NOREVISTA JANEIRO 2021
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SUMÁRIO<br />
<strong>JANEIRO</strong><br />
<strong>2021</strong><br />
05<br />
ENTREVISTA<br />
À MESA COM MIGUEL SOUSA LIMA<br />
ENTREVISTA<br />
A EXPERIÊNCIA DOS JOVENS NO PARLAMENTO<br />
24<br />
AÇORIANO<br />
122<br />
REPORTAGEM<br />
24<br />
58 RESILIÊNCIA FINANCEIRA E OPERACIONAL 128<br />
REPORTAGEM<br />
72 OS LIVROS EM TEMPO DE PANDEMIA<br />
138<br />
REPORTAGEM<br />
85 ATÉ QUE A MORTE NOS SEPARE<br />
140<br />
104<br />
REPORTAGEM<br />
O CRESCIMENTO DOS CENTROS DE SERVIÇOS<br />
PARTILHADOS EM PORTUGAL<br />
110<br />
ESTUDO<br />
MÁ VISÃO DUPLICA A PROBABILIDADE DE SOFRER DE<br />
DEPRESSÃO<br />
CRÓNICA<br />
COVID19 #FICAREMCASA<br />
CRÓNICA<br />
LEITURAS DESALINHADAS<br />
DESTAQUE<br />
FRASES DO MÊS<br />
Sátira Política<br />
a experiência dos jovens<br />
RESILIÊNCIA FINANCEIRA<br />
OS LIVROS EM TEMPO<br />
no parlamento açoriano 24<br />
E OPERACIONAL 58<br />
DE PANDEMIA<br />
72<br />
02 NODEZ20 03<br />
NODEZ20
EDITORIAL<br />
Se se pudesse escolher uma<br />
palavra para ilustrar o ano<br />
de 2020, escolheríamos<br />
precisamente esta – desafiante,<br />
a todos os níveis. Mais uma<br />
reflexão sobre a pandemia<br />
poderá parecer um pouco cliché,<br />
mas queira-se ou não, a verdade<br />
é que já vivemos com este vírus<br />
há quase um ano. O primeiro<br />
caso de COVID-19 foi reportado<br />
no dia 31 de dezembro de 2019<br />
em Wuhan e ninguém esperaria<br />
uma epidemia à escala mundial,<br />
que nos obrigasse a todos a ficar<br />
em casa, a esperar que os dias<br />
melhorassem e que os números<br />
diminuíssem.<br />
No dia 02 de fevereiro de<br />
2020, aterrou na Região um<br />
voo proveniente de Hong<br />
Kong, apesar de nenhum dos<br />
passageiros ser oriundo do<br />
epicentro do vírus começaramse<br />
a manifestar os primeiros<br />
sinais de preocupação, embora<br />
na altura o executivo tivesse<br />
dado a garantia de que não<br />
existisse qualquer perigo para a<br />
saúde pública.<br />
No dia 15 de março, surge o<br />
primeiro caso de COVID-19 na<br />
Região. Até então, tem sido uma<br />
batalha diária de vários agentes<br />
envolvidos, com a adoção de<br />
medidas adequadas à situação<br />
pandémica na Região. A<br />
mudança de Governo Regional,<br />
pelo que se pôde observar, não<br />
foi fator desorientador para as<br />
entidades envolvidas no que<br />
respeita a manter o que estava<br />
bem feito e a desenvolver novas<br />
medidas de forma a mitigar a<br />
pandemia.<br />
Os profissionais de saúde,<br />
felizmente, veem agora uma<br />
“luz ao fundo do túnel” com<br />
DESAFIANTE<br />
a chegada da vacina, sem<br />
descurar a responsabilidade de<br />
cada um de nós que tem e deve<br />
continuar a ser feita diariamente,<br />
sob o prejuízo de esgotarmos<br />
a capacidade de resposta do<br />
Sistema Regional de Saúde e de<br />
vivermos tempos difíceis no que<br />
respeita a recuperação da região<br />
pós-COVID.<br />
Impensável seria também não<br />
referir, pelo menos no espetro<br />
político regional, a mudança de<br />
uma Região que se governava<br />
há 24 anos pelo poder socialista.<br />
Apesar de terem conseguido<br />
maior número de votos nas<br />
urnas no passado dia 25 de<br />
outubro, a reedição da Aliança<br />
Democrática fez com que o<br />
PSD voltasse ao poder volvidos<br />
todos estes anos, assumindo a<br />
responsabilidade e reconhecendo<br />
as fragilidades que marcarão<br />
os próximos tempos no<br />
que respeita à recuperação<br />
económica da Região pós-<br />
COVID, mas também na<br />
resolução de problemas crónicos<br />
no nosso arquipélago, como<br />
é o caso do abandono escolar<br />
precoce, a precariedade no<br />
acesso dos jovens ao mercado<br />
de trabalho, mas também o igual<br />
acesso aos cuidados de saúde<br />
em toda e cada uma das nove<br />
ilhas, o subfinanciamento do<br />
SRS ou até mesmo o número<br />
de beneficiários do Rendimento<br />
Social de Inserção, a que o<br />
executivo já se propôs diminuir,<br />
com a criação de condições de<br />
desenvolvimento económico<br />
e de promoção da inclusão<br />
social, laboral, de competências<br />
pessoais, sociais e profissionais<br />
que permitam quebrar o ciclo de<br />
pobreza na Região.<br />
FICHA TÉCNICA:<br />
ISSN 2183-4768<br />
PROPRIETÁRIO ASSOCIAÇÃO AGENDA DE NOVIDADES<br />
NIF 510570356<br />
SEDE DE REDAÇÃO RUA DA MISERICÓRDIA, 42, 2º ANDAR,<br />
9500-093 PONTA DELGADA<br />
SEDE DO EDITOR RUA DA MISERICÓRDIA, 42, 2º ANDAR,<br />
9500-093 PONTA DELGADA<br />
DIRETOR/EDITOR RUI MANUEL ÁVILA DE SIMAS CP3325A<br />
DIRETORA ADJUNTA CLÁUDIA CARVALHO TPE-288A<br />
REDAÇÃO CHEFE REDAÇÃO RUI SANTOS TPE-288 A,<br />
CLÁUDIA CARVALHO TPE-288 A, SARA BORGES, ANA SOFIA<br />
MASSA, ANA SOFIA CORDEIRO<br />
REVISÃO ANA SOFIA MASSA<br />
PAGINAÇÃO MÁRIO CORRÊA, RAQUEL AMARAL E CARINA<br />
COELHO<br />
CAPTAÇÃO E EDIÇÃO DE IMAGEM RODRIGO RAPOSO E<br />
MIGUEL CÂMARA<br />
DEPARTAMENTO DE MARKETING, COMUNICAÇÃO E IMAGEM<br />
CILA SIMAS E RAQUEL AMARAL<br />
PUBLICIDADE RAQUEL AMARAL E TÂNIA MACHADO<br />
MULTIMÉDIA RODRIGO RAPOSO, RAFAEL ARAÚJO E MÁRIO<br />
CORRÊA<br />
INFORMÁTICA JOÃO BOTELHO<br />
RELAÇÕES PÚBLICAS CILA SIMAS<br />
Nº REGISTO ERC 126 641<br />
COLABORADORES ANTÓNIO VENTURA, JOÃO CASTRO,<br />
RICARDO SILVA<br />
CONTACTOS MARKETING@AGENDADENOVIDADES.COM<br />
ESTATUTO EDITORIAL:<br />
A NO É UMA REVISTA DE ÂMBITO REGIONAL (NÃO FICANDO<br />
EXCLUÍDOS OS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA E<br />
COMUNIDADES PORTUGUESAS ESPALHADAS PELO MUNDO).<br />
A NO DISPONIBILIZA INFORMAÇÃO INDEPENDENTE E<br />
PLURALISTA RELACIONADA COM A POLÍTICA, CULTURA<br />
E SOCIEDADE NUM CONTEXTO REGIONAL, NACIONAL E<br />
INTERNACIONAL.<br />
A NO É UMA REVISTA AUTÓNOMA, SEM QUALQUER<br />
DEPENDÊNCIA DE NATUREZA POLÍTICA, IDEOLÓGICA E<br />
ECONÓMICA, ORIENTADA POR CRITÉRIOS DE RIGOR, ISENÇÃO,<br />
TRANSPARÊNCIA E HONESTIDADE.<br />
A NO É PRODUZIDA POR UMA EQUIPA QUE SE COMPROMETE<br />
A RESPEITAR OS DIREITOS E DEVERES PREVISTOS NA<br />
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; NA LEI DE<br />
IMPRENSA E NO CÓDIGO DEONTOLÓGICO DOS JORNALISTAS.<br />
A NO VISA COMBATER A ILITERACIA, INCENTIVAR O GOSTO<br />
PELA LEITURA E PELA ESCRITA, MAS ACIMA DE TUDO,<br />
PROMOVER A CIDADANIA E O CONHECIMENTO.<br />
A NO REGE-SE PELO CUMPRIMENTO RIGOROSO DAS NORMAS<br />
ÉTICAS E DEONTOLÓGICAS DO JORNALISMO E PELOS<br />
PRINCÍPIOS DE INDEPENDÊNCIA E PLURALISMO.<br />
À MESA COM<br />
Miguel Sousa Lima<br />
fundador da Clínica de São Gonçalo<br />
04 NODEZ20
ENTREVISTA<br />
ENTREVISTA<br />
Sejam bem-vindos ao “À Mesa Com”<br />
aqui no Restaurante da Associação<br />
Agrícola, nesta primeira revista do<br />
ano e naquela que vai ser a nossa<br />
primeira entrevista do ano. Estamos<br />
com o Doutor Miguel Sousa Lima,<br />
ele que é proprietário da Clínica de<br />
São Gonçalo, a clínica que faz sorrisos<br />
a muitos de nós açorianos e não só.<br />
Vamos tentar que o ano de <strong>2021</strong> seja<br />
com mais sorrisos. Doutor Miguel,<br />
muito obrigada por ter vindo. Eu<br />
gostaria de começar a entrevista com<br />
uma pergunta muito básica. Como é<br />
que foi a sua infância para vir dar a<br />
este objetivo que foi ser dentista?<br />
Bom, isso é uma pergunta super<br />
interessante. Acho que a infância é<br />
realmente a parte mais importante.<br />
Há alguns anos atrás eu vi o Nabeiro<br />
falar e dizer “paguem muitos cursos<br />
aos vossos filhos, mas principalmente<br />
viajem mais”, ou seja, os cursos<br />
são importantes, mas viajar muito<br />
é muito importante também. Eu,<br />
felizmente, tive desde o meu avô que<br />
foi uma pessoa que viajava imenso,<br />
ao meu pai e o meu pai fazia comigo<br />
o mesmo e eu tento fazer isso com os<br />
meus filhos. Acho que isto permite<br />
ter uma visão global do planeta onde<br />
estamos inseridos e vemos muitas<br />
oportunidades e acho que a minha<br />
infância foi uma infância muito feliz,<br />
muito na rua ao contrário do que hoje<br />
em dia acontece. Não tínhamos nada<br />
dessas coisas dos tablets e tal. Tinha<br />
dez anos quando tivemos aqueles<br />
primeiros spectrum 48k, aquelas<br />
cassetes horrorosas que levava muito<br />
tempo a abrir. Eu acho que foi um<br />
privilégio nascer nos Açores e vir<br />
viver neste paraíso.<br />
E como é que surgiu depois a carreira<br />
ENTREVISTA EM<br />
VÍDEO NA VERSÃO<br />
DIGITAL<br />
06 NODEZ20
ENTREVISTA<br />
ENTREVISTA<br />
de dentista? Normalmente no décimo<br />
ano é que se faz aquela escolha da<br />
área científica ou de humanidades.<br />
Quando é que surgiu o gosto? Foi<br />
antes?<br />
Não. Isto é uma coisa engraçada. O<br />
meu pai é veterinário e eu estava até<br />
a pensar ir para veterinária e por<br />
acaso naquele ano nós tínhamos o<br />
contingente Açores e toda a gente<br />
quis ir para veterinária e eu acabei<br />
por entrar em dentária quando devia<br />
era entrar em veterinária, mas os<br />
três anos são básicos e são iguais. Eu<br />
sempre tive essa coisa engraçada que<br />
eu sempre gostei de muita coisa e na<br />
realidade não gostava de nada em<br />
concreto. Por isso fui para a área de<br />
ciências porque achava que dava mais<br />
hipóteses de escolher várias áreas. Na<br />
realidade, eu acho que até engenharia<br />
agrónoma eu gostava de ter tirado.<br />
Eu adoro plantas e faço imensas<br />
experiências com isso, portanto<br />
eu acho que hoje em dia se me<br />
perguntarem ou um jovem perguntarme<br />
“o que é que devo fazer?” eu acho<br />
que deves escolher um nicho de<br />
mercado, focares-te neste nicho de<br />
mercado, fazendo uma coisa que tu<br />
realmente gostes, sejas cozinheiro,<br />
dentista, qualquer curso, mas o que<br />
importa é fazer uma coisa que se goste<br />
e isso é a parte mais importante.<br />
Miguel, depois de tirar o curso<br />
de medicina dentária, depois da<br />
especialização surgiram novos<br />
projetos. Queria que me contasses um<br />
bocadinho dessa transição. Depois<br />
de terminar o curso, o que é que<br />
aconteceu ao Miguel?<br />
Quando eu acabei o curso o que<br />
aconteceu ao Miguel é que ele não<br />
conhecia quase ninguém dentista. A<br />
minha família não tinha nada a ver<br />
com dentária. O meu pai não tinha<br />
quase nenhum conhecimento. Então,<br />
o Miguel pegou num “currículozinho”<br />
e foi bater à porta desde Lisboa entre<br />
Santarém até Sesimbra numa área<br />
gigantesca a entregar currículos e a<br />
ver qual era a tentativa de ter algum<br />
sucesso. Claro, consegui algum biscate<br />
aqui e outro ali, um consultório ali<br />
e acolá. Entretanto, eu acabei com<br />
uma média suficientemente boa<br />
e fui convidado a ser professor na<br />
Faculdade, porque nós acabámos<br />
os cursos, mas quando saímos não<br />
tínhamos experiência nenhuma.<br />
Então, eu optei por duas coisas:<br />
uma, fazer uma pós-graduação em<br />
cirurgia e implantologia e aproveitei<br />
para ir para a área da endodontia e<br />
desvitalizações. Na faculdade, ser<br />
professor…na realidade eu fui para lá<br />
para aprender do que propriamente<br />
ensinar. Foi uma experiência incrível<br />
quando depois disto fui fazer esta<br />
especialização só que, entretanto,<br />
o meu pai disse “vais fazer uma<br />
especialização em implantologia,<br />
mas achas que alguma vez vais<br />
trabalhar nos Açores?”. Era um tema<br />
interessante naquela altura e eu disse<br />
“é uma cosia que eu gosto realmente<br />
e eu vou especializar-me” e fi-lo e não<br />
estou nada arrependido.<br />
Depois surge também a clínica de<br />
São Gonçalo. Este novo projeto que<br />
já tem anos, mas que a cada ano que<br />
passa é mais um sucesso a arrecadar.<br />
Conte-nos um bocadinho da história<br />
da Clínica de São Gonçalo e de como<br />
08 NODEZ20
ENTREVISTA<br />
ENTREVISTA<br />
surgiu este projeto e de como foi uma<br />
inovação na altura.<br />
Naquela altura aconteceu uma coisa<br />
muita engraçada, porque eu estava<br />
na tal parceria com a faculdade de<br />
Yorba Linda e a Faculdade de Lisboa,<br />
medicina dentária de Lisboa, a fazer<br />
a pós-graduação em implantologia<br />
quando se dá o 11 de setembro e os<br />
estudantes estrangeiros são obrigados<br />
a não entrar nos Estados Unidos da<br />
América. Só que naquela altura eu já<br />
tinha a clínica e o meu pai já estava<br />
a montar, arranjou-me o espaço<br />
e estava a montar a clínica cá. Eu<br />
lembro-me perfeitamente de pensar<br />
às vezes “e se eu tivesse estado mais<br />
nos Estados Unidos? Como é que teria<br />
sido a minha vida?”. Às vezes é aquele<br />
tipo de questões que se pergunta.<br />
Na altura, venho para a clínica com<br />
muita vontade de tecnologia. Sempre<br />
adorei tecnologia, adoro tecnologia,<br />
continuo a adorar tudo o que é<br />
tecnologia, continuo a adorar tudo<br />
o que é gadgets e isso tudo é o meu<br />
problema. Agora que estamos no<br />
Natal é uma chatice, mas quis fazer<br />
uma clínica exatamente especializada<br />
em tecnologia, principalmente uma<br />
clínica que pudesse transformar<br />
sorrisos e em que isso transforma<br />
a vida das pessoas. Na altura ainda<br />
não tinha bem a noção, porque não<br />
conhecia bem como é que era aqui a<br />
população nos Açores, como é que<br />
eram as coisas e isso são coisas que se<br />
vão construindo, digamos assim.<br />
Miguel, quando abriste a clínica<br />
depois de teres visto o que era a<br />
realidade açoriana, achas que, no<br />
teu entender, a clínica veio fazer a<br />
diferença naquilo que é inovação,<br />
porque há muitas pessoas que pensam<br />
que as clínicas dentárias são para<br />
arranjar um dente, para pôr um pivot<br />
mas é muito mais para além disso e,<br />
hoje em dia, há muito mais para saber<br />
além do pôr o dente e tirar o dente.<br />
Bom, isso é uma coisa muito<br />
interessante. O que é que as pessoas<br />
esperam de um dentista, não é? De<br />
uma forma geral, as pessoas esperam<br />
não ter dor. Isso é o que as pessoas<br />
esperam. Tudo o resto que tu podes<br />
dar como opção à pessoa vem por<br />
acréscimo. Queres fazer um implante,<br />
queres fazer uma ponte, queres fazer<br />
uma prótese removível… Eu acho<br />
que é muito importante a relação<br />
médico-paciente. Eu acho que isto<br />
é fundamental, esta qualidade nos<br />
médicos e perceber o que é que as<br />
pessoas precisam. Se dizes que a<br />
minha clínica foi cá revolucionária,<br />
na realidade quando eu cá cheguei já<br />
havia umas clínicas bastante boas até,<br />
sinceramente, com colegas que faziam<br />
muitas coisas espetaculares. Neste<br />
sentido, eu não cheguei chegando e<br />
era aqui a grande novidade, não. O<br />
que eu acho é que até àquela altura<br />
havia pouco. O meu pai pensava<br />
“vais fazer implantes nos Açores”,<br />
porque realmente eu comecei a fazer<br />
implantes nos Açores há quase 20<br />
anos e naquela altura eu próprio<br />
não tinha noção da capacidade que<br />
nós poderíamos ter. Isso é outra das<br />
coisas, nós temos nos portugueses<br />
e não só, nos açorianos, mais ainda,<br />
aquela desculpa de “nós somos<br />
010 NODEZ20 011<br />
NODEZ20
ENTREVISTA<br />
ENTREVISTA<br />
pequenos demais”. Portugal está na<br />
ultraperiferia Europeia, os Açores estão<br />
no meio do mar. Ainda no outro dia eu<br />
vi uma entrevista até que o meu irmão<br />
dava para o Observador que dizia “o mar<br />
pode ser visto com os olhos fechados ou<br />
como uma oportunidade de expandirmos”.<br />
Foi assim que Portugal descobriu o<br />
mundo inteiro e eu acho que isto é muito<br />
importante. Por exemplo, a tecnologia<br />
que desenvolvi, desenvolvi porque estava<br />
aqui nos Açores, porque se eu estivesse em<br />
Lisboa, provavelmente com milhares de<br />
laboratórios ao meu lado, eu não tinha essa<br />
necessidade de ser criativo e de ir buscar<br />
outras coisas.<br />
Tu tentaste apetrechar a clínica de<br />
utensílios ou de, não sei muito bem como<br />
se chama aqueles aparelhos todos, que<br />
trouxeram inovação, ou seja, trouxeram<br />
aquela necessidade. Começou também a<br />
ser colocado nas pessoas que só se vai ao<br />
dentista porque se tem uma dor. Vai-se ao<br />
dentista porque faz parte da saúde. É nessa<br />
questão que eu queria que falasses um<br />
pouco. É que, no fundo, tu quiseste passar<br />
isso, a tua clínica quis passar isto para o<br />
cliente, o paciente.<br />
Sim, exato. Essa do cliente, paciente é<br />
engraçado. Eu costumo dizer que o cliente é<br />
da porta do gabinete para fora e o paciente<br />
é da porta do gabinete para dentro. Era uma<br />
piada que tínhamos com um gestor de há<br />
uns anos atrás. A saúde não se desassocia.<br />
Não há saúde oral, eu não gosto muito<br />
do termo saúde oral, porque acho que a<br />
saúde é uma coisa global e que está tudo<br />
interligado. Portanto, para termos uma<br />
pequena noção, a maior parte dos setores<br />
de uma pessoa estão na boca, nos dentes.<br />
Ao mesmo tempo os olhos também são um<br />
dos próprios setores principais. Posso ter<br />
uma dor na coluna porque a tua oclusão<br />
não está correta, está tudo interligado e é<br />
esta multidisciplinaridade, hoje em dia, da<br />
medicina que eu acho que é fantástica. Hoje<br />
em dia, trabalhamos com equipas desde<br />
cirurgiões capilares, cirurgiões plásticos,<br />
especializados em faces por exemplo. É tudo<br />
isto, esta equipa. Aconteceu que naquela<br />
altura um colega meu muito conhecido<br />
que era o Miguel Stanley lançou a tour ‘Eu<br />
preciso de ajuda em Portugal’. O Miguel<br />
Stanley foi talvez das pessoas que mais<br />
fizeram pela medicina dentária em Portugal.<br />
Outro termo que acho muito mau é dizerem<br />
que a cirurgia dentária é o parente pobre<br />
da medicina. Eu não concordo nada com<br />
isso quando eu acho que nós devemos estar<br />
na vanguarda. O Miguel fê-lo através da<br />
televisão, fê-lo porque tem uma capacidade<br />
extraordinária de comunicação e aquele<br />
programa é que mudou muito. Naquela altura<br />
o que eu fiz e aí acho que fui oportunista, vi<br />
oportunidade, não é? Foi ver os programas<br />
num bom sentido, foi ver o que é que as<br />
pessoas procuravam e tentar canalizar isto<br />
para cá, para o nosso mercado e para a nossa<br />
realidade e foi isso que fizemos que era não<br />
só as pessoas tiravam as dores dos dentes às<br />
pessoas, mas sim a capacidade de restituir<br />
àquela pessoa as capacidades de função e não<br />
só estética. Repara, um sorriso é uma coisa<br />
super importante, pois não só a tua imagem é<br />
importante para uma entrevista de emprego,<br />
para arranjar um companheiro, é tanta coisa<br />
012 NODEZ20<br />
013<br />
NODEZ20
ENTREVISTA<br />
ENTREVISTA<br />
que podemos fazer, é a tua própria<br />
autoestima, influencia a vários níveis,<br />
até psicológico, digamos assim.<br />
Miguel, eu sei que andaste um pouco<br />
pelo mundo desde a juventude, mas<br />
também a nível profissional. Eu<br />
gostava que me falasses de uma ou<br />
duas experiências que tiveste nesse<br />
mundo da medicina dentária em<br />
qualquer parte do mundo.<br />
Se eu tiver que definir países onde<br />
eu estive que mais me fascinaram,<br />
um deles foi Cuba. Fiz lá um estágio<br />
de meses em cirurgia no hospital<br />
Joaquín Albarrán. Para mim,<br />
foi uma experiência muito boa,<br />
porquê? Porque os médicos lá são<br />
extraordinários, fazem omoletes sem<br />
ovos. Eu aprendi a desenrascar-me,<br />
literalmente, lá e dar valor àquilo<br />
que nós temos. Nós, por definição,<br />
queixamo-nos todos os dias daquilo<br />
que nós temos, mas chegar a um<br />
país no qual as pessoas vivem<br />
miseravelmente, onde tu não sabes<br />
que o teu professor, um médico<br />
cirurgião na altura, um cirurgião,<br />
com experiência fantástica, com 50<br />
e tal anos, e tu perguntares se ele vai<br />
querer o resto da tua pasta de dentes<br />
porque lá uma pasta de dentes é<br />
um mês de ordenado. Sim, porque<br />
uma pasta de dentes equivale a um<br />
mês de ordenado deles, então fazte<br />
pensar um bocado na vida. Eu<br />
acho que Cuba foi fascinante. Eu,<br />
por exemplo, tinha estado lá com<br />
os meus pais de férias antes e, como<br />
qualquer turista tonto, pedia para<br />
cantarem o Che Guevara e aquelas<br />
piadas todas e depois apercebi-me do<br />
terror que aquelas pessoas viviam e<br />
à porta fechada dentro de um bloco<br />
operatório falava-se de coisas que não<br />
se falava na comunicação social e não<br />
apareciam em lado nenhum. Essa,<br />
por exemplo, foi uma das grandes<br />
experiências que tive. Posso dizerte<br />
que outro país que me fascinou e<br />
onde eu tive também na faculdade<br />
de Telavive, foi Israel. Aquilo tornanos,<br />
a nós, o berço talvez de muitas<br />
religiões, para quem tem religião ou<br />
não, mas independentemente das<br />
nossas crenças religiosas é um país<br />
fantástico e aí está outro bom exemplo<br />
do que é um país ultraperiférico<br />
planetário, rodeado de países que os<br />
odeiam de morte e é uma das maiores<br />
potências em medicina dentária, em<br />
implantologia por exemplo. Outro<br />
país a que também dedico uma das<br />
maiores experiências que tive foi na<br />
Tunísia a dar uma palestra. É isso a<br />
importância de um jornalismo de<br />
qualidade e não aquele jornalismo<br />
sensacionalista. Quando me<br />
convidaram e disseram “vais dar uma<br />
palestra para a Tunísia?” eu pensei<br />
assim “eu vou falar para os tunisinos”.<br />
Eu lembro-me perfeitamente de estar<br />
a voar de Paris para Tunes e pensar<br />
assim: “Deixa-me beber aqui o último<br />
copo de vinho porque eu vou chegar<br />
lá e nada. Não, qual quê, chego lá e<br />
malta super festiva, coisas diferentes,
ENTREVISTA<br />
ENTREVISTA<br />
obviamente. Os homens dançam com<br />
homens, as mulheres não dançam<br />
muito, são coisas assim, mas super<br />
festivos, foi super engraçado, uma<br />
grande experiência. No final, a única<br />
coisa que eu estranhei foi na entrega<br />
dos diplomas. Eu na minha vida só<br />
tinha beijado dois homens, o meu<br />
irmão e o meu pai e agora tinha que<br />
beijar todos os homens e as mulheres<br />
um aperto de mão e aquilo foi um<br />
bocado estranho a entrega dos<br />
diplomas no final, era cada um mais<br />
barbudo do que o outro, mas acho que<br />
são essas coisas que nos enriquecem<br />
culturalmente e passamos a ter uma<br />
perceção do mundo diferente. Se<br />
todos viajássemos mais, acho que<br />
havia muito menos guerras.<br />
Olha, eu sei que tens uma grande<br />
paixão pelos Estados Unidos. Eu<br />
sei que o teu irmão esteve há pouco<br />
tempo nos Estados Unidos e tu<br />
poderias também estar nos Estados<br />
Unidos, mas escolheste os Açores.<br />
É, é um facto. Eu adoro os Estados<br />
Unidos. Para já eu acho que nós<br />
Açorianos estamos entre os dois<br />
mundos. Há bocadinho falávamos e<br />
eu comentava exatamente isso, eu às<br />
duas por três senti que estava tanto<br />
a ir para os Estados Unidos, que<br />
estava quase mais perto dos Estados<br />
Unidos do que realmente do nosso<br />
país, de Portugal. Eu acho que nós<br />
nos Açores temos essa ambiguidade<br />
entre os dois mundos, não é? Vivemos<br />
aqui no meio da banheira e é sempre<br />
aquele pensamento muito nos Estados<br />
Unidos em relação à Europa. O que<br />
eu gosto nos Estados Unidos é que é<br />
uma terra de oportunidades, todos<br />
nós sabemos, mas o que eu mais<br />
gosto nos Estados Unidos é o facto de<br />
ser valorizada a meritocracia. Uma<br />
sociedade baseada onde as pessoas<br />
trabalham em mérito e onde falhar<br />
faz parte do processo. Uma das coisas<br />
que eu acho piada nos Americanos é<br />
que eles falham imenso enquanto que<br />
aqui é visto como quase um insucesso,<br />
apontar o dedo e falar dessas pessoas<br />
porque falharam seja a nível pessoal,<br />
seja a nível profissional. Lá não, falhar<br />
faz parte do processo e quantas mais<br />
vezes falhares mais probabilidade tens<br />
e quanto mais rapidamente superares<br />
esse obstáculo, mais oportunidade<br />
tens de ter sucesso. Eu adoro<br />
realmente os Estados Unidos por<br />
isso mesmo, por essa cultura que eles<br />
têm do empreendedorismo e ligada à<br />
meritocracia. É claro que a coisa que<br />
eu mais gosto nos Estados Unidos<br />
são as minhas duas sobrinhas que<br />
são Americanas, essa é a parte que eu<br />
gosto mais.<br />
Miguel, novos projetos. O que é que<br />
está escondido ou o que é que está<br />
neste momento na forja para sair?<br />
Olha, não vos posso revelar já. Eu<br />
tenho estado em conversações,<br />
porque ainda não fechamos, não<br />
chegamos a acordo ainda com o<br />
hospital, provavelmente quando essa<br />
entrevista for para o ar já temos uma<br />
resposta em relação a isto, mas eu<br />
sinceramente acho que o hospital<br />
privado dos Açores poderá ser um<br />
grande fenómeno que poderá vir a<br />
acontecer nesta região. Por vários<br />
motivos, por causa do turismo<br />
médico, das nossas comunidades ou<br />
mesmo essa diáspora que existe nos<br />
Estados Unidos. É uma oportunidade<br />
para eles virem cá. Sim, porque nos<br />
Estados Unidos a medicina dentária, a<br />
medicina geral é estupidamente cara.<br />
Porquê? Porque estás a pagar pelos<br />
processos todos. Mais de metade do<br />
salário de um médico é para pagar<br />
os processos judicias que existem,<br />
portanto é ridiculamente caro. Ou<br />
seja, uma coisa que aqui pode custar<br />
016 NODEZ20 017<br />
NODEZ20
ENTREVISTA<br />
ENTREVISTA<br />
500 euros, lá custa 5 mil dólares e o<br />
material é mais ou menos o mesmo e a<br />
gente acha “os americanos consolamse<br />
e estão a ganhar muito dinheiro”.<br />
Não, não estão, infelizmente, quem<br />
está a ganhar dinheiro com isto são as<br />
seguradoras.<br />
Por exemplo, já agora que levantaste<br />
isto, muitos dos teus clientes da<br />
Clínica de São Gonçalo são das<br />
nossas comunidades. Muitos dos<br />
nossos leitores que ouvem e leem<br />
essa entrevista serão com certeza ou<br />
terão alguém conhecido que frequenta<br />
a tua clínica. Como é que vês este<br />
fenómeno de vir tanta gente aqui para<br />
o meio do oceano e se calhar não são<br />
só açorianos, são também ligados<br />
ao continente e americanos mesmo.<br />
Porquê este fenómeno? O serviço é<br />
melhor?<br />
Há vários fatores que podem explicar<br />
isso. Um é exatamente esse, é o fator<br />
preço, não há dúvida que entra na<br />
equação claramente. É a tal história<br />
nos Estados Unidos de que as coisas<br />
se tornam muito caras exatamente<br />
por causa dos seguros que os médicos<br />
têm de pagar. Além disso acontece<br />
que nós em Portugal, talvez as pessoas<br />
não saibam, mas Portugal é um dos<br />
países mais desenvolvidos em medica<br />
dentária do planeta e devemos isso aos<br />
brasileiros porque foram os brasileiros<br />
que vieram para Portugal numa<br />
altura em que a medicina dentária era<br />
uma muito arcaica e os portugueses<br />
tiveram de se adaptar com um dos<br />
povos mais desenvolvidos do mundo<br />
em estética não só dentária, mas<br />
também na cirurgia plástica. Não é<br />
à toa que temos grandes exemplos<br />
de grandes clínicas que se fizeram<br />
em Portugal e que se espalharam um<br />
pouco por todo o globo. Eu também<br />
tive o privilégio de ter a sorte de<br />
nos Açores termos a RTP Açores<br />
que é um programa que passa na<br />
RTP Internacional que é a Consulta<br />
Externa e passa em prime time nos<br />
Estados Unidos. Isso significa que<br />
ao fim de muitos anos, hoje em<br />
dia, temos cerca de 30% dos nossos<br />
clientes da Clínica de São Gonçalo,<br />
tirando este ano atípico do covid,<br />
obviamente, mas 30% são americanos<br />
ou luso-descendentes ou até já<br />
pessoas que casaram com americanos<br />
e que já vinham cá. Estou aqui a<br />
lembrar-me diretamente de um caso<br />
em concreto do Eduardo Schumann,<br />
mas de outros que nos procuraram e<br />
isso é muito gratificante.<br />
Mas uma das coisas que se costuma<br />
dizer da medicina dentária, não<br />
estou a falar das outras medicinas,<br />
em específico, a medicina dentária<br />
está muito mais desenvolvida na<br />
Europa do que propriamente nos<br />
Estados Unidos e tu és um dos rostos<br />
principalmente de Portugal senão<br />
do top 10 a nível da Europa. Com<br />
este reconhecimento, como é esta<br />
sensação?<br />
Eu posso dizer que acima de tudo<br />
é realmente muito gratificante. É<br />
muito gratificante pela causa, pelo teu<br />
empenho, porque eu acho que quando<br />
tens o privilégio de o teu trabalho<br />
virar o teu hobby e conseguires com<br />
isto alcançar isso, porque realmente<br />
isso em termos monetários não dá<br />
nada, mas dá-te muito mais, é muito<br />
mais overwhelming, é aquilo que te<br />
vai realizar completamente e eu acho<br />
que enche completamente e depois<br />
tens o privilégio de conhecer pessoas<br />
de todo o lado, poderes viajar para<br />
todo o lado, explicares o teu ponto de<br />
vista. Eu começo e acabo sempre as<br />
minhas palestras com uma cauda de<br />
uma baleia a dar, eu já tive pessoas<br />
que vieram viajar, estou a lembrarme<br />
da Cláudia Cordati, uma médica<br />
dentista de San Diego que veio aqui<br />
aos Açores porque ouviu falar disto<br />
018 NODEZ20 019<br />
NODEZ20
ENTREVISTA<br />
ENTREVISTA<br />
e que isto era parecido com o Havai<br />
porque eu lhe tinha mostrado, e são<br />
essas coisas que eu acho que são<br />
fantásticas e teres amigos no planeta<br />
todo. Hoje em dia, às vezes, tenho<br />
chatices é com os jogos de futebol, às<br />
vezes é difícil porque eu gosto tanto<br />
de alguns países.<br />
Mas explica aqui aos nossos, explica<br />
aqui a quem está a ler e a ouvir-nos, o<br />
que é que é isso da AIC?<br />
O AIC é um centro de formação<br />
global de uma marca coreana já há<br />
uns anos valentes. Para começar, eu<br />
adoro a Ásia e adoro a mentalidade<br />
coreana, porquê? Porque os coreanos<br />
são “brincar é brincar e trabalhar<br />
é trabalhar”, mas quando eu digo<br />
trabalhar lá é trabalhar. Nós achamos<br />
que o norte da Europa, achamos que<br />
os alemães são assim, mas os alemães<br />
ao pé dos coreanos são pouco e isso é<br />
interessante, nós vemos a perspetiva<br />
do workaholic, lá é mesmo levado<br />
ao mais amplo sentido da palavra e<br />
são muito focados. Não é à toa que<br />
a Coreia é um país do tamanho de<br />
Portugal, que tem por aí 700 km lés<br />
a lés do tamanho de Portugal. É um<br />
país que tem a Samsung, se a gente for<br />
ver tem a terceira maior empresa do<br />
mundo de implantologia e o que faz<br />
é para uniformizar os cursos a nível<br />
planetário, forma diretores de cursos<br />
europeus como no caso somos 12 e<br />
depois esses diretores de curso dão<br />
as palestras. Fizemos um centro de<br />
formação que estamos a construir que<br />
era para termos montado este ano. Eu<br />
estava em França a fazer o centro de<br />
formação em Paris quando aconteceu<br />
esta história, quando rebentou o covid<br />
e eu tive só tempo de voltar para<br />
trás, mas ao mesmo tempo o covid<br />
foi outra grande abertura porque<br />
eu passei a dar grande parte das<br />
palestras online e então nós podemos<br />
aproveitar as coisas piores que nos<br />
acontecem para tentar ver o que<br />
podemos aprender com isto e isso foi<br />
uma das coisas que aprendi.<br />
Miguel, eu gostaria que deixasses<br />
uma mensagem como médico para<br />
os nossos leitores, pela primeira<br />
revista de <strong>2021</strong>, como médico de<br />
sorrisos porque passas também<br />
a ser conhecido assim, uma<br />
mensagem para todos eles a respeito<br />
precisamente daquilo que é a saúde<br />
oral que tu não gostas que se trate<br />
assim, mas dá-lhe outro nome.<br />
A minha mensagem para todos é<br />
que este ano esperemos todos nós<br />
que <strong>2021</strong> seja um ano onde haja<br />
mais sorrisos do que em 2020. Foi<br />
um ano caracterizado por função<br />
da pandemia da covid, por termos<br />
visto e termos equacionado muitas<br />
coisas, inclusive o que estamos aqui<br />
a fazer, se estamos no caminho certo.<br />
Acho que foi fantástico, para mim foi<br />
um ano fantástico, aqueles meses de<br />
clausura fizeram muita introspeção<br />
sobre mim mesmo, sobre o que eu<br />
pretendia para a minha vida. Acho<br />
que todos nós podemos ter ganho<br />
muito com isso.<br />
Do negativo tirar o positivo?<br />
Eu acho que isto é a mensagem. É<br />
claro que eu espero que <strong>2021</strong> seja um<br />
ano que a gente possa rir bastante e<br />
que as vacinas tenham muito sucesso<br />
e vamos todos ter esperança que esta<br />
coisa vai melhorar.<br />
020 NODEZ20 021<br />
NODEZ20
PUB<br />
PUB<br />
GRUPO<br />
9600-549 Ribeira Grande<br />
geral@grupoideal.pt<br />
022 NODEZ20 023<br />
NODEZ20
ENTREVISTA<br />
ENTREVISTA<br />
AEXPERIÊNCIA<br />
JOVENS<br />
DOS<br />
PARLAMENTO NO<br />
AÇORIANO<br />
POR CLÁUDIA CARVALHO<br />
Em virtude das eleições do passado<br />
dia 25 de outubro de 2020, foram<br />
eleitos três jovens para o parlamento<br />
açoriano de três partidos – PS,<br />
PSD e PPM. Os deputados foram<br />
eleitos pelos círculos eleitorais de<br />
São Miguel e Flores e têm idades<br />
compreendidas entre os 28 e os<br />
31. Todos prometem defender os<br />
interesses dos jovens açorianos<br />
perante os desafios que enfrentam<br />
no que respeita ao acesso ao<br />
emprego e na definição de melhores<br />
políticas para a juventude. A NO<br />
entrevistou, assim, os três jovens<br />
que desempenham funções durante<br />
a próxima legislatura.<br />
024 NODEZ20 025<br />
NODEZ20
ENTREVISTA<br />
ENTREVISTA<br />
FLÁVIO<br />
SOARES<br />
Deputado do PSD/A e Presidente da JSD<br />
Sou um jovem, de 31<br />
anos, que se orgulha de<br />
ter agora a oportunidade<br />
de servir os Açores na<br />
Assembleia Legislativa.<br />
Nasci na Feteira Pequena,<br />
no Nordeste, mas resido<br />
em Ponta Delgada há<br />
cerca de 10 anos.<br />
“<br />
FALE-NOS<br />
SOBRE SI – DO<br />
SEU PERCURSO<br />
PESSOAL,<br />
ACADÉMICO E<br />
PROFISSIONAL.<br />
Depois de concluir o curso de<br />
Técnico de Gestão de Equipamentos<br />
Informáticos na Escola Profissional<br />
de Nordeste, decidi vir para<br />
Ponta Delgada para ter mais<br />
oportunidades de emprego, mas<br />
nunca abandonei o meu concelho.<br />
Fui, durante cerca de 10 anos,<br />
colaborador da Fundação Gaspar<br />
Frutuoso, destacado no Instituto<br />
de Investigação em Vulcanologia<br />
e Avaliação de Riscos (IVAR) da<br />
Universidade dos Açores onde<br />
pratiquei atividades relacionadas<br />
com a operação e manutenção da<br />
Estação Internacional de Infrassons,<br />
integrada nas Nações Unidas e<br />
instalada na ilha Graciosa.<br />
Durante todos estes anos de<br />
experiência, tive a oportunidade de<br />
participar em diversos Workshops<br />
e Formações Internacionais<br />
relacionados com a minha atividade<br />
e ainda tive a oportunidade de ser<br />
autor e coautor de várias publicações<br />
e apresentações científicas quer<br />
a nível nacional, quer a nível<br />
internacional.<br />
Sou Presidente da JSD Açores desde<br />
2017, estando já a terminar o meu<br />
segundo e último mandato.<br />
026 NODEZ20 NODEZ20 027
ENTREVISTA<br />
ENTREVISTA<br />
Quem me conhece sabe que venho de uma família humilde e<br />
trabalhadora, onde sempre foi imposto que é preciso trabalhar<br />
para se conseguir alcançar os nossos objetivos e onde o<br />
respeito pelos outros, independentemente de tudo, deve estar<br />
sempre em primeiro lugar. Nada se consegue sem trabalho e<br />
tem sido essa a minha lei de vida. Trabalhar para conseguir<br />
alcançar objetivos.<br />
Desde muito cedo envolvi-me na minha comunidade, quer em<br />
atividades religiosas, quer em atividades culturais e sociais.<br />
Lutei e trabalhei pela vida e isso faz de mim uma pessoa com<br />
enorme orgulho no percurso sério e dedicado que mantive até<br />
aos dias de hoje e quero continuar a ter com o novo desafio<br />
que vou enfrentar nos próximos quatro anos.<br />
O interesse<br />
pelo campo<br />
político<br />
começou a<br />
manifestar-se<br />
desde novo?<br />
Se sim, porquê?<br />
Sempre me interessei pela política,<br />
gostava de acompanhar os debates<br />
da Assembleia da República e de<br />
ouvir alguns comentadores sobre<br />
a atualidade política. Apenas<br />
com 22 anos de idade me envolvi<br />
na Juventude Social Democrata<br />
porque sentia que devia e queria<br />
contribuir para o desenvolvimento<br />
da minha região. Toda a restante<br />
responsabilidade foi surgindo aos<br />
poucos, sem me aperceber do que<br />
estava acontecendo. Hoje tenho a<br />
responsabilidade de ser deputado<br />
regional, mas sem amarras aos<br />
cargos, apenas e só comprometido<br />
em melhorar a qualidade de vida de<br />
todos os Açorianos, em especial os<br />
mais jovens.<br />
028 NODEZ20 029<br />
NODEZ20
ENTREVISTA<br />
ENTREVISTA<br />
QUANDO E<br />
PORQUE É QUE<br />
SE TORNOU<br />
MEMBRO<br />
INTEGRANTE<br />
DA JUVENTUDE<br />
SOCIAL<br />
DEMOCRATA<br />
DOS AÇORES?<br />
Tudo começou em 2012 quando<br />
decidi integrar o PSD Açores e, por<br />
via disso, a JSD Açores. Acabei por<br />
ficar a conhecer melhor o projeto,<br />
os objetivos e algumas das suas<br />
propostas. Durante todo esse ano,<br />
ano em que se realizaram eleições<br />
regionais, participei em iniciativas<br />
de campanha e acompanhei, por<br />
diversas vezes, algumas ações, isto<br />
sem estar em qualquer órgão da JSD<br />
Açores. Depois, inesperadamente,<br />
ingressei os órgãos da JSD<br />
Nordeste. Longe de mim pensar<br />
que algum dia seria presidente da<br />
JSD Açores. Não foi esse o meu<br />
objetivo inicial. Queria apenas<br />
contribuir com alguma coisa, por<br />
mais insignificante que fosse, mas na<br />
verdade tudo me foi surgindo e fui<br />
adaptando-me às realidades.<br />
É,<br />
ATUALMENTE,<br />
O PRESIDENTE<br />
DA JSD/<br />
AÇORES.<br />
SENTE QUE<br />
O FACTO DE<br />
JÁ ESTAR<br />
INTIMAMENTE<br />
LIGADO À<br />
ÁREA FOI<br />
UM FATOR<br />
FACILITADOR<br />
PARA SI NO<br />
PANORAMA<br />
POLÍTICO<br />
REGIONAL?<br />
Naturalmente que sim, o facto de<br />
ser presidente de uma estrutura<br />
regional dá uma visão e uma<br />
perspetiva diferente das coisas. Tudo<br />
isto fez com que conhecesse pessoas<br />
de todas as ilhas e com capacidades<br />
impressionantes. Isso naturalmente<br />
fez com que tivesse uma projeção<br />
regional que de outra forma não<br />
seria possível. É preciso que os<br />
políticos regionais assumam uma<br />
visão regional, mas diferenciada<br />
para cada ilha. Não podemos<br />
continuar a achar que as medidas<br />
que são implementadas em Santa<br />
Maria terão o mesmo impacto que<br />
aquelas que serão implementadas<br />
na Terceira. Isto nos trará um<br />
desenvolvimento efetivo para todos.<br />
030 NODEZ20 031<br />
NODEZ20
ENTREVISTA<br />
ENTREVISTA<br />
O QUE É QUE<br />
O LEVOU A<br />
ACEITAR O<br />
CONVITE DO<br />
PARTIDO<br />
SOCIAL<br />
DEMOCRATA<br />
PARA<br />
INTEGRAR<br />
A LISTA ÀS<br />
ELEIÇÕES<br />
REGIONAIS?<br />
QUAIS ERAM<br />
AS SUAS<br />
EXPECTATIVAS?<br />
Como já referi anteriormente,<br />
aceitei todos os desafios ao longo<br />
destes anos com o propósito de<br />
servir e de contribuir ativamente<br />
para o desenvolvimento de cada<br />
uma das nossas ilhas e foi isto que<br />
me fez aceitar o desafio proposto<br />
de integrar a lista candidata à<br />
Assembleia Legislativa da Região<br />
Autónoma dos Açores por São<br />
Miguel. Fui indicado pela concelhia<br />
de Nordeste e isto trouxe-me outras<br />
responsabilidades acrescidas.<br />
Não podia virar as costas a uma<br />
responsabilidade destas, de poder<br />
servir o meu concelho natal, a<br />
minha ilha e a nossa Região. O<br />
Nordeste merece ter um deputado<br />
que o represente e que o possa<br />
defender e ser a sua voz. Este é<br />
um dos meus compromissos.<br />
O Nordeste é<br />
um concelho<br />
abandonado<br />
pelos governos<br />
socialistas, que não<br />
cumpriram os seus<br />
compromissos,<br />
alguns deles com<br />
mais de 20 anos.<br />
No entanto, como<br />
presidente da JSD<br />
Açores, considero<br />
que a juventude<br />
deve ter alguém que<br />
os represente. Não<br />
podemos afirmar<br />
que contamos<br />
com a juventude e<br />
depois não incluir os<br />
jovens, em lugares<br />
de destaque, nas<br />
respetivas listas.<br />
A JSD merece e<br />
deve ter alguém<br />
que a represente<br />
no Parlamento<br />
Regional. Não<br />
baixarei os braços<br />
para defender<br />
os interesses da<br />
juventude.<br />
032 NODEZ20 033<br />
NODEZ20
ENTREVISTA<br />
A ÁREA DOS<br />
JOVENS É DE<br />
ESPECIAL<br />
INTERESSE<br />
PARA SI,<br />
SOBRETUDO<br />
PELO CARGO<br />
QUE OCUPA<br />
ENQUANTO<br />
PRESDIDENTE<br />
DA JSD/A. O<br />
QUE PODEM OS<br />
AÇORIANOS,<br />
EM ESPECIAL<br />
OS JOVENS,<br />
ESPERAR DE<br />
SI DURANTE<br />
OS PRÓXIMOS<br />
QUATRO ANOS?<br />
Acredito que poderei dar um<br />
contributo muito grande em<br />
melhorar a qualidade de vida dos<br />
jovens e não só. Não podemos<br />
admitir que as políticas públicas<br />
para a juventude sejam apenas o<br />
cartão Interjovem ou os programas<br />
de estágio. Temos de ir mais longe e<br />
é nisto que acredito que posso dar o<br />
meu contributo, como, aliás, tenho<br />
dado enquanto presidente da JSD<br />
Açores, como referiu.<br />
Os Açores passaram de uma<br />
região a um passo de consolidar o<br />
seu crescimento a uma região de<br />
instabilidade e incerteza, fruto de<br />
sucessivas governações que apenas<br />
visaram a manutenção no poder dos<br />
mesmos de sempre.<br />
Hoje, são os jovens os mais<br />
prejudicados com as opções do<br />
passado recente.<br />
As políticas de juventude devem ser<br />
abrangentes e integrar a conceção<br />
do jovem e do seu projeto de<br />
vida, passando, primeiro, por um<br />
momento de auscultação sem filtros.<br />
Qualquer governo deverá fazer<br />
sua prioridade o bem-estar da sua<br />
população, dependendo deste todo<br />
o sucesso das suas medidas.<br />
A juventude açoriana pode contar<br />
comigo para que, com determinação<br />
e empenho, as poder defender e<br />
apresentar as melhores medidas<br />
e aquelas que vão ao encontro da<br />
resolução dos seus problemas.<br />
Acredito que poderei dar um forte<br />
contributo nesse aspeto e espero não<br />
desiludir.<br />
034 NODEZ20<br />
NODEZ20
ENTREVISTA<br />
HÁ ALGUMA<br />
MENSAGEM<br />
QUE QUEIRA<br />
DEIXAR AOS<br />
NOSSOS<br />
LEITORES?<br />
Para terminar, e de uma forma<br />
muito resumida, penso ser<br />
importante que todos os açorianos<br />
possam dar uma oportunidade a<br />
este governo regional. A alternância<br />
democrática é muito importante<br />
para o próprio espírito livre de cada<br />
um mas, e acima de tudo, para que<br />
não se crie vícios, que num passado<br />
muito recente se veio a confirmar<br />
que se criaram. Estou certo de que<br />
este Governo vai dar o seu melhor<br />
para satisfazer os interesses de<br />
todos os Açorianos e que vão, de<br />
alguma forma, contribuir para<br />
o desenvolvimento de cada uma<br />
das nossas nove ilhas. Os Açores<br />
precisavam desta mudança e vamos<br />
poder confirmar isto mesmo nos<br />
próximos tempos. Os Açorianos só<br />
têm a ganhar com esta mudança,<br />
não a desperdicemos.<br />
036 NODEZ20
ENTREVISTA<br />
ENTREVISTA<br />
GUSTAVO<br />
ALVES<br />
Deputado do PPM/A<br />
Sou o Gustavo Alves, 28 anos,<br />
natural de Ponta Delgada,<br />
freguesia virada a norte na Ilha<br />
das Flores. Conheci, e conheço,<br />
nesta freguesia e ilha, gente<br />
muito diligente, trabalhadora,<br />
que respeita o outro, que<br />
tem sentido de interajuda e<br />
responsabilidade. Atravessam<br />
a ilha só para ir dar uma<br />
“mãozinha” e nada pedir em<br />
troca. Serão pagos um dia com<br />
a sorte e saúde. Faço parte desse<br />
tipo de pessoa... Aquele que, por<br />
outro lado, é ingénuo e a vida<br />
vai ensinando a amadurecer, não<br />
fosse o tempo o melhor professor<br />
e curandeiro.<br />
““<br />
FALE-NOS<br />
SOBRE SI – DO<br />
SEU PERCURSO<br />
PESSOAL,<br />
ACADÉMICO E<br />
PROFISSIONAL.<br />
Durante o meu percurso de<br />
adolescente viajei diversas vezes,<br />
como outros colegas de turma,<br />
para outras ilhas, em actividades<br />
escolares ou desportivas, e também<br />
em férias com a família. Conheci<br />
então outras realidades para além<br />
da vivida na Ilha das Flores e,<br />
sendo um pouco reguila, nunca me<br />
conformei com a diferença do nível<br />
de vida de uma ilha para a outra,<br />
ou mesmo com cidades de Portugal<br />
Continental. Vendo um enorme<br />
potencial em imensas áreas nas<br />
Flores, sempre fui muito sonhador<br />
e criativo nas possíveis soluções<br />
para certos problemas. Mas, como<br />
outros, nunca passei disso. Muito<br />
por falta de capital, local para<br />
começar algo, acesso a ferramentas,<br />
coragem para arriscar e ir contra<br />
todos os que dizem que não vai<br />
dar certo. Ao fim e ao cabo, eu e<br />
outros sonhadores nunca tiveram<br />
uma rampa de lançamento para o<br />
empreendedorismo jovem, logo o<br />
dinheiro no bolso não podia crescer.<br />
038 NODEZ20 NODEZ20 039
ENTREVISTA<br />
ENTREVISTA<br />
Entretanto, estava sem rumo<br />
no ensino secundário e um<br />
amigo aconselhou-me o curso<br />
profissional de Contramestre da<br />
Marinha Mercante. Assim o fiz e<br />
fui marinheiro durante uns anos.<br />
Viajei pela Europa, absorvi coisas<br />
lindas e ideias práticas que se<br />
adoptam nesses países. Contudo,<br />
enjoava muito e tinha grandes<br />
ideias para regressar à ilha mãe e<br />
fazer o meu primeiro negócio. A<br />
pandemia ajudou a deixar os navios,<br />
pois metade da frota para quem<br />
prestava serviços entrou em layup,<br />
acção de encostar os navios em<br />
portos com taxas baixas, desligar<br />
praticamente tudo a bordo, reduzir<br />
ao máximo a tripulação e esperar<br />
por melhores preços de mercado<br />
para reactivar os navios. Regressei<br />
a casa, estive desempregado uns<br />
meses e encontrei trabalho no café<br />
restaurante “O Porto Velho” até às<br />
recentes eleições regionais.<br />
QUANDO É<br />
QUE SURGIU<br />
O INTERESSE<br />
PELO CAMPO<br />
POLÍTICO?<br />
Sempre que pensava na<br />
possibilidade de me envolver na<br />
política passava sempre por me<br />
candidatar a uma junta de freguesia,<br />
mas só quando tivesse um negócio<br />
montado e estivesse com a vida<br />
estável, dedicando-me ao máximo<br />
no governo da freguesia e servidão<br />
das pessoas, esperando assim a<br />
confiança da maioria do eleitorado.<br />
Previa isso acontecer daqui a uma<br />
década… e eis que recebo o convite<br />
do líder regional do PPM, Paulo<br />
Estevão, para integrar uma lista às<br />
eleições regionais.<br />
040 NODEZ20 041<br />
NODEZ20
ENTREVISTA<br />
ENTREVISTA<br />
O QUE É QUE<br />
O LEVOU A<br />
ACEITAR O<br />
CONVITE DO<br />
PPM PARA<br />
INTEGRAR<br />
A LISTA ÀS<br />
ELEIÇÕES<br />
REGIONAIS?<br />
QUAIS ERAM<br />
AS SUAS<br />
EXPECTATIVAS?<br />
Quando recebi o convite pensei<br />
logo nas dificuldades todas que iria<br />
encontrar. Não sendo muito letrado<br />
e com alguns conflitos no cérebro<br />
e defeitos que me atribuo, como<br />
seria encarar a hipótese de ser uma<br />
das vozes do povo no Parlamento<br />
Açoriano! Mas pelo contrário,<br />
sinto que, sendo próximo das<br />
pessoas e sabendo ouvi-las, posso<br />
ajudar o povo a desenvolver as suas<br />
aptidões, aumentar a oferta local e<br />
consequente aumento de receita.<br />
Pensei seriamente no assunto.<br />
As pessoas a quem partilhei o<br />
assunto, na generalidade, tinham<br />
muitas dúvidas de eu conseguir<br />
ser eleito. Seriam precisos muitos<br />
votos, o partido é pequeno e era<br />
um risco para o futuro: se quisesse<br />
concorrer para algo público, seja<br />
emprego ou apoios, o sentimento<br />
é que iriam-me cortar em tudo; se<br />
tivesse algum negócio, que iria ter<br />
várias inspecções à porta só para<br />
vingança. Isto era a realidade vivida<br />
e era a realidade que tinha que ser<br />
combatida. Ser chamado para tal,<br />
para mim é uma honra e avancei<br />
com a convicção de que seria eleito.<br />
O PPM<br />
CONSEGUIU,<br />
PELA PRIMEIRA<br />
VEZ, FORMAR<br />
UM GRUPO<br />
PARLAMENTAR.<br />
COMO É<br />
QUE SERÁ<br />
ACOMPANHAR<br />
O DEPUTADO<br />
PAULO<br />
ESTÊVÃO<br />
PARA ESTES<br />
PRÓXIMOS<br />
QUATRO<br />
ANOS?<br />
Entrar para o Parlamento, pela<br />
primeira vez, ao lado do Paulo<br />
Estêvão, para mim é um prestígio<br />
enorme. Vou aprender muita coisa<br />
com ele e pedir muita ajuda para<br />
elevarmos estas duas pequenas ilhas<br />
esquecidas há anos. As Flores estão<br />
a perder população há décadas, não<br />
há quase outra hipótese de emprego<br />
sem ser nos serviços públicos. A<br />
habitação é um problema actual que<br />
se não se fizer nada a curtíssimo<br />
prazo, estamos a expulsar jovens<br />
desta terra. A saúde está cada vez<br />
pior, “só quem passa é que sabe”,<br />
como diz muita gente, a educação<br />
está esquecida e desvalorizada…<br />
Portanto, o Paulo conseguiu um<br />
Grupo Parlamentar que lhe vai<br />
arranjar mais uns cabelos brancos,<br />
pois a herança nas Flores não é das<br />
mais sustentáveis e planeadas. Assim<br />
como pelos Açores fora… vai dar<br />
trabalho!<br />
042 NODEZ20 043<br />
NODEZ20
ENTREVISTA<br />
ENTREVISTA<br />
EM OUTUBRO, ANTES<br />
DE TER SIDO ELEITO,<br />
GARANTIU QUE TERIA<br />
“UM FORTE EMPENHO”<br />
PARA “ACOMPANHAR<br />
PORMENORIZADA-<br />
MENTE AS OBRAS DE<br />
RECONSTRUÇÃO<br />
DO PORTO DAS<br />
LAJES”. MANTÉM A<br />
MESMA FIRMEZA<br />
DESTA AÇÃO<br />
FISCALIZADORA<br />
DA SUA PARTE<br />
ENQUANTO DEPUTADO<br />
AGORA QUE O PPM É<br />
PARTE INTEGRANTE<br />
DO EXECUTIVO?<br />
Sem dúvida alguma, mas agora com<br />
responsabilidades acrescidas para<br />
com essa e qualquer obra pública.<br />
O dinheiro dos contribuintes ou da<br />
Europa, tem que ser bem empregue<br />
e gerido com o máximo de controlo.<br />
O Porto Comercial das Flores, que<br />
chamei e é chamado erradamente<br />
de Porto das Lajes, é fundamental<br />
para a ilha e precisamos da sua<br />
reconstrução. Mas não queremos<br />
uma reconstrução feita às pressas e<br />
com falhas irremediáveis. Queremos<br />
algo bem pensado e com perspetiva<br />
para o futuro e que seja bastante<br />
operacional. Por isso apercebo-me<br />
logo à partida que o projecto no<br />
seu todo deveria ser mais discutido.<br />
Quero salientar que, entretanto,<br />
é essencial estudar um navio que<br />
tenha as melhores características<br />
para suportar a ilha, e até outras,<br />
mesmo com o porto assim neste<br />
estado. Faltava visão aos anteriores<br />
governantes. Aos novos, vou<br />
partilhar umas ideias e sei que vão<br />
ser mais tidas em conta que no<br />
passado.<br />
O QUE É<br />
QUE OS<br />
FLORENTINOS<br />
PODEM<br />
ESPERAR<br />
DO SEU<br />
CONTRIBUTO<br />
NO QUE<br />
RESPEITA A<br />
DEFENDER OS<br />
INTERESSES<br />
DA SUA ILHA?<br />
Os florentinos podem esperar muito<br />
empenho e dedicação no que toca a<br />
defender os interesses da ilha. Para<br />
isso também peço, aos florentinos<br />
e a todos os açorianos, que quando<br />
encontrarem algum problema ou<br />
situação difícil, primeiro devem<br />
reportar/reclamar no sítio certo,<br />
conforme o tipo de problema.<br />
Ninguém pode resolver nada se não<br />
se apresentar queixa ou reclamação.<br />
Parece ser da nossa cultura não<br />
reclamar formalmente, pensando<br />
sempre que não dá em nada. E peço<br />
também que compreendam que<br />
os deputados não sabem de tudo<br />
o que se passa em todo o lado. A<br />
população tem de alertar. A falar é<br />
que nos entendemos.<br />
044 NODEZ20 045<br />
NODEZ20
ENTREVISTA<br />
ENTREVISTA<br />
A ÁREA DOS<br />
JOVENS É DE<br />
ESPECIAL<br />
INTERESSE<br />
PARA SI,<br />
SOBRETUDO<br />
PORQUE É O<br />
DEPUTADO<br />
MAIS NOVO NO<br />
PARLAMENTO<br />
AÇORIANO. QUE<br />
CONTRIBUTO É<br />
QUE OS JOVENS<br />
AÇORIANOS<br />
PODEM<br />
ESPERAR DE<br />
SI?<br />
Aos jovens açorianos posso dizer<br />
que, sendo eu igual a eles, passo por<br />
situações semelhantes às deles. Vou<br />
me esforçar muito para transmitir<br />
esperança e ideias de que é possível<br />
viver nos Açores com uma excelente<br />
qualidade de vida. Para isso temos<br />
de ser muito trabalhadores, como<br />
os nossos antepassados, e temos de<br />
viver em comunidade, não deixando<br />
morrer a nossa cultura e identidade.<br />
Portanto, da minha parte, espero<br />
criar soluções para que os jovens<br />
descubram os seus melhores<br />
atributos, que não abandonem o<br />
ensino e incentivá-los a trabalhar<br />
muito. A única solução em tudo será<br />
sempre muito trabalho.<br />
HÁ ALGUMA<br />
MENSAGEM<br />
QUE QUEIRA<br />
DEIXAR AOS<br />
NOSSOS<br />
LEITORES?<br />
Aos leitores quero apelar ao cuidado<br />
com a alimentação e o stresse, pois<br />
estão a aparecer cada vez mais<br />
doenças em pessoas cada vez mais<br />
novas e maioritariamente derivam<br />
disso. É uma grande preocupação<br />
minha. “Nós somos o que<br />
comemos” e “Que o teu alimento<br />
seja o teu medicamento” são velhas<br />
máximas que devemos seguir.<br />
Bebam água várias vezes ao dia.<br />
Sejam ativos. Sejam felizes.<br />
047<br />
NODEZ20
ENTREVISTA<br />
ENTREVISTA<br />
VÍLSON<br />
PONTE<br />
Deputado do PS/A<br />
FALE-NOS<br />
SOBRE SI – DO<br />
SEU PERCURSO<br />
PESSOAL,<br />
ACADÉMICO E<br />
PROFISSIONAL.<br />
Comecei a trabalhar na Direção<br />
Regional de Apoio ao Investimento<br />
e à Competitividade como técnico<br />
analista nas operações de gestão de<br />
projetos de investimento apoiados<br />
por fundos comunitários, o que me<br />
deu a oportunidade de conhecer os<br />
desafios e o tecido económico da<br />
região. Conhecimento esse que se<br />
articula na construção da posição<br />
e ação política que trago para as<br />
funções que hoje desempenho.<br />
Atualmente, a nível político,<br />
sou Presidente da Juventude<br />
Socialista dos Açores, Deputado na<br />
Assembleia Legislativa Regional,<br />
eleito pelo PS no círculo eleitoral de<br />
São Miguel, e integro a Comissão de<br />
Política Geral como membro efetivo.<br />
Sou um jovem como qualquer<br />
outro, com experiências e<br />
horizontes próprios da idade.<br />
Nasci e vivo em Ponta Delgada.<br />
Fiz a licenciatura em Economia<br />
e depois o Mestrado em Ciências<br />
Económicas e Empresariais, com<br />
especialização em Finanças, na<br />
Universidade dos Açores.<br />
“<br />
048 NODEZ20 049<br />
NODEZ20
ENTREVISTA<br />
ENTREVISTA<br />
O INTERESSE<br />
PELO CAMPO<br />
POLÍTICO<br />
COMEÇOU A<br />
MANIFESTAR-<br />
SE DESDE<br />
NOVO? SE SIM,<br />
PORQUÊ?<br />
O que despertou a minha ação e<br />
intervenção política foi um conjunto<br />
de momentos que aguçaram o<br />
meu interesse político, mas não me<br />
recordo precisamente do momento<br />
em que se deu o clique. Desde<br />
novo, olho para a política como<br />
uma forma de corrigir situações<br />
de injustiça na sociedade, em que<br />
nós coletivamente nos organizamos<br />
para dar resposta às necessidades<br />
de todos e não só de alguns. Para<br />
mim, estar na política implica um<br />
compromisso em ajudar os outros<br />
e transformar a sociedade para que<br />
as coisas sejam diferentes nas várias<br />
dimensões da nossa vida. A minha<br />
missão é contribuir, como puder,<br />
para isso. Mas, há uma perceção de<br />
que a política é isto ou aquilo.<br />
Temos de desmitificar, de uma vez<br />
por todas, e falar sobre aquilo que<br />
tem impedido muitos jovens, de<br />
encontrar na política um canal para<br />
a resposta aos seus anseios e aos<br />
seus problemas, e para a afirmação<br />
das suas ideias e dos seus projetos.<br />
A política precisa dos políticos e dos<br />
partidos. Não achar que é assim é<br />
destruir os mais básicos valores da<br />
democracia e incentivar o regresso<br />
dos regimes anteriores aos do 25 de<br />
abril.<br />
QUANDO E<br />
PORQUE É QUE<br />
SE TORNOU<br />
MEMBRO<br />
INTEGRANTE<br />
DA JUVENTUDE<br />
SOCIALISTA<br />
DOS AÇORES?<br />
Inscrevi-me na Juventude Socialista<br />
por iniciativa própria. Não houve<br />
nenhuma influência da família e<br />
amigos na minha militância. Fui<br />
sem saber no que poderia dar, mas<br />
o que mais me interessava era poder<br />
dar o meu contributo com novas<br />
ideias, novas visões e novos projetos,<br />
com muita vontade e convicção de<br />
incluir um olhar atento às dinâmicas<br />
políticas, sociais e económicas<br />
em que achei que poderia fazer<br />
a diferença, através da ideia do<br />
socialismo democrático.<br />
050 NODEZ20<br />
051
ENTREVISTA<br />
ENTREVISTA<br />
É,<br />
ATUALMENTE,<br />
O PRESIDENTE<br />
DA JS/AÇORES.<br />
SENTE QUE<br />
O FACTO DE<br />
JÁ ESTAR<br />
INTIMAMENTE<br />
LIGADO À ÁREA<br />
FOI UM FATOR<br />
FACILITADOR<br />
PARA SI NO<br />
QUE RESPEITA<br />
À SUA<br />
ENVOLVÊNCIA<br />
NO PANORAMA<br />
POLÍTICO<br />
REGIONAL?<br />
Há diferentes formas de se fazer<br />
política. A ligação à militância<br />
política permite-nos aprender como<br />
fazer política e também formar<br />
valores e conhecer outras pessoas<br />
das mais diferentes naturezas,<br />
quer sociais, quer culturais, quer<br />
regionais, que estão empenhadas<br />
por mudar e melhorar as coisas. A<br />
atividade política é uma atividade<br />
muito exigente porque procurar<br />
representar as pessoas exige de nós<br />
o maior empenho para concretizar<br />
uma sociedade diferente e, portanto,<br />
estar ligado a uma juventude<br />
partidária possibilita também ter<br />
esse impacto real nas pessoas e na<br />
sociedade.<br />
O QUE É QUE<br />
O LEVOU A<br />
ACEITAR O<br />
CONVITE DO<br />
PARTIDO<br />
SOCIALISTA<br />
PARA<br />
INTEGRAR<br />
A LISTA ÀS<br />
ELEIÇÕES<br />
REGIONAIS?<br />
Desde logo, foi um absoluto<br />
privilégio abraçar o projeto que<br />
sempre deu sentido à minha<br />
participação política e com o qual<br />
me sinto honrado por servir os<br />
Açorianos e defender os Açores<br />
nesta legislatura. Por outro lado,<br />
o facto de ser jovem permite-me<br />
estar mais próximo de uma geração<br />
que precisa de ser representada.<br />
Nós temos grandes desafios como<br />
geração e, por isso, poder pensar e<br />
agarrar nestes desafios e ter uma voz<br />
no Parlamento Regional a dizer e<br />
a propor soluções é algo único que<br />
preenche as minhas expetativas e<br />
que me enche de responsabilidade e<br />
de motivação.<br />
053<br />
NODEZ20
ENTREVISTA<br />
NO DEBATE DO<br />
PROGRAMA<br />
DO GOVERNO,<br />
TECEU<br />
ALGUMAS<br />
CRÍTICAS<br />
DURANTE O<br />
SEU DISCURSO<br />
AO EXECUTIVO,<br />
COM ESPECIAL<br />
DESTAQUE À<br />
JUVENTUDE.<br />
O QUE É QUE<br />
FALTA NO<br />
PROGRAMA<br />
DO GOVERNO<br />
EM RELAÇÃO<br />
A ESTE GRUPO<br />
DA NOSSA<br />
SOCIEDADE?<br />
Tanta coisa. O teor do Programa<br />
está ao nível da indigitação,<br />
formação e composição deste<br />
Governo. Está, portanto, ferido no<br />
essencial porque não apresenta um<br />
caminho ou ideia construtiva que<br />
possa concretizar a visão panfletária<br />
que o Programa explora. E ainda<br />
está ferido por esquecer respostas<br />
claras, concretas e urgentes a uma<br />
geração que quando consegue<br />
arranjar emprego, muitas vezes é<br />
um emprego sem estabilidade, a<br />
uma geração que vê oportunidades<br />
vedadas no campo da habitação.<br />
Mas, na minha opinião, falta<br />
respostas ao mercado de trabalho,<br />
como por exemplo diminuir e<br />
combater a precariedade – regra<br />
geral do emprego jovem de hoje – o<br />
que atrasa a realização pessoal e o<br />
sustento de uma vida autónoma a<br />
muitos jovens.<br />
Agora ainda mais notório devido<br />
à dimensão da crise que estamos<br />
a atravessar, sendo necessário um<br />
conjunto de soluções que têm de<br />
ser tomadas já. Além disso, não foi<br />
vista como prioridade a melhoria<br />
das condições que os programas<br />
de estágios oferecem aos jovens,<br />
aliás desconsidera-a por completo<br />
e destaca o aumento dos benefícios<br />
para as empresas na contratação de<br />
estagiários, também é importante,<br />
é certo. E, portanto, não há um<br />
Programa que tenha mecanismos<br />
de apoio à criação de emprego<br />
de qualidade e que seja, de facto,<br />
algo direcionado aos jovens e que<br />
consiga também criar emprego para<br />
as pessoas que foram afetadas pela<br />
pandemia.<br />
054 NODEZ20 055<br />
NODEZ20
ENTREVISTA<br />
ENTREVISTA<br />
O PS É O MAIOR<br />
PARTIDO DA<br />
OPOSIÇÃO NO<br />
PARLAMENTO<br />
AÇORIANO. O<br />
QUE É QUE OS<br />
AÇORIANOS<br />
PODEM<br />
ESPERAR DA<br />
BANCADA<br />
SOCIALISTA E,<br />
EM ESPECIAL,<br />
DE SI, NO QUE<br />
RESPEITA AO<br />
CONTRIBUTO<br />
PARA A<br />
CONSTRUÇÃO<br />
DE POLÍTICAS E<br />
MEDIDAS PARA<br />
A SOCIEDADE<br />
AÇORIANA?<br />
No Parlamento Açoriano, o PS não<br />
é o maior partido da oposição. O<br />
PS é o maior partido no Parlamento<br />
e nos Açores porque ganhou<br />
as eleições, ganhou com mais<br />
mandatos e mais votos. O PS é,<br />
e continuará a ser, o Partido dos<br />
Açores. Os Açorianos podem contar<br />
com o PS – como sempre contaram<br />
– para um diálogo construtivo e<br />
sustentável, com todos os partidos,<br />
no sentido de trabalhar para propor<br />
e arranjar soluções concretas que<br />
possam melhorar o seu projeto de<br />
vida. Quero ser no parlamento uma<br />
voz que leve as causas e os desafios<br />
da nossa geração para a discussão<br />
política, que é hoje confrontada com<br />
o regresso da crise económica e<br />
social, o acelerar da crise climática e<br />
a crise da democracia. Isso significa<br />
não só fazer com que estas sejam<br />
ouvidas, como também concretizar<br />
soluções que possam dar resposta às<br />
necessidades das pessoas.<br />
HÁ ALGUMA<br />
MENSAGEM<br />
QUE QUEIRA<br />
DEIXAR AOS<br />
NOSSOS<br />
LEITORES?<br />
Este momento difícil que estamos<br />
e vamos continuar a atravessar e<br />
os desafios com que agora somos<br />
confrontados convoca-nos para um<br />
grau de urgência que exige uma<br />
ação imediata e clara. E, para isso,<br />
os Açorianos e os Jovens Açorianos<br />
podem contar com as nossas<br />
respostas em várias frentes, em<br />
torno de uma forte defesa das causas<br />
de uma geração que, tal como já<br />
referi, precisa de ser representada.<br />
Temos uma palavra e uma visão de<br />
futuro a dizer sobre as mais variadas<br />
causas da nossa sociedade, para<br />
todos os problemas e todas as idades<br />
para que ninguém fique para trás.<br />
056 NODEZ20 057<br />
NODEZ20
REPORTAGEM<br />
SARA BORGES<br />
RESILIÊNCIA<br />
FINANCEIRA E<br />
OPERACIONAL<br />
O PAPEL DOS CFO’S<br />
NAS EMPRESAS PORTUGUESAS<br />
As pequenas e médias empresas<br />
(PME), por outras palavras,<br />
empresas com menos de 250<br />
pessoas empregadas, são<br />
frequentemente referidas como<br />
a espinha dorsal da economia<br />
europeia, proporcionando empregos<br />
e oportunidades de crescimento.<br />
No entanto, após as restrições<br />
provocadas pela pandemia do<br />
coronavírus, estas também podem<br />
estar entre as empresas mais<br />
afetadas pela desaceleração da<br />
atividade económica.<br />
059<br />
NODEZ20
REPORTAGEM<br />
Em 2017, a esmagadora maioria (98,9%) das<br />
empresas na economia empresarial não financeira<br />
da União Europeia pertencia a empresas com menos<br />
de 49 pessoas empregadas (pequenas empresas),<br />
seguidas das médias empresas (50-249 pessoas<br />
ocupadas) com 0,9% dos totais empreendimentos.<br />
Em contrapartida, apenas 0,2% de todas as empresas<br />
tinham 250 ou mais pessoas ocupadas e foram,<br />
portanto, classificadas como grandes empresas,<br />
segundo revelam os dados divulgados pelo Eurostat.<br />
Em 2017, havia 22,2 milhões de PME na economia<br />
empresarial não financeira da UE, contribuindo com<br />
mais de metade do valor acrescentado no total (56%,<br />
3,5 mil milhões de EUR).<br />
As PMEs empregavam 83,9 milhões de pessoas em<br />
2017, representando 67% do total de empregados.<br />
Mais da metade deles estavam empregados em<br />
três atividades económicas: setor de comércio<br />
distributivo (20,7 milhões de pessoas, 27% das<br />
pequenas empresas e 19% das médias empresas),<br />
manufatura (15,8 milhões de pessoas, 14% e 33%) e<br />
construção (10,2 milhões, 14% e 7%).<br />
Entre os Estados-Membros da UE com dados<br />
disponíveis, a percentagem de pessoas empregadas<br />
por pequenas empresas era mais elevada em<br />
Portugal, onde as pequenas empresas empregavam<br />
61% de todos os trabalhadores, seguida de perto<br />
por Espanha (58%), Letónia e Estónia (ambas 57%)<br />
bem como a Eslováquia (56%). As empresas de<br />
média dimensão empregavam as percentagens mais<br />
elevadas de pessoas no Luxemburgo (25%), seguidas<br />
de perto pela Lituânia (23%), Estónia e Letónia<br />
(ambos com 22%).<br />
Desta forma, a pandemia criou<br />
e continuará a criar enormes<br />
constrangimentos às empresas.<br />
Neste contexto, muita da pressão<br />
é colocada nos ombros dos Chief<br />
Financial Officers (CFO’s), como<br />
que desafios irão encontrar<br />
nas empresas e como podem<br />
liderar numa fase de disrupção e<br />
transformação dos seus negócios<br />
e operações?<br />
Foi neste sentido que o Jornal<br />
Económico, em parceria com<br />
a EY, promoveu o webinar<br />
“CFO – Resiliência Financeira<br />
e Operacional” que contou<br />
com a presença de Isabel Faria,<br />
Associate Partner e Head of Risk<br />
& Operations da EY, Luís Pedro<br />
Mendes, Audit Partner e Head<br />
of Capital Markets da EY, Nuno<br />
Nogueira da Silva, Associate<br />
Partner e Head of Turnaround<br />
and Restructuring Strategy da EY<br />
e Paula Catarino, Administradora<br />
e CFO do Grupo Progelcone.<br />
É expectável registar-se em<br />
<strong>2021</strong> uma quebra económica<br />
ainda mais vigorosa e de um<br />
impacto ainda mais negativo<br />
no desempenho das empresas<br />
sobretudo se tivermos em conta<br />
o final da moratória legal já em<br />
setembro e que irá implicar um<br />
esforço adicional de tesouraria<br />
por parte das empresas e que<br />
levaram muitas a terem que<br />
desenvolver processos de<br />
restruturação. Desta forma,<br />
com o fecho abrupto de um<br />
espectro muito alargado do tecido<br />
empresarial, ficou em evidência<br />
muitas das fragilidades das<br />
empresas portuguesas, sobretudo<br />
ao nível dos seus processos de<br />
gestão de tesouraria.<br />
061<br />
NODEZ20
REPORTAGEM<br />
REPORTAGEM<br />
Segundo Nuno Nogueira da Silva, Associate<br />
Partner e Head of Turnaround and<br />
Restructuring Strategy da EY, nenhuma<br />
empresa estava preparada para uma situação<br />
dessas, realçando a estrutura do tecido<br />
empresarial português, caracterizado<br />
sobretudo por empresas de pequena e média<br />
dimensão, das quais uma fatia relevante são<br />
microempresas. Estas são empresas que apesar<br />
de serem muito importantes para a nossa<br />
economia e face à sua dimensão e escassez<br />
natural de recursos que estas empresas têm,<br />
obviamente que fazem a sua gestão numa<br />
base diária e por isso mesmo não estavam<br />
preparadas para o impacto inicial desta<br />
pandemia. Não dispondo de planos de<br />
tesouraria tiveram uma dificuldade acrescida.<br />
No entanto, as empresas de grande dimensão,<br />
que até dispunham destas ferramentas, foram<br />
igualmente afetadas. A grande diferença é que<br />
por terem estes mecanismos implementados,<br />
tiveram uma capacidade de resposta e de reação<br />
mais rápida e adequada e com isso conseguiram<br />
ter tempo para estudar diferentes cenários e<br />
em função destes cenários definir estratégias<br />
de negociações com os seus principais<br />
stockeholders, com os seus principais credores.<br />
Em relação aos apoios prestados pelo Estado,<br />
Nuno Nogueira da Silva refere que foram<br />
instrumentos muito importantes para aliviar a<br />
tesouraria das empresas, mas que, no entanto,<br />
acabaram por criar um efeito anestésico e<br />
acabar por esconder algumas debilidades que<br />
até já traziam antes da pandemia. Este tipo<br />
de empresas tem uma gestão muito focada no<br />
imediato, no curto prazo e neste momento estão<br />
a desconsiderar o efeito dos apoios do Estado,<br />
como é o caso da moratória que irá cessar em<br />
<strong>2021</strong>.<br />
Por outro lado, Paula Catarino, Administradora<br />
e CFO do Grupo Progelcone (uma empresa<br />
que atua no setor alimentar) dá a conhecer<br />
o percurso que a empresa percorreu neste<br />
período de pandemia. Deste modo, menciona<br />
que nos primeiros tempos verificou-se<br />
uma espécie de negação e acrescenta que a<br />
partir de março verificou-se um corte total<br />
de recebimentos e pagamentos. No que diz<br />
respeito à tesouraria, afirma que “tivemos de<br />
reagir pois houve uma consciência coletiva que<br />
o dinheiro tinha de girar na economia e foi isso<br />
que lentamente aconteceu.<br />
062 NODEZ20 063<br />
NODEZ20
REPORTAGEM<br />
REPORTAGEM<br />
Os clientes começaram timidamente a pagar,<br />
nós também não podíamos falhar com<br />
os fornecedores, mas principalmente não<br />
podíamos falhar com o Estado”, acrescentando<br />
que as cadeias de restauração “são uma grande<br />
parte do nosso negócio, com capital humano<br />
muito intensivo, ficaram bastante assustadas<br />
e esse é um grande problema, bem como a<br />
questão das rendas que ao longo do tempo<br />
foram negociando. O que nos pediram a<br />
nós foi o que pedimos aos nossos clientes,<br />
compreensão no prazo dos pagamentos e foi<br />
isso que aconteceu”.<br />
Quando questionada sobre o modo como se gere a tesouraria<br />
nesses tempos de incerteza, a CFO do Grupo Progelcone<br />
respondeu “com cautela”. Refere que a moratória do crédito é<br />
“uma medida extremamente importante” para as empresas.<br />
Contudo, realça um aspeto importante, afirma que “não nos<br />
podemos esquecer que vamos ter a fatura no futuro e vamos ter<br />
de juntar à nossa dívida os juros que temos de capitalizar e vamos<br />
atempadamente e preventivamente fazer cenários para conseguir<br />
resolver esses compromissos”.<br />
Em contraposição ao cenário de negação proferido por Paula<br />
Catarino, Isabel Faria, Associate Partner e Head of Risk &<br />
Operations da EY, a mesma refere que há dois momentos de<br />
reação. Uma reação imediata, que se foca no facto de as empresas<br />
terem de tomar decisões num curto prazo e há uma reação<br />
mais contínua no tempo, de médio prazo, onde as empresas são<br />
obrigadas a uma reflexão maior e mais profunda e a um repensar<br />
das operações mais abrangente.<br />
Num primeiro momento de reação, as<br />
empresas viraram-se para os seus planos de<br />
continuidade de negócio, para os seus planos<br />
de crise, as que os tinham porque quem não<br />
tinha teve de tomar um conjunto de medidas<br />
mais a doc e muitas vezes com mais custos, mas<br />
a maior parte das empresas acabou por formar<br />
equipas de gestão de crise com maior ou menor<br />
grau de formalismo, mas que obrigaram a criar<br />
uma série de procedimentos novos e a repensar<br />
práticas de trabalho.<br />
064 NODEZ20 065<br />
NODEZ20
REPORTAGEM<br />
REPORTAGEM<br />
Com o avançar da situação<br />
pandémica deixou de se poder pensar<br />
tanto no curto prazo e acabou por<br />
se olhar mais no foco da resiliência<br />
da cadeia de valor. Começámos<br />
a assistir às empresas a olharem<br />
para os seus processos de negócio,<br />
a documentá-los, a identificarem<br />
instâncias de risco mais críticas. Tudo<br />
isto foi muito importante porque ao<br />
identificarem-nas têm também de<br />
identificar quais são os controlos e<br />
as ações de mitigação que servem<br />
para dar resposta a esses riscos. É este<br />
aumento de uma consciência, de uma<br />
maior necessidade de monitorização<br />
e controlo e ainda da eficiência<br />
operacional que ajuda muito à reflexão<br />
que as empresas têm de fazer numa<br />
situação de conjuntura económica<br />
como a que vivemos agora.<br />
Para Isabel Faria, olhar para os<br />
processos internos tornou-se<br />
imperativo. No entanto há diferenças<br />
entre processos produtivos e processos<br />
de suporte ou de BackOffice. Quando<br />
falamos de processos produtivos a<br />
tendência atual é olhá-los do ponto<br />
de vista das boas práticas de lead<br />
management e nomeadamente da<br />
metodologia 5S. Quando olhamos<br />
numa perspetiva de processos de<br />
suporte, o foco é o emagrecimento dos<br />
custos e se primeiramente as empresas<br />
perguntavam onde vamos cortar,<br />
gradualmente assistimos à pergunta<br />
onde e como vamos otimizar. O que<br />
estamos a ver é as empresas a procurar<br />
restruturar processos como os<br />
processos financeiros, os processos de<br />
compra, recursos humanos, portanto,<br />
procurar aspetos que tornem mais<br />
eficientes os seus próprios processos.<br />
Assim, com a incerteza causada pela pandemia e<br />
todos os riscos que acarreta consigo é certo que<br />
tal traduzir-se-á em obstáculos no processo de<br />
encerramento de contas e no relato financeiro<br />
anual das Empresas. Luís Pedro Mendes, Audit<br />
Partner e Head of Capital Markets da EY, refere<br />
que a pandemia acaba por ter um impacto brutal<br />
na vida das pessoas, das empresas e da economia<br />
como um todo. Nessa medida a questão do<br />
encerramento de contas e do relato financeiro não<br />
é indiferente.<br />
066 NODEZ20 067<br />
NODEZ20
REPORTAGEM<br />
REPORTAGEM<br />
Há desafios acrescidos que<br />
a pandemia traz nestes dois<br />
processos, eu diria que desde logo<br />
há um desafio operacional. Deste<br />
modo, começa por referir que a<br />
maior parte das empresas continua<br />
a ter os seus colaboradores em<br />
trabalho remoto e isto é uma<br />
disrupção muito grande no<br />
processo de encerramento de<br />
contas. Assim, essa disrupção<br />
traz um desafio acrescido nas<br />
atividades de encerramento de<br />
contas daqueles que preparam as<br />
demonstrações financeiras e que<br />
as fazem, mas também na vertente<br />
dos CFO’s que os supervisionam,<br />
da supervisão que fazem dessas<br />
atividades. Também realça o facto<br />
de que o risco de cibersegurança<br />
aumentou significativamente<br />
devido ao trabalho em casa que<br />
obriga a ter acesso remoto às<br />
ferramentas do escritório.<br />
Seguidamente, menciona um<br />
desafio técnico, fazendo um<br />
enquadramento temporal,<br />
Luís Pedro Mendes refere que<br />
“o primeiro caso em Portugal<br />
acontece no dia 2 de março,<br />
a pandemia é declarada pela<br />
OMS no dia 11, portanto no<br />
que se refere às contas de 2019<br />
a pandemia foi tratada como<br />
um evento subsequente não<br />
ajustado, sem reflexo direto<br />
naquilo que são os números de<br />
2019, a não ser a divulgação que<br />
estávamos diante de um evento<br />
que tinha uma incerteza e que<br />
as estimativas desses impactos<br />
eram muito difíceis de apurar.<br />
Ora bem, em 2020 estamos em<br />
plena pandemia de Covid-19<br />
já não se qualifica como evento<br />
não ajustável. Será preciso que as<br />
empresas reflitam isso”. Declara<br />
que os apoios governamentais<br />
que têm que ser refletidos, há<br />
reestruturações e medidas que<br />
se tomaram a nível da proteção<br />
do balanço e que muitas delas<br />
têm que ser acauteladas e,<br />
portanto, os colaboradores e os<br />
preparadores das demonstrações<br />
financeiras precisam de ter isso<br />
em consideração.<br />
Contudo, defende que o grande<br />
desafio consiste na incerteza, “eu<br />
diria em suma que a pandemia<br />
traz aqui uma relevância<br />
acrescida ao relato financeiro.<br />
Quanto mais transparente for o<br />
relato mais confiança terão os<br />
utilizadores das demonstrações<br />
financeiras e obviamente todo o<br />
mercado de capitais”.<br />
Nuno Nogueira da Silva prevê<br />
que quando cessarem os<br />
mecanismos de apoios dispostos<br />
pelo Governo, que com toda a<br />
certeza não irá coincidir com<br />
o fim da crise económica, que<br />
as restrições de liquidez das<br />
empresas por essa altura se<br />
venham a agravar e tenham<br />
maiores dificuldades para fazer<br />
face ao seu serviço de dívida e<br />
maiores dificuldades em honrar<br />
as suas responsabilidades<br />
perante outros credores.<br />
068 NODEZ20 069<br />
NODEZ20
REPORTAGEM<br />
PUB<br />
E a isto acrescenta-se o facto<br />
de Portugal ser dos países mais<br />
endividados e um dos que apresentam<br />
uma maior proporção de moratórias<br />
face ao crédito total concedido, o CFO<br />
refere “não tenho grandes dúvidas<br />
que <strong>2021</strong> e 2022 vão ser marcados<br />
por este agravamento desta crise<br />
económica, que infelizmente logo<br />
sucederá, se nada for feito, a um<br />
agravamento da crise social”. Deste<br />
modo, defende que a melhor forma<br />
de as empresas se preparem para esse<br />
momento é ganhando consciência<br />
da dura realidade que o fim destes<br />
apoios do Estado chegará um dia.<br />
Como também se tornarem cientes<br />
que chegará o dia em que terão de<br />
iniciar o reembolso daquelas linhas de<br />
crédito que, entretanto, foram obtidas<br />
e que hoje ainda beneficiam dos seus<br />
períodos de carência. Posto isto, refere<br />
que o segundo passo incide num<br />
período de reflexão das empresas,<br />
efetuando um diagnóstico interno<br />
ou por outras palavras uma revisão<br />
independente do plano de negócios<br />
que, aliado ao plano de continuidade,<br />
permitirão às empresas perceber<br />
em que condições poderão operar<br />
no futuro. E será com base neste<br />
diagnóstico, com base na dimensão<br />
dos problemas de cada empresa iniciar<br />
os seus processos de reestruturação,<br />
sejam eles de ordem financeira ou de<br />
ordem operacional.<br />
E, portanto, face a estas perspetivas<br />
para <strong>2021</strong>, em particular entre abril e<br />
outubro do próximo ano, as empresas<br />
vão ver as suas responsabilidades<br />
crescer e por isso considero que<br />
devem já começar a preparar esse<br />
momento.<br />
Antevendo uma conjuntura<br />
económica difícil para a maioria das<br />
empresas em <strong>2021</strong>, Isabel Faria elenca<br />
um conjunto de lições que devem ser<br />
aprendidas em 2020. Deste modo,<br />
a primeira lição é que as medidas<br />
de curto prazo têm contrapartidas.<br />
Portanto, se há algo que esta<br />
conjuntura económica difícil mostra<br />
é a necessidade de haver medidas<br />
adaptáveis, ágeis e quem diz medidas<br />
diz processos operacionais ágeis.<br />
Uma segunda lição é que os planos de<br />
continuidade de negócio e os planos<br />
de crise não devem ficar fechados até à<br />
próxima pandemia ou até ao próximo<br />
fator de risco externo que apareça,<br />
porque podem aparecer a qualquer<br />
momento. Uma outra lição aprendida<br />
é devermos acompanhar muito<br />
aproximadamente as tendências que<br />
impactam a excelência operacional.<br />
Alguns exemplos são a mudança de<br />
paradigma de produção, da produção<br />
em massa para a customização<br />
em massa ditada pela alteração do<br />
perfil dos clientes, dos próprios<br />
consumidores que querem produtos<br />
diferentes e serviços diferentes.<br />
071<br />
NODEZ20
REPORTAGEM<br />
ANA MASSA<br />
OS LIVROS<br />
EM TEMPO DE<br />
PANDEMIA<br />
Entre 17 e 20 de dezembro, o afamado<br />
evento cultural “Arquipélago de Escritores”<br />
passou este ano para o formato digital,<br />
atendendo à conjuntura atual. Dos variados<br />
painéis que decorreram ao longo deste<br />
período, destaco o do dia 18 de dezembro,<br />
intitulado “Livros em Tempo de Pandemia”,<br />
cujo painel foi composto por Rita Fazenda,<br />
editora no Grupo LeYa e moderadora desta<br />
conversa, Carlos Alberto Machado, editor<br />
da Companhia das Ilhas e proprietário de<br />
uma nova livraria sediada na ilha do Pico,<br />
e Paula Quadros, proprietária da livraria In<br />
Folio, em Angra do Heroísmo.<br />
072 NODEZ20
REPORTAGEM<br />
REPORTAGEM<br />
Rita Fazenda começou por<br />
afirmar que “mais do que<br />
nunca os livros sofreram com<br />
o cenário que nós estamos a<br />
viver no mundo e para quem<br />
não sabe além do turismo e da<br />
restauração, o setor dos livros<br />
foi o que mais sofreu em termos<br />
de quebra de vendas com a<br />
pandemia”. De facto, os livros<br />
desceram à volta de 70%, entre<br />
abril e agosto, e só agora é que<br />
estão a recuperar. A moderadora<br />
questionou aos convidados como<br />
é o dia a dia de um livreiro nos<br />
Açores, ao que Carlos Machado<br />
afirmou que a sua experiência<br />
enquanto livreiro ainda é muito<br />
curta, atendendo a que abriu<br />
a sua livraria no dia 12 de<br />
novembro. “A verdade é que o<br />
livro e a leitura são atividades<br />
minoritárias e eu acho que era<br />
importante termos consciência<br />
disso porque isto tem uma série<br />
de implicações de natureza<br />
filosófica, política, económica,<br />
por aí fora. É na verdade uma<br />
atividade minoritária. Há<br />
poucos leitores, compram-se<br />
poucos livros e por um lado o<br />
livro não faz parte do dia a dia<br />
das pessoas. O livro enquanto<br />
objeto de prazer, objeto de<br />
conhecimento, objeto de troca,<br />
de partilha, esquecemos isso. Eu<br />
trabalho, sempre trabalhei para<br />
que essas pequenas minorias<br />
não desapareçam, dando o meu<br />
pequeno contributo para isso<br />
e se crescerem um bocadinho<br />
essas minorias ficamos contentes<br />
e somos todos um bocadinho<br />
menos infelizes”.<br />
Relativamente à livraria, Carlos<br />
clarifica que a sua montra “está<br />
exatamente em frente à saída das<br />
caixas registadoras do supermercado<br />
que é uma coisa que nunca me<br />
passou pela cabeça e é curioso ver<br />
aquele vai-vem das pessoas que<br />
nesta época natalícia vêm com os<br />
cestos de compras, já com muitas<br />
prendas embrulhadas e vão passando<br />
sorrateiramente à porta da livraria<br />
e nós ficamos sempre naquela<br />
expetativa do entra, não entra, mas<br />
a verdade é que não podemos dizer<br />
que estamos insatisfeitos, apesar<br />
deste panorama que não é simpático<br />
para ninguém. Aproximam-se<br />
pessoas que nós pensamos que não<br />
têm hábitos de leitura e acabam por<br />
entrar e perguntar qualquer coisa,<br />
gente mais nova, gente com gostos<br />
muitos específicos, da fauna açoriana,<br />
ou flora, tem sido uma experiência<br />
gratificante”.<br />
074 NODEZ20 075<br />
NODEZ20
REPORTAGEM<br />
REPORTAGEM<br />
Paula Quadros, por sua vez, afirma que o<br />
seu dia a dia na livraria não se diferencia do<br />
seu dia a dia em casa, “porque o livreiro no<br />
nosso país não tem vias especiais sequer de<br />
acesso aos livros. Portanto, a maior parte<br />
das editoras, ao contrário daquilo que se<br />
faz noutros países nem sequer manda uma<br />
newsletter específica para os livreiros para<br />
saber aquilo que é publicado. Portanto, a<br />
primeira dificuldade que há aqui, tirando<br />
aquelas tais de falta de compradores… O que<br />
é estranho é que há grande dificuldade em<br />
saber o que é que se publica em Portugal”.<br />
A proprietária da In Folio também se queixa do processo de<br />
distribuição dos livros e do respetivo transporte, confirmando<br />
que “para chegar cá um livro, em média, é um mês. Agora,<br />
quando me pedem um livro é extremamente complicado dizer<br />
à pessoa que ou pagam um porte de correio que é mais caro<br />
do que o livro ou, se tudo correr bem, o livro demorará em<br />
média um mês a chegar. Portanto, as dificuldades do livreiro<br />
e eu penso que o sítio mais difícil para ser livreiro no nosso<br />
país é nos Açores, porque em Lisboa é fácil, deve ser pegar<br />
no telefone e os livros no dia, no máximo, estão na livraria,<br />
aqui não. Portanto, é essa luta, a parte mais desagradável é<br />
conseguir ter os livros”.<br />
Relativamente ao mercado do livro, Rita Fazenda<br />
esclarece um pouco este processo: “Os livros são<br />
editados e depois são distribuídos ou pelas próprias<br />
editoras ou por distribuidoras especialistas na<br />
distribuição de livros e, de facto, os livros têm tiragens<br />
baixas, o número de exemplares que se imprimem dos<br />
livros e depois é complicado responder aos pedidos<br />
das grandes cadeias e dos livreiros independentes que<br />
é o caso do Carlos e da Paula”.<br />
076 NODEZ20 077<br />
NODEZ20
REPORTAGEM<br />
REPORTAGEM<br />
A editora percebe que estas situações<br />
dos livreiros independentes são muito<br />
complicadas de gerir e que “realmente<br />
com as tiragens que se fazem em Portugal<br />
às vezes é quase impossível e depois o que<br />
acaba por acontecer é que estas grandes<br />
cadeias não vendem os livros, devolvem e<br />
provavelmente os pequenos ficam sempre<br />
um bocadinho engolidos pela roda”.<br />
Assim, “perde-se um bocadinho a parte<br />
mais bonita que é precisamente isto, que<br />
é conseguir o leitor pedir o livro e uma<br />
semana depois ter o livro e vocês, em cima<br />
disso, ainda estão à mercê da distribuição,<br />
ou seja, da questão dos envios que no vosso<br />
caso teria de ser por avião ou barco e vão<br />
sempre ficar muito condicionados por<br />
isto. De facto, deveria existir uma série de<br />
medidas que ajudasse nesse sentido”.<br />
No que concerne à seleção<br />
de livros na livraria, Carlos<br />
esclarece que esta questão dos<br />
“grandes grupos, da distribuição,<br />
nós enquanto editores fazemos<br />
distribuição direta, mas é uma<br />
carga de trabalho absolutamente<br />
incrível, nós somos os melhores<br />
clientes dos correios dos CTT<br />
das Lajes do Pico. Seremos talvez<br />
na ilha aqueles que mais vezes<br />
vão buscar livros aos transitários.<br />
Eu estou farto de explicar isto às<br />
pessoas e pensam que eu estou a<br />
exagerar, mas é um martírio. Nós<br />
temos a política de que lá entra<br />
aquilo que a gente gosta, embora<br />
façamos a encomenda de qualquer<br />
livro que um cliente queira, não<br />
importa o quê, desde que exista no<br />
mercado e que a gente possa ter<br />
acesso a ele. No entanto, só entra<br />
na livraria aquilo que nós achamos<br />
que não é lixo, aquilo que não<br />
conspurca, aquilo que acrescenta<br />
alguma coisa”.<br />
Paula acrescenta ainda que<br />
acredita plenamente que a venda<br />
de livros não irá aumentar pois<br />
“nada e ninguém no nosso país<br />
consegue fazer uma política<br />
cultural com pés e cabeça, uma<br />
política de livro só se pode<br />
alicerçar se no nosso país houver<br />
uma política cultural com a<br />
vertente educativa, porque é<br />
preciso transmitir a cultura, depois<br />
aprende-se e depois a cultura cria e<br />
é nesta política que o livro se pode<br />
integrar e é assim que poderiam<br />
passar a haver mais pessoas com o<br />
gosto pelo livro”.<br />
078 NODEZ20 079<br />
NODEZ20
REPORTAGEM<br />
No que concerne o papel do livreiro<br />
neste panorama de fomentar e cativar os<br />
leitores, Carlos afirma que os livreiros<br />
tiveram um papel fundamental para “que<br />
isto não fosse por um plano inclinado<br />
abaixo até um ponto sem retorno, mas<br />
podem-se contar nos dedos de uma mão<br />
os verdadeiros livreiros que existem em<br />
Portugal”, afirmando que infelizmente<br />
muita gente se acomoda pelo livro que<br />
é anunciado na televisão ou que saiu<br />
numa revista cor de rosa. “Eu preciso de<br />
sobreviver”, segundo Carlos, é uma frase<br />
“absolutamente terrível e tem levado a<br />
que as livrarias se encham de lixo, que<br />
os livros tenham circulação em livraria<br />
num máximo de uma semana, um mês<br />
e depois desaparece. Ou seja, não há<br />
livrarias de fundo, há livrarias com espaço<br />
para os livros que saíram durante uns bons<br />
anos para trás e que se mantém em livraria<br />
que é uma coisa completamente diferente,<br />
é o mesmo que irmos ao supermercado<br />
e só ter uma zona de batatas e outra de<br />
margarinas e de resto não ter mais nada<br />
lá. Os supermercados têm de tudo e as<br />
livrarias também deviam ter de tudo o que<br />
se passa no mercado livreiro durante uns<br />
bons 10 anos”.<br />
No que concerne aos programas regionais<br />
da área da cultura, Carlos afirma que<br />
“são muito bonitos e toda a gente está<br />
de acordo com eles, mas não dizem<br />
nada. Basicamente são declarações de<br />
princípios para parecer bem. Na área do<br />
livro é terrível, o que se resolve é subsidiar<br />
as edições para ficarem de consciência<br />
tranquila. Dou-vos um exemplo: a<br />
Companhia das Ilhas, em parceria com<br />
a Imprensa Nacional, está a editar a obra<br />
completa de Vitorino Nemésio.<br />
Toda a gente acha nos Açores que Vitorino<br />
Nemésio é o grande escritor açoriano, para<br />
além de Antero de Quental, mas não se<br />
mexe uma palha para divulgar a obra deste<br />
autor de renome nacional. Não há desculpa<br />
para que isto aconteça assim desta maneira,<br />
mas acontece e os níveis de leitura às vezes<br />
veem-se por aqui”. Assim, a política de que<br />
o orador há pouco falava consistiria em<br />
algo que pusesse “o livro na ordem do dia.<br />
Quando houve alguém que seja capaz de<br />
fazer isto, as coisas mudam um bocadinho”.<br />
081<br />
NODEZ20
REPORTAGEM<br />
A proprietária da In Folio<br />
interveio neste momento para<br />
contrapor que “não é o livro<br />
que tem de estar no centro, o<br />
que tem de estar é a leitura,<br />
porque eu estou convencida<br />
que se vendem mais livros<br />
do que aqueles que se leem.<br />
Muitos dos livros que eu vendo<br />
não sei se eles são lidos. O<br />
problema é que há muita gente<br />
com um padrão de instrução<br />
elevado que não sabe ler, que é<br />
funcionalmente analfabeto”.<br />
Para terminar, Rita Fazenda<br />
conclui que para se fomentar o<br />
gosto pela leitura não é “obrigar<br />
as pessoas a ler determinadas<br />
coisas que vamos conseguir<br />
fazer isso e para isso temos de<br />
começar muito cedo com livros<br />
infantis e criando estes hábitos<br />
de leitura nas crianças para que<br />
eles percebam que os livros de<br />
facto são um objeto maravilhoso<br />
e que lhes vai trazer tanto e isso<br />
claro que pode começar por uma<br />
política governamental que ajude<br />
de alguma forma para que em<br />
algumas fases da vida a que isso<br />
aconteça mas que de facto eu<br />
acho que aqui falhou qualquer<br />
coisa enquanto povo. Eu sou de<br />
uma geração em que o meu gosto<br />
começou pelo meu pai, uma<br />
pessoa que também fomentava<br />
a questão de comprar livros e<br />
de me passar este gosto e o meu<br />
tornar de editora surgiu com<br />
uma professora na secundária<br />
que me deixou este bichinho.<br />
Portanto, eu acho que todas as<br />
peças são fundamentais. Nesse<br />
aspeto, os livreiros tiveram um<br />
papel fundamental e não só,<br />
os bibliotecários. Na minha<br />
geração, também as bibliotecas<br />
eram uma fonte inestimável de<br />
conhecimento e os bibliotecários<br />
vibravam com os livros e eram<br />
eles que nos tocavam de alguma<br />
forma. Isto para dizer que eu<br />
acho que ninguém se deve<br />
desresponsabilizar por isto,<br />
editores, livreiros, inclusive<br />
distribuidores. Isto é um esforço<br />
conjunto. A leitura não é só um<br />
passatempo, mas sim uma forma<br />
de passar conhecimento e crescer<br />
como pessoas”.<br />
083<br />
NODEZ20
PUB<br />
REPORTAGEM<br />
REPORTAGEM<br />
“<br />
ATÉ QUE<br />
A MORTE<br />
NOS SEPARE<br />
POR SOFIA CORDEIRO<br />
”<br />
O Núcleo<br />
da Amnistia<br />
Internacional<br />
de São Miguel,<br />
em parceria<br />
com a livraria<br />
Letras Lavadas,<br />
promoveu no dia<br />
25 de novembro o<br />
webinar “Até que<br />
a violência nos<br />
separe” através<br />
da rede social<br />
Facebook.<br />
084 NODEZ20 085<br />
NODEZ20
REPORTAGEM<br />
A amnistia é uma comunidade global de ativistas e<br />
defensores dos direitos humanos e a visão que move a<br />
amnistia é a de um mundo em que cada pessoa possa<br />
usufruir de todos os direitos consagrados na declaração<br />
Universal dos direitos humanos independentemente de<br />
quem seja e onde esteja.<br />
A missão do Núcleo é integrar e envolver a comunidade<br />
na luta pela defesa dos direitos humanos e em concreto<br />
pelos direitos humanos das vítimas de violência<br />
doméstica.<br />
Este evento pretendeu assinalar o Dia da Eliminação<br />
da Violência Contra a Mulher, que contou com um<br />
painel de convidadas que dedicam a sua ação diária a<br />
estas temáticas. O painel contou com a participação de<br />
Malvina Sousa, autora do livro “Até que a violência nos<br />
separe”, Maria José Raposo, Presidente da Umar Açores,<br />
Raquel Rebelo, gestora do Gabinete de Apoio à Vítima<br />
de Ponta Delgada – Apav<br />
Açores e Piedade Lalanda,<br />
Professora Coordenadora<br />
da UAc.ESS – Escola<br />
Superior de Saúde da<br />
Universidade dos Açores. A<br />
moderadora deste webinar<br />
foi Florbela Carmo, Membro<br />
do Núcleo da Amnistia<br />
Internacional de São Miguel.<br />
Para abordar este tema<br />
aproveitou-se o livro de<br />
Malvina Sousa, “Até que<br />
a morte nos separe”,<br />
recentemente publicado<br />
pela livraria Letras Lavadas<br />
na qual existe uma<br />
provocação subjacente no<br />
título derivada da célebre<br />
expressão matrimonial.<br />
A autora revela que quis<br />
mostrar que “há aqui um<br />
arrancar e uma vontade<br />
de revelar que esta ideia<br />
que está subjacente na<br />
nossa cultura que depois<br />
de casados a morte é que<br />
pode separar, não tem de<br />
ser respeitado se os direitos<br />
humanos, se o respeito, se<br />
os direitos básicos não são<br />
respeitados.<br />
086 NODEZ20 087<br />
NODEZ20
REPORTAGEM<br />
E, portanto,<br />
a partir daí há esta<br />
provocação de dizer<br />
às pessoas que isto é um<br />
juramento que é feito, mas que não<br />
tem de ser levado até ao final se não<br />
correr bem.”<br />
Por outra razão, Malvina também<br />
aponta que agarrou no título “não só<br />
para chamar a atenção da temática e<br />
para revelar algo daquilo que o livro<br />
tinha, mas também para chamar a<br />
atenção destes outros aspetos e para<br />
demonstrar que também a nossa<br />
cultura está subjacente no título do<br />
livro que é mostrar que apesar de toda<br />
a cultura, de todos os preconceitos que<br />
estão por trás de tudo isto podemos ir<br />
contra se as coisas não estão a correr<br />
bem.<br />
Por outro lado, também é importante mencionar que se a<br />
frase diz assim ‘até que a morte nos separe’ e a violência<br />
é precisamente um alerta e uma chamada de atenção<br />
para que nós não devemos deixar chegar até aí, porque<br />
nós sabemos que hoje em dia é cada vez mais uma realidade<br />
e foi neste sentido que o título foi escolhido”.<br />
A autora foi questionada se foi difícil dissociar a mulher na<br />
produção da obra, na qual a autora respondeu que “não<br />
falaria tanto da mulher, diria mais na pessoa”, mas que “sem<br />
dúvida que sendo mulher esta é uma temática que nos<br />
atinge essencialmente, mas é preciso realçar isso que a<br />
violência não é só contra as mulheres aliás isto está<br />
presente no livro, mas será difícil, porque na minha vida é<br />
difícil dissociar a pessoa que eu sou de tudo aquilo que eu<br />
faço e, portanto, a pessoa que eu sou está presente neste<br />
livro por diversos motivos como está presente em outras<br />
coisas que eu já escrevi, está presente no livro não só a partir<br />
das personagens não só através da temática que acho que é<br />
importante e que nós devemos falar muito acerca dela e não<br />
taparmos os olhos como tem sido muitas vezes”.<br />
Malvina Sousa divulga que “a pessoa que eu sou está também<br />
presente nas falas das personagens, nos costumes, na<br />
forma como é vista a sociedade e ao longo de toda a obra e<br />
sobretudo nas mensagens que são transmitidas.<br />
088 NODEZ20 089<br />
NODEZ20
REPORTAGEM<br />
Esta obra apesar de ter como pano de fundo a violência é para<br />
mim uma obra que fala sobretudo de relações e emoções e é<br />
precisamente por isso que eu acho que nós somos emoções<br />
e são elas que mexem connosco e por isso é que eu sinto que<br />
estou tão presente aí na obra e há personagens que têm de facto<br />
características minhas”.<br />
Maria José Raposo afirma que a definição de violência doméstica<br />
se confunde com a de violência conjugal especialmente nos<br />
mais jovens. A presidente explica que “a palavra doméstica vai<br />
da partilha daquele homem e daquela mulher e estamos a falar<br />
de casais heterossexuais como também de casais gays ou<br />
lésbicas a que se aplica a mesma lei e, portanto, tem a ver com<br />
a conjugalidade e não só ocorre no espaço de casa, o espaço<br />
de casa é o espaço privilegiado para o agressor porque à partida<br />
é um espaço que ninguém está a observar e quando existem<br />
crianças, estas podem estar a observar de forma direta ou<br />
indireta, mas à partida o agressor sente que está no seu espaço<br />
e é aí que ocorre a maior parte da vitimização para com estas<br />
mulheres”.<br />
P<br />
ortanto, a violência doméstica<br />
abarca vários tipos de violência:<br />
física, psicológica, verbal, sexual,<br />
económica e a financeira.<br />
A violência também é, muitas<br />
vezes, perpetuada na fase da<br />
separação e é nesta altura<br />
que as mulheres têm um risco<br />
acrescido perante aquele<br />
agressor e acontece quando<br />
aquela mulher é mãe, aquele<br />
homem é pai e têm de “negociar”<br />
entre si a partilha daquela<br />
criança.<br />
A presidente também explica<br />
como se distingue a violência<br />
no namoro. Ocorre numa fase<br />
mais jovem e à partida aquele<br />
homem e aquela mulher não<br />
coabitam, mas passam “imensas<br />
horas na casa um do outro, mas<br />
não estamos agora a falar na<br />
violência no namoro, mas sim de<br />
uma violência doméstica, onde<br />
ambos estão numa intimidade<br />
entre si”.<br />
Atualmente, na época de<br />
confinamento, o apoio à<br />
vítima tem sido “ligeiramente<br />
diferente de modo a que não as<br />
puséssemos em maior risco e<br />
maior perigo e, muitas vezes,<br />
tivemos de o fazer utilizando as<br />
redes sociais, mas, sobretudo,<br />
090 NODEZ20
REPORTAGEM<br />
REPORTAGEM<br />
para a maior parte das<br />
mulheres a grande<br />
ferramenta deste contacto<br />
foi pelo telemóvel, porque<br />
as vítimas estavam mais<br />
coagidas, ‘mais vigiadas’,<br />
mais controladas nos<br />
seus espaços, nos<br />
seus quereres e nas<br />
suas vontades, porque<br />
obrigatoriamente tiveram<br />
de passar mais tempo<br />
junto do seu pseudo<br />
agressor”.<br />
Maria José Raposo<br />
denota que os números<br />
“desceram fortemente”<br />
devido ao confinamento,<br />
porque a vítima tinha<br />
“pouca mobilidade e<br />
também percebemos<br />
que houve mais ajuda<br />
familiar, sentimos que<br />
as famílias foram mais<br />
unidas entre si, os tios<br />
foram mais próximos da<br />
vítima e, muitas vezes,<br />
numa situação normal, a<br />
vítima, antes da pandemia,<br />
estava sozinha durante<br />
a pandemia, esta vítima<br />
teve mais apoio familiar,<br />
mas que obrigou aqui uma<br />
monitorização da nossa<br />
parte muito maior a vítimas<br />
que estamos extramente<br />
preocupadas com a sua<br />
segurança”.<br />
As associações notaram que os<br />
números de pedidos de ajuda durante<br />
o confinamento tinham diminuído<br />
exatamente porque viviam mais com o<br />
agressor e assim que o confinamento<br />
acabou os efeitos são emocionais,<br />
sobretudo, “pela ausência de<br />
privacidade, estar uma pessoa limitada<br />
às rotinas, porque, infelizmente, o<br />
confinamento para as vítimas resultou<br />
numa obrigatoriedade de movimentos,<br />
cálculo de liberdade de movimentos”, e,<br />
por isso, uma das estratégias da APAV<br />
é aproveitar “movimentos como ir às<br />
compras se conseguissem sozinhas ou<br />
mesmo passear algum animal ou outra<br />
rotina de forma individual refletir sobre<br />
aquilo que se tem passado, porque para<br />
muitas pessoas isso já era suficiente<br />
ter estes momentos a sós, felizmente,<br />
posso falar por algumas vítimas que<br />
não devem ter tido estes momentos,<br />
porque é muito importante refletir pelo<br />
que se passou e arranjar algumas<br />
estratégias de coping para lidar com<br />
estas situações.”<br />
Também foi avaliado o impacto pósconfinamento<br />
e “um alegado agressor<br />
que está habituado a 24 horas no<br />
confinamento com a vítima e depois<br />
se vê sem ela, as repercussões nesta<br />
mesma vítima depois do confinamento<br />
foram graves, porque este alegado<br />
agressor, supostamente, tornou-se uma<br />
pessoa mais controladora, novamente a<br />
falta de liberdade de movimentos.<br />
092 NODEZ20 093<br />
NODEZ20
Portanto, eu analisaria esta questão tanto a nível do confinamento<br />
como o pós-confinamento e na questão do controlo e falta de<br />
liberdade”.<br />
O Gabinete de Apoio à Vítima indica que o nível familiar é outro dos<br />
impactos sentidos, nomeadamente, “a falta do controlo exercido<br />
e podemos ver a questão do isolamento de outras pessoas. Se<br />
uma pessoa tem de estar mais disponível para o alegado agressor<br />
implicitamente estará menos disponível para outras pessoas o<br />
que vai causando aqui também isolamento para a vítima e que<br />
depois tem consequências nefastas na sua parte emocional,<br />
nomeadamente, a falta de convivência social, porque depois poderá<br />
desencadear aqui uns sentimentos de desânimo, tristeza, a própria<br />
falta de atividade social também poderá cada vez mais causar alguns<br />
impactos em outras esferas, porque se a pessoa se torna mais<br />
isolada vai também de alguma forma estar menos a par de algumas<br />
questões que lhe são importantes e, portanto, vai sempre minando<br />
aqui a própria autoestima da vítima”.<br />
Piedade Lalanda fala sobre as várias condicionantes da violência:<br />
as relações conjugais ou as relações afetivas ou familiares ou as<br />
relações de género sejam elas no grupo de família, trabalho ou<br />
sociedade em geral. “A relação principal nas estatísticas da violência<br />
doméstica é a relação de conjugalidade ou ex-conjugalidade que<br />
representa 60% dos agressores e, portanto, que eram cônjuge ou<br />
ex-cônjuge como também já foi aqui dito a questão do namoro e<br />
também uma relação que já representa 16% que é a relação paisfilhos<br />
em que o agressor é o filho e essa também é uma<br />
situação que pode ser de risco”. A violência não acontece<br />
num grupo definido, “porque é transversal e é transversal<br />
até também em termos de classe social mesmo que<br />
encontremos uma percentagem mais significativa de vítimas<br />
e de agressor com baixo nível sócio-escolar ou de baixa<br />
escolaridade”. Também são encontradas vítimas com ensino<br />
superior “só que há uma grande diferença entre as classes<br />
sociais em matéria de denúncia, em visibilidade destas<br />
situações de violência doméstica e de certeza que há uma<br />
‘maior vergonha’ na denúncia nas classes sociais mais<br />
elevadas, porque isso, muitas vezes, mexe com prestígio,<br />
situações sociais de relevo e mexe até com estatutos de<br />
poder que são mais difíceis, nomeadamente há casos<br />
mediáticos nas revistas que há pessoas que tiveram a<br />
coragem de mostrar ao quadro social a situação em que foi<br />
vítima”.<br />
Um outro aspeto é a questão socioeconómica e que “há<br />
um aspeto interessante que na caracterização das vítimas<br />
a maioria é empregada e poderíamos pensar que estamos<br />
perante mulheres inativas, domésticas, mais vulneráveis<br />
com menos rendimentos, mas a realidade não é essa. Há<br />
muitas mulheres que são empregadas e têm o seu próprio<br />
rendimento”.
REPORTAGEM<br />
A professora afirma que “o<br />
problema maior não está tanto a<br />
este nível, mas na qualidade da<br />
relação e aí entra a dimensão<br />
cultural que é o padrão de<br />
homens e mulheres que ainda<br />
perdura da imagem do chefe de<br />
família no fundo uma relação<br />
hierárquica entre homens e<br />
mulheres dentro da própria<br />
família. E isto é que destrói, é<br />
o lastro favorável para entrar a<br />
violência, ou seja, no contexto<br />
em que não há uma democracia<br />
familiar e nós infelizmente<br />
ainda temos no nosso<br />
contexto cultural esta ideia<br />
de que o homem, porque<br />
‘veste calças’, como se<br />
dizia no passado, tem mais<br />
poder e esta ideia não está<br />
só na cabeça dos homens<br />
também está na cabeça das<br />
mulheres e, por isso, o mais<br />
difícil de desconstruir na violência<br />
doméstica são estes estereótipos<br />
que as mulheres alimentam e<br />
quando elas alimentam no sentido<br />
que ‘naturalizam’ e consideram<br />
‘expectável’ ” que a vítima ache<br />
que é motivo da reação violenta<br />
qualquer atitude por parte dele “é<br />
porque ela tem interiorizado este<br />
modelo e isto remete-nos para<br />
uma direção muito importante<br />
dos tais grupos de risco que<br />
são as famílias que ainda agora<br />
educam os seus filhos em modelos<br />
desiguais, portanto enquanto<br />
esta desigualdade de género fizer<br />
parte dos padrões do modelo<br />
de referência da educação nós<br />
estamos a alimentar ou estamos a<br />
dificultar, se quisermos, o combate<br />
aos comportamentos violentos”.<br />
A investigadora continua que<br />
“há muito a fazer nos modelos<br />
educativos pedagógicos, há muito<br />
a fazer na questão do namoro,<br />
na prevenção da violência nas<br />
relações de namoro, aliás um dia<br />
disse um estudante do secundário<br />
que a propósito do comportamento<br />
violento dizia “não é normal, mas é<br />
habitual”, ou seja, eles reconhecem<br />
que o comportamento violento<br />
destrói o outro, mas também<br />
reconhecem que isto faz parte da<br />
sua linguagem e esta naturalização<br />
da sua linguagem violenta é algo<br />
que tem de ser desconstruído”.<br />
Há trabalho a fazer “a nível da<br />
educação como ao nível da família,<br />
da escola, trabalho, política, da<br />
sociedade e do sistema judicial,<br />
nós temos que, infelizmente, e<br />
as estatísticas demonstram que<br />
sempre que não se condenam<br />
os agressores e a taxa de<br />
coordenação é muito, muito baixa<br />
desde logo o número de processos<br />
096 NODEZ20 097<br />
NODEZ20
REPORTAGEM<br />
REPORTAGEM<br />
de acusações é 16% da quantidade dos<br />
inquéritos que são feitos ao nível da<br />
violência doméstica e depois há muitas<br />
penas suspensas. Em Portugal esta baixa<br />
coordenação dos agressores leva a uma<br />
baixa denúncia, quanto menos agressores<br />
forem condenados, menos as vítimas acham<br />
que vale a pena denunciar e isto também<br />
é uma área de intervenção que<br />
se tem de trabalhar muito para<br />
dar visibilidade e aumentar<br />
a consciência crítica das<br />
pessoas que são vítimas de<br />
violência doméstica, elas<br />
têm de ter a consciência<br />
que não é normal ser<br />
vítima, elas não têm o<br />
direito de se sujeitarem a<br />
estes quadros de violência<br />
não é um destino, nem é<br />
uma fatalidade e foi dito<br />
aqui no princípio pela<br />
Malvina, é um compromisso<br />
que se estabelece na<br />
relação conjugal seja formal<br />
ou não formal, mas essa<br />
violência conjugal não pode<br />
destruir a dignidade de<br />
nenhum dos membros que<br />
constrói aquela relação”.<br />
E para se perceber se<br />
há algum tipo de violência<br />
a “nosso redor” o grande sinal de alerta<br />
“é a rutura do contacto da vítima com<br />
o mundo. Isto é uma estratégia do<br />
próprio agressor que vai minando e<br />
controlando sobretudo o mundo normal o<br />
contacto da pessoa com os amigos, com<br />
a família, com os colegas e vai criando um<br />
ser omnipresente e omnipotente, o único<br />
que tem a palavra, a verdade e o único que<br />
tem o caminho certo e a vítima ao mesmo<br />
tempo que vai deixando de contar com as<br />
outras pessoas e de pedir ajuda”, “mas<br />
para se aceitar a ajuda é preciso se<br />
reconhecer que se tem de ser ajudado,<br />
por isso é que as pessoas, às vezes,<br />
nos dizem como é que é possível<br />
uma vítima levar tantos anos<br />
até pedir ajuda, porque<br />
no fundo a agressão<br />
vai triturando essa<br />
capacidade de contar<br />
com os outros e ela vai<br />
se tornando dependente<br />
do próprio agressor, ela<br />
própria vai justificando os<br />
comportamentos dele e vaise<br />
tornar dependente das<br />
armas”.<br />
A professora realça o<br />
papel das associações<br />
intervenientes, afirmando<br />
que “é interessante ver<br />
aqui como a APAV e a<br />
UMAR têm de inventar,<br />
criar estratégias para<br />
devolver às vítimas a<br />
capacidade para se<br />
libertarem, porque as<br />
estratégias normais dos<br />
contactos diários com<br />
as pessoas, com as<br />
098 NODEZ20 099<br />
NODEZ20
amigas eventualmente com a família estão minadas<br />
e nós vemos, às vezes, pessoas que já não nos dizem grandes<br />
conversas ao telefone ou que nos mandam SMS muito secos<br />
que já não têm conteúdo, porque estão demasiado cercadas<br />
num mundo que não é saudável e isto é um sinal de alerta,<br />
alguém que nós conhecemos e que vai perdendo a capacidade<br />
de contacto e isto é um processo lento, há uma fase em que<br />
a pessoa reage, revolta-se, mas à medida que o tempo vai<br />
passando vai perdendo as forças e vai perdendo a razão para<br />
lutar e vai-se submetendo e vai-se esquecendo de si própria até<br />
na sua imagem, na sua aparência, na sua maneira de arranjar<br />
para se vestir para sair ou cuidar da sua cara e vai dando mais<br />
razões ao agressor para ser eventualmente mal tratada. Eu<br />
acho que isso é o grande sinal de alerta, é a perda do contacto<br />
com o mundo e o ter de encontrar estratégias para se tirar<br />
desse mundo”.<br />
Por outro lado, um outro sinal de alerta “tem a ver com essa<br />
incapacidade de se distanciar de si própria. Quando alguém<br />
não consegue ver o sítio onde está e as coisas que está a<br />
viver está muito mais vulnerável e muito mais fragilizada, tem<br />
de sair para poder olhar para si própria e para se ver. Não são<br />
só aquelas imagens que aparecem nas campanhas com os<br />
olhos negros ou com ferida, não! As pancadas muitas vezes<br />
são interiores, são humilhações, é a violência verbal, é o<br />
desrespeito pelas suas escolhas, por aquilo que ela gosta ou<br />
quer ser, por aquilo que ela acha que está certo e é um triturar<br />
permanente daquilo que é a pessoa, é que é a grande marca<br />
aquela que é mais difícil de se ver, mas é aquela que a pessoa<br />
tem de se distanciar para se<br />
reconhecer (…) e isso é preciso<br />
olhar, saber interpretar os sinais<br />
de mudança no comportamento<br />
da vítima para poder ajudar<br />
e pegar no fio da meada e<br />
começar a fazer com que esta<br />
pessoa saia desse mundo e<br />
possa verbalizar”.<br />
Os procedimentos para pedir<br />
ajuda às instituições vai<br />
depender de como é que aquela<br />
mulher se encontra naquele<br />
preciso momento. No período<br />
de confinamento “foram elas<br />
próprias que minimizavam essa<br />
violência, porque elas estavam<br />
centradas no seu papel de mães<br />
em apoiar, em arranjar os meios<br />
de comunicação para que os<br />
filhos pudessem ter a escola em<br />
casa nas devidas condições.<br />
Muitas destas mulheres<br />
tiveram que cuidar de outros<br />
familiares, nomeadamente mães<br />
e pais dependentes e havia o<br />
minimizar desta violência, ou<br />
seja, “ela amanhã vai passar,<br />
ela amanhã vai-se resolver” e<br />
o que é que estas mulheres<br />
fizeram? Fizeram o exercício<br />
imenso de não se olharem para<br />
si enquanto mulheres, mas se<br />
olharem para si enquanto<br />
0100 NODEZ20 0101<br />
NODEZ20
mães, filhas, enquanto<br />
cuidadoras, enquanto<br />
trabalhadoras, porque neste<br />
curto espaço de casa elas<br />
também correspondiam ao<br />
seu trabalho, em teletrabalho<br />
e, portanto, houve este<br />
minimizar”.<br />
“E no primeiro atendimento,<br />
nós vamos fazer com que<br />
esta mulher perceba que tem<br />
direitos, não tem só deveres<br />
e que é uma pessoa como<br />
outra qualquer e aí vamos<br />
perceber a dimensão da<br />
violência, vamos perceber<br />
se ela continua a estar<br />
segura naquele espaço<br />
ou não e vamos delinear<br />
um plano para esta mulher<br />
sempre conversando com ela<br />
chamando a atenção que ela<br />
pode conversar com as nossas<br />
juristas, desabafar com as<br />
nossas psicólogas e conversar<br />
com a nossa assistente social<br />
e à maneira que ela nos<br />
procura através das redes<br />
sociais, do telemóvel, através<br />
do telefone, um atendimento<br />
presencial como ela quiser”.<br />
A diretora da UMAR esclarece<br />
que primeiro é preciso “ouvir,<br />
ouvir e ouvir e nunca comentar<br />
e nunca responder de maneira<br />
a colocar dúvidas na cabeça<br />
daquela vítima, porque ela é<br />
que sabe da sua vida, mas<br />
posso te acompanhar à APAV.<br />
E<br />
muitas vezes aquela mulher está<br />
debilitada de maneira que vai omitir<br />
muitos factos importantes na denúncia<br />
e à conversa connosco vai fazendo<br />
uma resenha histórica e vamos tentar<br />
meter na cabeça que quando ela for<br />
apresentar aquela denúncia tenha os<br />
factos todos, porque são aqueles factos,<br />
o dia, a hora, o momento como começou<br />
que vão permitir ao Ministério Público<br />
fazer o seu trabalho condignamente”. No<br />
mesmo sentido, “quanto mais informação<br />
ela tiver, mais concertada será a sua<br />
decisão, não vale a pena num ato<br />
irrefletido ir fazer uma queixa e depois<br />
omitir informações, mais vale reestruturar<br />
esta narrativa (…) e só o facto de<br />
expor a outra pessoa ajuda a construir<br />
este discurso e até nós organizações<br />
podemos ajudar nesta denúncia. Se esta<br />
vítima está de tal forma debilitada a nível<br />
emocional e consequentemente cognitivo<br />
isto também acontece depois a nível do<br />
discurso, havendo alguns desfasamentos<br />
que, às vezes, são consequências da<br />
própria vitimização, nós podemos ajudar<br />
depois a nível do processo-crime os<br />
resultados são melhores e sobretudo<br />
respeitar o timing da vítima. Às vezes<br />
há vítimas que não estão preparadas<br />
para tomar certos procedimentos<br />
logo e já e nós vamos trabalhando ao<br />
nível de psicoeducação e algumas<br />
estão fragilizadas ao ponto de se auto<br />
culpabilizarem pela violência e nós<br />
tentamos sensibilizar”.<br />
0102 NODEZ20 0103<br />
NODEZ20
REPORTAGEM<br />
RUI SANTOS<br />
O CRESCIMENTO<br />
DOS CENTROS<br />
DE SERVIÇOS<br />
PARTILHADOS<br />
EM PORTUGAL<br />
Numa talk do Jornal Económico, Tiago Henriques,<br />
Manager da Shared Services Centres, explicou o<br />
crescimento destes centros em Portugal. Segundo o<br />
mesmo, os centros de serviços partilhados tiveram<br />
origem no final da década de 80 nos Estados Unidos<br />
da América “junto de grandes conglomerados<br />
de empresas organizacionais que pressionados<br />
pelo custo entendem centralizar em algumas<br />
geografias, e às vezes só numa, as suas atividades<br />
mais transacionais”, o principal objetivo desses<br />
centros é wa redução de custos, “mas também a<br />
uniformização de processos com todos os ganhos<br />
que advêm disso”, referiu, lembrando que ao “longo<br />
do tempo os conceitos foram evoluindo, mas na sua<br />
origem é este o conceito”.<br />
0104 NODEZ20
REPORTAGEM<br />
REPORTAGEM<br />
Em Portugal estes centros têm evoluído “de<br />
uma forma muito positiva”, sendo que nos<br />
últimos quatro anos “os estudos que temos<br />
indicam que estas estruturas cresceram na casa<br />
dos 44%. Aquilo que nos apercebemos é que<br />
estas tarefas de carácter mais transacional,<br />
pagamentos ou recebimentos, portanto tarefas<br />
muito administrativas, vão progredindo para<br />
funções que se encostam cada vez mais ao<br />
core business das empresas”. Para Tiago<br />
Henriques, aquilo que faz os investidores<br />
procurarem Portugal e que os que já estão<br />
continuem a olhar para o país “é de facto o<br />
valor acrescentado que os portugueses são<br />
capazes de trazer a estes centros e a estas<br />
empresas”.<br />
“Há uma parte dos colaboradores das<br />
organizações que não são portugueses e o<br />
Turismo nos últimos anos, com indicadores<br />
menos positivos agora pelo momento que<br />
estamos a viver, mas de facto isto fez com<br />
que quem não estava em Portugal olhasse<br />
para Portugal como um sítio onde podia ter<br />
as suas famílias e podia desenvolver as suas<br />
carreiras”, explicou, acrescentando que, para<br />
quem investe, “olhar para o talento de Portugal<br />
é um facto incontornável, é algo que faz no<br />
limite decidir por Portugal”, afirmou.<br />
Não sendo o país “mais barato do mundo,<br />
porque os nossos recursos humanos não<br />
são os mais baratos”, no entanto estes “são<br />
considerados os melhores”.<br />
O Manager da Shared Services Centres diz que, nos últimos anos,<br />
“pela pressão do imobiliário junto, principalmente, das grandes<br />
metrópoles são onde estes investidores tendem a querer investir<br />
mais, pelas redes de transporte que servem as grandes metrópoles<br />
são outro dos grandes pontos de interesse”. Entre outros aspetos<br />
igualmente “muito importantes”, Tiago Henriques destacou<br />
também o facto de os portugueses tenderem a dominar idiomas<br />
“muito importantes” como o espanhol e o inglês, algo positivo para<br />
os centros de serviços partilhados caso procurem estruturas que<br />
atravessam fronteiras, “isto traz logo pontos consideráveis para<br />
Portugal”, acrescendo a isso “a reputação das nossas pessoas e os<br />
bons exemplos de quem já cá está que tende a continuar a investir,<br />
em vez de retirar operações, como acontece em outras geografias,<br />
a tendência de quem está em Portugal é continuar a investir em<br />
funções que trazem muito valor às empresas”.<br />
0106 NODEZ20 0107<br />
NODEZ20
REPORTAGEM<br />
Tiago Henriques diz que não há um padrão<br />
nem perfil para os projetos procurados pelos<br />
investidores em Portugal, e que os mesmos<br />
“procuram é olhar para processos mais<br />
refinados, mais alargados, imagine: passamos<br />
de áreas que se chamavam account payable<br />
ou receivable para purchase to pay ou order<br />
to cash, tal e qual como os nomes indicam<br />
são scopes muito mais alargados”. Também<br />
existem outros exemplos como a tecnologia<br />
“com imensos projetos a entrar em Portugal,<br />
projetos gigantescos na área da engenharia,<br />
nomeadamente mais a norte do país. Daí<br />
a minha resposta não há um padrão, mas<br />
definitivamente procuram o conhecimento<br />
português e a capacidade de adaptação do<br />
povo português também”, explicou.<br />
Em relação à pandemia, essas estruturas<br />
estão a reagir “particularmente bem, mas é<br />
surpreendente ver como essas empresas se<br />
organizaram tão rapidamente para conseguir<br />
ultrapassar este momento mais difícil”,<br />
também pelo facto de existirem determinadas<br />
tarefas “que não têm que ser desenvolvidas<br />
no escritório, aquelas tarefas que já estão<br />
implementadas e já estão muito automatizadas<br />
não carecem de trabalho em grupo”. No<br />
entanto, Tiago Henriques confessou que<br />
“alguns clientes reportam alguma dificuldade<br />
principalmente naqueles projetos que exigem<br />
conhecimentos multidisciplinares, imagine:<br />
estamos a desenvolver uma ferramenta para<br />
automatizar um processo e isto obriga a que as<br />
equipas desenhem, mas depois, em conjunto,<br />
criem as ferramentas, quem parametriza<br />
e quem desenvolve, e é essa a grande<br />
dificuldade, é conseguir transformar ideias em<br />
ações e aí”, podendo ser, do seu ponto de vista,<br />
“a área onde estas empresas estão a ter mais<br />
dificuldades”. Contudo, “parece que continua<br />
a haver interesse em investir em Portugal.<br />
Existem alguns processos para <strong>2021</strong> e 2022”,<br />
avançou, reforçando a ideia de que “quem cá<br />
está continua a olhar para Portugal como um<br />
país onde pode continuar a introduzir tarefas e<br />
muitas vezes a retirá-las dos seus headquarters<br />
o que são ótimas notícias para Portugal”.<br />
0109<br />
NODEZ20
ESTUDO<br />
ESTUDO<br />
MÁ VISÃO<br />
DUPLICA A PROBABILIDADE DE<br />
SOFRER DE DEPRESSÃO<br />
PORTUGUESES<br />
PREFEREM<br />
COMPRAR<br />
ONLINE<br />
A associação de má visão com uma<br />
maior probabilidade de sofrer de<br />
depressão é um dos resultados de<br />
um estudo recentemente publicado<br />
em que se avaliaram dificuldades<br />
de visão reportadas pelos próprios<br />
indivíduos em 30 países europeus,<br />
incluindo Portugal. Este estudo foi<br />
realizado com o apoio do programa<br />
de investigação Eurovisão da União<br />
Europeia Horizonte 2020 e foi<br />
publicado na Acta Ophthalmologica,<br />
com a autoria de vários investigadores<br />
internacionais de optometria e<br />
oftalmologia.<br />
A má visão contribui para impedir o<br />
desenvolvimento de todo o potencial<br />
das crianças, para a limitação de<br />
produtividade nos adultos e perda de<br />
autonomia na terceira idade. Também<br />
conduz ao isolamento, à sensação<br />
de insegurança e impotência e à<br />
degradação da autoconfiança. Como<br />
tal, contribui para os comportamentos<br />
depressivos de uma forma muito<br />
marcada.<br />
Estes resultados enfatizam a<br />
necessidade de uma abordagem<br />
abrangente, de resposta eficaz<br />
integrada, na comunidade e de<br />
proximidade. Os cuidados para<br />
a saúde da visão são os cuidados<br />
de especialidade mais frequentes<br />
nos seres humanos e devem ser<br />
assegurados desde o nascimento e ao<br />
longo de toda a extensão da vida.<br />
Cerca de 5 milhões de portugueses<br />
sofrem de erro refrativo, e ainda<br />
assim, o Estado Português ainda<br />
não implementou as recomendações<br />
da Organização Mundial de Saúde<br />
sobre a integração e planeamento da<br />
força de trabalho dos cuidados para<br />
a saúde da visão desde os cuidados<br />
primários aos cuidados hospitalares e<br />
de reabilitação. Estas recomendações<br />
foram recentemente reforçadas pela<br />
OMS para o rastreio da retinopatia<br />
diabética no dia 14 de Novembro,<br />
onde mais uma vez se reforça o papel<br />
fundamental que os Optometristas<br />
devem desempenhar na prestação<br />
de cuidados primários para a saúde<br />
da visão. Até lá, cada vez mais<br />
portuguesas e portugueses irão ver<br />
pior o seu presente e futuro.<br />
Em 2020, 30% dos portugueses<br />
admite fazer as suas compras de Natal<br />
exclusivamente online (6,1% em<br />
2019). A conclusão é de um estudo<br />
realizado pelo Instituto Português de<br />
Administração de Marketing (IPAM)<br />
sobre os hábitos dos portugueses face<br />
às compras de Natal que, este ano,<br />
aponta para alterações acentuadas no<br />
comportamento do consumidor.<br />
Ainda assim, os portugueses preveem<br />
gastar, em média, 374 euros nas<br />
compras de Natal, um valor não<br />
muito diferente quando comparado<br />
com os 385 euros de 2019.<br />
“Quando analisada a variação dos<br />
valores gastos ao longo dos anos em<br />
compras de Natal, verifica-se uma<br />
oscilação significativa. Em 2009,<br />
os portugueses previam gastar 490<br />
euros, mas 11 anos depois, este valor<br />
diminuiu consideravelmente, fruto da<br />
conjuntura socioeconómica”, afirma<br />
Mafalda Ferreira, docente do IPAM<br />
e coordenadora deste estudo. “Como<br />
resultado da pandemia e provável<br />
crise económica dos próximos<br />
tempos, estes resultados não surgem<br />
como estranhos, nomeadamente,<br />
no caso do aumento acentuado das<br />
compras exclusivamente online. Os<br />
portugueses estão com sentimentos<br />
negativos face ao consumo, que se<br />
acentuaram nesta época natalícia, e<br />
estes valores são um reflexo disso”,<br />
acrescenta a responsável.<br />
Para compreender a situação<br />
financeira das famílias, o IPAM<br />
procurou também saber se os<br />
portugueses iriam receber subsídio<br />
de Natal e concluiu que 28% dos<br />
inquiridos não o receberá nesta<br />
altura, o que terá um impacto<br />
negativo no comportamento face<br />
ao consumo nesta quadra. Dos que<br />
recebem subsídio de Natal, 15,6%<br />
prevê despender entre 51% a 75%<br />
desta quantia extra em compras; 5,8%<br />
0110 NODEZ20 0111<br />
NODEZ20
ESTUDO<br />
vai gastar a totalidade do subsídio;<br />
enquanto 8% pretende poupar este<br />
valor.<br />
Procurando analisar a situação<br />
de 2020 relativamente ao quadro<br />
do ano anterior, foi solicitado aos<br />
inquiridos que comparassem o valor<br />
que preveem gastar este ano, com o<br />
valor gasto em 2019, sendo que 17%<br />
refere que em 2020 irá gastar um valor<br />
inferior ao de 2019. De destacar que<br />
75% dos inquiridos responde que irá<br />
gastar o mesmo que no ano anterior, o<br />
que remete, apesar de tudo, para uma<br />
estabilidade no comportamento do<br />
consumidor em 2020. Os inquiridos<br />
que vão gastar um valor inferior<br />
referem que irão efetuar cortes nas<br />
compras para amigos e familiares.<br />
Quanto aos destinatários dos<br />
presentes de Natal, as crianças são<br />
privilegiadas nos agregados familiares<br />
com filhos (55% dos inquiridos),<br />
em 100% dos casos analisados neste<br />
estudo. De referir ainda que, em 75%<br />
dos casos, é mencionada a intenção de<br />
compra de presentes para o cônjuge e,<br />
em 62%, para os pais, irmãos e outros<br />
familiares. Apenas 30% dos inquiridos<br />
refere a intenção de comprar prendas<br />
para amigos.<br />
Relativamente aos produtos a<br />
comprar, para as crianças até aos<br />
12 anos as prendas preferidas serão<br />
brinquedos (48%), seguidas de roupas<br />
e sapatos (20%) e livros (8%). Para os<br />
adolescentes (entre os 12 e os 18 anos)<br />
as escolhas recaem na roupa/sapatos<br />
(32,1%), jogos eletrónicos (16%)<br />
e acessórios (8%). Para os adultos,<br />
a opção mais escolhida para os<br />
presentes de natal são roupa/sapatos<br />
(30%), seguida de acessórios (21%) e<br />
livros (16%).<br />
Quanto ao local para a realização de<br />
compras, o número de inquiridos que<br />
opta pelos centros comerciais (20%)<br />
é superior ao de quem escolhe os<br />
centros comerciais e comércio de rua<br />
(10%), sendo que a pandemia trouxe<br />
uma alteração profunda dos locais<br />
de compra, com 30% dos inquiridos<br />
a afirmar que fará exclusivamente<br />
compras online.<br />
O estudo do IPAM verificou ainda<br />
que 63% dos inquiridos efetua as suas<br />
compras durante o mês de dezembro<br />
e que, quem compra antecipadamente,<br />
fá-lo para evitar a concentração<br />
de pessoas e garantir a entrega dos<br />
produtos comprados online.<br />
Este estudo do IPAM que caracteriza<br />
o comportamento dos consumidores<br />
face às compras de Natal é realizado<br />
pelo 12.º ano consecutivo, o que<br />
possibilita uma análise detalhada das<br />
principais alterações nos hábitos de<br />
consumo. Num ano atípico como<br />
2020, de acordo com esta análise, a<br />
perceção da população portuguesa<br />
sobre o Natal é, sobretudo, negativa,<br />
não sendo de admirar que a situação<br />
pandémica tenha impactado os<br />
hábitos de consumo, dando origem<br />
aos resultados mais distintos dos<br />
últimos 10 anos.<br />
0112 NODEZ20 0113<br />
NODEZ20
ESTUDO<br />
CÉLULAS MESENQUIMAIS DO<br />
TECIDO DO CORDÃO UMBILICAL<br />
DEMONSTRAM BENEFÍCIOS<br />
NO TRATAMENTO DA ARTRITE<br />
REUMATOIDE<br />
De acordo com investigações<br />
recentes sobre o efeito das células<br />
mesenquimais derivadas do cordão<br />
umbilical no tratamento da artrite<br />
reumatoide, pode concluir-se que<br />
existe um potencial terapêutico<br />
destas células, nomeadamente antiinflamatório.<br />
A redução da inflamação<br />
ocorre devido a uma capacidade<br />
imunomodelatória/imunossupressora<br />
das células mesenquimais.<br />
A artrite reumatoide está clinicamente<br />
definida como uma doença crónica,<br />
inflamatória e autoimune que se<br />
caracteriza pela inflamação das<br />
articulações e que pode conduzir<br />
à destruição do tecido articular<br />
e periarticular. O conhecimento<br />
adquirido por vários cientistas a nível<br />
mundial sobre o potencial terapêutico<br />
das células estaminais, tem levado<br />
ao aparecimento de vários ensaios<br />
clínicos recentes sobre esta temática.<br />
Em 2018, investigadores do<br />
departamento de reumatologia de<br />
vários hospitais de Seoul em conjunto<br />
com os institutos de medicina<br />
regenerativa e centros de investigação<br />
da Coreia do Sul avaliaram 11 doentes<br />
com artrite reumatoide. Destes, 78%<br />
são mulheres com uma idade média<br />
de 57 anos e com uma duração média<br />
da doença de 9 anos e meio. Após 24h<br />
da infusão das células mesenquimais<br />
provenientes do cordão umbilical,<br />
observou-se diminuição significativa<br />
de várias citocinas pro-inflamatórias<br />
(IL-1β, IL-6, IL-8, e TNF-α). Tal<br />
facto comprova a capacidade<br />
imunomodulatória destas células.<br />
Este estudo abriu a possibilidade de<br />
explorar o tratamento e a melhoria de<br />
doenças imunomediadas, incluindo<br />
doenças autoimunes, como a artrite<br />
reumatoide .<br />
Mais recentemente, em 2019, foi<br />
realizado outro ensaio clínico com<br />
o propósito de estudar o efeito da<br />
infusão das células mesenquimais<br />
provenientes do cordão umbilical<br />
nesta patologia com um período de<br />
seguimento mais alargado (3 anos).<br />
Sessenta e quatro doentes (87%<br />
mulheres) com idades compreendidas<br />
entre 18-64 anos foram submetidos<br />
a uma infusão intravenosa com<br />
células mesenquimais do tecido<br />
do cordão umbilical. Após o<br />
primeiro e terceiro ano da infusão,<br />
os doentes foram avaliados em três<br />
categorias: Marcadores inflamatórios<br />
sistémicos, Segurança e Eficácia.<br />
Após três anos, os marcadores<br />
inflamatórios sistémicos reduziram<br />
significativamente, realçando a<br />
capacidade destas células diminuírem<br />
o ambiente inflamatório evidenciando<br />
a eficácia do uso destas células como<br />
terapia 2 .<br />
Para além disso, as células<br />
mesenquimais do tecido do cordão<br />
umbilical apresentam uma capacidade<br />
de proliferação e diferenciação<br />
únicas, assim como a aptidão de,<br />
depois de estarem na corrente<br />
sanguínea, se dirigirem para o<br />
local inflamado exercendo os seus<br />
efeitos benéficos (homing). Esta<br />
capacidade de “homing”, associada<br />
à vantagem de terem propriedades<br />
hipoimunogénicas, ou seja, de não<br />
reagirem à infusão de células como<br />
0114 NODEZ20 0115<br />
NODEZ20
ESTUDO<br />
com 68 anos que foi diagnosticado<br />
com artrite reumatoide desde os seus<br />
53 anos de idade. Na figura C e D<br />
está, respetivamente, representado<br />
o antes e um ano depois da infusão<br />
com células mesenquimais do tecido<br />
do cordão umbilical numa doente<br />
com 33 anos com artrite reumatoide<br />
desde os seus 29 anos de idade com<br />
queixas de muitas dores. Como se<br />
pode observar em ambas as situações,<br />
os doentes não conseguem esticar<br />
os dedos devido à inflamação<br />
existente nas junções articulares.<br />
No entanto, após o tratamento<br />
existe uma melhoria substancial<br />
permitindo um maior movimento<br />
dos membros, sublinhando a eficácia<br />
desta terapêutica. Para além disso,<br />
os efeitos terapêuticos das células<br />
mesenquimais mantêm-se durante o<br />
período de acompanhamento, sempre<br />
com resultados clínicos estáveis,<br />
melhorando de forma substancial a<br />
qualidade de vida dos doentes com<br />
artrite reumatoide 2 .<br />
um agente estranho que possa<br />
despoletar resposta imunológica,<br />
permitem realizar tratamentos<br />
com células do próprio indivíduo<br />
(autólogos) ou de outros indivíduos<br />
(alogénicos), possibilitando a<br />
utilização destas células como um alvo<br />
terapêutico muito eficaz e seguro.<br />
Um e três anos após o tratamento,<br />
todos os valores das análises<br />
sanguíneas de rotina mantiveram-se<br />
sem alterações comparativamente<br />
com a fase anterior ao tratamento.<br />
As funções hepática e renal<br />
também não sofreram alterações,<br />
demonstrando que o tratamento<br />
com células mesenquimais do tecido<br />
do cordão umbilical é seguro. O<br />
cálculo do desenvolvimento da artrite<br />
reumatoide (score DAS28) diminuiu<br />
significativamente um ano depois do<br />
tratamento, continuando a diminuir<br />
até ao terceiro ano. O mesmo<br />
resultado foi observado na avaliação<br />
da capacidade funcional dos doentes<br />
(Health Assessment Questionnaire).<br />
Este questionário avalia de 0 a 3 as<br />
capacidades quotidianas do indivíduo,<br />
desde conseguir vestir-se até abrir<br />
torneiras, frascos, subir escadas, entre<br />
outros .<br />
A eficácia deste tratamento é real<br />
e pode ser também observada<br />
naturalmente por qualquer pessoa.<br />
Na figura ilustrada em baixo estão<br />
retratadas as mãos de um paciente<br />
antes (figura A) e após três anos do<br />
tratamento com células mesenquimais<br />
derivadas do tecido cordão umbilical<br />
(figura B). Trata-se de um paciente<br />
Figura retirada do artigo Wang L,et al. (2019) Drug<br />
design, Development and Therapy 2<br />
De forma a estudar e desenvolver<br />
um tratamento mais potente contra<br />
a artrite reumatoide, a utilização das<br />
células mesenquimais do cordão<br />
umbilical também tem surgido em<br />
combinação com outras terapias. Este<br />
ano, um outro ensaio clínico realizado<br />
com 63 doentes, demonstrou que a<br />
aplicação das células mesenquimais<br />
do cordão umbilical com interferão-γ<br />
aumenta significativamente a taxa de<br />
resposta em 93,3% (American College<br />
of Rheumatology 20 response rates)<br />
ao terceiro mês de acompanhamento.<br />
Ou seja, considerando a resposta à<br />
doença, a terapia combinada com<br />
as células mesenquimais do cordão<br />
umbilical leva a uma melhoria<br />
0116 NODEZ20 0117<br />
NODEZ20
ESTUDO<br />
PUB<br />
substancial dos doentes com artrite<br />
reumatoide quando comparada com<br />
uma terapia sem o uso das células<br />
mesenquimais. Assim, estes autores<br />
sugeriram esta terapia combinada<br />
como uma nova estratégia clínica para<br />
o tratamento da artrite reumatoide<br />
dado que se observou uma sinergia na<br />
eficácia do tratamento sem quaisquer<br />
efeitos colaterais durante um período<br />
observacional de 1 ano .<br />
Andreia Gomes, responsável<br />
pela Unidade de Investigação &<br />
Desenvolvimento da BebéVida,<br />
afirma “É necessário salientar que<br />
em todos estes estudos e os critérios<br />
de segurança destas infusões<br />
durante e após o tratamento foram<br />
continuamente avaliados, concluindo<br />
que esta terapêutica é segura e não é<br />
tóxica, uma vez que todos os sinais<br />
vitais e clinicamente relevantes se<br />
mantiveram estáveis”.<br />
“A eficácia de um tratamento é<br />
um fator determinante para a cura<br />
de certas doenças, como a artrite<br />
reumatoide, bem como o aumento<br />
da qualidade de vida dos doentes. No<br />
entanto, a avaliação da segurança da<br />
aplicação destas células é a principal<br />
prioridade”, reforça Andreia Gomes.<br />
PRATOS<br />
GEOTERMICOS<br />
U M A E X P E R I Ê N C I A Ú N I C A<br />
I N S P I R A D A N A N A T U R E Z A<br />
RESTAURANTE CALDEIRAS DA RIBEIRA GRANDE<br />
0118 NODEZ20 0119<br />
NODEZ20
ESTUDO<br />
Questões culturais e socioeconómicas impedem<br />
igualdade de género no acesso a cuidados e prevenção<br />
da deficiência visual e/ou cegueira evitável<br />
A prevalência de deficiência visual<br />
e cegueira é superior nas mulheres<br />
do que nos homens. Esta diferença<br />
acentua-se com a idade e na sua<br />
maioria não é devido a fatores<br />
intrínsecos das causas, mas sim a<br />
fatores culturais e socioeconómicos.<br />
Esta é uma das conclusões que se<br />
retira dos estudos recentemente<br />
publicados na The Lancet Global<br />
Health pelo grupo internacional<br />
de peritos sobre a perda de visão,<br />
Vision Loss Expert Group (VLEG)<br />
e do Instituto de Avaliação e<br />
Métricas em Saúde da Universidade<br />
de Washington, que conta com<br />
dois investigadores Optometristas<br />
portugueses, sobre o peso global das<br />
causas e prevalência da deficiência<br />
visual. Os estudos, Causes of<br />
blindness and vision impairment in<br />
2020 and trends over 30 years, and<br />
prevalence of avoidable blindness in<br />
relation to VISION 2020: the Right<br />
to Sight: an analysis for the Global<br />
Burden of Disease Study; e Trends in<br />
prevalence of blindness and distance<br />
and near vision impairment over<br />
30 years: an analysis for the Global<br />
Burden of Disease Study analisam<br />
com uma profundidade, dimensão e<br />
detalhe nunca antes atingido, o peso<br />
e relevância das diferentes causas<br />
de deficiência visual e cegueira no<br />
mundo, incluindo Portugal.<br />
As limitações no acesso a cuidados<br />
para a saúde da visão e as<br />
dificuldades económicas de acesso<br />
aos tratamentos, inclusive óculos e/<br />
ou lentes de contacto, representam<br />
um estrangulamento no orçamento<br />
individual e familiar no momento<br />
de decidir e procurar soluções<br />
para as dificuldades de visão. Por<br />
diferentes contextos culturais e<br />
socioeconómicos, é menos provável<br />
as meninas/mulheres verem a sua<br />
deficiência visual avaliada e tratada,<br />
resultando numa maior prevalência<br />
de deficiência visual e/ou cegueira<br />
evitável em todas as causas no<br />
sexo feminino, com exceção do<br />
glaucoma. Esta deficiência visual e/<br />
ou cegueira resulta na limitação de<br />
desenvolvimento de todo o potencial<br />
das meninas e na perda de autonomia<br />
e capacidade produtiva das mulheres,<br />
traduzindo-se em consequências<br />
fundamentais na sua independência e<br />
autonomia. Este desequilíbrio é ainda<br />
mais evidente com o aumento da<br />
idade.<br />
Vera Carneiro e Raúl Alberto de<br />
Sousa, Optometristas e Colaboradores<br />
do IHME/Global Burden Disease<br />
enfatizam a importância da boa visão<br />
na promoção da igualdade de género,<br />
no desenvolvimento individual e<br />
da sociedade. Assegurar boa visão<br />
é assegurar o acesso à igualdade de<br />
oportunidades.<br />
É esta uma das mais valias da<br />
implementação das recomendações<br />
da Organização Mundial de Saúde<br />
sobre a integração e planeamento da<br />
força de trabalho dos cuidados para<br />
a saúde da visão, desde os cuidados<br />
primários aos cuidados hospitalares e<br />
de reabilitação. Cerca de 5 milhões de<br />
portugueses sofrem de erro refrativo,<br />
a maior causa de deficiência visual<br />
evitável.<br />
As/os Optometristas são as/os<br />
especialistas com formação mais<br />
aprofundada e detalhada para<br />
diagnosticar e tratar o erro refrativo.<br />
Desempenham um papel fundamental<br />
na prestação de cuidados primários<br />
para a saúde da visão de acordo com<br />
as recomendações da Organização<br />
Mundial de Saúde, com as quais o<br />
Estado Português se comprometeu<br />
e ainda estão por implementar.<br />
Até lá, cada vez mais portuguesas<br />
e portugueses irão ver pior o seu<br />
presente e futuro.<br />
Os artigos completos podem ser<br />
consultados na Lancet Global Health<br />
(https://www.thelancet.com/journals/<br />
langlo/home).<br />
0120 NODEZ20 0121<br />
NODEZ20
CRÓNICA<br />
CRÓNICA<br />
Enfermeira Filipa<br />
Durante umas semanas vivi, pelo<br />
menos, duas experiências que não<br />
esquecerei. A primeira ser uma jovem<br />
infetada com COVID-19, experiência<br />
que, segundo os dados que são<br />
divulgados diariamente pela Direção<br />
Regional de Saúde (DRS), partilho<br />
com milhares de pessoas. A segunda o<br />
meu contato com o Serviço Regional<br />
de Saúde do lado de quem o utiliza.<br />
Tenho que ressalvar que esta foi,<br />
e ainda é, a minha experiência. E<br />
não querendo generalizar o que<br />
vivi, no fundo, tenho imaginado<br />
que se o fizesse, e aplicando toda a<br />
minha experiência a todas as pessoas<br />
infetadas na Região Autónoma dos<br />
COVID19<br />
#Ficaremcasa<br />
Açores, o caso não seria apenas<br />
alarmante mas gravíssimo. Bom, no<br />
mínimo, revestido de imprecisões e<br />
confusão.<br />
Sou enfermeira, tenho 35 anos. Sou<br />
continental mas resido na ilha de<br />
São Miguel há 15 anos. Não tenho<br />
antecedentes de saúde, não sou<br />
fumadora e, devido à minha atividade<br />
profissional, mantive e mantenho-me<br />
informada sobre as atualizações das<br />
informações relativas à pandemia.<br />
Escrevo este artigo como cidadã e não<br />
como enfermeira, embora as duas<br />
sejam absolutamente indissociáveis.<br />
Sem saber bem por onde começar,<br />
vou fazê-lo relembrando o dia D<br />
(do diagnóstico). Quando recebi o<br />
telefonema da Delegação de Saúde de<br />
Ponta Delgada, custou-me a acreditar<br />
nas palavras que estava a ouvir. Se eu<br />
não tinha sintomas, não sentia nada<br />
de diferente como poderia eu ter<br />
contraído o vírus SARS-CoV-2?<br />
Não esperem “pontadas” ao respirar<br />
ou, mesmo, falta de ar. Se estão em<br />
casa também não esperem ficar<br />
especialmente cansados. Na minha<br />
experiência tal não aconteceu. Não<br />
sei, até hoje, onde contraí o novo<br />
coronavírus. Provavelmente nunca<br />
irei saber.<br />
Bem, voltando ao dia D, foi neste<br />
dia que começou uma das maiores<br />
aventuras da minha vida, daquelas<br />
que deixam lições e marcas que são<br />
difíceis de apagar. Aqui começou o<br />
meu confronto com a realidade que<br />
nos falam nos órgãos de comunicação<br />
social.<br />
Diagnóstico estabelecido, era hora<br />
de me isolar no domicílio do meu<br />
namorado (com quem tinha estado<br />
sem restrições até aquela hora).<br />
Dúvidas eram muitas, incertezas<br />
cada vez mais e algum receio do que<br />
estaria para vir, devo confessar. Sem<br />
direito a grandes questões durante<br />
o telefonema, foi-me dito que a<br />
equipa da Delegação de Saúde de<br />
Ponta Delgada estaria ao meu dispor<br />
para tornar a experiência menos<br />
penosa. A informação era curta e<br />
clara: 14 dias isolamento, com direito<br />
a efetuar o primeiro “teste de cura”<br />
no final dos mesmos, sendo que só<br />
seria considerada recuperada com<br />
dois testes negativos com intervalo<br />
de 24 a 48 horas entre cada um. O<br />
meu coabitante, como sempre foi<br />
“amavelmente” tratado, ficaria em<br />
0122 NODEZ20 0123<br />
NODEZ20
CRÓNICA<br />
isolamento profilático durante o<br />
mesmo tempo e só seria “libertado”<br />
após os meus dois testes negativos.<br />
O que se seguiu foram dias de<br />
contatos diários pelos elementos da<br />
linha de vigilância ativa, exceto ao<br />
domingo porque o vírus também<br />
é filho de Deus. Fui contatada nos<br />
dias preconizados sem exceção.<br />
As vozes que me contatavam do<br />
outro lado eram sempre simpáticas<br />
e afáveis. Mas era só isso. Todas as<br />
dúvidas teriam de ser colocadas<br />
via e-mail. A equipa de médicos da<br />
Delegação de Saúde responderia<br />
quando tivesse disponibilidade.<br />
Portanto, a história de que estariam<br />
ao dispor para qualquer dúvida era<br />
daquelas bonitas de livro mas que na<br />
realidade não acontecem. Informações<br />
contraditórias dos diferentes<br />
elementos da equipa, contatos<br />
recorrentes para marcação de testes<br />
que já tinham sido efetuados e falhas<br />
na comunicação foram constantes.<br />
Como não tinha essa informação<br />
registada? Não há comunicação?<br />
Pedi a mim mesma muitas vezes que<br />
me acalmasse. A verdade é que não<br />
havia muito que pudesse fazer. A<br />
culpa também não seria da senhora<br />
do outro lado do telefone. Mas com<br />
certeza também não seria minha.<br />
Seria de quem?<br />
Eu aí percebi muitas coisas. A<br />
desorganização de um sistema que<br />
eu achava ser organizado e rigoroso.<br />
Percebi o caos do Serviço Regional<br />
de Saúde. Um caos diferente do da<br />
televisão.<br />
É grave a evidente falta de<br />
compromisso com o doente, que<br />
está em casa à espera das chamadas<br />
prometidas e do acompanhamento<br />
que merece. Eu tive muita sorte com<br />
os sintomas, mas e quem não teve?<br />
Então, porque me disseram que<br />
existia um sistema organizado? Não<br />
percebo e preocupo-me. Não me<br />
preocupo apenas com esta situação<br />
em concreto, preocupo-me com tudo<br />
o que eu vi falhar até aqui, e que<br />
acumulado é triste de se ver.<br />
Cada caso é um caso e o meu é<br />
diferente. Não tenho sintomas graves,<br />
nem legítimos. Será que faço parte<br />
daqueles números oficiais da DRS?<br />
Li religiosamente os comunicados<br />
emitidos diariamente pela entidade<br />
supra mencionada: em nenhum deles<br />
constavam dados que coincidissem<br />
com o meu caso. De certeza que sim,<br />
eles é que estão na linha da frente,<br />
tal como eu estou, desta pandemia,<br />
só temos que confiar... Senão íamos<br />
confiar em quem?<br />
Os dias passaram. A rotina é óbvia.<br />
O tempo sobra. Organizei os quartos,<br />
a casa e as ideias. Apanhei sol, fiz<br />
exercício físico, reforcei o sistema<br />
imunitário. A uma certa altura do<br />
meu isolamento acho que venderia a<br />
alma ao diabo por um teste negativo<br />
se isso fosse garantia de liberdade.<br />
Teria eu cometido um crime ao<br />
contrair SARS-CoV-2? Mentalmente<br />
ouvi muitas vezes a frase dos filmes:<br />
“Tem o direito de permanecer<br />
calada e tudo o que disser pode ser<br />
usado contra si.” Estava em prisão<br />
domiciliária, com direito a receber<br />
um telefonema por dia. Senti uma<br />
sensação de total abandono pela<br />
DRS. E eu que estou ao serviço do<br />
Serviço Regional de Saúde, sem nunca<br />
lhe falhar, há onze anos. A palavra<br />
ingratidão inundou-me o pensamento<br />
muitas vezes.<br />
Enquanto isso, a ciência, o mundo e a<br />
vida, aconteciam fora daquelas quatro<br />
0124 NODEZ20 0125<br />
NODEZ20
CRÓNICA<br />
PUB<br />
paredes.<br />
Vi, já em casa, os critérios de cura<br />
serem alterados em todo o mundo,<br />
em Portugal Continental e na Região<br />
Autónoma da Madeira… Exceto<br />
nos Açores. Seria o clima da nossa<br />
Região Autónoma tão diferente que<br />
o vírus se comportaria de forma<br />
diferente também? Ironia à parte,<br />
estávamos atrasados e desatualizados<br />
sobre os avanços da ciência mundial.<br />
Consultei, porque tempo não me<br />
faltou, toda a literatura atualizada<br />
sobre a pandemia. As regras foram<br />
atualizadas pela DGS dia 14 de<br />
Outubro, na nossa Região foi<br />
atualizada dia 12 de Novembro. Um<br />
mês depois. Sem justificação. Tudo<br />
isto foi, no mínimo e sem querer ferir<br />
suscetibilidades, despropositado e<br />
revestido de incompetência.<br />
Se existe rigor para encerrar<br />
estabelecimentos, Escolas e para<br />
impor cercas a concelhos, também<br />
nós devemos exigir rigor nos<br />
processos e planos de combate ao<br />
vírus, bem como no empenho e<br />
organização de toda a comunidade<br />
médica. Aproveitando a deixa, o<br />
aconselhamento e atendimento<br />
médico deixou muito a desejar.<br />
A tão apregoada empatia, o tão<br />
exaltado rigor científicos nunca<br />
existiram por parte do médico que<br />
me contatou duas vezes. Atrevo-me<br />
a dizer, correndo os devidos riscos,<br />
que foi frio, incompreensivo e com<br />
desconhecimento de todos os avanços<br />
e atualizações relativas a pandemia.<br />
Acima de qualquer decisão, sempre<br />
deve haver o entendimento de que o<br />
tempo de cada um é diferente. Com a<br />
saúde não se brinca.<br />
0126 NODEZ20 0127<br />
NODEZ20
CRÓNICA<br />
CRÓNICA<br />
Por Ricardo Silva<br />
Benjamin Ferencz, Palavras que Tocam a Alma,<br />
As extraordinárias lições de vida do último<br />
procurador dos Julgamentos de Nuremberga,<br />
Lua de Papel, 2020.<br />
Terá sido, sem dúvida, uma entrevista publicada<br />
na revista Visão, já neste Outono findo, que<br />
me chamou a atenção para este homem e o seu<br />
pensamento. Portador de uma história de vida<br />
notável pela sua mensagem que sempre quis<br />
transmitir ao mundo, Benjamin Ferencz não é,<br />
contudo, um homem qualquer nem vulgar. Tem<br />
uma marca profunda no Direito Internacional<br />
e na Cultura da Lei Internacional como<br />
imperativo da resolução das dissensões entre os<br />
homens. Rejeitou sempre a pulsão da guerra, o<br />
rufar dos tambores, as marchas pela glória sobre<br />
o outro e o erguer de bandeiras sobre as cinzas,<br />
invocando a regra, o acordo e o tratado como<br />
primado da legalidade e de uma construção<br />
societária diferente. É um exemplo neste<br />
caminho que trilhou a partir da sua história<br />
pessoal e da II Guerra Mundial onde teve um<br />
papel de relevo, contra todas as previsões. O<br />
caminho que trilhou, cheio de dificuldades,<br />
adversidades de diversa ordem, mas onde como<br />
ele diz os “milagres” foram acontecendo em<br />
nome da Humanidade.<br />
Em inglês “Parting Words”, foi publicado em<br />
Portugal, em setembro de 2020, num<br />
título comercial, quase evangélico,<br />
dando a ideia que estamos perante um<br />
livro de autoajuda de cariz espiritual.<br />
Sendo um resumo de uma série de<br />
conversas entre este e a jornalista<br />
Nadia Khomami, do The Guardian,<br />
é convertido em nove lições de vida<br />
de quem tem autoridade para o fazer.<br />
Depois de um artigo bem sucedido<br />
no seu jornal, conseguiu converter<br />
em livro as longas conversas com a<br />
personalidade fascinante de Ferencz,<br />
um seu novo amigo, depois de ter<br />
levado algum tempo para o convencer<br />
neste sentido.<br />
Numa escrita muito acessível,<br />
dialogante, de citação constante na<br />
voz passiva e de quando em vez na<br />
ativa, somos levados à experiência<br />
centenária deste advogado ao serviço<br />
de causas humanitárias. Fala-se<br />
da importância do sonho na vida<br />
de cada um e de sabermos ir atrás<br />
dos nossos, sem querermos imitar<br />
ninguém; não são precisos grandes<br />
sonhos, megalómanos ou absurdos<br />
até, mas mesmo aqueles simples e<br />
ao nosso alcance terão de ter sempre<br />
a dedicação e a crença no objetivo<br />
que prosseguimos. Num segundo<br />
momento aborda a importância<br />
da educação como oportunidade<br />
transformadora da vida. Aproveitar<br />
constantemente os momentos onde<br />
a aprendizagem se pode cultivar<br />
seja pela leitura, filmes, passeios,<br />
viagens ou pela música, todas estas<br />
são atividades que se justapõem<br />
à parte mais académica e formal,<br />
indispensável ao crescimento de cada<br />
um. Ter o sentido da descoberta,<br />
mas também desprovermo-nos da<br />
comparação imobilizadora com os<br />
outros na medida que os seus sucessos<br />
não nos podem retirar o prazer dos<br />
nossos. A boa educação conduz-nos à<br />
sensibilidade de encontrar alegria em<br />
cada dia nas variantes mais simples,<br />
porque sendo ela uma emoção temos<br />
de a procurar para poder sentila.<br />
O livro prossegue com o relato<br />
interessante de várias experiências da<br />
vida de tão eminente narrador, onde<br />
se encontra inspiração e aprendizagem<br />
em cada uma. O<br />
0128 NODEZ20 0129<br />
NODEZ20
ter iniciativa própria e encontrar no<br />
medo um meio de ponderação não é<br />
negativo, mas não pode ser inibidor<br />
do que se pretende fazer ou atingir;<br />
entender que na vida o caminho não é<br />
uma reta e que tem as suas – por vezes<br />
grandes – adversidades, procurando<br />
na persistência e na luta a força para<br />
a superação dos obstáculos; a opção<br />
clara por fazer o Bem, como valor<br />
supremo da Humanidade, encontrou<br />
nele, como judeu, uma força para<br />
combater o sentimento de vingança<br />
nos julgamentos de Nuremberga,<br />
onde foi, aos 27 anos, procurador<br />
público como defensor dos Direitos<br />
Humanos altamente atingidos pelo<br />
regime nazi. Na declaração de abertura<br />
do julgamento disse isso mesmo. “A<br />
vingança não é o nosso objetivo”,<br />
consciente que não queria transformarse<br />
naquilo que combatia e odiava, e que<br />
o nazismo levou a situações extremas<br />
de paranoia em termos daquilo que<br />
conhecemos do Holocausto.<br />
Este pequeno, mas grande homem<br />
viria a ser um dos grandes fundadores<br />
do Tribunal Internacional de Haia<br />
contra os crimes da humanidade,<br />
infelizmente ainda não reconhecido<br />
por muitos países; liderou esforços<br />
para indemnizações justas da<br />
Alemanha Ocidental a Israel; recebeu<br />
inúmeros prémios e condecorações,<br />
entre eles a Medalha da Liberdade<br />
(em 2014), tendo-a recebido no ano<br />
anterior Nelson Mandela, para se ter a<br />
dimensão da distinção. Recebeu cinco<br />
condecorações de guerra do Pentágono<br />
devido ao seu desempenho e empenho,<br />
sobretudo, pela responsabilidade<br />
histórica, de formular uma acusação<br />
consistente contra os horrores do<br />
nazismo em Nuremberga.<br />
Fazer isto quando se é jovem só pode<br />
abrir um prenúncio positivo sobre<br />
a dimensão humana de alguém que<br />
foi aprofundando o pensamento em<br />
volta da Justiça como valor da criação<br />
humana e como meio de regulação do<br />
bom convívio entre os homens.<br />
De fácil leitura, o livro é a tradução<br />
sintética de uma vida, já centenária,<br />
que arranjou sempre em torno de si as<br />
forças de superação das dificuldades.<br />
Aconselho a leitura àqueles que gostam<br />
de recolher experiências fundadas<br />
na vida dos seus semelhantes, para<br />
poderem aprofundar o sentido da Alma<br />
humana. Verão que sentirão o toque<br />
das suas palavras.<br />
Pode ser o primeiro desafio de <strong>2021</strong>,<br />
acreditando na vinda de um tempo<br />
diferente e melhor para todos nós!<br />
A leitura vale a pena!<br />
JOÃO F. CASTRO<br />
PROFESSOR MESTRADO EM GESTÃO PORTUÁRIA<br />
joaocastro@sapo.pt<br />
Passaram 5 anos desde que, em 2015,<br />
a Organização das Nações Unidas<br />
(ONU), na cimeira de Paris, definiu<br />
a agenda 2030, com 17 Objetivos<br />
de Desenvolvimento Sustentável,<br />
enquanto visão comum para a<br />
Humanidade na gestão do planeta.<br />
Um esforço coletivo, de 195 países,<br />
para conter a subida da temperatura<br />
da Terra em 1,5ºC. Quando falamos<br />
de Oceanos, destaca-se a inclusão<br />
do ODS nº 14: proteger a vida<br />
marinha, que propõe uma utilização<br />
sustentável dos mares e recursos<br />
marinhos, nomeadamente: proteger<br />
10% das águas marinhas através de<br />
áreas protegidas ou outras medidas<br />
de conservação eficazes; acabar com<br />
a sobrepesca e a pesca ilegal, não<br />
reportada e não regulamentada e as<br />
práticas de pesca destrutivas; proibir<br />
certas formas de subsídios à pesca;<br />
Política Comum de<br />
Pescas - um desafio!<br />
proporcionar o acesso dos pescadores<br />
artesanais de pequena escala aos<br />
recursos marinhos e aos mercados.<br />
A União Europeia (UE) tem<br />
manifestado intenção de promover<br />
uma utilização sustentável dos<br />
oceanos e proteger os ecossistemas<br />
marinhos, num reconhecimento<br />
da sua importância económica<br />
(representando cerca de 500 milhões<br />
de euros de VAB e 6,1 milhões de<br />
empregos), social (visto que 22 EM<br />
têm faixa costeira e grande parte<br />
da população beneficia de serviços<br />
marítimos e de lazer) e ambiental<br />
(enquanto sistema de controlo do<br />
clima e regulador das concentrações<br />
de CO2, à escala global). Os<br />
diferentes Estados-Membros<br />
(EM) têm subscrito vários acordos<br />
internacionais para a proteção de<br />
espécies e habitats<br />
0130 NODEZ20 0131<br />
NODEZ20
CRÓNICA<br />
CRÓNICA<br />
marinhos onde se incluem as<br />
convenções: sobre o Direito do Mar;<br />
a Diversidade Biológica; as Espécies<br />
Migradoras pertencentes à Fauna<br />
Selvagem (Convenção de Bona); e<br />
a Conservação da Vida Selvagem<br />
e dos Habitats Naturais da Europa<br />
(Convenção de Berna).<br />
O Tratado sobre o Funcionamento<br />
da União Europeia (TFUE)<br />
considera que a UE integra nas suas<br />
políticas a proteção do ambiente<br />
e o desenvolvimento sustentável<br />
(TFUE, artigos 7º e 11º), exercendo<br />
competência exclusiva em matéria de<br />
conservação dos recursos biológicos<br />
do mar (TFUE, artigo 3º), no âmbito<br />
da Política Comum das Pescas<br />
(PCP), bem como de partilha de<br />
competências e responsabilidade pelas<br />
políticas ambientais, em diretivas<br />
como: a Diretiva-Quadro Estratégia<br />
Marinha (DQEM - 2008/56/CE - JO<br />
L 164 de 25.6.2008); e as Diretivas<br />
Aves (Diretiva 2009/147/CE - JO L<br />
20 de 26.1.2010) e Habitats (Diretiva<br />
92/43/CEE).<br />
marinhos.<br />
As pescas da UE são reguladas pela<br />
Política Comum das Pescas (PCP -<br />
Regulamento (UE) nº 1380/2013 - JO<br />
L 354 de 28.12.2013) com o objetivo<br />
da sustentabilidade ambiental,<br />
reduzindo os impactos negativos no<br />
ecossistema marinho (PCP, artigo<br />
2º). Tinha como objetivo assegurar<br />
que, até 2020, a taxa de pesca não<br />
excederia o "rendimento máximo<br />
sustentável" (PCP, artigo 2º, nº 1 e 2),<br />
garantindo a existência de unidades<br />
populacionais de peixes produtivos<br />
nos ecossistemas marinhos.<br />
Os relatórios apontam para uma<br />
degradação geral do ambiente<br />
marinho, contudo, os mares da<br />
macaronésia parecem apresentar<br />
um estado favorável, relativamente<br />
à sua biodiversidade, sobretudo em<br />
comparação com a situação do mar<br />
Mediterrâneo, mar Céltico ou mar<br />
do Norte. Para as pescas dos Açores<br />
este pode ser um contexto favorável,<br />
sobretudo quando consideramos a<br />
sua seletividade, sem a utilização de<br />
arrastões (proibidos nos Açores), que<br />
provocam danos físicos no fundo<br />
marinho, sobrepesca nos recursos<br />
demersais e elevado volume de<br />
capturas acessórias.<br />
Este é um contexto que poderá<br />
merecer afinamento na abordagem da<br />
próxima Política Comum de Pescas,<br />
quando Portugal prepara, a partir<br />
de 1 janeiro de <strong>2021</strong>, o exercício da<br />
presidência do conselho da União<br />
Europeia.<br />
Bom Ano <strong>2021</strong><br />
Fonte: TCE, com base no documento técnico Delineation of the MSFD Article 4 marine regions and subregions<br />
Em 2020, a Agência Europeia do<br />
Ambiente (AEA - Relatório nº<br />
17/2019) comunicou que a perda de<br />
biodiversidade marinha nos mares<br />
da Europa não tinha sido travada,<br />
existindo uma elevada proporção de<br />
avaliações das espécies e dos habitats<br />
marinhos que revelavam um estado<br />
de conservação desfavorável ou<br />
desconhecido. Indica a pesca como<br />
uma das principais pressões sobre<br />
o ambiente marinho, nos mares da<br />
Europa, face à extração de recursos<br />
e aos danos que provoca nos fundos<br />
0132 NODEZ20 0133<br />
NODEZ20
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facebook.com/iroaazores<br />
Paulo Filipe Silva Borges<br />
Licenciado em Geologia<br />
Mestre em Geociências,<br />
ramo do Ambiente e<br />
Ordenamento<br />
A importância dos poços<br />
no abastecimento de<br />
água às populações<br />
na Graciosa<br />
De meados até finais do século XIX, assistiu-se nas ilhas<br />
do arquipélago dos Açores a um forte investimento<br />
público em infraestruturas. Deste investimento são<br />
exemplos a construção de pontes, infraestruturas<br />
portuárias, repavimento de estradas e criação de<br />
espaços de lazer comunitários, os então chamados<br />
Passeios Públicos. Mas, provavelmente os vestígios mais<br />
notórios atualmente desse investimento público serão os<br />
chafarizes, fontanários públicos e arquinhas, construídos<br />
ou renovados a partir da década de 50 do século XX.<br />
Procurando a Administração Pública da época dar<br />
resposta à necessidade de fornecer água em proximidade<br />
das populações, que anteriormente teriam de se deslocar<br />
a grandes distâncias para obter água, e em conjugação<br />
com as cisternas e poços privados assegurou, à época,<br />
uma melhora qualitativa das condições de vida das<br />
populações. Estes chafarizes, tal como algumas outras<br />
infraestruturas da época, são muitas vezes identificáveis<br />
pela cartela em pedra com a inscrição em relevo “O.P.”,<br />
Obras Públicas, seguida da data de construção.<br />
A utilização destes equipamentos de fornecimento de<br />
água verificou-se até meados do século XX, nos centros<br />
urbanos Açoreanos, quando se criou a rede de água<br />
canalizada doméstica. Nos povoados rurais, a utilização<br />
de chafarizes e cisternas continuou até, pelo menos,<br />
à década de 90 do século XX, e, nos povoados mais<br />
remotos até ao século XXI. Atualmente, a maioria dos<br />
chafarizes das Obras Públicas do século XIX encontramse<br />
desativados, estando os poucos que ainda têm água<br />
como elemento decorativo das<br />
povoações ou servindo de bebedouro<br />
para os gados (Borges, 2020)<br />
Os poços são construções tubulares<br />
verticais de pouca profundidade e<br />
de grande diâmetro. Estas estruturas<br />
perfuram o nível não saturado de<br />
água, atingindo o nível freático,<br />
possibilitando a captação de água<br />
subterrânea.<br />
Foram identificados 17 Furos,<br />
23 nascentes e seis poços na ilha<br />
Graciosa, sendo cinco destes poços<br />
localizados na Plataforma NW, e<br />
um poço de maré junto à costa E da<br />
No Arquipélago dos Açores existem<br />
dois tipos de poços, os poços<br />
que captam águas de aquíferos<br />
suspensos e os que captam águas de<br />
aquíferos basais, sendo estes últimos<br />
denominados de “poços de maré”.<br />
Estes poços, do tipo de “poço de<br />
maré”, têm oscilações do nível freático<br />
por influências da ação das marés.<br />
ilha. Dos cinco poços inventariados<br />
na Plataforma NW, dois foram<br />
soterrados, restando poucos vestígios<br />
locais (Borges, 2019).<br />
0134 NODEZ20 0135<br />
NODEZ20
no | www.norevista.pt<br />
no | www.norevista.pt<br />
Os poços localizados na Plataforma<br />
NW apresentam características muito<br />
semelhantes, sendo construídos<br />
com materiais da mesma tipologia<br />
(rochas basálticas), mas com graus<br />
de conservação diferentes. Não há<br />
afloramentos que possibilitem a<br />
caracterização geológica no local,<br />
sendo identificadas apenas as rochas<br />
basálticas (s.l.) com elevada alteração<br />
superficial, no entanto, destaca-se a<br />
caracterização dos solos da plataforma<br />
com uma qualidade excecional.<br />
Em profundidade existe grande<br />
complexidade estratigráfica dos<br />
materiais entre basaltos e piroclastos.<br />
paleossolo que, dada a sua extensão<br />
e baixa permeabilidade, constitui um<br />
importante elemento na hidrogeologia<br />
da ilha. Este paleossolo possivelmente<br />
é o elemento crucial para a existência<br />
destes poços e da água que nele<br />
aparece. Esta estrutura hidrogeológica<br />
surge, portanto, no subdomínio I-2<br />
inclui o Unidade de Vitória do CV de<br />
Vitória-Vulcão Central nos grupos de<br />
litologias piroclásticas ou basálticas,<br />
formando aquíferos não confinadas<br />
ou livres, devido à sua alta porosidade<br />
e permeabilidade e ao grau de<br />
fracturação e vesiculação das escoadas<br />
basálticas.<br />
Num dos poços é possível identificar<br />
uma tubagem no seu interior que<br />
atinge a superfície associada ao<br />
instrumento. Este instrumento é uma<br />
bomba manual de água da empresa<br />
Oliva, utilizada antigamente para<br />
bombear a água do poço de forma<br />
mais prática do que o balde e corda.<br />
Assim, com este elemento mostra-se<br />
a importância que este poço teria na<br />
satisfação das necessidades de água,<br />
por ser o único equipado com bomba,<br />
revelando também que o facto dos<br />
antigos o terem escolhido para colocar<br />
este equipamento, pela importância<br />
que teria para o abastecimento de<br />
água, mesmo que esteja indicado que<br />
as águas estariam “quinadas”.<br />
Em termos hidrogeológicos, estes<br />
poços localizam-se no domínio I,<br />
que se divide nos subdomínios I-1 e<br />
I-2, separados parcialmente por um<br />
0136 NODEZ20 0137<br />
NODEZ20
PUB<br />
“Governaremos com o dinheiro que<br />
tivermos. Não vamos é fingir que temos o<br />
dinheiro que não temos”<br />
José Manuel Bolieiro, Presidente do Governo Regional<br />
“RABO DE PEIXE É UM EXEMPLO DE<br />
CIVISMO E CIDADANIA PARA O PAÍS”<br />
Artur Lima, Vice-Presidente do Governo Regional dos Açores<br />
“É necessário enfrentar os problemas<br />
financeiros da SATA e é imperativo a<br />
sua profunda reestruturação”,<br />
JOAQUIM BASTOS E SILVA, SECRETÁRIO REGIONAL DAS FINANÇAS, PLANEAMENTO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA<br />
“Não é ajustado apresentar um novo Programa<br />
de Governo, construído e baseado em velhas<br />
soluções para as crises económicas”<br />
FRANCISCO CÉSAR, DEPUTADO DO PS/AÇORES<br />
0138 NODEZ20 0139<br />
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0140 NODEZ20 0141<br />
NODEZ20<br />
PUB
0142 NODEZ20