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Revista Dr Plinio 272

Novembro 2020

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Publicação Mensal<br />

Vol. XXIII - Nº <strong>272</strong> Novembro de 2020<br />

Reino de Cristo nas almas<br />

conformes ao Imaculado<br />

Coração de Maria


Minúcia didática<br />

Tiago Pereira Farias (CC3.0)<br />

da Providência<br />

O<br />

tucano, de si, é um pássaro completa-<br />

mente ridículo. Dir-se-ia que ele teve<br />

uma doença no bico, o qual, por isso,<br />

adquiriu aquele tamanho. Ora, impressio-<br />

nei-me quando me contaram que, reluzindo<br />

ao Sol, o bico do tucano fica lindíssimo. Ade-<br />

mais, sabe-se que certas penas dessa ave são<br />

muito bonitas.<br />

Por que Deus coloca um aspecto sublime nu-<br />

ma coisa tão grotesca como é o bico do tucano?<br />

Trata-se da enternecedora minúcia didática<br />

da Providência. Não se alcança o alcandorado<br />

nesta Terra apenas imaginando, mas tam-<br />

bém observando. Porém, como esta é um lugar<br />

de exílio, o que há de alcândor vem fugidio e<br />

exigindo de nossa atenção um grande esforço,<br />

uma enorme capacidade de distinguir, e pode,<br />

portanto, reluzir até em algo ridículo. Assim se<br />

exercita o nosso seletivo e nos lembramos de que<br />

estamos numa terra de exílio.<br />

(Extraído de conferência de 4/5/1978)


Sumário<br />

Publicação Mensal<br />

Vol. XXIII - Nº <strong>272</strong> Novembro de 2020<br />

Vol. XXIII - Nº <strong>272</strong> Novembro de 2020<br />

Reino de Cristo nas almas<br />

conformes ao Imaculado<br />

Coração de Maria<br />

Na capa, Cristo Rei<br />

Igreja da Santíssima<br />

Trindade, Cracóvia,<br />

Polônia.<br />

Foto: Gabriel K.<br />

As matérias extraídas<br />

de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

— designadas por “conferências” —<br />

são adaptadas para a linguagem<br />

escrita, sem revisão do autor<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

ISSN - 2595-1599<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Diretor:<br />

Roberto Kasuo Takayanagi<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Carlos Augusto G. Picanço<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Virgílio Rodrigues, 66 - Tremembé<br />

02372-020 São Paulo - SP<br />

E-mail: editoraretornarei@gmail.com<br />

Impressão e acabamento:<br />

Northgraph Gráfica e Editora Ltda.<br />

Rua Enéias Luís Carlos Barbanti, 423<br />

02911-000 - São Paulo - SP<br />

Tel: (11) 3932-1955<br />

Editorial<br />

4 Céu maravilhoso cujo Astro central<br />

é o Imaculado Coração de Maria<br />

Piedade pliniana<br />

5 “Cheguei, afinal,<br />

à minha Pátria!”<br />

Dona Lucilia<br />

6 Consonâncias profundas<br />

em torno de um unum<br />

Perspectiva pliniana da História<br />

10 Imperatriz muito querida<br />

pelo povo brasileiro<br />

Reflexões teológicas<br />

15 Maravilhas da corte celeste<br />

Denúncia profética<br />

20 Não tratemos os lobos<br />

como ovelhas perdidas<br />

Calendário dos Santos<br />

24 Santos de Novembro<br />

Preços da<br />

assinatura anual<br />

Comum............... R$ 200,00<br />

Colaborador........... R$ 300,00<br />

Propulsor.............. R$ 500,00<br />

Grande Propulsor....... R$ 700,00<br />

Exemplar avulso........ R$ 18,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

editoraretornarei@gmail.com<br />

Hagiografia<br />

26 Cantou com Nossa<br />

Senhora e os Anjos<br />

Apóstolo do pulchrum<br />

30 Contrários harmônicos na<br />

arquitetura oriental<br />

Última página<br />

36 Oceano de graças<br />

3


Editorial<br />

Céu maravilhoso cujo Astro central<br />

é o Imaculado Coração de Maria<br />

Arespeito da Festa de Cristo Rei é preciso considerar que esse Reinado se baseia em três títulos,<br />

cada qual marcando essa realeza com uma qualidade especial. Primeiramente, Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo é Rei por ser Deus; em segundo lugar, encarnou-Se e, como Homem-Deus, é o<br />

Chefe natural de toda a humanidade; por fim, porque é o nosso Redentor que morrendo na Cruz conquistou<br />

para nós a salvação eterna, o que Lhe confere sobre nós um direito pleno, tornando-O, em verdade,<br />

o nosso Rei.<br />

Entretanto, o Reino de Nosso Senhor Jesus Cristo se estabelece sobre pessoas e não territórios. É<br />

um reino de almas onde cada família, nação, Ordem religiosa constitui como que uma província. Na<br />

harmonia de todos esses grupos humanos e famílias de alma, como também dos indivíduos, encontramos<br />

a realidade e a beleza do Reinado de Cristo.<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo, como Rei, defende cada alma contra o ataque do adversário com um<br />

amor, um conhecimento do valor daquela alma e do que ela significa para a unidade do seu Reino muito<br />

maiores do que o Rei da França, por exemplo, defenderia a Auvergne, a Lorena ou a Alsácia.<br />

Trata-se de um valor de caráter moral e espiritual, e isso nos leva a considerar que cada vez que Cristo<br />

Rei perde ou vê diminuído o exercício efetivo de sua realeza sobre uma alma, tem uma tristeza parecida<br />

com a do rei que perde uma de suas províncias e, junto com ela, toda uma ordem de beleza ideal.<br />

Mas também, cada vez que uma alma retorna a Ele, é uma volta com todas as alegrias dessa restituição.<br />

Essas alegrias e tristezas repercutiram n’Ele em sua vida terrena e devem ser objeto de nossa consideração<br />

na Festa de Cristo Rei, pondo-nos a seguinte questão: O Reino de Nosso Senhor Jesus Cristo<br />

está se realizando em nós como deseja o Divino Redentor?<br />

Por mais desfigurada e conspurcada que se encontre, em nossos dias, a Santa Igreja Católica é um<br />

jardim onde continuamente desabrocham flores para Nosso Senhor. Quiçá só no dia do Juízo Final poderemos<br />

saber quantos santos florescem isolados e odiados, aqui, lá e acolá, na ignorância e no abandono,<br />

dando a Deus uma glória completa e magnífica.<br />

Tudo isso, em seu conjunto, constitui o Reinado de Nosso Senhor sobre os homens; realeza todavia<br />

incompleta, mas marchando para ser completa e, por isso mesmo, uma razão contínua de alegria para<br />

Ele.<br />

Peçamos, pois, a Cristo Rei, por meio de sua Mãe Santíssima, que nos dê a compreensão de todos<br />

os esplendores da Igreja Católica e do Reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo sobre essas almas que<br />

Lhe são fiéis, as quais, à maneira de um céu maravilhoso, têm como Astro central o Imaculado Coração<br />

de Maria. Estrela mais preciosa não poderia haver. Então, compreenderemos tantas graças recebidas<br />

e quantos motivos temos para esperar o perdão e a misericórdia, e para pedirmos muitos favores<br />

com plena confiança. *<br />

* Cf. Conferências de 21/10/1964 e 29/10/1966.<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

4


Piedade pliniana<br />

Imaculado Coração de<br />

Maria - Igreja de São<br />

Francisco, Porto de<br />

Santa Maria, Espanha<br />

Flávio Lourenço<br />

“Cheguei, afinal, à<br />

minha Pátria!”<br />

Considerando meu feitio de alma, eu poderia imaginar como seria o Céu para mim, se<br />

até lá me conduzir a misericórdia de Nossa Senhora.<br />

Veria a Santíssima Trindade, Nosso Senhor Jesus Cristo – Segunda Pessoa humanada<br />

– e depois Nossa Senhora numa altura prodigiosa, de tal maneira superiores a mim que<br />

me sentisse um grão de poeira em comparação com Eles, mas encantado por me sentir assim.<br />

Entretanto, por uma perfeição que não seria uma contradição, estando tão perto d’Eles<br />

que considerasse e amasse tudo exatamente como Eles.<br />

Entre Deus, Maria Santíssima e mim haveria uma hierarquia esplendorosa e harmônica<br />

de pessoas sucessivamente superiores, formando uma verdadeira corte com a participação<br />

de perfeições harmônicas que iriam aumentando e através das quais eu conheceria melhor a<br />

Deus, pela disposição gradativa e ordenada de todas as criaturas.<br />

Eu estaria encantado e me sentindo pequeno dentro dessa hierarquia, mas enlevadíssimo,<br />

tendo a impressão de que tudo isso se refletiria em mim.<br />

Uma atmosfera gravíssima, seríssima, majestosíssima e, ao mesmo tempo – sem nenhum<br />

paradoxo –, afabilíssima, cheia de sorriso e de condescendência para comigo. De maneira<br />

que eu pudesse exclamar: “Cheguei, afinal, à minha Pátria!”<br />

Essa ideia não estaria completa sem a noção de uma relação especial com Nossa Senhora<br />

pela qual, mesmo sendo um grão de poeira, eu me encontrasse tão junto a Ela que, se não<br />

fosse demasiada audácia de minha parte, desejaria estar em seu Imaculado Coração. Esse<br />

seria o Céu para mim.<br />

(Extraído de conferência de 11/5/1974)<br />

5


Dona Lucilia<br />

Consonâncias<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

profundas<br />

em torno de<br />

um unum<br />

A ideia de qual é o ponto de equilíbrio da mente<br />

humana a partir do qual todos os movimentos são<br />

equilibrados, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> adquiriu ao analisar a alma<br />

de Dona Lucilia, que era eminentemente estável,<br />

tranquila, serena, compreensiva, carregada de bênçãos,<br />

mas ao mesmo tempo firme, disposta à luta.<br />

Ofilho abre os olhos para a vida<br />

no regaço materno e por<br />

isso o papel da mãe é aquele<br />

que a maior das universidades não<br />

tem: a de acondicionar dentro da<br />

perspectiva dela uma porção de noções<br />

gerais – com conteúdo metafísico<br />

e religioso, se bem que ela mesma<br />

não saiba isso senão vaga ou difusamente<br />

– que se projetará depois sobre<br />

toda a vida do filho.<br />

Circuito perfeito<br />

Depois que o filho recebeu da<br />

mãe as influências – que são naturalmente<br />

as que o preparam com avidez<br />

para acolher a Igreja Católica<br />

–, quando ele chega ao fim da vida,<br />

percebe conferir com o que ele recebera<br />

no começo.<br />

Por isso São Tomás de Aquino diz<br />

que o movimento perfeito é o círculo.<br />

A volta ao ponto de partida é<br />

a perfeição e a excelência do movimento,<br />

e nessa relação entre mãe e<br />

filho se verifica também isso.<br />

Posto o assunto como deve ser,<br />

em tese, entre filho e mãe, posso<br />

aplicar no que dizia respeito de mamãe<br />

comigo.<br />

Se é verdade que em parte era por<br />

movimento da graça em minha alma<br />

de batizado que eu tendia para<br />

6


uma porção de coisas na ordem da<br />

inocência, no relacionamento entre<br />

mãe e filho estaria longe de ser verdade<br />

dizer que o único batizado era<br />

eu. Batizada era ela também e me<br />

transmitia o que havia na sua alma<br />

de mãe católica, receptiva ela mesma<br />

a essas coisas orientadas à inocência<br />

ao longo da vida, e vendo isso<br />

nas gerações que a antecederam.<br />

Assim, eu encontrava consonâncias<br />

tão profundas entre aquilo que<br />

hoje percebo ser a graça que não vinha<br />

de mamãe e aquela que eu recebia<br />

por meio dela, que diríamos tratarem-se<br />

de dois instrumentos tocando<br />

a mesma música, encontrando-se<br />

perfeita e inteiramente.<br />

Pode-se dizer que ora a graça produzia<br />

em mim apetência por coisas<br />

que minha mãe me daria, ora mamãe<br />

– ou seja, a graça por meio dela<br />

– fazia-me desejar aquilo que a própria<br />

graça me concederia. Isso formava<br />

um círculo, um circuito só.<br />

mais ou menos como pegar um lindo<br />

copo de cristal, deixar bater nele<br />

uma luz intensa de um dia claro.<br />

Vejo aquilo como um unum, é uma<br />

luz de cristal, branca. Sei que ali estão<br />

todas as cores do arco-íris, mas<br />

não vou estar esgravatando aquela<br />

cor para procurar vislumbres das tonalidades<br />

do arco-íris. Nem seria capaz<br />

de fazer isso a olho nu; exigiria<br />

um prisma, uma adaptação. Eu olho,<br />

é luz de cristal.<br />

Assim também uma alma equilibrada<br />

dotada de muitas virtudes que<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

O unum do qual partem<br />

todas as virtudes<br />

Por exemplo, a ideia de que o<br />

ponto de equilíbrio da mente humana<br />

a partir do qual todos os movimentos<br />

são equilibrados e fora<br />

do qual tudo é desequilíbrio, onde<br />

impera uma gravidade séria, voltada<br />

para o eterno e para o combativo,<br />

mas também para o afável e o<br />

ameno, veio-me muito de conhecer<br />

o ponto de partida da alma de Dona<br />

Lucilia, que era eminentemente assim:<br />

estável, tranquila, serena, compreensiva,<br />

carregada de bênçãos,<br />

mas ao mesmo tempo firme como<br />

tudo, disposta à luta; a tal ponto<br />

que ninguém, ao longo de noventa<br />

e dois anos de existência, a fez sair<br />

do caminho que tinha traçado para<br />

si mesma.<br />

Isto tudo forma um unum que teoricamente<br />

se pode decompor em<br />

várias luzes, em vários coloridos,<br />

conceitos ou virtudes distintas. Seria<br />

7


Dona Lucilia<br />

se completam, nós não ficamos esquadrinhando<br />

para distinguir esta<br />

daquela, nem sequer pensamos tanto<br />

em virtudes, mas no todo chamado<br />

virtude. Isso era eminentemente<br />

o que eu notava em mamãe.<br />

A síntese e o equilíbrio<br />

das virtudes<br />

O homem está equilibrado quando,<br />

por exemplo, consegue se manter<br />

em pé. Todo movimento que ele<br />

faça pode agravar o desequilíbrio.<br />

Aqueles movimentos<br />

que seriam normais num homem<br />

equilibrado, num homem<br />

torto são desequilibrados<br />

porque o ponto de partida<br />

é errado; então ele cai no<br />

chão.<br />

Da mesma forma, há na vida<br />

várias atitudes que, se examinamos<br />

separadamente, consideramos<br />

equilibradas, mas<br />

quando vamos ver, o sujeito<br />

caiu no chão. Por quê? Porque<br />

o ponto de partida foi desequilibrado.<br />

Faltou aquela síntese<br />

estável e central da virtude a<br />

partir da qual se movem as virtudes.<br />

Eu aprendi a amar esse<br />

ponto estável eminentemente<br />

em mamãe, tomando desde<br />

logo o gosto disso e o mau<br />

sabor do oposto. Aliás, essa<br />

postura me defendeu de<br />

achar monótono o equilíbrio.<br />

Há muita gente, hoje em dia,<br />

que considera essa posição<br />

monótona; praticamente todo<br />

o mundo. Entretanto, eu<br />

não considero assim; pelo<br />

contrário, é a delícia de minha<br />

vida. É a posição de equilíbrio<br />

a partir da qual mover-<br />

-se e, mais ainda, lutar, sobretudo<br />

a serviço de Nossa<br />

Senhora, é um gáudio. Mas<br />

é a partir de um ponto central<br />

que não muda nunca. Es-<br />

J.P.Ramos<br />

da divisa com Minas Gerais, chamada<br />

Prata. Nós íamos muito a Águas<br />

da Prata porque essas águas eram<br />

apropriadas para pessoas que sofriam<br />

do fígado e faziam bem a ela.<br />

Certa vez tive uma doencinha<br />

qualquer de criança, estando com<br />

ela em Águas da Prata. Segundo<br />

os critérios médicos daquele tempo,<br />

qualquer sintoma que se sentia,<br />

a primeira providência era horizontalizar<br />

o doente. Portanto, com vivo<br />

desagrado da criança, a prescrição<br />

era ir para a cama. E nesse<br />

ponto minha mãe era intransigente:<br />

“O Doutor mandou,<br />

cama!”<br />

Entretanto – e nisso estava<br />

Dona Lucilia inteira –, ela me<br />

mandava deitar, mas depois<br />

ia fazer-me companhia. Então<br />

sentava-se aos pés da cama<br />

ou punha uma cadeira ao<br />

lado e começava a ler a Bécassine,<br />

por exemplo. Eu entendia<br />

francês, portanto, ela<br />

não traduzia para mim, mas<br />

ia comentando e ouvindo<br />

meus comentários a respeito<br />

dos fatos, personagens, desenhos,<br />

etc.<br />

Outra coisa da qual me<br />

lembro com umas saudades<br />

enormes: as mãos dela! Não<br />

eram compridas, com dedos<br />

longos e afilados, mas muito<br />

bem feitas. As articulações<br />

dos dedos eram muito<br />

proporcionadas e graciosas.<br />

Eram mãos muito alvas, e a<br />

pele simbolizava, por assim<br />

dizer, o contato com o temperamento<br />

dela: era de cetim…<br />

Mamãe tinha um modo de<br />

mexer a mão por onde os dedos<br />

se moviam lentamente.<br />

Por exemplo, ela dizia: “Filhão,<br />

vamos então passar para<br />

a outra página.” E folheava<br />

o livro com tanta dignidade,<br />

estabilidade, beleza, elese<br />

ponto eu eminentemente aprendi<br />

com ela. Como?<br />

Aprendizado feito através de<br />

um olhar, de uma carícia…<br />

Era um olhar, uma inflexão de<br />

voz, uma carícia, enfim, estar juntos.<br />

Por exemplo, ela me mostrando as<br />

historietas da Bécassine, e eu sentado<br />

perto dela.<br />

Lembro-me dela numa estação de<br />

água existente em São Paulo, perto<br />

8


gância que eu, ao vê-la virar a página,<br />

ficava prestando atenção na mão<br />

e pensava: “Que alma! Que coração!”<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

...e de uma inflexão de voz<br />

O tom de voz, a afabilidade também.<br />

Ainda em Águas da Prata, eu<br />

me lembro de que, como parte do<br />

tratamento, era necessário o repouso.<br />

Por isso, terminado o almoço, ela<br />

ia fazer sesta.<br />

A certa hora, minha irmã e eu éramos<br />

autorizados a entrar no quarto<br />

dela e a encontrávamos de robe de<br />

chambre, deitada, mas acordada, calma,<br />

rezando, raras vezes lendo, ou<br />

olhando para um ponto indefinido<br />

e pensando, com esta particularidade:<br />

as venezianas sempre fechadas e<br />

o vidro aberto.<br />

Nós viajávamos para lá nas férias<br />

do meio do ano, quando os dias são<br />

muito claros nessa região do Brasil.<br />

De maneira que entrava uma luz<br />

abundante pelas venezianas cujas varetas<br />

ficavam muito escuras em confronto<br />

com os raios que filtravam<br />

por elas, deixando o quarto envolto<br />

em uma espécie de penumbra com<br />

uma luminosidade matizada.<br />

Eu olhava aquilo e pensava:<br />

“Curioso, essa penumbra é tão deleitável,<br />

mas há uma analogia entre<br />

ela e uma certa penumbra existente<br />

na alma de mamãe, tão feita de verdades<br />

e de recolhimento que se diria<br />

que ela é para Deus uma veneziana.”<br />

Não preciso dizer que eu chegava<br />

antes da hora marcada. Ao ver-me,<br />

gesto não sistemático, mas frequente,<br />

ela abria as duas mãos e exclamava<br />

com afeto: “Filhão!”, como quem<br />

diz: “Pode aproximar-se, estou acordada.”<br />

Eu entrava e imediatamente<br />

lhe fazia agrados que ela retribuía.<br />

Depois eu dizia qualquer coisa<br />

e saía pensando o seguinte: “Que pena<br />

que as regras e as convenções me<br />

obriguem a sair, porque eu gostaria<br />

de ficar aqui sentado ao lado dela,<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 13/5/1980<br />

ela quieta e eu também. Fazendo o<br />

quê? Contemplando as duas penumbras…”<br />

Eis uma espécie de exercício teórico-prático<br />

de como Dona Lucilia<br />

me ajudava a ver o unum da alma<br />

dela.<br />

Quando depois ia à Igreja do Sagrado<br />

Coração de Jesus, que também<br />

tem uma penumbra especial, eu<br />

chegava lá e dizia: “Curioso, parece<br />

com mamãe.” Mas quando estava<br />

com mamãe, eu dizia: “Curioso, parece<br />

com a Igreja do Coração de Jesus”,<br />

e formava um todo só. v<br />

(Extraído de conferência de<br />

12/5/1980)<br />

9


Perspectiva pliniana da História<br />

Imperatriz<br />

Brasiliana Iconográfica (CC3.0)<br />

muito querida<br />

pelo povo<br />

Tereza Cristina Maria de Bourbon,<br />

Imperatriz do Brasil, em 1861<br />

Pinacoteca do Estado de São Paulo<br />

brasileiro<br />

Esposa de Dom Pedro II, filha do Rei das Duas Sicílias, a<br />

Imperatriz Tereza Cristina pertencia à Casa de Bourbon e<br />

descendia, portanto, de Luís XIV. O Imperador causou-lhe<br />

muitos desgostos, fazendo com que sua vida fosse de grandes<br />

sofrimentos, que ela suportou com muita dignidade. Ela<br />

possuía o ar de uma mãe dos brasileiros; muito bondosa,<br />

condescendente, afável, era verdadeiramente querida pelo povo.<br />

Durante um largo período da<br />

História do Ocidente, que poderíamos<br />

situar mais ou menos<br />

da queda de Napoleão, em 1815,<br />

até 1835, formou-se a ideia de que a<br />

pureza era uma virtude adequada à<br />

mulher, mas supérflua e até contraditória<br />

para o homem, o que é verdadeiro<br />

em relação à mulher e inteiramente<br />

falso no que diz respeito ao homem.<br />

A Imperatriz Tereza<br />

Cristina, símbolo da<br />

dama sofredora<br />

Essa perniciosa concepção fazia<br />

com que a mulher aguentasse todo o<br />

fardo da situação dentro de casa e fosse,<br />

em geral, uma vítima da infidelidade<br />

conjugal do marido, o qual em sua<br />

vida de solteiro já fora desonrado.<br />

Conheci uma senhora de uma boa<br />

família antiga, a quem uma vez a filha<br />

recém-casada disse:<br />

— Mamãe, imagine que horror!<br />

Eu desconfio que meu marido está<br />

sendo infiel a mim…<br />

A senhora, sexagenária, asseverou<br />

com uma voz pausada:<br />

— Olhe, não procure porque encontra.<br />

É melhor fazer como eu:<br />

10


nunca procurei, por isso me senti feliz<br />

com o seu pai.<br />

Era um horror. Quem suportava<br />

esse fardo era sempre a boa senhora<br />

de família, sendo, por isso, a sofredora<br />

da casa, símbolo da seriedade,<br />

da virtude e da Fé dentro do lar. Por<br />

causa disso ela era, em geral, venerada<br />

pelos filhos como uma espécie<br />

de mártir, e respeitada pelo marido,<br />

embora esse respeito fosse incoerente,<br />

porque se ele a respeitasse verdadeiramente<br />

não cometeria adultério.<br />

Isso caracterizava, até certo ponto,<br />

mesmo as senhoras de importantes<br />

famílias ricas, dispondo de uma<br />

prestigiosa situação social.<br />

A Imperatriz Dona Tereza Cristina<br />

representava o símbolo da dama<br />

sofredora segundo o modelo<br />

desses tempos, pois embora Dom<br />

Pedro II não fosse propriamente<br />

um marido estroina – como Dom<br />

Pedro I tinha sido –, ele teve lá suas<br />

infidelidades.<br />

Pertencente à Casa de Bourbon,<br />

ela descendia de Luís XIV, de quem<br />

um dos descendentes foi Rei da Espanha.<br />

Desse ramo espanhol Bourbon<br />

desprendeu-se, por sucessão hereditária,<br />

um outro que passou a reinar<br />

nas Duas Sicílias.<br />

Esse reino existente no Sul da Itália<br />

recebeu esse nome por causa da<br />

Ilha de Sicília, ou seja, Sicília insular<br />

e o território continental correspondente<br />

à parte baixa da “bota italiana”<br />

que se chamava Sicília também,<br />

denominação oriunda dos sículos, um<br />

antigo povo que habitara ali. Assim,<br />

a terra dos sículos chamava-se Sicília.<br />

Casamento por procuração<br />

Dom Pedro II estava à procura de<br />

um casamento e mandou um nobre<br />

de sua corte fazer uma viagem à Europa<br />

para escolher uma princesa que<br />

correspondesse às conveniências políticas,<br />

antes de tudo, mas também<br />

de dote e genealógicas que um casamento<br />

como esse supunha.<br />

Como a técnica fotográfica ainda<br />

não estava suficientemente desenvolvida,<br />

o enviado imperial partia com as<br />

instruções sobre qual o tipo humano<br />

que deveria ter a futura Imperatriz para<br />

satisfazer as aspirações legítimas do<br />

Monarca, e quando encontrasse uma<br />

princesa que correspondesse a essas aspirações,<br />

ele deveria mandar pintar um<br />

retrato dela e enviá-lo por mala diplomática<br />

para o Imperador tomar conhecimento<br />

e decidir sobre o casamento.<br />

As negociações não foram breves.<br />

O mandatário imperial andou rodando<br />

pelas cortes europeias sem muito<br />

êxito, o que se compreende porque a<br />

recordação deixada por Dom Pedro I<br />

como marido não era nada boa; ademais,<br />

o Brasil era um cafundó do mundo.<br />

Uma princesa precisava ter coragem<br />

para vir morar aqui, casada a vida<br />

inteira com um Imperador cuja psicologia<br />

e mentalidade não conhecia.<br />

Afinal, Dom Pedro II recebeu uma<br />

miniatura linda que o agradou inteiramente,<br />

retratando a Princesa Maria<br />

José Correia de Lima (CC3.0)<br />

Princesa Tereza Cristina, por<br />

José Correia de Lima, c. 1843.<br />

Este retrato atraiu Dom Pedro II,<br />

levando-o a aceitar o casamento.<br />

Eduardo de Martino (CC3.0)<br />

Chegada da Imperatriz Tereza Cristina na fragata Constituição em 1843<br />

Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro<br />

11


Perspectiva pliniana da História<br />

Alejandro Cicarelli (CC3.0)<br />

Tereza de Bourbon-Sicília, e concordou<br />

em realizar o casamento por procuração,<br />

que se deu em Nápoles, bela<br />

capital das Duas Sicílias.<br />

Algum tempo depois, desembarcava<br />

no Brasil Dona Tereza Cristina. Avisado<br />

com a necessária antecedência da<br />

chegada do navio, Dom Pedro II foi recebê-la<br />

a bordo. Segundo o protocolo,<br />

ao encontrar-se com o Imperador,<br />

a Princesa deveria ajoelhar-se, mas ele,<br />

por sua vez, precisaria segurá-la pela<br />

mão e não o permitir, depois oscular as<br />

mãos dela, dar-lhe o braço e descerem<br />

para a terra, onde receberiam as manifestações<br />

populares.<br />

O brasileiro quer ver<br />

no seu Chefe de Estado<br />

principalmente um pai<br />

Contudo, quando ele a viu aproximar-se<br />

caminhando com o seu séquito,<br />

do outro lado do tombadilho do<br />

navio, teve uma surpresa porque reconheceu<br />

ser a pessoa da miniatura,<br />

mas não tinha nem um pouco a beleza<br />

ali retratada. Além do mais, ela<br />

era pronunciadamente manca. Dom<br />

Pedro II ficou tão perturbado que<br />

se esqueceu de impedir que a Princesa<br />

se ajoelhasse. Afinal, ele percebeu<br />

que era fato consumado, levan-<br />

tou-a, deu-lhe o braço e desceram<br />

do navio.<br />

Aquilo constituiu um choque<br />

que lotou a existência inteira<br />

dele. Sua vida matrimonial<br />

foi tristonha, nem um pouco<br />

aquela que a atmosfera romântica<br />

um tanto estúpida daquele<br />

tempo pedia: os dois pombinhos<br />

que se encontram e passam<br />

a vida felizes.<br />

Também no que diz respeito<br />

à prole o casal foi infeliz.<br />

Tiveram quatro filhos, duas<br />

meninas e dois meninos,<br />

mas estes morreram ainda na<br />

infância, restando apenas as<br />

duas filhas. Esse véu de tristeza<br />

que cobriu sua vida nupcial,<br />

Dom Pedro II pareceu<br />

carregá-lo com muita dignidade durante<br />

toda a sua existência.<br />

A Imperatriz percebia tudo isso<br />

também e tinha o todo de uma dama<br />

digna, sem ilusões de se enfeitar<br />

e parecer bonita; era uma dona de casa<br />

com uma grande dignidade moral,<br />

uma pessoa muito boa que fazia um<br />

bom par com ele aos olhos do povo<br />

brasileiro, porque o Brasil queria ver<br />

no seu monarca, sobretudo, um pai.<br />

No espírito do brasileiro a concepção<br />

patriarcal do poder é muito ancorada,<br />

Imperatriz Teresa Cristina e seus<br />

três filhos Isabel, Leopoldina e<br />

Pedro Afonso em 1849 - Museu<br />

Imperial, Petrópolis, Brasil<br />

muito forte e profunda. Do Prata ao<br />

Amazonas, do mar às cordilheiras, o<br />

que o brasileiro quer ver no seu Chefe<br />

de Estado é principalmente um pai.<br />

Dom Pedro II adaptou-se a essa<br />

função paterna muito bem. Era de fato<br />

um patriarca, com sua barba que não<br />

tardou a se tornar branca. Dona Tereza<br />

Cristina tinha todo o ar de uma mãe<br />

dos brasileiros: muito bondosa, condescendente,<br />

afável; ela era verdadeiramente<br />

querida pelo povo brasileiro.<br />

As pessoas notavam esse desacerto<br />

entre os dois, e isso a favorecia<br />

ainda mais, porque ficavam<br />

com pena e gostando<br />

dela de modo especial.<br />

Dom Pedro II era<br />

liberal com seus<br />

inimigos e despótico<br />

com seus amigos<br />

Ferdinand Krumholz (CC3.0)<br />

Casamento por procuração da Imperatriz Tereza<br />

Cristina - Museu Imperial, Petrópolis, Brasil<br />

Como os monarcas liberais<br />

estavam em moda no tempo,<br />

Dom Pedro II era liberal e dava<br />

à oposição política muita<br />

liberdade. Mas não era essa<br />

sua política no que diz respeito<br />

àqueles que eram os aliados<br />

naturais do trono. Com<br />

12


efeito, ele era liberal com os seus inimigos<br />

e despótico com os seus amigos.<br />

Cito dois exemplos concretos.<br />

Quando era bem moço, ele fez um<br />

giro pela Europa e esteve com o Papa<br />

Pio IX, antes de este ser aprisionado<br />

no Vaticano pelas tropas de Garibaldi.<br />

Tendo sido recebido em audiência<br />

pelo Sumo Pontífice, numa visita extraoficial,<br />

Dom Pedro II disse:<br />

— Eu, como Chefe do Império católico<br />

de maior extensão territorial<br />

do mundo, devo aconselhar Vossa<br />

Santidade de abrir as portas de Roma<br />

e deixar que ela seja anexada. Renuncie<br />

a seu poder temporal.<br />

Pio IX respondeu:<br />

— Se quiser, falemos de outra coisa,<br />

mas dos assuntos da Igreja quem<br />

entende sou eu.<br />

Mais tarde Dom Pedro II voltou à<br />

Itália, desta vez em caráter oficial e já<br />

casado com a Imperatriz Tereza Cristina.<br />

Os acontecimentos tinham ocorrido<br />

e o Piemonte, que era um dos Estados<br />

em que se dividia a Itália, conquistara<br />

e anexara toda a península italiana<br />

para formar um reino só, chamado<br />

Reino da Itália, e tinha anexado a este<br />

os Estados dos quais o Papa era Rei.<br />

De maneira que o Pontífice ficara no<br />

Vaticano como prisioneiro.<br />

O Reino das Duas Sicílias também<br />

tinha sido anexado e a família da Imperatriz<br />

Tereza Cristina precisou fugir<br />

da Itália. Sendo, pois, uma viagem oficial,<br />

Dona Tereza Cristina teria que tomar<br />

contato com a corte do rei usurpador<br />

do reino do pai dela, participar<br />

de banquetes e bailes na corte com os<br />

arruinadores de sua própria família.<br />

cerimônia muito pomposa nas monarquias,<br />

e no Reino da Itália fez-se<br />

também com solenidade.<br />

O Imperador compareceu a essa<br />

abertura e obrigou sua esposa<br />

a acompanhá-lo, dando assim um<br />

apoio político. A Imperatriz passou<br />

o tempo inteiro procurando disfarçar<br />

as lágrimas de compaixão e de tristeza<br />

que lhe corriam pela face, pensando<br />

na situação do pai.<br />

No dia seguinte, os jornais anticlericais<br />

e republicanos da Itália, sabendo<br />

que a Imperatriz era muito católica<br />

e vendo que ela representava uma<br />

causa oposta à deles, caíram em cima<br />

dela, caçoando por ser manca, filha<br />

de um rei destronado, por ter comparecido<br />

a essa sessão, não porque soubesse<br />

perdoar as ofensas, mas por ter<br />

sido obrigada por seu marido. Enfim,<br />

tripudiaram sobre ela. Dom Pedro II<br />

fingiu que não notou nada.<br />

Esse foi um fato que se comentou<br />

no Brasil porque os jornais publicaram,<br />

o que aumentava a compaixão<br />

das pessoas pela Imperatriz.<br />

Ao partir para o exílio, após a proclamação<br />

da República em 1889, a Imperatriz<br />

Tereza Cristina foi cercada da<br />

compaixão e do respeito geral, tanto<br />

mais que se notou como ela ficara profundamente<br />

triste com o infortúnio do<br />

marido, e o perdoava, participava desse<br />

infortúnio inteiramente.<br />

No meu ambiente doméstico ela<br />

era, portanto, profundamente venerada.<br />

Inclusive, e naturalmente, pela<br />

minha mãe. Na minha infância, desde<br />

que pude conhecer e compreen-<br />

Carneiro & Gaspar (CC3.0)<br />

Jornais republicanos<br />

da Itália tripudiaram<br />

sobre a Imperatriz<br />

Aconteceu ainda o pior. Durante<br />

a presença de Dom Pedro II na Itália,<br />

houve a inauguração da sessão<br />

legislativa e abertura dos trabalhos<br />

da Câmara e do Senado, depois das<br />

férias de fim de ano. Essa era uma<br />

Imperatriz Teresa Cristina por volta de 1870<br />

Museu Imperial, Petrópolis, Brasil<br />

13


Perspectiva pliniana da História<br />

der fatos desses, fui ambientado para<br />

narrações como essa. Não se falava<br />

da infidelidade conjugal de Dom<br />

Pedro II, que mamãe só veio a saber<br />

depois de idosa – antes ela julgava o<br />

Imperador um modelo de fidelidade<br />

–, mas sim quanto às outras atitudes<br />

dele, como por exemplo, sua frieza<br />

em relação à Imperatriz.<br />

Um baile na Quinta<br />

da Boa Vista<br />

Édouard Riou (CC3.0)<br />

Dona Lucilia me contava este fato<br />

ocorrido na visita que o Imperador<br />

fez a Pirassununga. Dom Pedro II<br />

desceu do trem e se dirigiu à casa do<br />

meu avô para receber homenagens.<br />

Depois foi a uma fazenda, famosa pelas<br />

jabuticabas que produzia,<br />

e pôs-se a chupar essas<br />

frutas pelas quais ele tinha<br />

um entusiasmo único.<br />

Entretanto, ele tinha deixado<br />

a Imperatriz no trem.<br />

Como ela possuía certa dificuldade<br />

de locomoção, não<br />

podia acompanhá-lo e ficara<br />

no vagão. Ao notarem<br />

que Dona Tereza Cristina<br />

não tinha descido, as senhoras<br />

perguntaram sobre ela<br />

ao Imperador, que respondeu:<br />

— Ah, ela ficou no vagão...<br />

Então algumas senhoras,<br />

entre as quais minha avó,<br />

foram depressa para fazer<br />

sala à Imperatriz. Esta as<br />

recebeu com muita bondade,<br />

fingindo não ter notado<br />

o que havia de desairoso<br />

para ela no que se passara.<br />

Minha mãe costumava<br />

narrar também outro episódio<br />

da Imperatriz, o qual<br />

não pertence à História<br />

porque só circulava na minha<br />

família.<br />

Num baile na Quinta<br />

da Boa Vista, um bisavô<br />

meu, que era deputado, compareceu<br />

e, passando por uma sala, notou a<br />

Imperatriz com um número muito reduzido<br />

de pessoas em torno de si, enquanto<br />

se dançava na outra sala. Meu<br />

bisavô aproximou-se dela, beijou-lhe<br />

a mão, cumprimentaram-se, e ela o<br />

convidou para sentar-se. Começada<br />

a conversa, as senhoras que estavam<br />

lá dirigiram-se ao salão principal para<br />

dançar também, porque já havia uma<br />

companhia para a Imperatriz.<br />

Ele disse que a notava tão triste e<br />

perguntou-lhe o motivo. Essa é uma<br />

típica relação brasileira entre uma<br />

imperatriz e um súdito. A Rainha da<br />

Inglaterra não faria uma confidência<br />

dessa, mas no Brasil essas coisas saem<br />

assim...<br />

Imperatriz Tereza Cristina em 1861<br />

Dona Tereza Cristina lamentou-<br />

-se, então, de sua situação, por notar<br />

que se estivesse presente no salão de<br />

baile impediria o Imperador de dançar,<br />

porque ele teria que ficar ao lado<br />

dela o tempo inteiro, pois sendo<br />

manca ela não conseguia bailar.<br />

Meu bisavô disse à Imperatriz que<br />

analisara seu modo de claudicar e tinha<br />

a impressão de que havia um<br />

meio de ela equilibrar-se e dançar. E<br />

acrescentou:<br />

— Se Vossa Majestade quiser,<br />

apoie-se em meu braço e vamos tomar<br />

a posição de dança para experimentar<br />

um pouco.<br />

Ela concordou, ensaiou com ele<br />

algumas vezes e viu que dava certo.<br />

Então ela lhe disse:<br />

— Que tal se entrarmos<br />

no salão dançando os<br />

dois?<br />

Entraram, e o fato causou<br />

sensação na corte.<br />

Isso se contava na minha<br />

família. Não haverá um<br />

pouco de exagero, de lenda<br />

em tudo isso? Não tenho<br />

certeza. Minha mãe narrava<br />

o que ela tinha ouvido.<br />

Mas meu bisavô morreu,<br />

deixando os filhos muito<br />

pequenos. Até que ponto<br />

isso tinha fontes seguras?<br />

Certeza não se tem.<br />

Entretanto, o fato me<br />

parece perfeitamente provável<br />

e muito gracioso, interessante:<br />

a pobre Imperatriz<br />

valetudinária, claudicante,<br />

ter esse dia de<br />

alegria ao entrar dançando<br />

na sala, pregando uma<br />

surpresa ao Imperador e<br />

a toda a corte, e causando<br />

sensação nos meios sociais<br />

da pequena Rio de<br />

outrora. v<br />

(Extraído de conferência<br />

de 21/12/1985)<br />

14


Reflexões teológicas<br />

Wolfgang Moroder (CC3.0)<br />

Coroação de Maria - Paróquia de São Jorge, Varna, Itália<br />

Maravilhas<br />

da corte celeste<br />

O Céu pode ser comparado a uma corte maravilhosa, na<br />

qual todos os cortesãos, embora desiguais, são príncipes<br />

que, ao se encontrarem, reverenciam-se mutuamente,<br />

com todo amor. Esse convívio apraz a Deus e atrai d’Ele,<br />

durante toda a eternidade, galardões sempre novos.<br />

fá mais ou menos cômodo e um Anjo<br />

tocando violino.<br />

Compreendo que seja mais agradável<br />

do que este vale de lágrimas,<br />

mas se eu tivesse que passar uma<br />

eternidade sentado numa nuvem<br />

branca, diante de um céu azul, tocando<br />

um violino, confesso que não<br />

me sentiria atraído por esse tipo de<br />

Céu. Embora ali não se tenha abor-<br />

Sempre tive a respeito do Céu<br />

uma impressão singular. Pela<br />

Fé eu sabia ser um lugar<br />

de todas as delícias, mas quando me<br />

descreviam os deleites celestes tinha<br />

a impressão de que era uma coisa<br />

deliciosa para outro, não para mim,<br />

e que se fosse para o Céu não o sentiria<br />

delicioso como aquilo que me<br />

descreviam.<br />

Ideias que desfiguram<br />

a imagem do Céu<br />

Era um pouco a ideia apresentada<br />

por certos quadros muito legítimos,<br />

mas que, à força de se apresentar só<br />

um tipo de quadro, desfiguram um<br />

pouco a noção do Céu. Por exemplo,<br />

um céu uniformemente azul, uma<br />

nuvem branca sob a forma de um so-<br />

15


Reflexões teológicas<br />

Gabriel K.<br />

O Céu (detalhe), por Giotto<br />

Cappella degli Scrovegni, Pádua<br />

recimento nem se adoeça, não sinto<br />

que um Paraíso assim seja a pátria<br />

de minha alma.<br />

Outra noção que também me causava<br />

certa estranheza quando se falava<br />

do Céu era uma espécie de imobilidade.<br />

Porque a Doutrina Católica<br />

nos ensina que no Paraíso o homem<br />

não pode crescer em amor de Deus,<br />

e é a pura verdade. O grau de caridade<br />

com que morreu, a pessoa conserva<br />

por toda a eternidade.<br />

Há uma bonita expressão da Escritura:<br />

“Onde a árvore cair, ali ficará”<br />

(Ecl 11, 3). Assim também o homem:<br />

naquele grau de amor de Deus<br />

em que morre, ele permanece. Se falece<br />

sem amor de Deus, sabemos para<br />

onde vai... e fica ali também por<br />

toda a eternidade, no grau de maldade<br />

no qual morreu.<br />

Outra noção que também me causava<br />

certa estranheza quando se falava<br />

do Céu era uma espécie de imobilidade,<br />

onde a pessoa desfruta de<br />

toda a felicidade possível. Um lugar<br />

onde tudo e todos estão eternamente<br />

parados, olhando também imóveis<br />

para Deus. Ora, está no nosso modo<br />

de ser o movimento, a comunicação.<br />

Por isso temos certa dificuldade em<br />

compreender como possa ser atraente<br />

um Céu tão parado.<br />

Essas são algumas das vivências<br />

do Paraíso que nos levam a ter pouca<br />

esperança dos bens celestes e a sermos,<br />

portanto, pouco atraídos para<br />

o Céu.<br />

Entretanto a Escritura diz: “Medita<br />

nos teus novíssimos e não pecarás<br />

eternamente” (Eclo 7, 40). Os<br />

novíssimos são: Morte, Juízo, Céu<br />

e Inferno, ou seja, as últimas coisas<br />

que vão nos acontecer. Nós morreremos,<br />

seremos julgados, vamos para<br />

o Céu ou para o Inferno. Portanto,<br />

se não quero pecar, devo meditar<br />

nesses quatro pontos, um dos quais é<br />

o Céu. Mas ao fazê-lo deparava-me<br />

com essa e outras vivências.<br />

Então comecei a fazer um trabalho<br />

de reflexão, de análise, aproveitando<br />

trechos de livros de Santos<br />

que falavam sobre o Céu, para construir<br />

para mim mesmo uma verdadeira<br />

imagem do Paraíso celeste, vê-<br />

-lo conforme à natureza humana, a<br />

fim de que fosse mais apetecível e eu<br />

pudesse me sentir inteiramente bem<br />

nele.<br />

O gáudio de uma alma<br />

no Paraíso pode crescer<br />

Passo a tratar mais especialmente<br />

daquilo que se poderia chamar<br />

a “imobilidade no Céu”. É verdade<br />

que a felicidade de uma alma bem-<br />

-aventurada não pode ser aumentada<br />

em nenhum grau? Em sentido<br />

contrário, é verdade que a desgraça<br />

de uma alma no Inferno não pode<br />

ser acrescida em nada? Nesses destinos<br />

eternos estará tudo tão parado<br />

quanto imaginamos, ou há aumentos<br />

de intensidade de felicidade no Céu<br />

e de desgraças no Inferno?<br />

Para termos ideia e irmos construindo<br />

mentalmente essa verdadeira<br />

imagem do Céu ou do Inferno, tomo<br />

um dado indiscutível ensinado<br />

pela Doutrina Católica. Quando alguém<br />

faz um determinado ato bom<br />

ou mau, e depois de julgado vai para<br />

o Céu ou para o Inferno, conforme<br />

tenha sido esse ato ele continuará<br />

a ter repercussões no decorrer dos<br />

anos, quiçá até o fim do mundo.<br />

À medida que os séculos vão passando,<br />

do alto do Céu estamos vendo<br />

o efeito da boa ação que fizemos<br />

e recebendo um aumento de alegria<br />

por isso. Mesmo que estejamos contemplando<br />

Deus face a face, inundados<br />

de felicidade, olhando na Terra o<br />

efeito do bem que praticamos temos<br />

uma felicidade ainda maior.<br />

Principalmente se, por causa daquela<br />

obra boa, uma outra pessoa<br />

salva a alma e sobe ao Céu também.<br />

Ao vê-la chegar, temos um aumento<br />

de alegria por aquela boa ação ter<br />

atingido o auge. Por toda a eternidade<br />

é um motivo de maior contentamento<br />

olhar para aquela alma inun-<br />

16


Gabriel K.<br />

dada de felicidade e pensar: “Aquele<br />

está aqui porque Nossa Senhora<br />

se serviu de mim para trazê-lo.”<br />

Mais ainda: quem recebeu o benefício,<br />

passando perto de mim, canta:<br />

“Eu te saúdo e te agradeço! A ti devo<br />

esta felicidade.” Inclina-se diante<br />

do benfeitor e o homenageia, ambos<br />

se osculam e percorrem juntos as belezas<br />

perfeitas do Paraíso.<br />

Percebemos, assim, a felicidade<br />

que uma alma tem, a qual pode crescer<br />

pelo fato de ir multiplicando, ao<br />

longo dos tempos, o efeito da boa<br />

obra que praticou.<br />

Dou um exemplo: um livro pode<br />

produzir bons efeitos até o fim do<br />

mundo, porque vai para estantes das<br />

bibliotecas e, quando menos se pensa,<br />

alguém o lê e se beneficia com isso.<br />

Assim, se escrevi um livro e alguém<br />

o comprou, mas não o leu, esqueceu-o<br />

na estante da família, pode<br />

ser que um remoto quinto neto<br />

encontra-o no sótão da casa, lê e se<br />

converte. Por essa forma, um livro<br />

pode fazer bem até o fim do mundo,<br />

e minha alegria na eternidade é<br />

acrescida.<br />

O Paraíso - Museu Metropolitano<br />

de Nova Iorque, EUA<br />

Os precursores de Cristo com os santos e os mártires<br />

Galeria Nacional, Londres<br />

Felicidade essencial e<br />

felicidade acidental<br />

Do mesmo modo, muitos acontecimentos<br />

terrenos podem aumentar<br />

a nossa felicidade celeste. Há uma<br />

relação constante entre a Terra e o<br />

Céu, por onde as celestiais alegrias<br />

se movem de acordo com os movimentos<br />

deste mundo, e mais ou menos<br />

tudo quanto fazemos aqui está<br />

repercutindo em<br />

glória e alegria no<br />

Paraíso.<br />

Podemos nos<br />

perguntar de que<br />

natureza é esse<br />

aumento de alegria<br />

celeste. Como<br />

nos ensina o<br />

Catecismo, no Céu<br />

temos uma felicidade<br />

perfeita, tão<br />

completa quanto<br />

nossa natureza<br />

é capaz. Então,<br />

como haver um<br />

acréscimo de alegria?<br />

É o que se<br />

chama uma alegria<br />

acidental.<br />

Imaginem uma<br />

rainha casada com<br />

um rei poderosíssimo,<br />

boníssimo, junto ao qual ela<br />

goza de toda a felicidade que o estado<br />

de rainha lhe pode dar. No dia<br />

de seu aniversário, vem um grupo<br />

de camponeses dançar diante da janela<br />

de seu palácio para, por amor<br />

a ela, fazer-lhe uma homenagem. Se<br />

os camponeses não viessem, ela não<br />

deixaria de ser feliz, pois o rei é a felicidade<br />

dela. Porém a vinda desses<br />

camponeses constitui um episódio<br />

acidental que a leva a sair para o terraço<br />

e olhar comprazida para aquela<br />

manifestação de benquerença. Depois,<br />

a soberana manda servir-lhes<br />

uma mesa de doces, diz uma palavra<br />

amável para cada um e se retira deixando-os<br />

radiantes.<br />

Isso aumentou a felicidade dela?<br />

A essencial, não. Ela continua a ser<br />

a rainha, esposa do rei em quem está<br />

toda a sua felicidade. Mas acidentalmente<br />

ela teve essa alegria. Assim<br />

também as coisas da Terra repercutem<br />

no Céu.<br />

Além disso, do alto do Céu a Santíssima<br />

Trindade, Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo, Nossa Senhora, todos<br />

os Anjos e Santos, especialmente<br />

os nossos protetores, olham para o<br />

mundo e não só assistem ao desenrolar<br />

da História, mas por suas orações<br />

nos ajudam e lutam conosco.<br />

Os bem-aventurados têm um empe-<br />

Sampo Torgo (CC3.0)<br />

17


Reflexões teológicas<br />

nho enorme em acompanhar como<br />

o lumen Christi e as trevas do diabo<br />

progridem ou recuam na Terra.<br />

Isso é muito diferente do homem<br />

com o violino, sentado na nuvem.<br />

Sem dúvida, este símbolo apresenta<br />

um aspecto da realidade, mas não é<br />

toda a realidade. É preciso acrescentar<br />

esse outro lado para se ter uma<br />

noção completa.<br />

Francesco Botticini (CC3.0)<br />

Expansão da Santíssima<br />

Trindade no Coração<br />

de Nossa Senhora<br />

Se soubéssemos ver a corte celeste<br />

assim, com a possibilidade de lutar<br />

pelos que estão na Terra, com essa<br />

militância ativa em nosso favor<br />

através das orações, como sentiríamos<br />

o Céu de um modo diferente!<br />

Santa Teresinha do Menino Jesus<br />

dizia: “Vou passar meu Céu fazendo<br />

o bem na Terra”, e que só descansaria<br />

quando estivesse completo o número<br />

dos que devem ser salvos. Antes<br />

disso, continuaria a lutar e a agir<br />

na eternidade. É uma linda expressão<br />

que mostra bem como há um intercâmbio<br />

entre Céu e Terra.<br />

Entretanto alguém poderia objetar:<br />

“<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, está bem, mas quando<br />

terminar a Terra e todos estiverem<br />

no Céu, acabou-se! Então fica<br />

tudo parado.”<br />

Temos a narração de uma visão<br />

de Santa Gertrudes 1 que nos ajuda a<br />

responder a essa objeção.<br />

Um dia, como se cantava durante o<br />

Ofício de Matinas a Ave-Maria, Santa<br />

Gertrudes viu sair do Coração do Pai<br />

Celeste, do Filho e do Espírito Santo,<br />

três jatos que penetravam no Coração<br />

de Nossa Senhora, para de lá voltar à<br />

fonte que era a Santíssima Trindade.<br />

Após o poder do Pai, a sabedoria<br />

do Filho e a ternura misericordiosa do<br />

Espírito Santo, nada se compara com<br />

a ternura misericordiosa de Maria.<br />

Santa Gertrudes compreendeu na<br />

mesma ocasião que essa expansão do<br />

Coração da Santíssima Trindade no<br />

Assunção de Maria Santíssima aos<br />

Céus - Galeria Nacional, Londres<br />

Coração de Nossa Senhora se reproduz<br />

cada vez que uma alma na Terra<br />

recita devotamente a Ave-Maria.<br />

Vejam o poder de uma única Ave-<br />

-Maria bem recitada na Terra! Cada<br />

vez que num ônibus, no meio da poluição,<br />

da bagunça, dos insultos, um<br />

rapaz recita devotamente a Ave-Maria,<br />

a Santíssima Trindade, para glorificar<br />

Nossa Senhora, emite um jorro<br />

de poder, de sabedoria e de ternura<br />

em seu Imaculado Coração. E<br />

a Santíssima Virgem tem um sobressalto<br />

de alegria.<br />

A fortiori, quando um bem-aventurado<br />

no Céu elogia Nossa Senhora há um<br />

aumento de comunicação d’Ela com a<br />

Santíssima Trindade e um acréscimo<br />

acidental de gáudio, por onde se compreende<br />

como todos os que estão lá, na<br />

medida em que se amam e se relacionam<br />

uns com os outros, aumentam a<br />

comunicação de todos com Deus. Há,<br />

portanto, uma espécie de interação recíproca<br />

à qual as três Pessoas Divinas<br />

Se associam, em que todos estão continuamente<br />

agindo e Deus sem interrupção<br />

coroando essa ação.<br />

Eis a movimentação do Céu, à<br />

maneira de uma imensa, santíssima<br />

e inocentíssima política, em que todos<br />

estão se esforçando sem cansaço,<br />

deliciosamente, para aumentar o<br />

seu próprio gáudio e o dos outros, e<br />

nadam, por assim dizer, nas gentilezas<br />

e na felicidade recíprocas.<br />

18


Cântico eterno<br />

Debaixo desse ponto de vista, o<br />

Paraíso celeste poderia ser comparado<br />

a uma corte esplendidíssima, nobilíssima,<br />

perfeitíssima, onde, quando<br />

os cortesãos se encontram, inclinam-<br />

-se profundamente um diante do outro<br />

com todo o amor e se cumprimentam.<br />

Vendo isso, o rei se alegra e lhes<br />

concede um galardão. Então, eles<br />

agradecem e o monarca lhes dá uma<br />

nova recompensa. E assim se vai, pelas<br />

infinidades, de galardão em galardão,<br />

de acordo com a iniciativa de cada<br />

um, havendo sempre uma novidade<br />

e aumentando algo, sobretudo, no<br />

conhecimento de Deus.<br />

Porque o Criador é infinitamente<br />

interessante, tem uma inteligência<br />

esplendorosa, mas é meigo, afável,<br />

põe-Se de nosso tamanho. Deus tem<br />

charme e aquilo que se poderia chamar<br />

de verve. Algo exposto por Ele<br />

tem uma vida, um encanto, que nós<br />

nem podemos imaginar.<br />

Aliás, Deus não fala, propriamente,<br />

mas mostra na essência d’Ele todas<br />

as coisas. De maneira que no Criador,<br />

ao longo de toda a eternidade, estaremos<br />

vendo aspectos diferentes e nunca<br />

acabaremos de conhecê-Lo.<br />

A Santíssima Trindade é para nós<br />

uma novidade contínua. Os Anjos e<br />

Santos narram uns para os outros o que<br />

viram em Deus, pois nenhum observa<br />

exatamente o mesmo que o outro.<br />

Há, assim, um imenso e ininterrupto<br />

“jornal falado” das contínuas novidades<br />

de Deus, o qual, aliás, não é falado,<br />

mas cantado; e este é o cântico eterno<br />

do Céu que nos induz a um movimento<br />

contínuo, sem cansaço, que não precisa<br />

de repouso porque é ele próprio movimento<br />

e repouso ao mesmo tempo.<br />

Não é verdade que com isso o Céu<br />

se torna mais aprazível para nós?<br />

Então, nós podemos imaginar o<br />

Céu como uma corte, perto da qual<br />

todas as cortes da Terra não são nada.<br />

Quem não gostaria de entrar na<br />

corte de São Luís IX, ser recebido<br />

como um guerreiro vindo das Cruzadas<br />

e trazendo um espinho da coroa<br />

de Nosso Senhor de presente para<br />

o Santo monarca? Entrar a cavalo<br />

no pátio do castelo real, com uma<br />

armadura esplêndida, portando um<br />

relicário de ouro e cristal, apresentá-lo<br />

ao Rei que o recebe benignamente<br />

e ajoelha-se para oscular a relíquia.<br />

Todos os cortesãos aplaudem.<br />

Depois de termos deixado a relíquia<br />

em mãos do monarca, e tendo ele<br />

nos inundado com seu sorriso e sua<br />

grandeza e nos concedido títulos,<br />

passamos pelas filas dos cortesãos<br />

que nos cumprimentam e nos admitem<br />

como um deles. Quem não gostaria<br />

de passar por essa cena? Pois<br />

bem, isto é um exílio cheio de penumbra<br />

em comparação com o Céu!<br />

Por aí podemos ter uma ideia da<br />

corte celeste; é simplesmente toda<br />

maravilhosa, onde todos são desiguais,<br />

mas na qual só há príncipes; e<br />

todos nós somos chamados para um<br />

principado dessa natureza.<br />

Aqui está uma meditação sobre o<br />

Céu, para tentar ajudá-los a desejarem<br />

conquistá-lo. <br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

11/5/1974)<br />

1) Não dispomos dos dados bibliográficos<br />

desta citação.<br />

19


Denúncia profética<br />

Não tratemos os<br />

lobos como<br />

ovelhas perdidas<br />

A imitação perfeita de Nosso Senhor<br />

não consiste apenas na doçura e na<br />

suavidade, mas na energia contra os que<br />

são maus. O Divino Mestre se mostrou<br />

perfeito e adorável tanto quando acolhia<br />

com perdão inefavelmente doce um<br />

pecador, quanto quando castigava com<br />

linguagem violenta os fariseus. Assim<br />

também procederam os Santos.<br />

Flávio Lourenço<br />

20<br />

ADoutrina de Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo está cheia de<br />

verdades aparentemente antagônicas<br />

que, entretanto, examinadas<br />

com atenção, longe de reciprocamente<br />

se desmentirem, reciprocamente se<br />

completam formando uma harmonia<br />

verdadeiramente maravilhosa.<br />

Justiça e bondade divinas<br />

É este o caso, por exemplo, da<br />

aparente contradição entre a justiça<br />

e a bondade divinas. Deus é ao<br />

mesmo tempo infinitamente justo e<br />

infinitamente misericordioso. Sempre<br />

que para compreendermos bem<br />

uma destas perfeições fecharmos<br />

os olhos à outra, teremos caído em<br />

grave erro.<br />

O Bom Pastor<br />

Convento de Santa<br />

Paula, Sevilha, Espanha<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo deu,<br />

em sua vida terrena, admiráveis provas<br />

de sua doçura e de sua severidade.<br />

Não pretendamos “corrigir” a<br />

personalidade de Nosso Senhor segundo<br />

a pequenez de nossas vistas, e<br />

fechar os olhos à suavidade para melhor<br />

nos edificarmos com a justiça<br />

do Salvador; ou, pelo contrário, fazermos<br />

abstração de sua justiça pa-<br />

Chris Muiden (CC3.0)


Flávio Lourenço<br />

Jesus tomando refeição na casa do fariseu Simão - Palácio de Versailles<br />

ra melhor compreendermos sua infinita<br />

compaixão para com os pecadores.<br />

Nosso Senhor se mostrou perfeito<br />

e adorável tanto quando acolhia com<br />

perdão inefavelmente doce Maria<br />

Madalena, quanto quando castigava<br />

com linguagem violenta os fariseus.<br />

Não arranquemos do Santo Evangelho<br />

quaisquer destas páginas. Saibamos<br />

compreender e adorar as perfeições<br />

de Nosso Senhor como elas<br />

se revelam em um e outro episódio.<br />

E compreendamos enfim que a imitação<br />

de Nosso Senhor Jesus Cristo<br />

por nós só será perfeita no dia em<br />

que soubermos não apenas perdoar,<br />

consolar e afagar, mas ainda no dia<br />

em que soubermos flagelar, denunciar<br />

e fulminar como Nosso Senhor.<br />

Há muitos católicos que consideram<br />

os episódios do Evangelho, em<br />

que aparece o santo furor do Messias<br />

contra a ignomínia e a perfídia<br />

dos fariseus, como coisas indignas de<br />

imitação. É ao menos o que se depreende<br />

do modo com que eles consideram<br />

o apostolado. Falam sempre<br />

em doçura e procuram sempre imitar<br />

essa virtude de Nosso Senhor.<br />

Que Deus os abençoe por isto. Mas<br />

por que não procuram eles imitar as<br />

outras virtudes de Nosso Senhor?<br />

Consideração unilateral<br />

das parábolas<br />

Muito frequentemente, quando<br />

se propõe em matéria de apostolado<br />

um ato de energia qualquer, a resposta<br />

invariável é de que é preciso<br />

proceder com muita brandura “a fim<br />

de não afastar ainda mais os transviados”.<br />

Poder-se-á sustentar que os<br />

atos de energia têm sempre o invariável<br />

efeito de “afastar ainda mais os<br />

transviados”? Poder-se-ia sustentar<br />

que Nosso Senhor, quando dirigiu<br />

aos fariseus suas invectivas candentes,<br />

fê-lo com a intenção de “afastar<br />

ainda mais aqueles transviados”?<br />

Ou porventura se deveria supor que<br />

Nosso Senhor não sabia ou não se<br />

preocupava com o efeito “catastrófico”<br />

que suas palavras causariam aos<br />

fariseus? Quem ousaria admitir tal<br />

blasfêmia contra a Sabedoria Encarnada,<br />

que foi Nosso Senhor?<br />

Deus nos livre de preconizar o uso<br />

de energia e dos processos violentos<br />

como único remédio para as almas.<br />

Deus nos livre também, entretanto,<br />

de proscrever estes remédios heroicos<br />

de nossos processos de apostolado.<br />

Há circunstâncias em que se deve<br />

ser suave, e circunstâncias em que<br />

se deve ser santamente violento. Ser<br />

suave quando as circunstâncias exigem<br />

violência, ou ser violento quando<br />

as circunstâncias exigem suavidade,<br />

há nisto sempre um grave mal.<br />

Toda esta ordem de ideias unilateral<br />

que vimos denunciando decorre<br />

de uma consideração também unilateral<br />

das parábolas. Há muita gente<br />

que faz da parábola da ovelha perdida<br />

a única do Evangelho. Ora, há<br />

Expulsão dos vendilhões do Templo - Museu<br />

de Belas Artes, Arras, França<br />

Flávio Lourenço<br />

21


Denúncia profética<br />

nisto um erro gravíssimo que não<br />

queremos deixar de denunciar.<br />

Nosso Senhor não nos fala somente<br />

em ovelhas perdidas que o<br />

pastor vai buscar pacientemente no<br />

fundo dos abismos, ensanguentadas<br />

pelos espinhos em que lamentavelmente<br />

se feriram. Nosso Senhor nos<br />

fala também em lobos rapaces, que<br />

circundam constantemente o redil,<br />

à espreita de uma ocasião para nele<br />

se introduzirem disfarçados com peles<br />

de ovelhas. Ora, se é admirável<br />

o pastor que sabe carregar aos ombros<br />

com ternura a ovelha perdida,<br />

o que dizer do pastor que abandona<br />

suas ovelhas fiéis para ir buscar ao<br />

longe um lobo disfarçado de ovelha,<br />

que toma o lobo aos ombros amorosamente,<br />

abre ele próprio as portas<br />

do redil e com suas mãos pastorais<br />

coloca entre as ovelhas o lobo voraz?<br />

Quantos católicos, entretanto, se<br />

dessem aplicação efetiva aos princípios<br />

de apostolado unilateral que<br />

professam, agiriam exatamente assim!<br />

Energia contra os maus<br />

Para que se compreenda melhor<br />

que a imitação perfeita de Nosso Senhor<br />

não consiste apenas na doçura<br />

e na suavidade, mas ainda na energia,<br />

citaremos alguns episódios ou<br />

algumas frases de certos Santos. O<br />

Santo é aquele que a Igreja declarou,<br />

com autoridade infalível, ser um<br />

imitador perfeito de Nosso Senhor.<br />

Como imitaram os Santos a Nosso<br />

Senhor? Vejamos.<br />

Santo Inácio de Antioquia, mártir<br />

do século segundo, escreveu várias<br />

cartas a diversas Igrejas, antes de ser<br />

martirizado. Nelas ocorrem, sobre<br />

os hereges, expressões como estas:<br />

“bestas ferozes” (Efésios 7); “lobos<br />

rapaces” (Filadélfios 2, 2); “cães danados<br />

que atacam traiçoeiramente”<br />

(Efésios 7); “bestas com rosto de homens”<br />

(Esmirnenses 4, 1); “ervas do<br />

diabo” (Efésios 10, 1); “plantas parasitas<br />

que o Pai não plantou” (Tralianos<br />

11); “plantas destinadas ao fogo<br />

eterno” (Efésios 16, 2).<br />

Este modo de tratar os hereges,<br />

como se vê, seguia de perto os<br />

exemplos de São João Batista que<br />

aos escribas e fariseus chamava de<br />

“raça de víboras”, e de Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo que aos mesmos<br />

Samuel Holanda<br />

22<br />

Jesus discute com os fariseus - Museu do Prado, Madri


apelidava de “hipócritas” e “sepulcros<br />

caiados”.<br />

Assim também procederam os<br />

apóstolos. Refere Santo Irineu, mártir<br />

do século segundo e discípulo de<br />

São Policarpo, o qual por sua vez fora<br />

discípulo de São João Evangelista,<br />

que certa vez indo o apóstolo aos banhos,<br />

retirou-se sem se lavar, pois aí<br />

vira Corinto, herege que negava a divindade<br />

de Jesus Cristo, com receio,<br />

dizia, de que o prédio viesse abaixo,<br />

pois nele se encontrava um inimigo<br />

da verdade. O mesmo São Policarpo,<br />

encontrando-se um dia com Marcião,<br />

herege docetista, e perguntando-lhe<br />

este se o conhecia, respondeu<br />

o Santo: “Sem dúvida, és o primogênito<br />

de satanás!”<br />

Aliás, nisto seguiam o conselho<br />

de São Paulo: “Ao herege, depois de<br />

uma e duas advertências, evita, pois<br />

que já é perverso e condena-se por si<br />

mesmo” (Tt 3, 10-11).<br />

O mesmo São Policarpo, se casualmente<br />

se encontrasse com um herege,<br />

tapava os ouvidos e exclamava:<br />

“Deus de bondade, porque me conservaste<br />

na Terra a fim de que eu suportasse<br />

tais coisas?” E fugia imediatamente<br />

para evitar semelhante<br />

companhia.<br />

No século IV, narra Santo Atanásio<br />

que Santo Antão eremita chamava<br />

nos discursos os hereges de “venenos<br />

piores do que o das serpentes”.<br />

Artigo da Civiltà Cattolica<br />

E, em geral, este é o modo como<br />

os Santos Padres tratavam os hereges,<br />

como se pode ver em um artigo<br />

publicado na Civiltà Cattolica, periódico<br />

fundado por Sua Santidade Pio<br />

IX, e confiado aos padres jesuítas de<br />

Roma. Nesse artigo citam-se vários<br />

exemplos que transcreverei:<br />

“São Tomás de Aquino, apresentado<br />

às vezes como invariavelmente<br />

pacífico para com seus inimigos,<br />

numa das suas primeiras polêmicas<br />

com Guilherme de Santo Amor,<br />

que ainda não estava condenado pe-<br />

la Igreja, assim o trata<br />

e aos seus sequazes:<br />

‘inimigos de Deus, ministros<br />

do diabo, membros<br />

do Anticristo, inimigos<br />

da salvação do gênero<br />

humano, difamadores,<br />

semeadores de blasfêmias,<br />

réprobos, perversos,<br />

ignorantes, iguais ao<br />

Faraó, piores que Joviniano<br />

e Vigilâncio (hereges<br />

que negavam a virgindade<br />

de Nossa Senhora)’.<br />

São Boaventura a<br />

um seu contemporâneo<br />

Geraldo chamava: ‘protervo,<br />

caluniador, louco,<br />

envenenador, ignorante,<br />

embusteiro, malvado, insensato,<br />

pérfido’.<br />

“O melífluo São Bernardo<br />

a respeito de Arnaldo<br />

de Brescia, que levantou<br />

cisma contra o<br />

clero e os bens eclesiásticos,<br />

disse: ‘desordenado,<br />

vagabundo, impostor, vaso de ignomínia,<br />

escorpião vomitado de Brescia,<br />

visto com horror em Roma, com<br />

abominação na Alemanha, desdenhado<br />

pelo Romano Pontífice, louvado<br />

pelo diabo, obrador de iniquidades,<br />

devorador do povo, boca cheia<br />

de maldição, semeador de discórdias,<br />

fabricador de cismas, lobo feroz’.<br />

“Mais antigamente, São Gregório<br />

Magno, repreendendo a João, Bispo<br />

de Constantinopla, lança-lhe em<br />

rosto seu profano e nefando orgulho,<br />

sua soberba de Lúcifer, suas palavras<br />

néscias, sua vaidade, a escassez<br />

de sua inteligência.<br />

“Nem de outra maneira falaram<br />

os Santos Fulgêncio, Próspero, Jerônimo,<br />

Sirício Papa, João Crisóstomo,<br />

Ambrósio, Gregório Nazianzeno,<br />

Basílio, Hilário, Atanásio, Alexandre,<br />

Bispo de Alexandria, os santos<br />

mártires Cornélio e Cipriano,<br />

Antenágoras, Irineu, Policarpo, Inácio<br />

Mártir, Clemente, enfim todos os<br />

Papa Pio IX em 1878<br />

Padres da Igreja que se distinguiram<br />

por sua heroica virtude.<br />

“Se se quiser saber quais as normas<br />

que dão os Doutores e teólogos<br />

da Igreja para as polêmicas com<br />

os hereges, leia-se o que traz o suave<br />

São Francisco de Sales, na Filotea,<br />

cap. XX da parte II: ‘Os inimigos declarados<br />

de Deus e da Igreja devem<br />

ser difamados tanto quanto se possa<br />

(desde que não se falte à verdade),<br />

sendo obra de caridade gritar: Eis o<br />

lobo! quando está entre o rebanho,<br />

ou em qualquer lugar onde seja encontrado.’”<br />

Até aqui citações do artigo da Civiltà<br />

Cattolica, vol. I, ser. V, p. 27.<br />

Se publicássemos contra os modernos<br />

inimigos da Igreja apenas a<br />

metade do que ficou dito, que protestos,<br />

entretanto, teríamos de ouvir!<br />

v<br />

(Extraído de O Legionário n. 472,<br />

28/9/1941)<br />

Sconosciuto (CC3.0)<br />

23


Flávio Lourenço<br />

C<br />

alendário<br />

1. Solenidade de Todos os Santos.<br />

Beato Rainério de Arezzo, religioso<br />

(†1304). Religioso franciscano, admirável<br />

por sua humildade, pobreza e<br />

paciência. Faleceu em Sansepolcro.<br />

2. Comemoração de Todos os Fiéis<br />

defuntos.<br />

Santo Ambrósio, abade (†c. 520).<br />

Transferido como abade para o mosteiro<br />

de Saint-Maurice-en-Valais, Suíça,<br />

estabeleceu ali a prática do louvor<br />

perpétuo.<br />

3. São Martinho de Porres, religioso<br />

(†1639).<br />

Santa Sílvia (†s. VII). Mãe do Papa<br />

São Gregório Magno, que segundo<br />

o mesmo Pontífice, atingiu o mais alto<br />

grau de oração e penitência.<br />

São Rafael de São José Kalinowski<br />

dos Santos – ––––––<br />

4. São Carlos Borromeu, bispo<br />

(†1584).<br />

São Félix de Valois, religioso<br />

(†1212). Ver página 26.<br />

5. Beato Bernardo Lichtenberg, presbítero<br />

e mártir (†1943). Pároco da Catedral<br />

de Berlim, orava publicamente pelos<br />

judeus torturados e detidos. Por isso<br />

foi enviado ao campo de concentração<br />

de Dachau, Alemanha, e morreu na viagem,<br />

após muito sofrimento.<br />

6. Santo Estêvão, bispo (†1046).<br />

Destacou-se por sua mansidão. Organizou<br />

duas peregrinações a Jerusalém<br />

e reconstruiu a catedral de sua diocese,<br />

Apt, França.<br />

7. Beato Antônio Baldinucci, presbítero<br />

(†1717). Jesuíta que se dedicou<br />

totalmente à pregação das missões<br />

populares na Itália.<br />

8. XXXII Domingo do Tempo Comum.<br />

Beato João Duns Escoto, presbítero<br />

(†1308). Sacerdote franciscano<br />

oriundo da Escócia. Ensinou as disciplinas<br />

filosóficas em Cambridge,<br />

Oxford, Paris e Colônia, onde faleceu.<br />

9. Dedicação da Basílica do Latrão.<br />

Beata Elizabeth da Trindade Catez,<br />

virgem (†1906). Procurou desde<br />

criança, no íntimo do coração, o conhecimento<br />

e a contemplação da Santíssima<br />

Trindade. Faleceu aos 26 anos<br />

no Carmelo de Dijon, França.<br />

10. São Leão Magno, Papa e Doutor<br />

da Igreja (†461).<br />

São Justo de Cantuária, bispo<br />

(†c. 627). Religioso beneditino enviado<br />

por São Gregório Magno à Inglaterra<br />

para ajudar Santo Agostinho na<br />

evangelização.<br />

11. São Martinho de Tours, bispo<br />

(†397).<br />

São Teodoro Estudita, religioso<br />

(†826). Abade do Mosteiro de Studion,<br />

Santo Alberto de Lovaina<br />

Constantinopla, que foi escola de sábios,<br />

santos e mártires das perseguições<br />

dos iconoclastas.<br />

12. São Josafá, bispo e mártir<br />

(†1623).<br />

São Margarito Flores García, presbítero<br />

e mártir (†1927). Por ser sacerdote<br />

foi preso e fuzilado em Tuliman,<br />

México.<br />

13. Beatos Pedro Vicev, Paulo Dzidzov<br />

e Josafat Siskov, presbíteros e<br />

mártires (†1952). Religiosos da Congregação<br />

dos Agostinhos da Assunção,<br />

foram aprisionados e fuzilados em Sófia,<br />

acusados de espionagem por um<br />

regime inumano e hostil à Religião.<br />

Flávio Lourenço<br />

24


–––––––––––––– * Novembro * ––––<br />

14. Santo Estêvão Teodoro Cuénot,<br />

bispo e mártir (†1861). Bispo da Sociedade<br />

das Missões Estrangeiras de<br />

Paris, martirizado em Binh Dinh, Vietnã,<br />

após vinte e cinco anos de trabalho<br />

apostólico.<br />

15. XXXIII Domingo do Tempo<br />

Comum.<br />

Santo Alberto Magno, bispo e<br />

Doutor da Igreja (†1280).<br />

São Rafael de São José Kalinowski,<br />

presbítero (†1907). Recuperada a liberdade<br />

após muitos anos de trabalhos<br />

forçados na Sibéria, ingressou na Ordem<br />

Carmelita em Wadowice, Polônia.<br />

16. Santa Margarida da Escócia,<br />

rainha (†1093).<br />

Santa Gertrudes, virgem (†1302).<br />

Santa Inês de Assis, virgem<br />

(†1253). Irmã de Santa Clara, foi viver<br />

junto a ela no convento de São<br />

Damião e ajudou-a na consolidação e<br />

expansão da Ordem.<br />

17. Santa Isabel da Hungria, religiosa<br />

(†1231).<br />

Santo Hugo de Novara, abade<br />

(†s. XII). Enviado por São Bernardo<br />

de Claraval, estabeleceu a Ordem<br />

Cisterciense na Sicília e na Calábria,<br />

Itália.<br />

18. Dedicação das Basílicas de São<br />

Pedro e São Paulo, Apóstolos.<br />

Beata Carolina Kózka, virgem e mártir<br />

(†1914). Por defender sua castidade<br />

ameaçada por um soldado, foi atravessada<br />

por uma espada em Wal-Ruda, Polônia,<br />

morrendo ainda adolescente.<br />

19. Santos Roque González, Afonso<br />

Rodríguez e João del Castillo, presbíteros<br />

e mártires (†1628).<br />

Santo Abdias, profeta. Depois do<br />

exílio do povo de Israel, anunciou a ira<br />

do Senhor contra os povos inimigos.<br />

peregrino. Morreu em Constantinopla,<br />

onde lutou pelo culto das imagens<br />

sagradas.<br />

21. Apresentação de Nossa Senhora.<br />

São Gelásio I, Papa (†496). Ilustre<br />

por sua doutrina e santidade. Morreu<br />

em extrema pobreza, devido à caridade<br />

com que socorreu as carências dos<br />

indigentes.<br />

22. Solenidade de Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo, Rei do Universo.<br />

Santa Cecília, virgem e mártir<br />

(†s. inc.).<br />

São Filêmon de Colossos (†s. I).<br />

Na carta a ele destinada, o Apóstolo<br />

das Gentes elogia sua fé e seu amor a<br />

Cristo. Junto com ele é venerada sua<br />

esposa Santa Ápia.<br />

23. São Clemente I, Papa e mártir<br />

(†s. I).<br />

São Columbano, abade (†615).<br />

Santa Cecília Yu So-sa, mártir<br />

(†1839). Sendo viúva, foi privada de seus<br />

bens, presa e sujeita doze vezes a interrogatórios.<br />

Exausta pelos suplícios do espancamento,<br />

morreu em Seul, Coreia.<br />

24. Santo André Dung-Lac, presbítero,<br />

e companheiros, mártires (†1625-<br />

1886).<br />

Santo Alberto de Lovaina, bispo e<br />

mártir (†1192). Foi exilado por defender<br />

a Igreja e assassinado em Reims,<br />

França, no mesmo ano em que foi ordenado<br />

Bispo de Liège, atual Bélgica.<br />

25. Santa Catarina de Alexandria,<br />

virgem e mártir (†s. inc.).<br />

26. São Leonardo de Porto Maurício,<br />

presbítero (†1751). Sacerdote franciscano,<br />

empregou quase toda a sua vida<br />

na pregação, na publicação de livros<br />

de piedade e em mais de trezentas<br />

missões pregadas em Roma, na ilha da<br />

Córsega e por toda a Itália setentrional.<br />

lo Rei Pepino, foi nomeado para dirigir<br />

a Igreja de Salzburgo, Áustria.<br />

Construiu a Catedral de São Ruperto.<br />

28. Santa Teodora, abadessa (†980).<br />

Discípula de São Nilo, o Jovem, e mestra<br />

de vida monástica, perto de Rossano,<br />

Itália.<br />

29. I Domingo do Advento.<br />

São Tiago de Sarug, bispo (†521). É<br />

venerado pelos sírios como doutor e coluna<br />

da Igreja, junto com Santo Efrém.<br />

30. Santo André, Apóstolo.<br />

São José Marchand, presbítero e<br />

mártir (†1875). Sacerdote da Sociedade<br />

das Missões Estrangeiras de Paris,<br />

que no tempo do Imperador Minh<br />

Mang, foi condenado ao suplício dos<br />

cem açoites em Hué, Vietnã.<br />

Flávio Lourenço<br />

20. São Gregório Decapolita, monge<br />

(†842). Foi cenobita, anacoreta e<br />

27. São Virgílio, bispo (†784). Irlandês<br />

de grande cultura, apoiado pe-<br />

Santo Afonso Rodríguez<br />

25


Hagiografia<br />

Flávio Lourenço<br />

Cantou com<br />

Nossa Senhora<br />

e os Anjos<br />

São Félix de Valois - Santuário<br />

de Nuestra Señora de la<br />

Fuensanta - Murcia, Espanha<br />

No convento do qual São Félix de<br />

Valois era Superior, certa madrugada<br />

um irmão esqueceu de soar Matinas. O<br />

varão de Deus foi, então, ao coro para<br />

fazer os arranjos necessários e viu Nossa<br />

Senhora sentada num trono magnífico,<br />

e os Anjos nas estalas. Todos trajavam<br />

o hábito de sua Ordem e começaram a<br />

cantar. Com serenidade, ele mesclou o<br />

seu canto com aquelas vozes celestes.<br />

São Félix de Valois, da família<br />

real francesa, fundou com São<br />

João da Matha a Ordem dos<br />

Trinitários para resgate dos cativos.<br />

O modo em que viviam e eram tratados<br />

os cativos nos explica bem porque<br />

uma Ordem religiosa foi fundada especialmente<br />

para essa finalidade.<br />

Libertar os cativos visava<br />

resgatar principalmente<br />

os irmãos na Fé<br />

Um reino maometano não era,<br />

propriamente, um Estado organizado<br />

como nós o concebemos. Quem vê<br />

aqueles palácios, como Alhambra por<br />

exemplo, pensa que moravam ali reis<br />

com um mínimo de decência da praxe<br />

inerente a todo Estado organizado,<br />

com uma sucessão dinástica regular.<br />

Ora, na realidade, tratava-se de<br />

uma espécie de Estado-bandido vivendo,<br />

como os bárbaros, numa luta<br />

habitual de saques e pilhagens contra<br />

quem não fosse eles, e muitas vezes<br />

contra eles mesmos também.<br />

De maneira que cada um daqueles<br />

reinos, como o de Granada, não<br />

possuía uma verdadeira elite e cons-<br />

tituía, até certo ponto, uma espécie<br />

de antro de bandidos que viviam de<br />

pirataria no mar e em terra, roubando<br />

como uma fonte habitual de renda<br />

e apoderando-se de cativos como<br />

um modo costumeiro de conquistar<br />

mão de obra e de incutir terror no<br />

adversário.<br />

Notem o paralelismo: do lado católico<br />

o prisioneiro de guerra era<br />

muito melhor tratado do que do lado<br />

muçulmano. Assim, quando estavam<br />

em guerra, os católicos lutavam<br />

em inferioridade de condições, porque<br />

os mouros tinham menos medo<br />

26


de ser presos do que os cristãos, os<br />

quais, se fossem capturados, seriam<br />

pessimamente tratados ao chegarem<br />

à zona maometana. Por vezes, prisioneiros<br />

importantes eram desfigurados,<br />

horrorosamente maltratados,<br />

mortos e, com muita frequência, corrompidos<br />

moralmente. Era, portanto,<br />

uma situação miserável também<br />

do ponto de vista moral.<br />

Então, a ideia de libertar os cativos<br />

visava resgatar os irmãos na raça,<br />

mas principalmente os irmãos na Fé.<br />

Era muito mais para salvar dos perigos<br />

da alma do que dos tremendos<br />

riscos do corpo. Pairava em toda a<br />

população uma preocupação: a perdição<br />

eterna daqueles que tinham sido<br />

aprisionados pelos maometanos.<br />

Miséria do<br />

mundo atual:<br />

pactuar com<br />

os regimes<br />

perseguidores<br />

dos católicos<br />

Muitas vezes, libertar<br />

os cativos era uma<br />

das razões das expedições<br />

católicas contra os<br />

muçulmanos. Os cristãos<br />

que delas participavam<br />

punham em risco<br />

suas vidas, sua liberdade<br />

e, de algum modo,<br />

sua própria salvação<br />

eterna, porque também<br />

eles podiam ser presos<br />

ao tentarem resgatar<br />

seus irmãos na Fé.<br />

Havia alguns que<br />

não partiam em expedição,<br />

mas pediam esmolas<br />

para pagar o resgate<br />

dos cativos. Enfim, trabalhava-se<br />

constantemente<br />

com essa intenção<br />

de libertar os cristãos<br />

capturados pelos<br />

mouros.<br />

A ideia de que uma parte da Cristandade<br />

estava sujeita ao regime pagão,<br />

a todos os sofrimentos e perigos<br />

do cativeiro entre os pagãos, gerava<br />

nos católicos uma imensa compaixão,<br />

um enorme zelo pela salvação<br />

daquelas almas, um grande senso<br />

de honra cristã.<br />

Como sempre aconteceu na História<br />

da Igreja, quando há uma grande<br />

necessidade da Esposa Mística de<br />

Cristo a Providência suscita uma Ordem<br />

religiosa para socorrê-la, a qual é,<br />

ao mesmo tempo, uma família de almas<br />

e um instrumento de ação novo.<br />

São Félix de Valois surgiu, portanto,<br />

como um dos Santos que encarnaram<br />

esse ideal, que sentia o problema<br />

com toda a energia das graças<br />

Missa da Fundação da Ordem dos Trinitários<br />

Museu do Louvre, Paris<br />

sobrenaturais que ele recebeu para<br />

isso e, por assim dizer, polarizou essa<br />

preocupação disseminada por todo<br />

o corpo social, chamando a si o<br />

encargo da fundação dessa Ordem.<br />

A Ordem da Santíssima Trindade<br />

tornou-se famosa e realizou um trabalho<br />

prodigioso, atuando até o fim<br />

do século XVIII. As nações árabes<br />

do Norte da África perderam qualquer<br />

possibilidade de fazer novos<br />

cativos, e essa Ordem religiosa encheu-se<br />

de glória.<br />

Chamo a atenção para o contraste<br />

entre a atitude dos católicos do tempo<br />

de São Félix de Valois em face<br />

dos cativos, e a indiferença reinante<br />

em nossos dias diante dos milhares<br />

de católicos que sofrem perseguição<br />

– muitas vezes tão brutal<br />

como outrora – por<br />

quererem permanecer<br />

fiéis à sua Fé.<br />

Quase ninguém se<br />

incomoda com isso.<br />

Não se tem zelo nem<br />

vontade de combater.<br />

Pior ainda, há uma espécie<br />

de apetência de<br />

ceder, de pactuar com<br />

os regimes que promovem<br />

essa perseguição.<br />

Compreendemos, então,<br />

a miséria que se<br />

apoderou da Cristandade.<br />

Louvre (CC3.0)<br />

Ressuscitou um<br />

jovem príncipe<br />

A respeito de São<br />

Félix de Valois, temos<br />

os seguintes dados biográficos<br />

extraídos do<br />

livro Vida dos Santos,<br />

do Abbé Daras:<br />

São Félix de Valois<br />

foi grande por seu nascimento<br />

e maior ainda<br />

por suas virtudes. Seu<br />

pai era Conde de Vermandois<br />

e de Valois,<br />

27


Hagiografia<br />

filho do Duque de França e neto de<br />

Henrique I, Rei de França. Sua mãe<br />

era filha de Thibaud III, chamado o<br />

Grande, Conde de Blois e de Champagne.<br />

Quando de sua gestação, sua mãe<br />

fez uma novena a São Hugo, Bispo<br />

de Rouen. No último dia da novena,<br />

estando de joelhos diante do altar do<br />

santo prelado, ela adormeceu e viu<br />

em sonho a Bem-aventurada Virgem<br />

Maria segurando seu Divino Filho em<br />

seus braços. Ao seu lado estava uma<br />

outra criança, bela e graciosa. Nosso<br />

Senhor levava uma cruz nos ombros,<br />

e a outra criança segurava uma coroa<br />

de flores nas mãos. Então fizeram<br />

uma troca: Nosso Senhor deu sua cruz<br />

à criança, que Lhe entregou a coroa.<br />

A princesa procurava entender o<br />

sentido da visão quando São Hugo<br />

apareceu e lhe disse: “Esta criança<br />

que tu não conhecias é teu filho, que<br />

trocará as flores-de-lis de França pela<br />

cruz de Jesus Cristo, e ele a dividirá<br />

contigo para que ambos se assemelhem<br />

a Jesus Crucificado.”<br />

Com efeito, o menino dividiu a cruz<br />

em duas partes, dando uma a sua mãe<br />

e guardando outra consigo.<br />

Após a morte de sua mãe, São Félix<br />

foi chamado à corte onde tomou<br />

a cruz para acompanhar o rei numa<br />

Cruzada. Um dia em que se exercitava<br />

num torneio com o príncipe, este<br />

caiu do cavalo vindo a falecer. O<br />

Santo correu ao local, tomou a mão<br />

do cadáver e lhe disse: “Em nome<br />

da Trindade Santa, levanta-te!” No<br />

mesmo instante, o jovem levantou-se<br />

curado.<br />

União da coragem militar<br />

à modéstia do religioso<br />

Durante a Cruzada, São Félix deu<br />

mostras do seu valor e virtude. Mantinha,<br />

no meio do campo de luta, a vida<br />

austera de Claraval, unindo ao ardor<br />

e coragem militar a modéstia e<br />

discrição do religioso. Distinguiu-se<br />

em todas as batalhas das quais tomou<br />

parte e, quando voltou a Paris, quis se<br />

dar a Deus.<br />

Embora fosse um dos mais próximos<br />

herdeiros do rei, trocou realmente<br />

a flor-de-lis pela cruz e fez-se religioso.<br />

Após a fundação da Ordem dos<br />

Trinitários para a redenção dos cativos,<br />

São Félix foi encarregado da direção<br />

de um convento. Instruídos por<br />

sua palavra e seus exemplos, os religiosos<br />

levavam vida exemplar, de tal<br />

forma que a Santíssima Virgem e os<br />

Anjos dignaram-se honrar com sua<br />

presença esse mosteiro.<br />

Em certa véspera da natividade de<br />

Nossa Senhora, tendo o sacristão esquecido<br />

de soar as Matinas, São Félix<br />

desceu ao coro para preparar o que<br />

era necessário. Mas ele já o encontrou<br />

ocupado pelos Anjos, vestidos com o<br />

hábito de sua Ordem. A Santíssima<br />

Virgem, também de hábito, sentada<br />

sobre um trono, presidia essa assembleia.<br />

Parecia que esperavam o Santo<br />

para começar as Matinas, porque logo<br />

que este entrou a Santíssima Virgem<br />

entoou a antífona, a qual foi continuada<br />

pelos Anjos com uma harmonia<br />

incomparável. E São Félix cantou<br />

com os Anjos. Quando a visão desapareceu,<br />

ficou em sua face extraordinário<br />

esplendor.<br />

A Santíssima Virgem<br />

entoou a antífona<br />

Que cena maravilhosa! Um convento<br />

com tanto fervor, onde se dá<br />

Er Komandante (CC3.0)<br />

Alhambra, Granada<br />

28


tal glória a Deus que, num dia, por<br />

um desígnio divino, um irmão esquece<br />

de soar Matinas e a Providência<br />

faz isso para operar uma maravilha<br />

maior!<br />

Os Anjos vestidos de religiosos<br />

enchem as estalas do coro, Nossa Senhora,<br />

sentada num trono magnífico,<br />

entoa a antífona e todos os espíritos<br />

celestes cantam! São Félix de<br />

Valois chega ali e, em vez de se espantar<br />

e perder a cabeça, mistura o<br />

seu canto com o dos Anjos e da Santíssima<br />

Virgem!<br />

Esse foi um ponto-ápice da vida<br />

desse príncipe, toda ela constante de<br />

uma série de fatos tão bonitos que<br />

davam para se fazer com eles um<br />

verdadeiro colar constituído de placas<br />

de esmalte, em que cada uma reproduzisse<br />

um desses episódios. Teríamos,<br />

assim, um dos mais belos colares<br />

da História, de tal maneira essa<br />

vida é maravilhosa.<br />

Deparamo-nos, nesta narração,<br />

com o mistério da predestinação.<br />

Antes de o príncipe nascer, a Providência<br />

tinha resolvido fazer dele<br />

uma verdadeira maravilha. Donde<br />

aquele sonho admirável que sua<br />

mãe teve, no qual aparece o príncipe,<br />

o Menino Jesus e Nossa Senhora,<br />

e as relações que haveria entre o Divino<br />

Infante e São Félix são explicadas<br />

para a mãe.<br />

Mais tarde vemo-lo como lutador,<br />

como grande guerreiro, e depois<br />

como religioso que renuncia a<br />

todas as coisas da Terra para se ocupar<br />

só com a Ordem religiosa. Afinal<br />

de contas, essa espécie de glorificação<br />

na Terra, que é a entrada de<br />

Maria Santíssima e dos Anjos no seu<br />

convento para junto com ele glorificarem<br />

a Deus.<br />

O Reino de Maria será mil<br />

vezes mais esplendoroso<br />

De cada uma dessas coisas se poderia<br />

fazer uma iluminura ou um esmalte<br />

maravilhoso, constituindo-se<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1964<br />

uma biografia das mais bonitas que<br />

se possa conceber.<br />

Em última análise, essa biografia<br />

significa o seguinte: a Idade Média<br />

dando muita glória a Nossa Senhora<br />

que, contente com essa era histórica,<br />

multiplica os prodígios para manifestar<br />

o quanto Ela estava satisfeita.<br />

Este é um desses gêneros de prodígios<br />

em série, feitos para exprimir<br />

a alegria de Maria Santíssima.<br />

Devemos nos deter embevecidos<br />

na contemplação desses fatos, porque<br />

assim compreendemos o que é<br />

a misericórdia de Deus e de quantos<br />

esplendores a Civilização Cristã<br />

é capaz. Se esses episódios se passaram<br />

na Idade Média, que maravilhas<br />

veremos no Reino de Maria, o qual<br />

vai ser ainda superior àquela era histórica?<br />

Assim, compreendemos que todo<br />

suor, sangue e lágrimas que vertemos<br />

atualmente para instaurar o<br />

Reino de Maria na Terra, estão muito<br />

bem recompensados. Quando<br />

contemplarmos essa época histórica<br />

vindoura e descobrirmos coisas ainda<br />

mais bonitas que as de outrora,<br />

e pensarmos que a Providência quis<br />

servir-Se de nós a fim de fazer cessar<br />

estes horrores contemporâneos<br />

para vir a era dessas maravilhas, então<br />

poderemos dizer, parafraseando<br />

Jó: “Bendito o dia que me viu nascer,<br />

benditas as estrelas que me viram<br />

pequenino, bendito o momento<br />

em que minha mãe disse: nasceu um<br />

homem!”<br />

Realmente, cada um de nós poderá<br />

dizer isso, pois teremos, pela força<br />

de Nossa Senhora, derrubado toda a<br />

cidade da iniquidade e feito nascer o<br />

Reino de Maria, mil vezes mais esplendoroso<br />

do que esses esplendores<br />

que acabamos de considerar. v<br />

(Extraído de conferências de<br />

20/11/1964 e 19/11/1965)<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

29


Apóstolo do pulchrum<br />

Anuragtripathi (CC3.0)<br />

Contrários harmônicos<br />

na arquitetura oriental<br />

Os contrários harmônicos das construções orientais parecem<br />

indicar que não foram pensados de uma só vez. Uma geração<br />

construiu uma torre, mais tarde surgiu o desejo de satisfazer<br />

algo brotado do fundo da alma e acrescentou-se uma cúpula.<br />

O resultado final é algo mítico, próprio ao oriental.<br />

Ao analisar o Taj Mahal, tenho a impressão de<br />

que seria preciso distinguir, nunca separar –<br />

porque ficaria um monstro –, dois elementos<br />

nos quais se realiza um equilíbrio prodigioso: as partes<br />

laterais e a linha constituída pela cúpula e pelo corpo<br />

central, destacado pelas duas torrezinhas. Parece-me in-<br />

dispensável considerar as partes isoladas para compreender<br />

o todo.<br />

Contrários harmônicos do Taj Mahal<br />

Há um aspecto interessantíssimo e muito bonito que<br />

é o seguinte: à primeira vista, na parte central está o pe-<br />

30


so. Entretanto, existe um jogo bivalente pelo qual, ao<br />

mesmo tempo em que, visto de um lado, o conjunto parece<br />

leve, considerado por outro prisma trata-se de um<br />

“cupulão” pesado, de esmagar. Como fazer para um corpo<br />

de edifício carregar essa cúpula pesada não só mantendo<br />

certo ar de leveza, mas até dando a impressão de<br />

que a cúpula suspende e não achata?<br />

A enorme porta, que tem qualquer coisa de ogival e de<br />

vazado – o elemento vazado possui um enorme papel nisso<br />

– sustenta a cúpula num equilíbrio perfeito. De maneira<br />

que não se pode dizer que ela fique propriamente<br />

leve, mas não se percebe o peso. Quando o “balão” remete<br />

para cima, a porta e tudo o mais ficam elevados. Neste<br />

sentido há entre o leve e o pesado uma espécie de jogo<br />

sumamente bem posto e que dá a ideia de harmonia,<br />

a meu ver expressa nos seguintes termos: estabilidade<br />

harmônica perfeita, porque possante e leve.<br />

O conjunto lucra muito em expressão com as torrezinhas<br />

laterais, que constituem uma espécie de analogado<br />

primário em relação à cúpula central, mas têm por<br />

analogados primários os altos dos minaretes laterais, os<br />

quais são muito pequenos em relação às torrezinhas, e<br />

estas, por sua vez, são pequenas em relação à cúpula do<br />

centro. Tal graduação ajuda a dar a ilusão de leveza.<br />

Essa é a simetria dos contrários harmônicos. A genialidade<br />

do artista original consiste em inventar uma forma<br />

de oposição na qual ninguém pensou, mas que não<br />

resulta em nenhum monstro à maneira da arte moderna.<br />

MANISH G. CHAUHAN (CC3.0)<br />

Adithya0376 (CC3.0)<br />

31


Apóstolo do pulchrum<br />

Rameshng (CC3.0)<br />

ser posto num objeto colateral análogo, porque, para o<br />

olhar humano, eles formam um só conjunto.<br />

No Taj Mahal, num primeiro momento, surpreende<br />

um pouco tanto o tamanho da cúpula quanto o da porta.<br />

Seríamos levados quase a dizer: “Exageros harmônicos.”<br />

Entretanto, o que me parece genial é como o arquiteto<br />

conseguiu dar ao retângulo tanta força que, vazando-o,<br />

restabeleceu a leveza. O vazado é muito oriental,<br />

misterioso, quase como um olhar. Está muito bem<br />

feito.<br />

Feudalidade expressa nas torres<br />

das construções russas<br />

É interessante notar a reversibilidade entre os princípios<br />

arquitetônicos e o relacionamento humano.<br />

Na ordem civil monárquica bem<br />

constituída, a aristocracia é um<br />

elemento mais importante<br />

do que a monarquia.<br />

Contudo, na ordem<br />

Sujith Naik (CC3.0)<br />

Sunilbhar (CC3.0)<br />

Tenha gênio, faça<br />

algo que tire desse<br />

mare magnum de possibilidades<br />

dos contrários<br />

harmônicos uma beleza nova, e<br />

não seja cretino.<br />

A unidade artística e o contrário harmônico<br />

Tiramos disso um princípio muito curioso: quando<br />

quisermos dar a um determinado elemento uma expressão<br />

à qual ele não se presta – neste caso, a de leveza –, se<br />

colocarmos ao seu lado algo análogo dotado dessa expressão,<br />

tudo se exprime no espírito humano num todo só.<br />

Nesse sentido, os microminaretes exercem um papel<br />

importante. É um jogo de analogias do menor para<br />

o maior cuja relação se explica no todo, em que cada<br />

elemento torna mais leve o outro, abrindo-se para o infinito.<br />

Ademais, há um princípio de analogia pelo qual, sempre<br />

que numa determinada linha ou unidade artística<br />

não se consegue colocar o contrário harmônico inteiro<br />

como se deseja, algo desse contrário harmônico pode<br />

32


eclesiástica dá-se o contrário: a monarquia é um elemento<br />

mais importante do que a aristocracia.<br />

Não haveria uma contradição nisso? Não, porque a<br />

Igreja tem uma natureza tal que ela abarca o conjunto<br />

de todas as almas batizadas do mundo, e não haverá<br />

nunca um Estado que abranja todas as almas do mundo.<br />

A esfera temporal, como uma ordem mais baixa, pede<br />

uma espécie de federalização que a espiritual não comporta.<br />

Donde um Sacro Império, por exemplo, constituir<br />

uma federação de federações.<br />

Quanto mais penso sobre o feudalismo, mais me convenço<br />

de que a sua debilitação começou a partir do momento<br />

em que os feudos maiores começaram a absorver<br />

os menores. A plenitude de força e de vida do feudo pequeno<br />

é a base viva do sistema feudal. Onde tal senhor<br />

feudal tem dois mil castelos, já se trata de um feudalismo<br />

morto. Ele até pode federar sob sua autoridade dois<br />

mil feudos vivos, mas apenas na medida em que não os<br />

absorver.<br />

Em certas construções russas notamos muito essa<br />

unidade feudal. Cada torre afigura-se estuante de vitalidade<br />

própria e, é curioso, parece ignorar completamente<br />

a outra. Tem-se a impressão de que elas estão cegas uma<br />

para a outra e só se explicam do alto de um cone ou do<br />

fundo de uma distância da qual são vistas juntas. Então<br />

se elucidam fabulosamente e os contrários harmônicos<br />

se afirmam, primeiramente entre a cúpula e a base em<br />

cada uma delas, e depois elas entre si. Cada uma é, até<br />

certo ponto, o contrário harmônico da outra.<br />

Toda a glória e riqueza<br />

encontram-se nas cúpulas<br />

A meu ver, o auge do estilo russo é a Catedral de São<br />

Basílio, onde a tal simetria dos contrários harmônicos<br />

se afirma muito mais ricamente do que em outros edifícios<br />

russos, nos quais, por vezes, há uma igualdade empobrecedora<br />

entre uma torre e outra.<br />

Entretanto, mesmo nessas outras construções, o jogo<br />

dos contrários harmônicos das transcendências aparece<br />

nisto: ora uma torre transcende à outra por analogia,<br />

ora por contrariedade. Esse jogo da analogia e da con-<br />

Uwe Brodrecht (CC3.0)<br />

Alexander Patrikeev (CC3.0)<br />

33


Mario Modesto Mata (CC3.0)<br />

Apóstolo do pulchrum<br />

trariedade está sempre presente, inclusive quando há<br />

uma torre central mais nobre, com a cúpula dourada,<br />

que supera as circunstantes.<br />

Em muitos desses edifícios toda a glória e riqueza<br />

da construção encontram-se nas cúpulas coloridas, nas<br />

quais se veem estrelas que, embora não estejam jogadas<br />

inteiramente a esmo, também não estão dispostas<br />

em linha reta. Outras cúpulas são elaboradas de tal modo<br />

que se tornam sumamente visíveis quando os raios<br />

do Sol incidem sobre elas, mas que, devido ao seu material<br />

e colorido, em certos momentos parece que a cúpula<br />

se diluiu no céu, formando uma espécie de corpo etéreo<br />

de matéria meio sólida, meio gasosa, encimada por uma<br />

cruz e terminando num sonho.<br />

O oriental não planeja tudo<br />

logo, cria ao acaso<br />

Tem-se a impressão de que uma maravilha dessas não<br />

foi planejada de uma vez, mas aos poucos. O arquiteto<br />

diz: “Que interessante seria fazer uma torre com uma cúpula<br />

verde...” E faz a torre. Depois de tê-la feito, ele mesmo<br />

provê o projeto de um contrário harmônico para satisfazer<br />

uma outra apetência da própria alma. Gerações<br />

depois, um artista, à força de contemplar, pensa: “Seria<br />

interessante tal detalhe assim para equilibrar essa catedral...”<br />

E põe. Cada geração vai enriquecendo e embelezando<br />

aquela obra de arte. A meu ver, se não tivesse caído<br />

o regime czarista e não entrasse aquela fixidez do absolutismo,<br />

haveria outros edifícios que aos<br />

poucos iam sendo assim compostos.<br />

Então, se fosse um arquiteto católico<br />

construiria, por exemplo, uma capelinha<br />

a Nossa Senhora de Fátima que teria um<br />

contrário harmônico inteiramente surpreendente,<br />

com um nicho ali perto. Depois,<br />

começaria uma grande popularidade<br />

em torno dessa capelinha, e outro arquiteto<br />

abriria uma espécie de concavidade<br />

na torre para caber o povo... E, assim,<br />

cada um faria o contrário harmônico ao<br />

que fora elaborado na geração anterior,<br />

de um modo meio surpreendente, à medida<br />

que as almas fossem sentindo necessidade<br />

de pôr contrastes harmônicos. v<br />

(Extraído de conferência de<br />

2/10/1974)<br />

Julius Silver (CC3.0)<br />

MarinkaGal (CC3.0)<br />

34


Florstein (CC3.0)


LBM1948 (CC3.0)<br />

Luis C.R. Abreu<br />

Oceano de graças<br />

Nossa Senhora é verdadeiramente um oceano de graças.<br />

Como o mar está para as outras águas, assim Se encontra<br />

Maria em relação aos outros homens, pela abundância<br />

e imensidade de dons celestiais com que foi enriquecida por Deus.<br />

Por outro aspecto, assim como todas as águas, em última análise,<br />

correm para o grande oceano, também todas as graças confluem para<br />

a Santíssima Virgem e nos são concedidas por sua intercessão.<br />

(Extraído de conferência de janeiro de 1966)

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