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Humano-Demasiado-Humano

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forma suprema de arte. Cada estação do ano tem os seus méritos e

atrativos, e exclui aqueles das outras. O que cresceu a partir da

religião e em sua vizinhança não pode crescer novamente, se ela

estiver destruída; no máximo, alguns rebentos extraviados e tardios

podem levar à ilusão acerca disso, tal como a lembrança da arte

antiga que surge temporariamente: um estado que talvez revele o

sentimento de perda e de privação, mas não é prova da força de que

poderia nascer uma nova arte.

240. A crescente severidade do mundo. — Quanto mais se

eleva a cultura de um homem, tanto mais domínios se furtam ao

gracejo e ao escárnio. Voltaire era grato aos céus pela invenção do

matrimônio e da Igreja: assim cuidaram muito bem da nossa

diversão. Mas ele e sua época, e antes dele o século XVI, zombaram

desses temas até o fim; toda graça que ainda hoje se faz nesse

âmbito é tardia, e principalmente barata demais para atrair

compradores. Atualmente perguntamos pelas causas; é o tempo da

seriedade. Quem se interessa, hoje, por ver à luz do humor as

diferenças entre realidade e pretensiosa aparência, entre o que o ser

humano é e o que quer representar? Sentimos esses contrastes de

modo inteiramente diverso quando lhes buscamos as causas.

Quanto mais profunda a compreensão que alguém tiver da vida,

tanto menos zombará, mas afinal talvez ainda zombe da

"profundidade de sua compreensão".

241. Gênio da cultura. — Se alguém imaginar um gênio da

cultura, qual a sua natureza? Ele utiliza tão seguramente, como seus

instrumentos, a mentira, o poder, o mais implacável egoísmo, que

só poderia ser chamado de mau e demoníaco; mas os seus

objetivos, que transparecem aqui e ali, são grandiosos e bons. Ele é

um centauro, meio bicho, meio homem, e além disso tem asas de

anjo na cabeça.

242. Educação milagrosa. — O interesse pela educação só

ganhará força a partir do momento em que se abandone a crença

num deus e em sua providência: exatamente como a arte médica só

pôde florescer quando acabou a crença em curas milagrosas. Mas

até agora todos crêem ainda na educação milagrosa: viram que os

homens mais fecundos, mais poderosos se originaram em meio a

grande desordem, objetivos confusos, condições desfavoráveis;

como poderia isto suceder normalmente?

Hoje se começa a olhar mais de perto, a examinar mais

cuidadosamente também esses casos: ninguém descobrirá milagre

neles. Em condições iguais, inúmeras pessoas perecem

continuamente, mas o indivíduo que se salva torna-se habitualmente

mais forte, porque suportou tais condições ruins mediante uma

indestrutível força inata, e ainda exercitou e aumentou essa força:

eis como se explica o milagre. Uma educação que já não crê em

milagres deve prestar atenção a três coisas: primeiro, quanta energia

é herdada?; segundo, de que modo uma nova energia pode ainda

ser inflamada?; terceiro, como adaptar o indivíduo às exigências

extremamente variadas da cultura, sem que elas o incomodem e

destruam sua singularidade? — em suma, como integrar o

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