essas coisas? Tal pressentimento supõe
uma intimidade com a natureza que lisonjeia o ser humano. —
Reencontramos esse tipo de superstição numa forma refinada, em
historiadores e em pintores da civilização, que costumam
experimentar uma espécie de hidrofobia ante todas as justaposições
sem sentido, nas quais é pródiga a existência dos indivíduos e dos
povos.
256. A ciência exercita a capacidade, não o saber. — O valor
de praticar com rigor, por algum tempo, uma ciência rigorosa não
está propriamente em seus resultados: pois eles sempre serão uma
gota ínfima, ante o mar das coisas dignas de saber. Mas isso
produz um aumento de energia, de capacidade dedutiva, de
tenacidade; aprende-se a alcançar um fim de modo pertinente.110
Neste sentido é valioso, em vista de tudo o que se fará depois, ter
sido homem de ciência.
257. O charme juvenil da ciência. — Ainda hoje a investigação
da verdade possui o charme de contrastar fortemente com o erro,
agora cinzento e tedioso; mas esse charme está se perdendo. Sem
dúvida ainda vivemos a juventude da ciência, e costumamos ir atrás
da verdade como de uma bela jovem; e quando ela tiver se tornado
uma velha carrancuda? Em quase todas as ciências a concepção
básica foi encontrada há bem pouco tempo, ou ainda é buscada;
isso atrai de maneira bem diversa de quando todo o essencial foi
encontrado e só resta ao pesquisador um escasso resíduo outonal
(sensação que podemos ter em algumas disciplinas históricas).
258. A estátua da humanidade. — O gênio da cultura procede
como Cellini, quando ele fundia sua estátua de Perseu: a massa