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Publicação Mensal<br />
Vol. XXIII - Nº <strong>273</strong> Dezembro de 2020<br />
Vencendo as trevas,<br />
nasce o Sol de Justiça
Mensagens de Deus<br />
Gabriel K.<br />
Os esquilos são animais tão engraçadinhos!<br />
Quem os vê brincando entende<br />
que Deus os criou com a in-<br />
tenção de fazer o homem sorrir.<br />
Há uma variedade enorme de esquilos:<br />
alguns com uma cauda muito bonita e ele-<br />
gante, uns maiores, outros pequenininhos,<br />
sempre brincalhões, saltando de um lado<br />
para outro. São um encanto que, entre-<br />
tanto, não força a gravidade a sair dos seus<br />
gonzos para dele gozar. Por isso, servem de<br />
distração para o homem sério.<br />
Todos os esquilos que Deus criou desde o<br />
começo do mundo e criará até o fim constituem<br />
uma coleção. Então, é uma bonita<br />
meditação olhar para um deles e pensar:<br />
“Quantas modalidades de esquilos hou-<br />
ve e ainda haverá! Que riqueza da obra de<br />
Deus! Que maravilha há nisso!”<br />
Com efeito, cada criatura é como que<br />
uma mensagem de Deus que nos diz:<br />
“Nota, meu filho, Eu sou assim. O es-<br />
plendor de todas as auroras, a majestade de<br />
todos os meios-dias e a dignidade vitorio-<br />
sa de todos os ocasos, tudo isso Me reflete.<br />
Mas olha agora para o esquilo e, no que ele<br />
te faz sorrir, compreende que há algo pelo<br />
qual Eu sou infinitamente aprazível, atra-<br />
ente, repousante. Em Mim está a matriz<br />
infinita daquilo que torna o esquilo tão engraçadinho.<br />
Eu sou a majestade, a bondade,<br />
mas também o mimo e a graça. São es-<br />
sas algumas das mensagens que te envio.”<br />
(Extraído de conferências de 20/3/1988 e 12/10/1985)
Sumário<br />
Publicação Mensal<br />
Vol. XXIII - Nº <strong>273</strong> Dezembro de 2020<br />
Vol. XXIII - Nº <strong>273</strong> Dezembro de 2020<br />
Vencendo as trevas,<br />
nasce o Sol de Justiça<br />
Na capa, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
em dezembro<br />
de 1988.<br />
Foto: Arquivo <strong>Revista</strong><br />
As matérias extraídas<br />
de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
— designadas por “conferências” —<br />
são adaptadas para a linguagem<br />
escrita, sem revisão do autor<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
ISSN - 2595-1599<br />
CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />
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Exemplar avulso. ....... R$ 18,00<br />
Serviço de Atendimento<br />
ao Assinante<br />
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Editorial<br />
4 O Santo Natal e o cerne da luta<br />
Piedade pliniana<br />
5 Minha Mãe, por vossa bondade, salvai-me!<br />
Dona Lucilia<br />
6 Vitral de Deus<br />
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
10 Apareceu a benignidade<br />
de nosso Salvador<br />
Reflexões teológicas<br />
13 Inefáveis perfeições morais<br />
refletidas num Menino!<br />
Denúncia profética<br />
16 O pai dos totalitarismos<br />
Calendário dos Santos<br />
20 Santos de Dezembro<br />
Hagiografia<br />
22 Mártir da liberdade da Igreja<br />
Gesta marial de um varão católico<br />
29 A promessa de Genazzano<br />
Luzes da Civilização Cristã<br />
32 Obra de homens, obra de Deus<br />
Última página<br />
36 Modelo para os contrarrevolucionários<br />
3
Editorial<br />
O Santo Natal e o cerne da luta<br />
Celebramos no Santo Natal este fato sublime: o Verbo Se fez carne nas entranhas puríssimas da Virgem<br />
Maria e habitou entre nós.<br />
Deus criou todos os seres em uma hierarquia perfeita: anjos, homens, animais, plantas, minerais.<br />
E decidiu, desde toda a eternidade, unir-Se a uma de suas criaturas – numa união que a Teologia denomina<br />
de hipostática –, de maneira a elevar essa natureza até a sua própria divindade.<br />
Assim, em Nosso Senhor Jesus Cristo a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade uniu-Se à humanidade,<br />
constituindo uma só Pessoa Divina com duas naturezas, a divina e a humana.<br />
Na variedade imensa de seres criados, Deus não escolheu para tal união a criatura mais elevada, mas sim<br />
aquela que de certo modo participava de todas as naturezas a fim de, por essa forma, honrar toda a Criação.<br />
Com efeito, na hierarquia do universo estão em primeiro lugar os anjos, puros espíritos; em seguida<br />
vem a natureza humana, composta de espírito e matéria; depois começa o reino da matéria, com graus de<br />
vida diversos, terminando na matéria inerte, tão magnífica e hierarquizada ela mesma se consideramos a<br />
imensa gama de seres existente desde os pedregulhos que se chutam inadvertidamente na rua até as gemas<br />
mais preciosas ou os astros mais luminosos.<br />
Com a Encarnação, os Anjos bons se regozijaram por ver sua natureza espiritual honrada. E, sem dúvida,<br />
se os animais, as plantas e as pedras pensassem, no Natal eles cantariam de alegria, pois pode-se admitir<br />
que na Noite Santa todos cresceram enormemente em reluzimento porque “o Verbo Se fez carne e habitou<br />
entre nós” (Jo 1, 14).<br />
Contudo, Deus honrou especialmente o gênero humano, não só por ter escolhido um Homem para estabelecer<br />
a união hipostática, mas por elevar uma mera criatura humana à dignidade de Mãe da qual Ele<br />
haveria de nascer. Nossa Senhora aparece, assim, como o fulcro da honra da humanidade.<br />
Todo o plano da Criação tem, portanto, um sentido específico em função da humanidade, pelo qual a<br />
luta para salvação dos homens, a fim de que deem glória a Deus, correspondam aos seus desígnios e se faça<br />
a vontade d’Ele na Terra como no Céu, toma uma importância que envolve a Criação inteira.<br />
O centro dessa guerra é a Santa Igreja Católica Apostólica Romana e o requinte das forças, tanto do bem<br />
quanto do mal, combate nesse campo de batalha, entre todos sagrado, constituído por nós, seres humanos.<br />
Ao findar mais um ano, o panorama dessa luta se apresenta assim: uma enorme confusão espalhada<br />
por todos os lados pelos filhos das trevas. Confusão dentro e fora da Igreja, confusão no plano eclesiástico,<br />
civil, político, social, econômico; tudo não é senão incerteza e caos.<br />
Vendo tanta confusão entre batalhadores de um e outro lado, dir-se-ia que os verdadeiros mentores da<br />
luta, isto é, os Anjos e os demônios, soltaram as rédeas dos acontecimentos e que os homens, entregues às<br />
suas limitações, não fazem senão asneiras. Ora, os espíritos angélicos nunca entregam as rédeas da batalha.<br />
Logo, são os demônios que provocam a confusão e os Anjos a combatem.<br />
Por outro lado, embora esta seja uma guerra a propósito da salvação do gênero humano e, portanto,<br />
travada principalmente por homens, a desproporção existente entre os filhos da luz e os filhos das trevas<br />
fala em favor da angelização da luta. Assim, caminhamos para um entrechoque no qual a transparência<br />
das ações angélica e diabólica ficará cada vez mais clara.<br />
O futuro está nas mãos de Deus e nas preces de Maria, uma vez que tudo quanto Ela pede, obtém. Roguemos,<br />
pois, Àquela a Quem a Igreja invoca como “Causa de nossa alegria” e “Rainha dos Anjos”, para<br />
que derrame sobre o mundo uma chuva de graças que lave a face da Terra, dissipe as trevas e faça brilhar,<br />
em céu azul, o Sol de Justiça para a humanidade renovada. *<br />
* Cf. Conferência de 5/12/1981.<br />
Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />
4
Piedade pliniana<br />
A Virgem Imaculada e o<br />
Menino - Galeria Tosio<br />
Martinengo, Brescia, Itália<br />
Luca Mombello (CC3.0)<br />
Minha Mãe, por vossa<br />
bondade, salvai-me!<br />
Óclemente, ó piedosa, ó doce sempre Virgem Maria! Vós fostes concebida sem pecado<br />
original e nunca tivestes a menor falta, jamais deixastes de progredir inteiramente<br />
em tudo quanto estava nos desígnios divinos.<br />
Sois a Virgem por respeito a cuja virgindade o Onipotente operou este milagre estupendo:<br />
quis que fôsseis ao mesmo tempo Mãe d’Ele e Virgem antes, durante e depois do parto;<br />
de tal maneira vossa virgindade é insondavelmente valiosa.<br />
Mãe de Deus Filho, sois também a Filha amadíssima do Pai Eterno, e o próprio Espírito Santo<br />
é vosso Esposo que em Vós gerou o Menino Jesus. Tendes, assim, tudo para serdes atendida.<br />
Ademais, sois cheia de misericórdia para com os pecadores. Ora, um pecador sou eu...<br />
Venho, pois, de joelhos Vos pedir: Perdoai-me, não olheis para os meus pecados, mas sim<br />
para a vossa bondade. Considerai o Sangue que vosso Divino Filho derramou, pensai nas lágrimas<br />
que Vós mesma vertestes para que eu fosse salvo.<br />
Minha Mãe, não por meus méritos, mas por vossa bondade, salvai-me!<br />
(Composta em 29/11/1992)<br />
5
Dona Lucilia<br />
Gabriel K.<br />
O Divino Mestre ensinando - Catedral<br />
de Notre-Dame de Paris, França<br />
Vitral de Deus<br />
Alma profundamente recolhida, Dona Lucilia<br />
transmitia aos que dela se aproximavam a luz<br />
divina que iluminava seu interior, como um vitral<br />
atravessado pelo Sol enche de cores uma catedral.<br />
Parece razoável que uma pessoa<br />
que, por fidelidade ao<br />
bem, é incompreendida e<br />
não tem com quem comunicar-se<br />
durante a vida receba como recompensa<br />
a possibilidade de se comunicar<br />
intensamente depois da morte;<br />
trata-se de um prêmio proporcionado.<br />
Para recorrer a um exemplo divino,<br />
com Nosso Senhor sucedeu assim.<br />
Em parte Ele foi odiado por ser<br />
incompreendido, pois os mais próximos<br />
não O entendiam.<br />
Quando Jesus disse que o Corpo<br />
d’Ele era verdadeira comida e o Sangue<br />
verdadeira bebida, alguns discípulos<br />
O abandonaram achando essa<br />
afirmação forte demais. Então Ele<br />
Se voltou para os Apóstolos e perguntou:<br />
— E vós, quereis abandonar-Me<br />
também?<br />
Quase como se dissesse:<br />
— Também em vós não tenho<br />
confiança. Quereis Me abandonar?<br />
Aliás, São Pedro deu uma resposta<br />
que não inspirava confiança porque,<br />
em vez de afirmar que jamais O<br />
abandonaria, perguntou:<br />
— A quem iremos se só Vós tendes<br />
palavras de vida eterna?<br />
O que se poderia interpretar como:<br />
“Se outro tivesse palavras de vida eterna,<br />
nós iríamos experimentar. Mas como,<br />
por assim dizer, não temos onde<br />
cair mortos, ficamos convosco.”<br />
Portanto, Nosso Senhor não foi<br />
compreendido.<br />
Resultado: apesar de haver ainda<br />
muita incompreensão, nunca ninguém<br />
foi tão compreendido post<br />
mortem quanto Ele.<br />
Entende-se, então, que Dona Lucilia,<br />
cuja influência foi tão reprimida<br />
em vida, após sua morte tenha recebido<br />
a graça de se comunicar enormemente<br />
aos outros.<br />
6
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Sepultura de Dona Lucilia no Cemitério da Consolação, São Paulo<br />
Tudo em Dona Lucilia<br />
era o contrário da<br />
mentalidade moderna<br />
Um dos fatores que estabeleciam<br />
uma dificuldade de convívio de mamãe<br />
com os outros era que muitas<br />
pessoas já estavam postas na mentalidade<br />
da civilização moderna, pela<br />
qual só se fala do presente e do futuro,<br />
e quase nunca do passado. Até<br />
mesmo fatos passados de uma família,<br />
ao menos em São Paulo e em<br />
nosso ambiente, não se comentavam.<br />
Atraíam apenas as novidades<br />
que traziam consigo a efervescência<br />
da vida cotidiana. Por causa disso,<br />
não se falava também a respeito<br />
dos falecidos da família, era como se<br />
nunca tivessem existido.<br />
Ademais, quaisquer comentários<br />
mais elevados tendiam a ser podados.<br />
Por exemplo, críticas de ordem<br />
moral: tal ação é boa ou má, tem tal<br />
atenuante ou tal agravante, fazendo<br />
uma análise da questão. Análise<br />
não. Toleravam-se comentários muito<br />
rápidos seguidos de uma exclamação<br />
elogiosa ou depreciativa, mas logo<br />
sucedida por outro tema, substituindo<br />
o anterior do modo mais rápido<br />
possível.<br />
Quanto mais breves fossem as<br />
narrações, mais simples as frases<br />
e menos pormenores contivessem,<br />
quanto mais passageira resultasse<br />
a intervenção de uma pessoa, para<br />
dar ocasião de todos intervirem também,<br />
tanto melhor era a conversa.<br />
Ora, com Dona Lucilia passava-<br />
-se o contrário. Os fatos mais remotos<br />
eram os mais interessantes, os episódios<br />
típicos que ela contava para explicar<br />
situações humanas reportavam<br />
aos pais, avós, tios que não havíamos<br />
conhecido; esses eram os arquétipos.<br />
Depois, fazia longos comentários<br />
com voz tranquila, muito matizada.<br />
Mantinha-se, assim, fora da trepidação<br />
e da torcida, na calma e no bem-<br />
-estar de quem reflete, eleva a alma<br />
e tem um tonus religioso no espírito.<br />
O temperamento moderno se revolta<br />
contra este modo de ser.<br />
7
Dona Lucilia<br />
Gabriel K.<br />
Convívio com Deus<br />
Isso que parece uma bagatela, de<br />
fato não o é. Esse recolhimento constitui<br />
uma condição prévia para a vida<br />
espiritual. Alma recolhida é aquela<br />
que, quando não está com os outros,<br />
não fica só, mas tem todo um mundo<br />
interior com o qual se entretém. Possui<br />
uma série de degustações interiores<br />
que, ao nos aproximarmos, ela<br />
transmite a nós para que comecemos<br />
a degustá-las também e nos sintamos<br />
bem nesse recolhimento.<br />
Seria quase uma capacidade de<br />
insinuação, de nos embeber como o<br />
azeite no papel, pela qual as coisas<br />
de que a pessoa gosta, vê e sente, ela<br />
nos transmite e começamos a gostar,<br />
sentir e ver do mesmo modo, quando<br />
estamos recolhidos.<br />
O recolhimento não consiste em<br />
separar-se do convívio para pensar,<br />
mas em conviver com Deus. A alma<br />
se encontra embebida de Deus<br />
e, olhando para si mesma, vê, por assim<br />
dizer, a luz divina que a ilumina.<br />
Isso permite um fenômeno sobrenatural<br />
chamado troca de vontades,<br />
o qual não significa propriamente<br />
assumir a vontade de outra pessoa,<br />
mas um certo bem extrínseco a ela e<br />
que nós vemos, mais ou menos como<br />
se trouxéssemos para nosso quarto<br />
uma lamparina com azeite: trouxemos<br />
a lamparina, mas veio dentro o<br />
azeite.<br />
Assim acontece na troca de vontades:<br />
trata-se de algo de Deus que<br />
embebe aquela alma e que, pela influência<br />
pessoal dela, passa a nos<br />
embeber também. Em última análise,<br />
é Deus, enquanto presente em<br />
uma alma, que Se comunica e Se torna<br />
presente na outra.<br />
Entretanto, a pessoa de quem<br />
Deus Se serve para comunicar-Se<br />
não fica indiferente a isso. Ela se assemelha<br />
a um vitral pelo qual passa a<br />
luz do Sol enchendo de cores o interior<br />
de uma catedral. A luz é do astro-rei,<br />
mas o colorido é do vitral.<br />
Dom Chautard, em seu livro A alma<br />
de todo apostolado, conta que um advogado<br />
parisiense foi a Ars para conhecer<br />
São João Maria Vianney. Quando voltou<br />
a Paris, alguém lhe perguntou:<br />
— O que você viu em Ars?<br />
Ele disse:<br />
— Vi Deus em um homem.<br />
Como se vê a presença de Deus<br />
num homem? É mais ou menos como<br />
a do Sol num vitral: não vemos<br />
de um lado o Sol e de outro o vitral,<br />
mas a luz atravessa o vidro, ilumina-<br />
-o e, com o mesmo olhar, contemplamos<br />
o vitral e o Sol.<br />
Então, as características pessoais,<br />
enquanto iluminadas internamente<br />
pela santidade infinita de Deus, fazem<br />
ver Deus através delas.<br />
Respeito e confiança<br />
nos superiores<br />
Dona Lucilia exercia essa ação<br />
junto às pessoas, preparando-as,<br />
Alan Marques<br />
8
entre outras coisas, para<br />
admirar e reverenciar<br />
as legítimas autoridades.<br />
Uma característica que<br />
estava muito nela era<br />
o respeito e a confiança<br />
nos superiores. Quem<br />
fosse superior, a qualquer<br />
título, ela respeitava<br />
e tendia a mitificar.<br />
Por exemplo, mamãe<br />
tinha uma tia apenas seis<br />
anos mais velha que ela,<br />
da qual era muito amiga.<br />
Sempre que se encontravam,<br />
inclusive quando as<br />
duas já haviam se tornado<br />
avós, ela se dirigia a<br />
essa tia dizendo: “Tia Fulana,<br />
a senhora...” Não o<br />
fazia de modo forçado;<br />
conversavam como duas<br />
amigas, mas minha mãe<br />
a tratava assim.<br />
Compreende-se que<br />
entre duas senhoras muito<br />
amigas, uma com sessenta<br />
anos e outra com<br />
sessenta e seis, a idade<br />
não faça diferença alguma.<br />
Mas por ser uma tia<br />
e um pouquinho mais idosa, mamãe<br />
sentia-se mais unida a ela tratando-a<br />
de “tia” e “senhora” do que de “você”.<br />
Hoje se diria: “Nós somos amicíssimas,<br />
imagine se eu vou tratá-la de<br />
“senhora”! Isso nos distancia.” No<br />
espírito de Dona Lucilia, unia mais.<br />
Nunca notei em mamãe o menor<br />
sinal de tristeza porque outros tivessem<br />
mais do que ela. Pelo contrário,<br />
muitas vezes ficava alegre por ver alguém<br />
que possuía mais haver adquirido<br />
mais ainda; e jamais se lamentava<br />
da própria situação. Sempre contente,<br />
satisfeita, o oposto do igualitário<br />
inflexível a quem mandam tributar<br />
respeito a alguém e ele pensa logo:<br />
“Que carrasco!”<br />
Quando alguém se aproximava<br />
de Dona Lucilia, hauria toda essa<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1980<br />
doçura própria à atmosfera da alma<br />
do não invejoso, o qual ama quem<br />
é mais. Ela possuía muito dessa doçura,<br />
sabia tornar doce o que era<br />
venerável. Aproximando-se dela,<br />
a doçura circundava e convidava.<br />
Basta ver o Quadrinho 1 para constatar<br />
isso. Ali está uma pessoa que<br />
a idade tornou venerável, mas com<br />
tal intimidade que uma mocinha de<br />
quinze anos teria prosa com ela, se<br />
quisesse.<br />
Ver a arquetipia das coisas<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
A Fräulein Mathilde costumava<br />
contar em suas memórias que, em<br />
Paris, foi governanta numa família<br />
de uns condes poloneses riquíssimos,<br />
em cuja residência havia um espelho<br />
tão bonito que, em determinada hora<br />
do dia, quando os criados<br />
abriam as janelas do<br />
salão para limpar, ficava<br />
gente do lado de fora<br />
para ver o espelho. Era<br />
uma atração turística para<br />
certo gênero de curiosos.<br />
Se Dona Lucilia estivesse<br />
do lado de fora admirando<br />
o tal espelho e,<br />
de repente, parasse um<br />
caminhão em frente à<br />
casa e fosse desembarcado<br />
outro móvel precioso<br />
para ser colocado<br />
no mesmo salão, a reação<br />
normal dela seria de<br />
alegria: “Como vai ficar<br />
lindo esse salão! Posso<br />
imaginar como a satisfação<br />
da condessa!” E voltaria<br />
para casa contente,<br />
contando como era o<br />
móvel, imaginando como<br />
ficaria bonito no salão.<br />
Ela teria ganhado a<br />
manhã dela. Essa é a atitude<br />
católica diante de<br />
um fato assim.<br />
A meu ver, Dona Lucilia<br />
possuía a capacidade de considerar,<br />
em tudo, o aspecto pelo qual<br />
cada ser era à imagem ou semelhança<br />
de Deus; portanto, de ver a arquetipia<br />
das coisas e, por trás desta,<br />
o que nela havia de divino. Isso<br />
mamãe via mais ou menos em tudo<br />
e constituía o unum da alma dela, o<br />
qual tentei descrever referindo-me<br />
ao respeito e à admiração. É algo de<br />
Deus que se deixa ver por meio dela.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de<br />
2/8/1980)<br />
1) Quadro a óleo, que muito agradou<br />
a <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, pintado por um de seus<br />
discípulos com base nas últimas fotografias<br />
de Dona Lucilia.<br />
9
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
Apareceu a benignidade<br />
de nosso Salvador<br />
Samuel Holanda<br />
Nascimento de Jesus - Catedral de Manresa, Espanha<br />
Jesus Cristo divide<br />
a História em duas<br />
vertentes inteiramente<br />
diversas. É Ele a<br />
Sabedoria triunfal que<br />
domina o mundo de<br />
um a outro extremo.<br />
Entretanto, a doçura,<br />
glória e suavidade<br />
do Natal destoam<br />
profundamente do<br />
aspecto dramático do<br />
mundo contemporâneo.<br />
Há quase oitenta anos <strong>Dr</strong>.<br />
<strong>Plinio</strong> exortava a respeito<br />
do significado religioso<br />
desta grande data.<br />
Infelizmente, são hoje poucos<br />
os fiéis que dão ao Santo Natal<br />
todo o seu significado. Para<br />
alguns, a data é mero pretexto para<br />
comemorações mundanas. Para outros,<br />
é mera festa da família, em que,<br />
por acidente, também se comemora<br />
o nascimento do Salvador. Como<br />
Ele nasceu menino, a data interessa<br />
aos meninos. Este o nexo único entre<br />
as celebrações domésticas e religiosas<br />
do Natal. Para outros, finalmente, o<br />
Santo Natal é por certo uma data de<br />
imenso significado religioso.<br />
Centro da História e marco<br />
de uma era inteiramente nova<br />
Mas a palavra “religioso” é tomada<br />
neste caso apenas em seu sentido mais<br />
estrito. Cristo, Senhor Nosso, encarnando-Se<br />
e morrendo por nós, fran-<br />
queou a todos os homens as portas do<br />
Céu. Dentro do âmbito muito exatamente<br />
delimitado das igrejas, o Natal<br />
tem, pois, um imenso significado. Mas<br />
fora daí, não tem importância.<br />
Pouquíssimos são os que compreendem<br />
que, de fato, o Santo Natal<br />
representa, antes de tudo e acima de<br />
tudo, com a Encarnação da Segunda<br />
Pessoa da Santíssima Trindade, uma<br />
honra inestimável para o pobre gê-<br />
10
nero humano e o primeiro marco da<br />
vida terrena de nosso Redentor, cujo<br />
termo seria a nossa salvação.<br />
Além deste significado primordial<br />
e essencial, o Santo Natal tem outro:<br />
Jesus Cristo, encarnando-Se, evangelizando<br />
os homens, fundando a Santa<br />
Igreja, morrendo por nós e salvando-<br />
-nos, abriu uma era inteiramente nova<br />
na vida dos povos. Ele renovou a Terra.<br />
E, a este título, a Encarnação do<br />
Verbo é o acontecimento fundamental<br />
da História das civilizações, o marco<br />
inicial dos tempos do homem renovado.<br />
Não é por mera ficção que se contam<br />
os anos a partir do nascimento de<br />
Cristo. Realmente Jesus Cristo divide<br />
a História em duas vertentes inteiramente<br />
diversas. O mundo antes d’Ele<br />
era um, depois passou a ser outro. São<br />
dois mundos. Poder-se-ia quase dizer<br />
que são duas Histórias.<br />
Com efeito, toda a civilização cristã<br />
não é senão uma consequência da<br />
obra da Redenção. Sem a Redenção,<br />
a civilização cristã e católica seria<br />
impossível. E como foi essa a maior<br />
das civilizações na História, a única<br />
a merecer verdadeiramente o nome<br />
de civilização, é incontestável que<br />
não houve nem haverá obra mais alta<br />
nem mais fundamental, ainda mesmo<br />
do mero ponto de vista da civilização,<br />
do que a que Cristo, Senhor Nosso,<br />
realizou.<br />
A ideia de que o Santo Natal é o<br />
centro da História, se encontra em<br />
toda a Liturgia destes dias.<br />
Esperança de um Salvador<br />
Toda a antiguidade foi impregnada<br />
pela esperança de um Salvador.<br />
Por Ele ansiaram os profetas da antiga<br />
Lei e todo o povo de Israel. Seu<br />
advento era o grande e fundamental<br />
acontecimento, diante do qual a formação<br />
e queda dos maiores impérios<br />
eram sem importância.<br />
De modo todo particular, estes<br />
sentimentos de expectativa, que nos<br />
mostram em sua verdadeira perspectiva<br />
os acontecimentos do mundo<br />
pagão – pequenos<br />
em presença<br />
do grande acontecimento<br />
que se<br />
esperava –, estão<br />
proclamados nas<br />
famosas antífonas<br />
do Advento, que<br />
seguem:<br />
Oh, Sabedoria<br />
que procedeste da<br />
boca do Altíssimo,<br />
atingindo de uma<br />
extremidade à outra<br />
e dispondo todas<br />
as coisas com força<br />
e doçura, vem para<br />
nos ensinar o caminho<br />
da prudência!<br />
Oh, Adonai, Senhor<br />
e condutor da<br />
Casa de Israel, que<br />
apareceste a Moisés<br />
na chama de<br />
uma sarça ardente<br />
e que lhe deste a<br />
Lei no alto do Sinai:<br />
vem para nos<br />
resgatar pelo poder de teu braço!<br />
Oh, raiz de Jessé, erguida como estandarte<br />
dos povos, em cuja presença<br />
os reis se calarão e a quem as nações<br />
invocarão, vem libertar-nos, não tardes<br />
mais!<br />
Oh, chave de David e cetro da Casa<br />
de Israel, que abres e ninguém pode<br />
fechar, que fechas é ninguém pode<br />
abrir, vem e tira da prisão o cativo<br />
que está sentado nas trevas e na sombra<br />
da morte!<br />
Oh, Oriente, esplendor da luz eterna<br />
e Sol da justiça, vem e ilumina os<br />
que estão sentados nas trevas e nas<br />
sombras da morte!<br />
Oh, Rei das nações e objeto de seus<br />
desejos, pedra angular que reúnes em<br />
Ti os povos, salva os homens que formaste<br />
do limo!<br />
Oh, Emanuel, nosso Rei e nosso<br />
Legislador, o Esperado das nações e<br />
seu Salvador, vem salvar-nos, Senhor<br />
nosso Deus!<br />
Profetas - Catedral de Santiago de Compostela<br />
Alegria triunfal e santíssima<br />
Essas exclamações magníficas da<br />
Liturgia, extraídas da Sagrada Escritura,<br />
exprimem o anseio de todos os<br />
profetas, de todos os justos, pela vinda<br />
do Messias prometido.<br />
Através delas transparece com toda<br />
a clareza o papel fundamental de<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo, quer na<br />
economia da salvação, quer na vida<br />
de todos os povos nesta Terra. É<br />
Ele a sabedoria triunfal que domina<br />
o mundo de um a outro extremo;<br />
Ele, o Salvador que nos salvará “com<br />
a potência de seu braço”; Ele, que tirará<br />
o prisioneiro da prisão, e iluminará<br />
“os que estão sentados à sombra<br />
da morte”; Ele, o Rei desejado, o<br />
Legislador omnipotente. Todas estas<br />
exclamações indicam bem claramente<br />
um mundo que se debate nas trevas,<br />
na impotência, na tristeza, e que<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo vem sal-<br />
Teodoro Reis<br />
11
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
var, reunir, elevar à verdadeira civilização.<br />
Compreende-se, pois, a alegria<br />
triunfal e santíssima com que a Igreja<br />
canta no Introito da Missa da aurora,<br />
no dia de Natal: “A Luz brilhará hoje<br />
sobre nós, porque nos nasceu o Senhor”,<br />
e na Epístola lembra as palavras<br />
de São Paulo a Tito: “Manifestou-<br />
-se a benignidade e a amabilidade de<br />
Deus, nosso Salvador. Ele nos salvou,<br />
não pelas obras de justiça que tivéssemos<br />
feito, mas por sua misericórdia,<br />
pelo renascimento e pela renovação<br />
no Espírito Santo, que copiosamente<br />
derramou sobre nós por Jesus Cristo,<br />
nosso Salvador, a fim de que, justificados<br />
por sua graça, sejamos herdeiros<br />
da vida eterna que é nossa esperança<br />
no Cristo Jesus, Nosso Senhor.”<br />
No Introito da próxima Missa, estas<br />
palavras de júbilo mais uma vez<br />
se acentuam: “Uma Criança nasceu<br />
para nós, e um Filho nos foi dado.<br />
Ele traz sobre seus ombros a marca<br />
de sua realeza e seu nome é Anjo do<br />
Grande Conselho.” Cristo vem para<br />
o mundo inteiro: “Todos os confins<br />
da Terra viram a salvação de nosso<br />
Deus. Aclamai a Deus, Terra inteira,<br />
o Senhor fez conhecer sua salvação;<br />
Ele revelou sua justiça aos olhos das<br />
nações”, diz o Gradual.<br />
E na Liturgia desse dia encontramos<br />
mais esta exclamação radiosa:<br />
“Hoje Cristo nasceu, hoje apareceu o<br />
Salvador, hoje sobre toda a Terra cantam<br />
os Anjos, se regozijam os Arcanjos,<br />
hoje todos os justos nos transportes<br />
da sua alegria repetem: “Glória a<br />
Deus no mais alto dos céus, aleluia!”<br />
Aspecto dramático do<br />
mundo contemporâneo<br />
de, a impiedade campeiam infrenes.<br />
Entretanto, continua a ser verdadeira<br />
a afirmação da Liturgia: “A Vós, Senhor,<br />
pertencem os céus, a Vós a terra;<br />
sois Vós quem fundastes o universo<br />
e quanto ele contém. A justiça e a<br />
equidade são o apoio de vosso trono.”<br />
Com efeito, a revolta das criaturas<br />
não aliena nem destrói o domínio que<br />
sobre elas exerce o Criador. Rebelde<br />
embora, o mundo continua a pertencer<br />
a Nosso Senhor Jesus Cristo. E Ele,<br />
o Rei, Rei pacífico, Rei misericordioso,<br />
continua a atrair a Si todas as criaturas.<br />
Junto ao santo Presepe, sejam nossos<br />
sentimentos de profunda confian-<br />
ça na misericórdia divina. Em nós,<br />
em torno de nós, pela graça de Cristo,<br />
Senhor Nosso, será só Ele o verdadeiro<br />
Rei. Pelo ardor na correspondência<br />
à graça divina e nas fainas<br />
do apostolado, saibamos subtrair-nos<br />
ao jugo do pecado e atrair para Cristo<br />
todos os povos infiéis. No Presepe,<br />
Cristo nos aparece bem junto de Maria,<br />
como que a lembrar que com a intercessão<br />
da Mãe que é d’Ele e nossa,<br />
tudo podemos esperar, tudo devemos<br />
pedir em benefício das almas. v<br />
(Extraído de O Legionário n. 594,<br />
25/12/1943)<br />
J. P. Braido<br />
Destoa profundamente da doçura,<br />
glória e suavidade deste quadro magnífico,<br />
o aspecto dramático do mundo<br />
contemporâneo. O pecado parece<br />
dominar o mundo inteiro. A guerra<br />
estende por quase toda a Terra as suas<br />
devastações. O ódio, a sensualida-<br />
Sagrada Família (coleção particular)<br />
12
Reflexões teológicas<br />
Inefáveis<br />
perfeições<br />
Tomas K.<br />
morais<br />
refletidas<br />
num<br />
Menino!<br />
Anunciação e Epifania - Museu de São Marcos, Florença<br />
Em sua face, em seu olhar, em cada membro de seu pequenino<br />
Corpo, Jesus Infante manifestava as maravilhas de sua Alma,<br />
criada na visão beatífica e unida hipostaticamente ao Verbo<br />
Eterno. Toda a elevação, transcendência, equilíbrio, afabilidade<br />
e força do Divino Mestre estavam já expressos naquele Menino.<br />
que é certo que Nosso Senhor gozou<br />
do uso da razão desde o primeiro<br />
instante de sua concepção no ventre<br />
materno –, uma comunicação contínua<br />
com Ele, não só enquanto Segunda<br />
Pessoa da Santíssima Trinda-<br />
Estando nas vésperas do Natal,<br />
cabe fazermos aqui uma<br />
consideração que me parece<br />
muito importante.<br />
Quais eram as cogitações de Nossa<br />
Senhora a respeito do Natal? O<br />
que o Natal representou de novo para<br />
Ela? Afinal de contas, a Santíssima<br />
Virgem levava o Menino Jesus<br />
em Si como num tabernáculo e tinha<br />
evidentemente, além da maior intimidade,<br />
um comércio de alma – por-<br />
13
Reflexões teológicas<br />
Flávio Lourenço<br />
Deve ter sido<br />
um momento de<br />
grandes manifestações<br />
de gozo, de<br />
um contato de alma<br />
intimíssimo de<br />
Jesus com sua Mãe.<br />
Ele nasceu de um<br />
ato de amor intensíssimo,<br />
e com certeza<br />
Nossa Senhora<br />
estava elevada a<br />
um grau de mística<br />
inexprimivelmente<br />
alto enquanto tomava<br />
contato com<br />
a Divindade de seu<br />
Filho.<br />
Sem dúvida, a<br />
cena foi presidida<br />
e contemplada pelas<br />
Três Pessoas da<br />
Santíssima Trindade,<br />
e acompanhada<br />
com cânticos<br />
por todos os An-<br />
Adoração dos Reis Magos (detalhe) - Museu jos. Por certo, foi<br />
Nacional de Arte Antiga, Lisboa<br />
uma das mais belas<br />
festas que houve<br />
no Céu, uma das maiores glórias<br />
de, mas também enquanto Homem-<br />
-Deus.<br />
da História da humanidade. E Nossa<br />
Senhora estava associada a esse<br />
Nessas condições, nós não devemos<br />
imaginar que o nascimento gáudio com uma intimidade e um<br />
de Nosso Senhor foi um acontecimento<br />
no qual Ela conheceu Quem<br />
era o seu Filho. Nossa Senhora já<br />
possuía um conhecimento muito<br />
íntimo e muito ardente a respeito<br />
d’Ele.<br />
Então, o que o Natal representou<br />
de novo para Maria?<br />
Jesus entra no mundo<br />
nos braços de Maria<br />
grau de união com Deus realmente<br />
inimagináveis.<br />
Naturalmente, tratava-se de algo<br />
muito importante para Nossa Senhora.<br />
Mas era só isso? Eu tenho a<br />
impressão de que havia mais!<br />
Um novo incentivo para o<br />
amor de Nossa Senhora<br />
Sendo a realidade física um símbolo<br />
da espiritual, em geral a face e<br />
o corpo do homem trazem, embora<br />
de modo confuso, uma expressão<br />
de sua alma. Tratando-se de Nosso<br />
Senhor, que era perfeitíssimo e em<br />
Quem não havia nenhuma hipótese<br />
de fraude nem de engano ou insuficiência,<br />
podemos imaginar o quanto<br />
a Face sacratíssima e todo o Corpo<br />
d’Ele exprimiam sua Alma.<br />
Ora, Nossa Senhora ainda não havia<br />
visto a Face de seu Divino Filho,<br />
nem o seu Corpo. Ao contemplá-<br />
-Lo por primeira vez, Ela adquiriu<br />
um novo título no conhecimento de<br />
Nosso Senhor, que era Ele conhecido<br />
em sua Face, em seu olhar, em cada<br />
membro de seu Corpo, como elemento<br />
indicativo de sua mentalidade<br />
e de sua Alma. Daí então um título<br />
novo para o amor, um título novo<br />
para a união, que constituíram com<br />
Flávio Lourenço<br />
Em primeiro lugar, o Natal foi o<br />
momento altíssimo em que, de modo<br />
misterioso e sem trazer qualquer<br />
prejuízo à virgindade de Nossa<br />
Senhora, o Salvador abandonou o<br />
claustro materno e entrou no mundo<br />
nos braços d’Ela.<br />
Os Reis Magos adoram o Menino-Deus (detalhe)<br />
Igreja de São Pedro, Toulouse, França<br />
14
certeza um incentivo para as adorações<br />
inefáveis que a Santíssima Virgem<br />
apresentou a Nosso Senhor na<br />
Noite de Natal.<br />
Consideremos que não só cada<br />
traço do rosto – sobretudo o olhar –<br />
é indicativo de uma mentalidade. A<br />
seu modo, o mesmo se pode dizer do<br />
pescoço, dos ombros, das mãos, dos<br />
pés, em especial se vistos num conjunto.<br />
Em consequência, nós podemos<br />
imaginar Nossa Senhora contemplando<br />
essa expressão manifestativa<br />
da realidade psicológica e sobrenatural<br />
de seu Filho e O adorando<br />
profundamente.<br />
Transcendência da sagrada<br />
Face do Menino Deus<br />
Nesse ponto torna-se necessário<br />
fazer uma retificação a respeito<br />
de algo que a iconografia da Renascença<br />
deformou completamente. Para<br />
dar uma ideia da suma pureza do<br />
Menino Jesus, ela O apresenta como<br />
uma criança bobinha e inexpressiva,<br />
na qual não há indicação alguma<br />
de uma mentalidade. E eu tenho<br />
a maior das dificuldades em admitir<br />
que haja sido assim.<br />
A meu ver, pelo contrário, tudo<br />
aquilo que nós admiramos em Nosso<br />
Senhor adulto, aquela transcendência,<br />
aquela elevação de alma tal<br />
que parece colocá-la inteiramente<br />
em outra região – e faz lembrar<br />
a frase da Escritura: “Meus pensamentos<br />
não são como os vossos pensamentos,<br />
e vossos caminhos não<br />
são como os meus caminhos” (Is 55,<br />
8) –, aquela posição interior em que<br />
se percebe contido todo um céu, no<br />
qual Ele está e do alto do qual olha<br />
com bondade a humanidade distante<br />
que a misericórdia d’Ele torna<br />
próxima, aquele equilíbrio, aquela<br />
distinção, aquela afabilidade, aquela<br />
força, tudo isso que na sacratíssima<br />
Face do Divino Mestre inspira<br />
perfeições morais inefáveis, eu tenho<br />
a impressão de que já estava expresso<br />
na Face e no Corpo do Menino<br />
Jesus.<br />
A adoração de São José<br />
O Natal é a primeira manifestação<br />
dessas maravilhas, e para elas<br />
convergiu a adoração de Nossa Senhora<br />
e a de São José, que estava<br />
perto e participava deste ato como<br />
esposo d’Ela e pai do Menino Jesus.<br />
Que Maria Santíssima tivesse<br />
uma união de almas com Nosso Senhor<br />
num grau que nós nem bem entendemos,<br />
é evidente. Entretanto,<br />
também podemos imaginar a ternura,<br />
o respeito, o entusiasmo, a adoração<br />
e a veneração de São José ao<br />
ver aquele Menino que ele sabia ser<br />
Filho do Espírito Santo e de Nossa<br />
Senhora, mas legalmente Filho<br />
seu, e que, em parte, na pessoa<br />
dele Se tornava Filho de<br />
Davi e cumpria as profecias.<br />
O que deveria representar<br />
para ele olhar o Menino<br />
e pensar que, afinal<br />
de contas, ali estava o<br />
Deus dele e de todos<br />
os homens e, ao mesmo<br />
tempo, o Filho dele,<br />
porque Filho da esposa<br />
dele?<br />
Uma meditação<br />
para o Natal<br />
A consideração da<br />
santidade de Nosso Senhor<br />
que resplendia de toda a Pessoa<br />
d’Ele, a ideia, portanto,<br />
da manifestação no seu Corpo<br />
de sua santidade de Alma, na<br />
qual, por sua vez, manifestava-se<br />
a Divindade hipostaticamente unida<br />
à natureza humana, isso eu tenho<br />
a impressão de ser o que mais deveria<br />
nos extasiar na Noite de Natal.<br />
Há uma porção de estampas que<br />
apresentam a cena do nascimento<br />
de Nosso Senhor com o berço cheio<br />
de luz e o Menino com cara de bobinho.<br />
A luz não estava na palha; a luz<br />
estava no Menino, sobretudo na Face<br />
sacratíssima do Menino!<br />
Isso me parece constituir uma<br />
meditação interessante para o Natal,<br />
que alimente a devoção durante<br />
estes dias. Peçamos a Nossa Senhora<br />
que tais pensamentos nos deem<br />
alento para um Natal verdadeiramente<br />
recolhido e piedoso. v<br />
(Extraído de conferência de<br />
21/12/1965)<br />
Flávio Lourenço<br />
São José com o Menino Jesus - Igreja da<br />
Virgem do Manto, Riaza, Espanha<br />
15
Denúncia profética<br />
Gustave Doré (CC3.0)<br />
O pai dos totalitarismos<br />
A primeira tentação do liberalismo que a História registra deu-se<br />
no Céu, quando Lúcifer e seus sequazes ousaram prescindir de<br />
Deus para divinizar a sua própria natureza criada. A revolta da<br />
natureza contra a ordem sobrenatural corresponde ao racionalismo<br />
que hoje lança sobre o mundo o flagelo dos totalitarismos pagãos.<br />
Um dos temas mais oportunos<br />
nesta quadra do Advento<br />
em que estamos é o dogma<br />
da Encarnação do Verbo, em sua estreita<br />
relação com o dogma da queda<br />
de nossos primeiros pais.<br />
Mostraremos as origens do naturalismo<br />
e do panteísmo, e que este não<br />
passa de um autêntico comunismo<br />
entre o finito e o Infinito, devendo<br />
terminar, forçosamente, no comunismo<br />
do que é finito ou criado. Lúcifer,<br />
primeiro liberal, também é o primeiro<br />
comunista na História da Criação.<br />
Ponto de partida<br />
do Cristianismo<br />
Não nos move o desejo de propagar<br />
novidades. Deter-nos-emos na<br />
meditação de verdades bem conhecidas,<br />
mas sobre as quais nunca é demais<br />
insistir. Se o mundo anda mal,<br />
não é certamente por falta de rumos,<br />
mas por insistir no caminho do<br />
erro, também velho e conhecido, ou<br />
pelo desejo comodista de não querer<br />
pensar em escolher suas veredas.<br />
E na contemplação dessas verdades<br />
conhecidas e abandonadas não nos<br />
guiaremos pelo preconceito fetichista<br />
de apenas tratar da parte positiva<br />
das afirmações, mas entraremos<br />
também na parte negativa, aliás com<br />
o intuito positivo de mais uma vez<br />
afirmar os direitos da verdade pelos<br />
desvios e desatinos a que o erro conduz.<br />
Os amigos incondicionais das afirmações<br />
e dos pontos de vista exclu-<br />
sivamente construtivos que nos perdoem.<br />
Dentro do tema que temos de<br />
abordar, logo de início se acha uma<br />
negação. Mas a culpa não é nossa. A<br />
Encarnação do Verbo, em seu aspecto<br />
de Redenção, teve origem na negação<br />
de Lúcifer em servir a Deus.<br />
Não podemos deixar de, inicialmente,<br />
nos ocupar da queda dos anjos,<br />
da queda do homem e do dogma do<br />
pecado original.<br />
Este dogma é o ponto de partida<br />
do Cristianismo, cujo termo é a Redenção.<br />
“A queda em Adão e a reparação<br />
em Jesus Cristo, conforme<br />
afirma Augusto Nicolas 1 , são, por<br />
assim dizer, os dois polos da esfera<br />
espiritual que se correspondem pelas<br />
mais justas, pelas mais fecundas<br />
e pelas mais sublimes relações. São<br />
16
noramos qual tenha sido essa prova,<br />
mas de acordo com um grande número<br />
de teólogos Deus lhes havia revelado<br />
o mistério futuro da Encarnação,<br />
e lhes anunciara que eles deveriam<br />
adorar o Filho de Deus feito<br />
Homem. O que é muito plausível<br />
e pode ter sido mesmo o prêmio<br />
prometido a Adão pela sua obediêncomo<br />
os dois movimentos que medem<br />
e determinam o jogo tão delicado,<br />
a relação tão importante da liberdade<br />
e da graça, com uma precisão<br />
admirável que somente Deus poderia<br />
operar, somente a autoridade<br />
infalível de sua Igreja pode explicar<br />
e manter, e que todas as heresias<br />
têm falseado e destruído quase inteiramente.”<br />
Luta que continuará até a<br />
consumação dos séculos<br />
Com efeito, esses dois dogmas se<br />
acham de modo tal na verdade das<br />
coisas, nas necessidades de nossa natureza,<br />
tão intimamente ligadas entre<br />
si, que não se pode diminuí-los ou<br />
exagerá-los sem romper o equilíbrio e<br />
a ponderação de toda a doutrina religiosa,<br />
de toda a Filosofia humana<br />
e mesmo de toda a sociedade, como<br />
bem observa o autor dos “Estudos filosóficos<br />
sobre o Cristianismo”.<br />
Relata a Sagrada Escritura que<br />
havendo Deus criado os anjos, antes<br />
de admiti-los à glória eterna, submeteu-os<br />
a uma prova meritória. Ig-<br />
Expulsão de Adão e Eva do Paraíso - Igreja de São<br />
Miguel dos Navarros, Zaragoza, Espanha<br />
cia. Mas o mais belo dos anjos resistiu.<br />
“Como caíste do Céu, ó Lúcifer,<br />
que ao nascer do dia tanto brilhavas?<br />
Que dizias no teu coração: Subirei<br />
ao Céu, estabelecerei meu trono<br />
acima dos astros de Deus, sentar-<br />
-me-ei sobre o monte da aliança dos<br />
lados do aquilão. Sobrepujarei a altura<br />
das nuvens, serei semelhante ao<br />
Gabriel K. Flávio Lourenço<br />
Anunciação - Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque<br />
17
Denúncia profética<br />
Flávio Lourenço<br />
Altíssimo. E, contudo, foste precipitado<br />
no Inferno, até ao mais profundo<br />
dos abismos.”<br />
Vemos, assim, que a queda dos<br />
anjos foi motivada por sentimento<br />
de orgulho, por quererem ser iguais<br />
a Deus e gozar a felicidade independentemente<br />
das divinas disposições.<br />
A diferença entre os Anjos bons e<br />
os maus não nasceu da diferença entre<br />
suas naturezas, mas da variedade<br />
de suas vontades e desejos.<br />
Deleitaram-se os anjos maus em si<br />
mesmos como se fossem seu próprio<br />
bem, e voluntariamente se afastaram<br />
do Bem superior, beatífico. Assim, a<br />
causa da bem-aventurança de uns foi<br />
se unirem com Deus, e a causa da miséria<br />
e desgraça de outros, pelo contrário,<br />
foi se desunirem de Deus.<br />
Notemos que Lúcifer e seus anjos,<br />
como espíritos inteligentes que eram,<br />
não ousaram sobrepor-se a Deus, mas<br />
prescindir d’Ele, ser “semelhantes ao<br />
Altíssimo”. Foi, portanto, a primeira<br />
tentação do liberalismo que a História<br />
registra. E nessa tentativa de divinizar<br />
sua própria natureza criada, de se<br />
identificar com a natureza divina, temos<br />
em Lúcifer o primeiro panteísta.<br />
E vemos, como fruto dessa rebeldia<br />
de Lúcifer, a primeira luta que se<br />
travou na História da Criação, essa<br />
mesma luta entre o bem e o mal que<br />
haveria de desenrolar-se pelos tempos<br />
afora e que há de continuar até a<br />
consumação dos séculos.<br />
Caim matando Abel - Museu de<br />
Santa Cruz, Toledo, Espanha<br />
Obediência, mãe<br />
e custódia de<br />
todas as virtudes<br />
Depois da queda dos<br />
anjos vem a queda do<br />
homem.<br />
Nada podendo contra<br />
Deus, Lúcifer procura<br />
se vingar em sua<br />
imagem. Inimigo da natureza,<br />
o príncipe do<br />
pecado e pai de todos<br />
os males, homicida desde<br />
o começo, levou ao<br />
Paraiso Terrestre a sedução<br />
e o pecado. Criara<br />
Deus o homem perfeito,<br />
dotado de ciência<br />
claríssima e universal,<br />
justiça original unida à<br />
prática de todas as virtudes,<br />
império absoluto<br />
da alma sobre o corpo e<br />
domínio sobre todas as<br />
criaturas, isento do sofrimento<br />
e da morte.<br />
Não era esta, porém, a<br />
última e suprema felicidade<br />
a que o homem<br />
podia aspirar. Era apenas temporal essa<br />
primeira felicidade, durante a qual<br />
o homem contrairia méritos para alcançar,<br />
a título de recompensa, o estado<br />
de felicidade último e completo.<br />
No jardim de delícias, no Éden terreno,<br />
o homem contrairia méritos para<br />
gozar da glória em<br />
companhia dos Anjos,<br />
para onde seria<br />
arrebatado por<br />
Deus, depois de algum<br />
tempo de prova<br />
e de méritos em seu<br />
primitivo estado.<br />
Recomendou<br />
Deus a nossos primeiros<br />
pais a obediência,<br />
virtude que<br />
Queda dos anjos rebeldes<br />
Museu do Louvre, Paris<br />
na criatura racional<br />
é, de certo modo, segundo<br />
Santo Agostinho,<br />
mãe e custódia de todas as virtudes,<br />
porque criou Deus a criatura racional<br />
de modo tal que lhe é útil e importante<br />
o estar sujeita, e muito pernicioso<br />
fazer sua própria vontade e<br />
não a d’Aquele que a criou.<br />
Com efeito, diz o mesmo Santo<br />
Doutor que quando o homem vive<br />
segundo o homem e não segundo<br />
Deus torna-se semelhante ao demônio,<br />
porque nem os Anjos devem viver<br />
segundo os Anjos, mas segundo<br />
Deus, para que perseverem na verdade,<br />
que é fruto próprio de Deus.<br />
Observa São Tomás que o homem<br />
em estado de inocência estava ao<br />
abrigo de toda revolta da carne contra<br />
o espírito, e que por conseguinte<br />
seu primeiro pecado não podia vir da<br />
procura desordenada de um bem sensível,<br />
mas da procura desordenada de<br />
um bem espiritual. Pecou inicialmen-<br />
Samuel Holanda<br />
18
Dayane Alves<br />
ções, o Filho de Deus<br />
feito Homem, concebido<br />
nas entranhas virte<br />
o homem pelo orgulho ao pretender,<br />
contra a vontade de seu Criador<br />
e instigado pela serpente, tornar-<br />
-se semelhante a Deus pelo conhecimento<br />
do bem e do mal. “Sereis como<br />
deuses”, diz o tentador a Eva.<br />
Inimizades entre os filhos do<br />
demônio e os filhos da Igreja<br />
Eis aí de novo a tentação do liberalismo,<br />
a tentação do naturalismo, a<br />
tentação do panteísmo.<br />
O pecado de Lúcifer, segundo São<br />
Tomás, foi o racionalismo, isto é, a revolta<br />
da natureza contra a ordem sobrenatural.<br />
Esse mesmo pecado vemos<br />
na queda de nossos primeiros pais.<br />
E eis-nos, assim, diante da longa<br />
e porfiada guerra iniciada no Céu, e<br />
Passos da Paixão - Universidade Nossa<br />
Senhora do Lago, Santo Antônio, Texas<br />
que na Terra, desde<br />
a origem dos tempos,<br />
a cidade dos<br />
ímpios move contra<br />
a cidade dos Santos,<br />
a revolta contra<br />
Deus e seu Verbo,<br />
que desde os primeiros<br />
dias do mundo<br />
fez se abrirem os<br />
abismos infernais;<br />
essa mesma revolta<br />
que hoje lança sobre<br />
o mundo o flagelo<br />
dos totalitarismos<br />
pagãos e que fará, no fim dos<br />
tempos, que sobre ele se elevem as<br />
torrentes do fogo vingador.<br />
E é a essa luta sem tréguas que<br />
Deus se refere ao dizer à serpente<br />
que seduzira Eva: “Porei<br />
inimizades entre ti<br />
e a mulher, entre tua<br />
descendência e a sua;<br />
ela te esmagará a cabeça<br />
e em vão armar-<br />
-lhe-ás ciladas ao calcanhar”<br />
(cf. Gn 3, 15).<br />
Deus anunciou que<br />
poria no futuro inimizades,<br />
estabelecidas<br />
sobrenaturalmente<br />
por Ele, entre uma<br />
Mulher acima de todas<br />
as outras e o demônio.<br />
Essa Mulher que assim<br />
surge nos desígnios da<br />
Providência é a Santíssima<br />
Virgem, preservada<br />
da mancha original<br />
em virtude dos méritos<br />
de seu Filho. Entre<br />
o demônio e Maria,<br />
Deus estabelece,<br />
assim, inimizades perpétuas,<br />
análogas à inimizade<br />
essencial que<br />
existe entre o demônio<br />
e o Esperado das Na-<br />
Jacó recebe a primogenitura de Isaac<br />
Museu de Zamora, Espanha<br />
ginais de Maria por operação do Espírito<br />
Santo.<br />
Pôs Deus também inimizades entre<br />
a descendência da Virgem Santíssima<br />
e a descendência do demônio,<br />
isto é, entre a massa dos ímpios,<br />
filhos do demônio e que se guiam<br />
pelos desejos desse pai execrando,<br />
no dizer de São João, e os filhos da<br />
Igreja, membros do Corpo Místico<br />
de Jesus Cristo. E em que pese a opinião<br />
dos falsos pacifistas, dos acomodatícios,<br />
haverá sempre essa luta;<br />
porque o demônio e os seus se esforçarão<br />
por perseguir a Mulher e sua<br />
descendência, a lhes armar ciladas<br />
ao calcanhar.<br />
“Os filhos de Belial, diz o Bem-<br />
-aventurado Grignion de Montfort 2 ,<br />
os escravos de satanás, os amigos do<br />
mundo têm sempre perseguido até<br />
hoje e hão de perseguir mais que<br />
nunca aqueles e aquelas que pertencem<br />
à Santíssima Virgem, como<br />
Caim perseguiu outrora a seu irmão<br />
Abel, e Esaú a seu irmão Jacó, os<br />
quais são figuras dos réprobos e dos<br />
predestinados.”<br />
v<br />
(Extraído de O Legionário n. 698,<br />
23/12/1945)<br />
1) Jean-Jacques-Auguste Nicolas (*1807<br />
- †1888). Escritor católico e magistrado<br />
francês.<br />
2) Canonizado em 20 de julho de 1947.<br />
Flávio Lourenço<br />
19
Samuel Holanda<br />
C<br />
alendário<br />
Beato Franco Lippi - Mosteiro<br />
Carmelita, Sevilha<br />
1. Santa Florência, virgem (†s. IV).<br />
Convertida por Santo Hilário de Poitiers<br />
durante o seu desterro na Ásia,<br />
seguiu-o de regresso à França e viveu<br />
como eremita em Combre, França.<br />
2. Beato João Slezyuk, bispo e mártir<br />
(†1973). Exerceu infatigavelmente<br />
seu ministério de forma clandestina<br />
na Eparquia de Stanislaviv, Ucrânia.<br />
Foi preso várias vezes e enviado a<br />
campos de trabalho forçado.<br />
3. São Francisco Xavier, presbítero<br />
(†1552).<br />
Beato Eduardo Coleman, mártir<br />
(†1678). Falsamente acusado de conspiração<br />
contra o rei Carlos II, foi enforcado<br />
e esquartejado em Tyburn, Inglaterra,<br />
por ter abraçado a Fé Católica.<br />
4. São João Damasceno, presbítero<br />
e Doutor da Igreja (†c. 749).<br />
Santo Annon, bispo (†1075).<br />
5. Santa Crispina de Tagora, mártir<br />
(†304). Mãe de família degolada<br />
em Tebessa, Argélia, por recusar-se a<br />
dos Santos – ––––––<br />
sacrificar aos ídolos no tempo de Diocleciano<br />
e Maximiano.<br />
6. II Domingo do Advento.<br />
São Nicolau, bispo (†s. IV).<br />
Beato João Scheffler, bispo e mártir<br />
(†1952). Húngaro de nascimento,<br />
foi nomeado Bispo de Satu Mare, Romênia.<br />
Morreu preso em Bucareste.<br />
7. Santo Ambrósio, bispo e Doutor<br />
da Igreja (†397).<br />
Santa Fara, abadessa (†657). Durante<br />
quarenta anos, foi abadessa do mosteiro<br />
em Faremoutiers, França, fundado<br />
por ela num terreno herdado do pai.<br />
8. Imaculada Conceição da Bem-<br />
-Aventurada Virgem Maria.<br />
Santo Eutiquiano, Papa (†283). Governou<br />
a Igreja depois de São Félix I.<br />
Foi o vigésimo sétimo sucessor de São<br />
Pedro.<br />
9. São João Diego Cuauhtlatoatzin<br />
(†1548).<br />
Beato Libório Wagner, presbítero<br />
e mártir (†1631). De origem luterana,<br />
converteu-se ao Catolicismo e foi ordenado<br />
sacerdote. Foi torturado<br />
e morto em Marienberg,<br />
Alemanha, durante a<br />
Guerra dos Trinta Anos.<br />
10. São Gregório III, Papa<br />
(†741). Incentivou a pregação<br />
do Evangelho aos germanos<br />
e lutou contra os iconoclastas,<br />
socorreu os pobres<br />
e favoreceu a vida religiosa.<br />
11. São Dâmaso I, Papa<br />
(†384).<br />
Beato Franco Lippi, eremita<br />
(†1292). Perdeu a vista sendo<br />
um jovem militar de vida libertina<br />
e, arrependido, viajou<br />
em peregrinação a Santiago de<br />
Compostela, onde ficou curado.<br />
Regressou à Itália, tornando-se<br />
eremita carmelita.<br />
12. Nossa Senhora de Guadalupe,<br />
Padroeira da América Latina.<br />
São Finiano, abade (†549). Fundou<br />
vários mosteiros na Irlanda, entre os<br />
quais o de Clonard, onde foi abade e<br />
faleceu.<br />
13. III Domingo do Advento.<br />
Santa Luzia, virgem e mártir<br />
(†c. 304/305).<br />
Santa Otília, virgem (†s. VII). Primeira<br />
abadessa do mosteiro de Hohenbourg,<br />
França, fundado pelo duque<br />
Aldarico, seu pai.<br />
14. São João da Cruz, presbítero e<br />
Doutor da Igreja (†1591).<br />
São Nimatullah al-Hardini, presbítero<br />
(†1858). Sacerdote da Ordem<br />
Libanesa dos Maronitas, dedicou-se<br />
aos estudos teológicos, à formação<br />
dos jovens e ao trabalho pastoral, em<br />
Kfifane, Líbano.<br />
15. Beato Marino, abade (†1170).<br />
Promoveu o esplendor da Liturgia na<br />
abadia beneditina de Cava de’ Tirreni,<br />
Itália, e foi admirável na fidelidade<br />
ao Papa.<br />
Ordenação de São João da Mata - Museu<br />
de Belas Artes da Corunha, Espanha<br />
Samuel Holanda<br />
20
–––––––––––––– * Dezembro * ––––<br />
16. Beato Sebastião Magi, presbítero<br />
(†1496). Religioso dominicano, pregou<br />
o Evangelho na região de Gênova,<br />
Itália e zelou pela observância regular<br />
nos conventos.<br />
17. São João da Mata, presbítero<br />
(†1213). Junto com São Félix de Valois,<br />
fundou em Cefroid, França, a<br />
Ordem da Santíssima Trindade para a<br />
Redenção dos Cativos.<br />
18. São Malaquias, profeta. Após o<br />
desterro da Babilônia, anunciou o grande<br />
dia do Senhor e a sua vinda ao Templo.<br />
Samuel Holanda<br />
19. Beato Guilherme de Fenolis, religioso<br />
(†c. 1200). Foi dos primeiros<br />
monges da Cartuxa de Casotto, Itália,<br />
onde viveu como irmão leigo.<br />
20. IV Domingo do Advento.<br />
Beato Vicente Romano, presbítero<br />
(†1831). Sendo pároco em Torre del<br />
Greco, Itália, dedicou-se à educação<br />
das crianças e a atender as necessidades<br />
dos operários e pescadores.<br />
21. São Pedro Canísio, presbítero e<br />
Doutor da Igreja (†1597).<br />
Beato Domingos Spadafora, presbítero<br />
(†1521). Religioso dominicano<br />
e ativo pregador. Faleceu em Monte<br />
Cerignone, Itália.<br />
22. Santo Hungero, bispo (†866). Zeloso<br />
pastor da Diocese de Utrecht, Holanda,<br />
transtornada pela invasão dos<br />
normandos.<br />
23. São João Câncio, presbítero<br />
(†1473).<br />
Beato Nicolau Factor, presbítero<br />
(†1583). Sacerdote franciscano que,<br />
abrasado de amor a Deus, foi várias<br />
vezes arrebatado em êxtase. Faleceu<br />
em Valência, Espanha, aos 63 anos.<br />
24. Beato Bartolomeu Maria dal<br />
Monte, presbítero (†1778). Pregou<br />
ao povo cristão e ao clero a Palavra<br />
São Malaquias - Basílica de Santa Maria do Castelo, Gênova<br />
de Deus em muitas regiões da Itália.<br />
Fundou a Pia Obra das Missões.<br />
25. Natal de Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo.<br />
Beata Antônia Maria Verna, virgem<br />
(†1838). Fundadora da Congregação<br />
das Irmãs da Caridade do Imaculado<br />
Coração de Ivrea, em Turim, Itália.<br />
26. Santo Estêvão, diácono e protomártir.<br />
Santa Vicência Maria López Vicuña,<br />
virgem (†1890). Fundadora do<br />
Instituto das Filhas de Maria Imaculada,<br />
em Madri, Espanha.<br />
27. Festa da Sagrada Família, Jesus,<br />
Maria e José.<br />
São João, Apóstolo e Evangelista.<br />
Beata Sara Salkahazi, virgem e<br />
mártir (†1944). Virgem da Congregação<br />
das Religiosas da Assistência, fuzilada<br />
na Hungria junto ao Rio Danúbio.<br />
28. Santos Inocentes, mártires.<br />
Santa Catarina Volpicelli, virgem<br />
(†1894). Fundadora em Nápoles, Itália,<br />
do Instituto das Escravas do Sagrado<br />
Coração.<br />
29. São Tomás Becket, bispo e mártir<br />
(†1170). Ver página 22.<br />
30. Beato João Maria Boccardo,<br />
presbítero (†1913). Fundou a Congregação<br />
das Irmãs Pobres Filhas de São<br />
Caetano, em Pancalieri, Itália.<br />
31. São Silvestre I, Papa (†335).<br />
São João Francisco de Régis, presbítero<br />
(†1640). Jesuíta que, pela pregação<br />
e celebração do Sacramento da<br />
Penitência, renovou a Fé Católica entre<br />
os fiéis de Lalouvesc, França.<br />
São Nicolau abençoando<br />
um menino - Igreja do Santo<br />
Cristo, Menorca, Espanha<br />
Flávio Lourenço<br />
21
Flávio Lourenço<br />
Hagiografia<br />
Martírio de São Tomás<br />
Becket - Catedral de<br />
Bayeux, França<br />
Mártir da liberdade da Igreja<br />
Mesmo inerte em seu jazigo, São Tomás Becket, séculos<br />
depois de se tornar mártir pela liberdade da Igreja, constituía<br />
ainda um obstáculo para que a caudal da heresia pudesse<br />
avançar entre os ingleses. Por isso, o ímpio Henrique<br />
VIII mandou profanar e queimar seus restos mortais.<br />
H<br />
á um adágio latino que diz:<br />
“Nemo summo fit repenter”.<br />
De fato, nenhuma ação sumamente<br />
boa ou má se faz repentinamente,<br />
mas é precedida de uma série<br />
de atos que a preparam. Isto que se<br />
aplica à vida moral dos indivíduos revela-se<br />
igualmente verdadeiro no que<br />
diz respeito à história das civilizações,<br />
das nações, dos ciclos de cultura: os<br />
grandes acontecimentos históricos se<br />
preparam com antecedência.<br />
Como explicar um dos<br />
episódios mais tristes da<br />
História da Igreja?<br />
Nesse sentido, um dos episódios<br />
mais tristes da História da Igreja é,<br />
sem dúvida, a passagem quase maci-<br />
ça da Inglaterra da plena observância<br />
da Religião Católica para o protestantismo,<br />
no século XVI. Bastou<br />
o Rei Henrique VIII entrar em desacordo<br />
com a Santa Sé, por esta não<br />
lhe permitir divorciar-se de Catarina<br />
de Aragão e contrair novas núpcias,<br />
para que ele se proclamasse chefe da<br />
igreja inglesa e se separasse de Roma.<br />
22
The Yorck Project (CC3.0)<br />
No momento em que o monarca<br />
rompeu com a Igreja Católica Apostólica<br />
Romana, um número muito<br />
pequeno de eclesiásticos e de leigos<br />
manteve-se fiel. Alguns deles se<br />
tornaram mártires, entre os quais<br />
os dois mais ilustres foram São Tomás<br />
Morus, como leigo, e São João<br />
Fischer, como cardeal. Contudo, a<br />
maior parte entregou-se e mudou<br />
de religião vergonhosamente, sem o<br />
menor remorso. Conventos inteiros,<br />
universidades, instituições de caridade,<br />
tudo passou em bloco para o protestantismo.<br />
Como explicar um fato tão escandaloso<br />
como esse? Como uma ação<br />
dessa natureza foi praticada, ao mesmo<br />
tempo e por tantas pessoas, pelo<br />
simples sopro de um rei?<br />
Compreende-se que, estando a<br />
Europa no período das monarquias<br />
absolutas e sendo muito grande, em<br />
consequência, o poderio dos monarcas,<br />
fosse grande também a pressão<br />
exercida por eles para obrigar o reino<br />
à apostasia. Contudo, cabe observar<br />
que, em primeiro lugar, esse não<br />
Henrique VIII - Coleção do Castelo<br />
de Howard, Iorque, Reino Unido<br />
era exatamente o caso<br />
de Henrique VIII,<br />
pois há muito os poderes<br />
da monarquia inglesa<br />
se encontravam limitados<br />
pelos do Parlamento.<br />
Em segundo lugar,<br />
mais absolutos do<br />
que todos os monarcas<br />
da Europa daquele<br />
tempo foram os potentados<br />
da Roma pagã;<br />
entretanto, incontáveis<br />
mártires souberam<br />
resistir a eles. Portanto,<br />
o despotismo da autoridade<br />
que prevarica não<br />
justifica a prevaricação<br />
do súdito.<br />
Estamos, pois, diante<br />
de uma página nigérrima<br />
da História da Igreja,<br />
a qual, aliás, repetiu-<br />
-se, mutatis mutandis,<br />
em alguns outros reinos. A deterioração<br />
da Igreja Católica para a igreja<br />
protestante na Suécia, na Noruega,<br />
na Dinamarca e em várias partes<br />
da Alemanha deu-se assim.<br />
Houve uma pressão<br />
do poder civil, e o corpo<br />
eclesiástico aderiu maciçamente<br />
à heresia.<br />
Duas concepções<br />
opostas da vida<br />
No caso concreto da<br />
Inglaterra, nós encontramos<br />
a explicação no<br />
ocorrido com São Tomás<br />
Becket.<br />
Já no século em que<br />
ele viveu, em plena Idade<br />
Média, havia uma<br />
disputa entre a realeza e<br />
o Papado. Os reis entendiam<br />
que a Hierarquia<br />
Eclesiástica inglesa deveria<br />
estar sob seu domínio,<br />
enquanto os Papas,<br />
fundamentados na<br />
Catarina de Aragão - National<br />
Portrait Gallery, Londres<br />
instituição criada por Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo, reivindicavam o pleno<br />
domínio em matéria espiritual sobre<br />
todos os bispos, sacerdotes e fiéis.<br />
Por trás desse desacordo encontrava-se<br />
um princípio mais alto, uma<br />
discussão a respeito de um ponto<br />
que continha em si os germens da<br />
Revolução: quem afirma que o rei<br />
tem poder sobre a Igreja, no fundo<br />
sustenta que o poder temporal, representante<br />
das coisas desta Terra e<br />
da matéria, possui um primado sobre<br />
o poder espiritual.<br />
Isso equivale a dizer que, na ordem<br />
dos valores, os assuntos terrenos<br />
e civis têm mais importância que<br />
os religiosos, sendo estes meros instrumentos<br />
daqueles. Donde fica subentendido,<br />
embora não se afirme<br />
explicitamente, que o fim da religião<br />
se restringe à vida do homem neste<br />
mundo e que a Fé é um mito útil para<br />
disciplinar os homens, mas não representa<br />
uma verdade revelada, objetiva<br />
e absoluta.<br />
Ao contrário, o princípio sustentado<br />
pela Igreja é de que as coisas<br />
NPG (CC3.0)<br />
23
Hagiografia<br />
Divulgação (CC3.0)<br />
Henrique II<br />
desta Terra existem em função da vida<br />
eterna e que, embora o Estado<br />
possua uma finalidade própria temporal,<br />
ele deve ajudar a Igreja a cumprir<br />
sua missão. Por essa razão, além<br />
de estar revestida de todo direito e<br />
poder em matéria eclesiástica, no<br />
que diz respeito à salvação das almas<br />
a Igreja tem autoridade até sobre o<br />
Estado, o qual não pode promulgar<br />
leis que contrariem a Lei de Cristo.<br />
Trata-se, portanto, de duas concepções<br />
opostas da vida: uma sacral<br />
e religiosa, sustentada pela Igreja;<br />
outra laica, materialista, revolucionária.<br />
Lenta invasão do Estado<br />
nos poderes da Igreja<br />
presentava todo o corpo eclesiástico<br />
inglês enquanto sua mais alta figura.<br />
A disputa tornou-se intensa e São<br />
Tomás Becket acabou exilado durante<br />
anos. Tendo voltado para<br />
a Inglaterra, foi assassinado<br />
pelos esbirros do Rei.<br />
Boa parte do povo ficou<br />
a favor de São Tomás<br />
Becket e indignada com o<br />
Rei, a tal ponto que este se<br />
julgou na necessidade de<br />
fazer penitência pública<br />
diante do sepulcro do<br />
santo Arcebispo, pedindo<br />
perdão a Deus pelo<br />
que havia acontecido.<br />
Contudo, uma porção<br />
considerável das classes dirigentes<br />
continuou a dar apoio<br />
ao Rei em segredo, enquanto certo<br />
número de intelectuais católicos e<br />
mesmo de clérigos sustentavam,<br />
na surdina, que São Tomás Becket<br />
havia exagerado e, embora<br />
o Rei tivesse agido mal ao<br />
matá-lo, doutrinariamente a<br />
razão estava com ele, pois o<br />
Estado gozava de superioridade<br />
em relação à Igreja.<br />
De fato, acompanhando<br />
a História da Inglaterra vê-<br />
-se que houve uma lenta e<br />
progressiva invasão do Estado<br />
sobre os poderes da<br />
Igreja. Esta era cada vez<br />
mais garroteada, enquanto<br />
os eclesiásticos tinham<br />
cada vez menos coragem<br />
de lutar em prol da causa<br />
pela qual São Tomás<br />
Becket imolou sua vida.<br />
À maneira de<br />
uma árvore<br />
em cuja raiz<br />
há cupim…<br />
Como resultado,<br />
trezentos<br />
anos depois a In-<br />
No século XII houve uma luta<br />
muito forte entre o Rei Henrique II<br />
e São Tomás Becket, o qual defendia<br />
o poder do Papado e rejeitava a jurisdição<br />
do monarca sobre a Igreja.<br />
O embate teve especial importância<br />
porque ele era Arcebispo de<br />
Canterbury, sede primacial da Inglaterra,<br />
e, portanto, implicitamente reglaterra<br />
ainda era católica, mas sua<br />
catolicidade tornara-se tão superficial<br />
que foi possível derrubar a Igreja<br />
naquele reino mais ou menos como<br />
se abate uma árvore em cuja raiz há<br />
cupim: com um solavanco ela cai. Por<br />
Flávio Lourenço<br />
24<br />
São Tomás Becket - Igreja de São<br />
Tomás, Caldas de Reyes, Espanha
mais que algumas fibras continuem ligadas<br />
ao solo, facilmente se cortam e<br />
está tudo acabado.<br />
Quando subiu ao trono Maria Tudor,<br />
que se casou o Rei Felipe II da<br />
Espanha, houve uma restauração religiosa<br />
na Inglaterra. A nação inteira se<br />
converteu à Fé Católica e um legado<br />
papal foi enviado para dar absolvição<br />
ao Parlamento; ter-se-ia a impressão<br />
de que estava tudo em ordem.<br />
Entretanto, nada estava em ordem.<br />
Morta Maria Tudor, aqueles mesmos<br />
bispos e outras autoridades que haviam<br />
se convertido à Religião Católica<br />
voltaram para o protestantismo. Logo,<br />
era tudo aparência e oportunismo.<br />
Se não houver uma<br />
reação, o progressismo<br />
levará os fiéis à heresia<br />
Esses fatos têm analogia com nossos<br />
dias. Notamos precisamente o<br />
pensamento católico minado pela<br />
Revolução a partir, pelo menos, do<br />
século XIX. Inicialmente por meio<br />
de simples omissões ou concessões<br />
em pontos doutrinários não bem definidos;<br />
mais tarde, mediante a adesão<br />
explícita a doutrinas injustificáveis.<br />
Vemos no mundo atual o surto do<br />
progressismo. Se não houver uma reação,<br />
é forçoso que ao cabo de algum<br />
tempo os fiéis caiam em heresia. Com<br />
efeito, o edifício espiritual de um país<br />
minado pelo progressismo assemelha-<br />
-se à madeira corroída por dentro pelo<br />
cupim, mas que conserva sua aparência<br />
exterior: quem a olha, pensa que<br />
está tudo normal, quando na realidade<br />
basta calcar o dedo para aquela casca<br />
ceder. Aliás, nem mais essa aparência<br />
está muito conservada; há apenas<br />
um resto de ortodoxia. Põe-se a mão,<br />
e logo aparece o pensamento revolucionário.<br />
Eu pude assistir a essa evolução no<br />
Brasil. Quando era jovem congregado<br />
mariano, entre 1929 e 1932, notava<br />
que a Religião Católica professada em<br />
torno de mim parecia<br />
inteiramente ortodoxa,<br />
tal como eu aprendera<br />
em menino. Contudo,<br />
observava com<br />
estranheza que o sentido<br />
de luta havia desaparecido<br />
por completo.<br />
Dez anos antes ainda<br />
se atacavam muito<br />
os erros do protestantismo,<br />
mas quando eu<br />
tinha cerca de vinte e<br />
três anos já quase não<br />
se falava disso.<br />
Ademais, eu percebia<br />
que as verdades<br />
católicas mais características,<br />
aquelas<br />
que doem mais aos hereges,<br />
não eram afirmadas<br />
nos seus pontos<br />
protuberantes. Por<br />
exemplo, chamava-me<br />
a atenção como todo<br />
mundo admitia a infalibilidade<br />
da Igreja<br />
e o princípio da monarquia<br />
papal, mas se<br />
tratava com indiferença<br />
quem quisesse falar<br />
com muito entusiasmo<br />
a esse respeito. Em geral,<br />
os temas que interessavam<br />
limitavam-se<br />
aos que não despertavam<br />
polêmica.<br />
Por volta de 1937 e<br />
1938, começou a primeira infiltração<br />
das ideias progressistas. Em 1970 essas<br />
ideias vão tomando conta de tudo.<br />
Primeiro as omissões, depois as<br />
concessões, em seguida as traições:<br />
um ritmo tríplice. Vemos isso tanto<br />
na História da Inglaterra com em<br />
nossos dias.<br />
Preparação remota para a<br />
completa negação da Igreja<br />
Felipe II - Museu do Prado, Madri<br />
Assim caminham as grandes heresias:<br />
os silêncios preparam as traições.<br />
A Inglaterra aderiu ao protestantismo<br />
não com explosões de ódio<br />
como aconteceu, por exemplo, na<br />
Alemanha, nem com uma espécie de<br />
crise de consciência coletiva que cortou<br />
o país ao meio, como se deu na<br />
Revolução Francesa, mas sim na indolência<br />
e na inexistência de qualquer<br />
reação.<br />
Em nossos dias, as alas mais avançadas<br />
do progressismo sustentam que<br />
a Igreja, como a conhecemos, deve<br />
ser desarticulada e praticamente abolida<br />
a sua Hierarquia. Os bispos e pa-<br />
Museo del Prado (CC3.0)<br />
25
Hagiografia<br />
Saforrest (CC3.0)<br />
dres precisam ser tutelados por uma<br />
espécie de “profetas”, e as paróquias,<br />
aglutinadas ao sabor desse “espírito<br />
profético”.<br />
Essas ideias estão na lógica de<br />
um mesmo erro que avança: primeiro<br />
afirma-se que a Igreja deve estar<br />
sujeita ao Estado, porque o princípio<br />
leigo prevalece sobre o religioso;<br />
mais adiante se diz que o princípio religioso<br />
é inútil.<br />
Com efeito, é tão antinatural defender<br />
que o leigo está acima do religioso<br />
que tal contradição não se sustenta,<br />
e só pode ser vista como uma<br />
etapa para a rejeição do religioso.<br />
Então, a posição inglesa representou<br />
uma preparação remota de terreno<br />
para a completa negação da Igreja.<br />
Imagem de São Tomás Becket,<br />
na Catedral de Canterbury, cuja<br />
cabeça foi destruída em 1538<br />
Essa preparação remota teve seus<br />
primórdios nos episódios vividos por<br />
São Tomás Becket, de cuja post-história<br />
nos fala Dom Guéranger no<br />
L’Année Liturgique.<br />
Relíquias profanadas<br />
e destruídas<br />
O século XVI veio acrescentar algo<br />
mais à glória de São Tomás Becket,<br />
quando o inimigo de Deus e dos<br />
homens, Henrique VIII da Inglaterra,<br />
ousou perseguir com sua tirania o<br />
mártir da liberdade da Igreja até no<br />
esplêndido relicário onde ele recebia<br />
há quatro séculos as homenagens da<br />
veneração do mundo cristão.<br />
Henrique VIII pretendia dirigir a<br />
Arquidiocese de Canterbury, transformando<br />
seu Arcebispo numa espécie<br />
de lacaio mitrado. Uma vez que o<br />
mais importante dos prelados ingleses<br />
cedesse, era natural admitir que<br />
os outros se deixassem arrastar também<br />
e a Igreja na Inglaterra se transformasse<br />
numa repartição pública.<br />
São Tomás Becket foi morto na<br />
sua catedral, tornando-se mártir da<br />
liberdade da Igreja. Tendo sido canonizado,<br />
seu corpo jazia num relicário<br />
esplêndido, onde durante quatro<br />
séculos recebeu as homenagens<br />
dos ingleses.<br />
Ora, a partir do momento em que<br />
Henrique VIII se separou de Roma<br />
e se declarou chefe da igreja da Inglaterra,<br />
era natural que ele quisesse<br />
injuriar as relíquias daquele que<br />
morrera para que isso não se desse.<br />
Então, mandou algumas pessoas<br />
irem à Catedral de Canterbury para<br />
violar a sepultura de São Tomás Becket.<br />
Como comenta Dom Guéranger,<br />
é uma glória a mais para esse<br />
Santo o fato de seus restos mortais<br />
terem sido profanados pelo homem<br />
nefando que separou a Inglaterra da<br />
Igreja Católica.<br />
Continua o texto:<br />
Os ossos sagrados do prelado, morto<br />
pela justiça, foram arrancados do<br />
English School (CC3.0)<br />
São Tomás Morus e São João Fisher<br />
altar. Um processo monstruoso foi instituído<br />
contra o pai da pátria, e uma<br />
sentença ímpia declarou Tomás réu de<br />
crime de lesa-majestade.<br />
Esses restos preciosos foram colocados<br />
sobre uma fogueira, e nesse segundo<br />
martírio o fogo devorou os despojos<br />
do homem simples e forte cuja<br />
intercessão atraía sobre a Inglaterra os<br />
olhares e a proteção do Céu.<br />
A Inglaterra não era mais<br />
digna daquele tesouro<br />
Também era justo que o país que<br />
devia perder a Fé por uma desoladora<br />
apostasia não guardasse em seu<br />
seio um tesouro que não seria mais<br />
devidamente estimado. Além disso,<br />
a sede de Canterbury estava manchada.<br />
Cranmer sentava-se na cadeira<br />
dos Agostinhos, dos Dunstanos,<br />
dos Lanfrancos, dos Anselmos,<br />
de Tomás enfim; e o santo mártir,<br />
olhando ao redor de si, não teria<br />
26
encontrado entre seus irmãos dessa<br />
geração senão João Fisher, que consentiu<br />
em segui-lo até o martírio.<br />
Mas este último sacrifício, por muito<br />
glorioso que fosse, nada salvou. Há<br />
muito a liberdade da Igreja perecera<br />
na Inglaterra. A Fé, lentamente,<br />
apagar-se-ia.<br />
O autor comenta ser explicável<br />
esse processo monstruoso. A Inglaterra<br />
protestante destruiu um tesouro<br />
que não era mais digna de<br />
conter. Privou-se, assim, pelas suas<br />
próprias mãos, da presença das relíquias<br />
de um Santo que seria um intercessor<br />
ainda válido para evitar<br />
que ela caísse nos últimos degraus<br />
da apostasia. E, com isso, consumou-se<br />
o crime.<br />
Além disso, até mesmo a Igreja<br />
na Inglaterra não era mais digna<br />
desse tesouro. Com exceção do<br />
Cardeal João Fisher, todos os bispos<br />
do país apostataram. Os padres<br />
e as freiras, na sua quase totalidade,<br />
aceitaram a passagem para o<br />
protestantismo com uma passividade<br />
simplesmente vergonhosa, como<br />
aconteceu na Suécia, Noruega, Dinamarca<br />
e em certas partes da Alemanha.<br />
Conventos, dioceses, populações<br />
inteiras deixaram a Religião<br />
Católica com a maior indolência,<br />
quando não com a maior alegria, e<br />
se fizeram protestantes.<br />
Louis Veuillot - Livraria<br />
Digital da Galícia<br />
Ser odiado pelos maus,<br />
até depois da morte,<br />
é uma glória<br />
Félix Nadar (CC3.0)<br />
Giovanni Dall’Orto (CC3.0)<br />
Funerais de São Tomás Becket - Igreja de Santa Maria da Paixão, Milão<br />
Quase ninguém fala dessa execução<br />
póstuma de São Tomás Becket;<br />
entretanto, há nela uma verdadeira<br />
glória para o Santo. Ser odiado pelos<br />
maus, sofrer perseguição por amor<br />
a Nosso Senhor Jesus Cristo é uma<br />
glória. Mas que o exemplo dado por<br />
um homem tenha sido tão magnífico<br />
que os maus não conseguem violar<br />
os Mandamentos da Lei de Deus<br />
sem primeiro destruir suas relíquias<br />
é uma glória ainda maior!<br />
Até depois de morto ele era uma<br />
barreira, e foi preciso remover esse<br />
obstáculo para que a caudal da heresia<br />
pudesse avançar. Ora, não há nada<br />
mais belo do que um varão deitado<br />
no seu jazigo, inerte, posto na<br />
sombra da morte – ao menos quanto<br />
ao seu corpo – ser ainda uma sen-<br />
27
Hagiografia<br />
Julio Báscones (CC3.0)<br />
Corpo do Presidente García Moreno, após o atentado contra ele em 1875<br />
tinela pela qual só se passa eliminando-a.<br />
É uma verdadeira beleza!<br />
Santa Teresinha do Menino Jesus<br />
dizia que ela passaria seu Céu fazendo<br />
bem à Terra. São Tomás Becket, à<br />
maneira dele, fez o mesmo: seu corpo<br />
incutia pavor nos adversários.<br />
Nesse sentido, Louis Veuillot 1<br />
afirmava que a sua suprema alegria<br />
seria se suas cinzas ainda incomodassem<br />
os inimigos, depois de durante<br />
a vida ele ter levado tão longe<br />
quanto possível a luta e lhes arrancado<br />
a máscara da hipocrisia.<br />
Alguns amigos meus que estiveram<br />
no Equador contaram-me que<br />
até hoje não se sabe onde García<br />
Moreno 2 está enterrado, porque a<br />
divulgação do lugar de sua sepultura<br />
poderia ocasionar manifestações pró<br />
e contra esse ex-presidente, fiel imitador<br />
de Nosso Senhor Jesus Cristo<br />
por ser sinal de contradição e pedra<br />
de escândalo. 3<br />
Como eu gostaria de saber que<br />
não só a minha sepultura, mas a de<br />
cada um dos que me seguem na luta<br />
contrarrevolucionária, fosse um<br />
marco de divisão e de escândalo!<br />
Muito mais do que isso, eu desejaria<br />
que, indo para o Céu, me fosse dado<br />
voltar continuamente à Terra para<br />
perseguir os maus, confundi-los,<br />
passar-lhes descomposturas, incutir<br />
terror e batalhar contra a Revolução<br />
de todos os modos imagináveis,<br />
de maneira a fazer, depois<br />
de morto, tudo aquilo que<br />
em vida eu quereria ter feito,<br />
mas não me foi possível.<br />
Seria uma linda maneira<br />
de prosseguir em nosso<br />
apostolado se todos nós, do<br />
Céu, continuássemos a deitar<br />
sobre a Terra essas e outras<br />
“chuvas de rosas”. v<br />
(Extraído de conferências<br />
de 28/12/1968 e<br />
29/12/1970)<br />
1) Escritor e jornalista francês<br />
(*1813 - †1883).<br />
2) Gabriel Gregorio Fernando<br />
José María García y<br />
Moreno y Morán de Buitrón (*1821<br />
- †1875). Presidiu a República do<br />
Equador por dois mandatos consecutivos,<br />
tendo sido assassinado durante<br />
o segundo, depois de ser eleito para<br />
o terceiro.<br />
3) Somente em 16 de abril de 1975 foram<br />
encontrados os restos mortais de<br />
Gabriel García Moreno.<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1970<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
28
Gesta marial de um varão católico<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> diante do<br />
milagroso afresco<br />
em 25/9/1988<br />
A promessa de<br />
Genazzano<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> passou por grandes provações, chegando inclusive<br />
a ter a ideia de que talvez estivesse destruindo aquilo que ele<br />
se propunha a defender. Em meio a esses sofrimentos atrozes,<br />
crises individuais internas causticavam a sua incipiente Obra e<br />
ele adoeceu gravemente. Estando num hospital recuperando-se<br />
de uma cirurgia, recebeu, a 16 de dezembro de 1967, insigne<br />
graça da Mãe do Bom Conselho de Genazzano.<br />
Ainda na minha infância, a primeira<br />
batalha da vida foi contra<br />
a moleza. Esta luta me levou<br />
a formar em mim, com muito esforço,<br />
amparado pela graça obtida por<br />
Nossa Senhora, um modo de ser, um<br />
feitio de temperamento.<br />
Após duras renúncias,<br />
grandes esperanças<br />
Quando rompi com o mundo e entrei<br />
para o movimento das Congregações<br />
Marianas, ocasião em que, à maneira de<br />
algum contemporâneo de Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo – que vendo passar o Divino<br />
Mestre ao longo da estrada deixou<br />
tudo para segui-Lo –, assim fiz eu com<br />
o estandarte de Nossa Senhora: vi-o passar,<br />
deixei tudo e o segui. Por um reflexo<br />
curioso do espírito humano, veio-me<br />
à mente, sem que eu explicitasse inteiramente,<br />
a seguinte ideia: “Agora que venci<br />
tudo isso e dei esses passos posso estar<br />
seguro, porque nunca me faltarão forças<br />
ao longo de minha vida, e por maiores<br />
que sejam os obstáculos que apareçam,<br />
se venci isso vencerei o resto. Portanto,<br />
assim como possuo pernas, braços, cabeça,<br />
tenho residindo em mim a virtude<br />
da fortaleza.”<br />
Lembro-me perfeitamente de um dia<br />
em que eu estava assistindo a uma bênção<br />
do Santíssimo Sacramento na Igreja<br />
do Coração de Jesus; enquanto rezava,<br />
passou-me pela cabeça esta pergunta:<br />
“Agora, até onde não voarei depois<br />
de feitas essas renúncias? Vamos ver se<br />
estou disposto a qualquer coisa.”<br />
Em meio às borrascas<br />
interiores, a compreensão<br />
do papel da graça<br />
Pouco depois e de um modo um<br />
tanto imprevisto, estralaram certas<br />
tormentas interiores que eu não conseguia<br />
jugular. Graças a Nossa Senhora<br />
não pequei, mas eram tão superiores<br />
às minhas forças que eu tive<br />
de rezar intensamente como nun-<br />
29
Gesta marial de um varão católico<br />
ca fizera em minha vida, porque não<br />
havia outra coisa para fazer.<br />
Então fui levado a considerar mais<br />
atentamente uma verdade à qual eu<br />
nunca tinha dado muita atenção, isto<br />
é, tudo quanto dizem os livros de formação<br />
religiosa a respeito do papel da<br />
graça para o homem enfrentar as dificuldades.<br />
Foi quando, caindo em mim,<br />
pensei: “É verdade, faltava-me isso...<br />
De fato, preciso do auxílio da graça.”<br />
Por fim, aquelas borrascas passaram<br />
e eu vivi um período de dois ou três anos<br />
de muita consolação e muito bem-estar<br />
espiritual. Porém ainda não tinha claro<br />
que isso era imprescindível para a vida<br />
interior do homem, e necessário também<br />
para as suas ações exteriores. Eu<br />
julgava que, com uns tais ou quais recursos<br />
intelectuais, uma tal ou qual força de<br />
vontade e com o auxílio da graça para a<br />
minha perseverança pessoal, o resto eu<br />
faria. Implicitamente estava a seguinte<br />
ideia: “Deus me ponha em ordem, que<br />
eu coloco em ordem os outros e acabo<br />
fazendo vencer a Contra-Revolução.”<br />
Encontro com O Livro<br />
da Confiança<br />
Não tardou a começarem a aparecer<br />
externamente problemas para<br />
os quais eu não tinha remédio, pura<br />
e simplesmente não encontrava<br />
solução: dificuldades financeiras, de<br />
saúde, de relacionamento e liderança<br />
no meio católico, enfim, uma chuva<br />
de fatos, uns mais perturbadores<br />
e constrangedores do que os outros,<br />
caindo em cima de mim às torrentes.<br />
Foi quando, por uma circunstância<br />
providencial com ares de fortuita,<br />
conheci O Livro da Confiança<br />
cuja leitura deu-me a esperança de<br />
que, à força de confiar, Nossa Senhora<br />
também ordenasse aquilo que<br />
eu deveria pôr em ordem. Eu não<br />
seria senão um instrumento d’Ela,<br />
mas a Santíssima Virgem verdadeiramente<br />
colocaria em ordem.<br />
Essa ideia aninhou-se no meu espírito,<br />
eu a fiz minha, incorporei-a,<br />
ao menos espero, em minha mentalidade<br />
e meu modo de ser, e toquei<br />
para a frente.<br />
Provação mais atroz do<br />
que as anteriores<br />
Houve a minha expulsão da<br />
direção da Ação Católica, a<br />
redução de todo o movimento<br />
que eu liderava a um grupo<br />
de seis ou sete amigos<br />
heroicos, nada mais do que isso, enfim<br />
um definhamento completo.<br />
A partir de então outra preocupação<br />
se estabeleceu no meu espírito.<br />
Pensei: “Eu confiei, rezei e estou<br />
certo de que Nossa Senhora<br />
quer que a Contra-Revolução vença.<br />
Se na força de minha idade a<br />
Contra-Revolução está degringolando<br />
desta maneira, não é quando<br />
eu tiver cinquenta, sessenta anos ou<br />
mais que ela vai subir. Ora, se no vigor<br />
de meus anos estou recebendo o<br />
machado da Revolução em cima de<br />
mim, alguma coisa devo ter feito para<br />
merecer o castigo de Deus.”<br />
Donde exames de consciência contínuos<br />
e implacáveis. Duvido existir<br />
um homem que possa dizer com toda<br />
a segurança: “Eu sou de tal maneira<br />
fiel que estou certo de em nada merecer<br />
o castigo de Deus.” Sou um homem,<br />
logo estou neste caso.<br />
Inspetoria Salesiana de São Paulo<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Em destaque, <strong>Plinio</strong> na Congregação<br />
Mariana de Santa Cecília,<br />
em meados de 1932. À esquerda,<br />
Missa solene no Santuário do<br />
Sagrado Coração de Jesus, nos<br />
tempos da infância de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
30
Não sabia como me arranjar, pois,<br />
embora viesse este pensamento consolador:<br />
“Tenha confiança também na<br />
misericórdia de Deus...”, meu raciocínio<br />
era: “Sim, eu confio, mas também<br />
creio na justiça d’Ele e a adoro especificamente<br />
naquilo em que ela tem<br />
horror aos meus defeitos; adoro a intransigência<br />
divina para com os meus<br />
defeitos e não posso me espantar de<br />
que Ele desate sua justiça sobre mim.<br />
Ademais, não me compete ficar raciocinando<br />
sobre isso, pois se Deus está<br />
me punindo é porque mereci; se pedi<br />
misericórdia e não obtive, foi porque,<br />
segundo as medidas da sabedoria<br />
d’Ele, não era o caso de dar.”<br />
Assim, novamente se abatia sobre<br />
mim uma provação mais atroz<br />
do que as anteriores, pois ter a ideia<br />
de que talvez eu estivesse destruindo<br />
aquilo que me propunha a defender<br />
era um sofrimento atroz.<br />
Estava eu em meio a essas provações,<br />
num período em que crises individuais<br />
internas flagelavam e causticavam<br />
a minha incipiente Obra de<br />
um modo horroroso, quando adoeci<br />
com uma crise de diabetes, provavelmente<br />
ocasionada ou agravada pelo<br />
pesar que esses casos pessoais me<br />
provocavam.<br />
A promessa da Mãe<br />
do Bom Conselho<br />
Nessas circunstâncias eu tinha lido<br />
um livro sobre a história de Nossa<br />
Senhora de Genazzano, que também<br />
me caiu nas mãos fortuitamente,<br />
e me encantara com aquilo, manifestando<br />
o desejo de obter uma estampa<br />
da Mãe do Bom Conselho.<br />
Sabendo disso, um amigo meu, em<br />
viagem pela Europa, esteve em Genazzano<br />
e me trouxe uma estampa.<br />
Eu me encontrava hospitalizado,<br />
recuperando-me de uma cirurgia,<br />
quando alguns membros do nosso<br />
Movimento vieram me visitar trazendo,<br />
já emoldurada, uma representação<br />
do milagroso afresco de Genazzano.<br />
Estampa da Mãe do Conselho no quarto de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
Lembro-me de que ao fitá-lo, embora<br />
não houvesse milagre nem revelação,<br />
tive a impressão de que a<br />
imagem me dizia alguma coisa assim:<br />
“Meu filho, o que você deve realizar<br />
Eu estou lhe assegurando que<br />
realizará, desde que confie em Mim.”<br />
Mas isto acompanhado de um sorriso<br />
com muita bondade, muita clemência.<br />
Não contei a ninguém naquela<br />
ocasião, mas evidentemente aquilo<br />
exerceu no meu espírito uma profunda<br />
impressão que eu conservei interiormente.<br />
Pouco depois o médico foi me<br />
examinar e julgou que eu estava de<br />
tal maneira melhor que me autorizou<br />
voltar para casa. Deixei o hospital<br />
levando a estampa, é claro, com<br />
imensa veneração e desejo de tê-la<br />
junto a mim. De lá para cá conservei<br />
sempre essa imagem num móvel que<br />
fica bem em frente à minha cama.<br />
Santa Teresinha do Menino Jesus<br />
falava das preocupações e perturbações<br />
que o demônio punha durante o<br />
sono dela, compreendendo assim a razão<br />
pela qual se pedia, na hora do Ofício<br />
recitado à noite, para serem afastados<br />
os pesadelos e fantasmas noturnos.<br />
Assim também no meu caso, para<br />
irem embora os pesadelos e fantasmas<br />
noturnos, ali está o quadro. Se acontecer<br />
de algo me preocupar e eu acordar<br />
durante a noite, ascendo a luz e olho<br />
para a Mãe do Bom Conselho.<br />
Estou certo de que já teria morrido<br />
de desgosto se não fosse essa<br />
promessa de Genazzano manter-se<br />
sempre de pé. Rezemos para que essa<br />
certeza nos acompanhe até o fim.<br />
Nossa Senhora realizará aquilo que<br />
nós desejamos.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de<br />
20/12/1983)<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
31
Luzes da Civilização Cristã<br />
Raimond Spekking (CC3.0)<br />
Obra de homens,<br />
obra de Deus<br />
A Catedral de Colônia reflete um dos aspectos mais elevados da<br />
alma católica alemã. Nela contemplamos algo que parece irreal, em<br />
parte obra do homem, em parte obra de Deus. Trata-se do senso do<br />
maravilho em busca do metafísico, convidando a altas cogitações<br />
sem se deixar levar pela fantasia, pois mesmo quando sobe às mais<br />
elevadas divagações mantém bases sólidas vincadas na realidade.<br />
Para nós que vivemos na América do Sul e não<br />
estamos habituados a considerar as belezas da<br />
cultura católica da Europa, falta-nos um certo<br />
senso do maravilhoso.<br />
Esse senso tem muita ligação com o amor a Deus, porque<br />
é por meio dele que nós podemos elevar as nossas almas<br />
ao Altíssimo, finalidade para a qual as coisas maravilhosas<br />
foram criadas.<br />
Por exemplo, uma pessoa que vê o Sol tem ocasião de<br />
louvar a Deus de uma maneira especial, e por isso São<br />
Francisco de Assis cantou o Irmão Sol. Por quê? Porque,<br />
sendo maravilhoso, o Astro-Rei eleva as almas para o<br />
Criador mais do que a consideração de um grão de poeira,<br />
que a seu modo também pode conduzi-las até Ele. O<br />
maravilhoso é a obra-prima pela qual Deus Se manifesta<br />
aos homens.<br />
Ora, o maravilhoso não se exprime apenas nos seres<br />
criados diretamente por Deus. A maior maravilha saída<br />
de suas mãos foi o homem, e as maravilhas feitas por este<br />
indicam a grandeza da obra-prima divina e, portanto,<br />
32
a grandeza de seu Artífice; de si mesmas, elas são indiretamente<br />
criaturas de Deus.<br />
Com frequência eu tenho dito que Dante chama as<br />
obras de arte humanas de netas de Deus, porque são filhas<br />
do homem, que é filho de Deus. E nós, da consideração<br />
das netas de Deus, podemos nos enlevar com esse<br />
eterno, imperecível e perpétuo avô que jamais envelhece,<br />
Deus Nosso Senhor.<br />
Uma comparação para entender<br />
as obras de arte alemãs<br />
Temos analisado muitas coisas da França, mas a Europa<br />
toda é uma maravilha, com cores, refrações e aspectos variados.<br />
E a Alemanha constitui, por si, um mundo de maravilhas.<br />
Hoje escolhi a famosa catedral gótica de Colônia, para<br />
um comentário do conjunto do espírito alemão e do<br />
modo pelo qual ele condiciona a obra de arte.<br />
Discute-se muito qual das duas catedrais é mais bela,<br />
se a de Colônia ou a de Notre-Dame de Paris.<br />
Algumas pessoas costumam colocar no páreo<br />
também Westminster, Amiens, Reims.<br />
Eu não vou discutir o caso aqui, mas a comparação<br />
com Notre-Dame é muito importante<br />
porque, quando a vemos, temos um sentimento<br />
de admiração, quase um êxtase diante<br />
de seu equilíbrio e de sua harmonia. A fachada,<br />
com todas as suas divisões e subdivisões,<br />
representa a harmonia perfeita, em que se exprime<br />
o gênio francês, que é um gênio estático,<br />
feito, como tudo o que prima pelo equilíbrio,<br />
da justaposição de valores opostos, mas reduzidos<br />
a uma admirável harmonia.<br />
O espírito alemão não é propriamente assim.<br />
O espírito católico alemão<br />
e sua deturpação<br />
a terra e muito equilibradas, porque elas não se prestam<br />
bem à expressão dos valores de caráter metafísico, e com<br />
uma tendência, por causa disso, de evasão da realidade<br />
em busca de uma realidade superior.<br />
Esse grito de alma do alemão encontra-se deteriorado<br />
– mas se encontra – não no sapato do soldado prussiano,<br />
e sim em Wagner 1 . É o metafísico que se embriagou, mas<br />
continua a fazer metafísica em meio à sua bebedeira e<br />
tem ainda uns lances de talento envenenados.<br />
Senso metafísico refletido na<br />
Catedral de Colônia<br />
Esse senso metafísico do alemão encontra-se expresso<br />
na Catedral de Colônia.<br />
A construção quase se restringe às duas torres. O corpo<br />
do edifício, que em Notre-Dame é tão grande e espraiado,<br />
em Colônia praticamente não existe. Ele consiste<br />
apenas em um hífen que une as duas torres. Estas<br />
Coldrerio (CC3.0)<br />
Para nós, o espírito alemão passa por ser o<br />
equilibrado por excelência. Ao pensarmos no<br />
equilíbrio dos alemães, imaginamos o pé de<br />
chumbo de seus soldados marchando, esmagando<br />
cabeças com um sapatão, com salto de<br />
pregos. É o passo de Átila. Não há erva que<br />
resista ao passo do soldado alemão.<br />
Entretanto, esse é o alemão protestante,<br />
“quadrado”, da decadência, não é o alemão<br />
católico. O alemão católico é muito diferente:<br />
pensativo, idealista, continuamente à procura<br />
de uma realidade invisível e metafísica<br />
– e por isso difícil de atingir –, com um certo<br />
desprezo até pelas coisas que são muito terra<br />
33
Luzes da Civilização Cristã<br />
Raimond Spekking (CC3.0)<br />
sobem vertiginosamente e estão concebidas na ideia de<br />
emular entre si e entrar pelos olhos do homem, levando<br />
seu espírito para cima. São leves e esguias, dentro do<br />
caráter sólido alemão – sobre o qual eu exporei daqui a<br />
pouco –, que não as abandona.<br />
Para verem o papel que cada uma dessas torres representa<br />
para a outra, imaginem que existisse uma torre só.<br />
Ela se perderia, ficaria meio desequilibrada, cambaia. Pelo<br />
contrário, as duas torres juntas como que se apoiam<br />
para subir. E a altura total é compensada pela base.<br />
Há um ponto invisível de equilíbrio nelas – mais uma<br />
vez eu digo: de caráter metafísico –, o qual paira nos ares<br />
e constitui o ponto de união insuspeitado das duas torres,<br />
que o espírito concebe e o olhar não percebe. À medida<br />
que sobem, as torres vão insensivelmente se afilan-<br />
do e, em certo momento, transformam-se em cones altíssimos.<br />
Por que elas se afilam? Para dar a ideia de algo que<br />
sobe.<br />
Quando o olhar recai sobre um objeto muito alto, tem-<br />
-se a ilusão de ótica de que ele vai ficando mais esguio<br />
naturalmente. Os que conceberam a Catedral de Colônia,<br />
para acentuar a ideia de elevação, foram afilando<br />
suas torres, de maneira que tudo dá a impressão de uma<br />
altura que se perde nos céus. Tanto mais que uma parte<br />
delas é oca, está formada por um rendilhado. Quem vê<br />
uma fotografia aproximada percebe fragmentos de céu<br />
através desse rendilhado. Quer dizer, trata-se de algo<br />
meio irreal, em parte do céu, em parte da terra, em parte<br />
obra do homem, em parte obra de Deus.<br />
No ponto que dá origem à cúpula final, ainda há umas<br />
pontinhas que também parecem querer acompanhar o jorro<br />
que sobe; não conseguem e morrem sobre si mesmas, mas<br />
com elegância, com distinção. Tudo é feito para ir afilando.<br />
Vê-se uma janela e um pequeno portal. Depois duas<br />
janelas que representam do mesmo modo duas ogivas e<br />
terminam numa grande ogiva, porque afinal trata-se de<br />
uma ogiva que se perde no céu.<br />
É uma concepção completamente diferente da Catedral<br />
de Notre-Dame, mas legítima e que exprime um modo<br />
de ser do espírito humano. Assim como nos extasiamos<br />
com Notre-Dame, devemos também nos rejubilar<br />
com Colônia. Deus criou os homens com características<br />
diferentes, e quer que cada um se exprima como Ele o<br />
criou e que um compreenda o outro.<br />
A fantasia do ocidental e a do oriental<br />
Há outro aspecto muito bonito. Essa catedral não tem<br />
nada do minarete. Numa mesquita mulçumana, o minarete<br />
é aquela torre fininha do alto da qual canta um muezim.<br />
Quase diríamos que o vento vai derrubá-la. Contudo,<br />
o oriental se agrada em vê-la enfrentando o vento, como<br />
um sonho que foi concebido sem base na terra.<br />
Em Colônia, ao contrário, não há a fantasia do<br />
Oriente. A catedral representa a fantasia do ocidental,<br />
muito diferente. Trata-se de algo sólido, de um mundo<br />
de pedras, de uma base muito forte. As torres, possantes,<br />
estão cravadas no chão até o momento em que se<br />
separam.<br />
Assim age o ocidental, em particular o alemão, que é<br />
verdadeiramente sólido: mesmo quando sobe às mais altas<br />
divagações, tem os pés na realidade.<br />
Aqui está algo do espírito católico quando sopra em<br />
uma alma alemã. Tirem a Religião Católica, e o alemão<br />
jamais dará nisso. Quer dizer, todos fomos concebidos<br />
no pecado original e nós, menos a graça, somos iguais a<br />
nada. Dessa equação ninguém escapa.<br />
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Weltenbummler1983 (CC3.0)<br />
A arte ogival explorada de modo ideal<br />
O gênio da Idade Média se exprime em todas essas<br />
belezas, e a ogiva fininha se presta exatamente para isto.<br />
Tem-se então a arte ogival explorada num sentido idealístico,<br />
por assim dizer, como não se encontra em Notre-<br />
-Dame. É algo completamente diferente.<br />
Seria preciso contemplar a beleza da catedral in loco,<br />
com aves levantando voo de dentro das torres e os sinos<br />
tocando. Tem-se a impressão de que são pensamentos<br />
contidos na torre, os quais se desprendem e voam pelo<br />
céu azul. É de uma grandeza enorme! v<br />
(Extraído de conferência de 10/6/1968)<br />
1) Wilhelm Richard Wagner (*1813 - †1883). Maestro, compositor,<br />
diretor de teatro e ensaísta alemão.<br />
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Flávio Lourenço<br />
A Imaculada com a Santíssima Trindade<br />
Museu de Arte Religiosa de Santa<br />
Mônica, Puebla, México<br />
Modelo para os contrarrevolucionários<br />
Por ter sido concebida sem pecado original, a Santíssima Virgem realmente pisa a cabeça do demônio. Há, portanto,<br />
um profundo sentido teológico no fato de se representar a Imaculada Conceição calcando a serpente.<br />
Imaculada Conceição! Eis a invocação propícia para os contrarrevolucionários. O modelo para estes é<br />
Maria Santíssima que, ao contrário de Eva, não conversa com a serpente e, ademais, esmaga-lhe constantemente a<br />
cabeça. Devemos pedir a Nossa Senhora da Imaculada Conceição tal atitude de espírito.<br />
Que outra coisa é o calcanhar da Virgem senão os filhos que Ela suscitou para seu serviço, humildes, desapegados de<br />
honras e glórias mundanas, unicamente desejosos de se tornarem instrumentos d’Ela para esmagar a Revolução? Nisso<br />
deve consistir nosso maior anelo: sermos células vivas do glorioso calcanhar da Santíssima Virgem, a cuja pressão nada<br />
tem resistido ao longo da História!<br />
(Extraído de conferências de 3/12/1964 e 31/1/1989)