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pela ciência e pelo passado científico da humanidade,
desgrilhoamento do indivíduo, flama da veracidade e aversão à
aparência e ao puro efeito (flama que ardeu numa legião de
naturezas artísticas que exigiam de si, com elevada pureza moral, a
perfeição de suas obras e tão-somente a perfeição); sim, o
Renascimento teve forças positivas que até hoje não voltaram a ser
tão poderosas em nossa cultura moderna. Foi a Idade de Ouro
deste milênio, apesar de todas as manchas e vícios. Contrastando
com ele se acha a Reforma alemã, como um enérgico protesto de
espíritos atrasados, que não se haviam cansado da visão medieval
do mundo e percebiam os sinais de sua dissolução, a extraordinária
superficialização e exteriorização da vida religiosa, com profundo
mal-estar e não com júbilo, como seria apropriado. Levaram os
homens a recuar, com sua energia e obstinação de nórdicos, e com
a violência de um estado de sítio forçaram a Contra-Reforma, isto
é, um cristianismo católico defensivo, e, assim como retardaram de
dois a três séculos o despertar e o domínio da ciência, tornaram
impossível a plena junção do espírito antigo com o moderno, talvez
para sempre. A grande tarefa da Renascença não pôde ser levada a
cabo, impedida que foi pelo protesto do ser alemão103 que então
havia ficado para trás (e que na Idade Média tivera sensatez
bastante para renovadamente atravessar os Alpes para a sua
salvação). Foi o acaso de uma constelação política excepcional que
preservou Lutero e fez o protesto ganhar força: o imperador o
protegeu, a fim de usar sua inovação como instrumento de pressão
sobre o papa, e do mesmo modo o papa o favoreceu em sigilo, para
usar os príncipes protestantes como contrapeso ao imperador. Sem
esse estranho concerto de objetivos, Lutero teria sido queimado
como Hus — e a aurora do Iluminismo teria surgido talvez um
pouco antes, e com brilho mais belo do que agora podemos
imaginar.
238. Justiça para com o deus em evolução. — Quando toda a
história da cultura se abre aos nossos olhos como um emaranhado
de idéias nobres e más, falsas e verdadeiras, e quando, à vista dessa
rebentação de ondas, a pessoa é quase tomada de enjôo,
entendemos o consolo que há na idéia de um deus em evolução:104
ele se revela cada vez mais nas transformações e vicissitudes da
humanidade, nem tudo é mecanismo cego, interação de forças sem
sentido e objetivo. A divinização do vir a ser é uma perspectiva
metafísica — como de um farol à beira do mar da História —, na
qual uma geração muito historicizante de eruditos achou consolo;
não podemos nos irritar com isso, por mais errada que talvez seja
esta concepção. Apenas quem, como Schopenhauer, nega o
desenvolvimento, nada sente da miséria dessa rebentação de ondas
da história, e, por nada saber e nada sentir quanto a esse deus em
evolução e a necessidade de admiti-lo, pode justamente dar vazão a
seu escárnio.
239. Os frutos conforme a estação. — Todo futuro melhor que
se deseja para a humanidade é, necessariamente, também um futuro
pior em vários aspectos: pois é simples exaltação acreditar que um
novo e superior estágio da humanidade reuniria todos os méritos
dos estágios anteriores e, por exemplo, engendraria também a