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Humano-Demasiado-Humano

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das religiões, já não se requer dureza e violência, como o mais

poderoso laço entre homem e homem, povo e povo? — Para

responder essa questão não temos mais um Deus que nos ajuda: é

nossa inteligência que deve decidir. Em suma, o próprio homem

deve tomar nas mãos o governo terreno da humanidade, sua

"onisciência" tem que velar com olho atento o destino da cultura.

246. Os ciclopes da cultura. — Quem vê essas bacias cheias

de sulcos, em que se formaram geleiras, dificilmente acredita que

virá um tempo em que no mesmo sítio se estenderá um vale de

campos, bosques e riachos. Assim também é na história da

humanidade; as forças mais selvagens abrem caminho,

primeiramente destrutivas, e no entanto sua ação é necessária, para

que depois uma civilização mais suave tenha ali sua morada. Essas

terríveis energias — o que se chama de mal — são os arquitetos e

pioneiros ciclópicos da humanidade.

247. Movimento circular da raça humana. — Talvez toda a

raça humana seja apenas uma fase evolutiva de determinada espécie

animal de duração limitada: de modo que o homem viria do macaco

e tornaria a ser macaco, não existindo ninguém que tivesse

interesse em presenciar tal estranho desfecho de comédia. Do

mesmo modo que, com o fim da cultura romana e sua mais

importante causa, a expansão do cristianismo, prevaleceu no

Império romano um enfeamento geral do ser humano, com o fim

eventual de toda a cultura terrena poderia haver um enfeamento

ainda maior e, afinal, uma animalização do ser humano, a ponto de

tornar-se simiesco. — Justamente porque podemos vislumbrar essa

perspectiva, estamos talvez em condição de evitar semelhante final

para o futuro.

248. Consolo de um progresso desesperado . — Nosso tempo

dá a impressão de um estado interino; as antigas concepções do

mundo, as antigas culturas ainda existem parcialmente, as novas

não são ainda seguras e habituais, e portanto não possuem coesão e

coerência. É como se tudo se tornasse caótico, o antigo se

perdesse, o novo nada valesse e ficasse cada vez mais frágil. Mas

assim ocorre com o soldado que aprende a marchar: por algum

tempo ele é mais inseguro e mais desajeitado do que antes, porque

seus músculos são movidos ora pelo velho sistema ora pelo novo, e

nenhum deles pode declarar vitória. Nós vacilamos, mas é preciso

não se inquietar por causa disso, e não abandonar as novas

aquisições. Além disso não podemos mais voltar ao antigo, já

queimamos o barco; só nos resta ser corajosos, aconteça o que

acontecer. — Apenas andemos, apenas saiamos do lugar! Talvez

nossos gestos apareçam um dia como progresso;106 se não, que

nos digam as palavras de Frederico, o Grande, a título de consolo:

Ah, mon cher Sulzer, vous ne connaissez pas assez cette race

maudite, à laquelle nous appartenons [Ah, meu caro Sulzer, você

não conhece o bastante essa raça maldita à qual pertencemos].107

249. Sofrendo com o passado da cultura. — Quem percebe de

modo claro o problema da cultura, sofre de um sentimento

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