D Grau - 1ª Edição


Nota

D Grau ou D°, simboliza algo inovador

na divulgação de conteúdo

criado por alunos da faculdade.

Este projeto piloto levado a

cabo pelo NFEF-FCUL é dedicado

a todos os alunos e professores

do Dept. de Física com

um especial agradecimento ao

professor Pedro Ferreira por nos

ter concedido a entrevista.

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O Núcleo de Física e de Engenharia Física da Faculdade de

Ciências da Universidade de Lisboa foi criado a 19 de Maio de 2016.

Quatro anos passaram mas a missão mantém-se: garantir a representação

dos estudantes de Física e Engenharia Física na faculdade.

Para lá desta nossa responsabilidade, o NFEF-FCUL tem como

objetivo complementar a experiência académica dos alunos que representamos,

através de eventos sociais bem como pedagógicos.

Foi nesse sentido que surgiu a ideia de fazer uma revista.

Uma revista feita por alunos, para os alunos. Um meio para partilhar

temas nos quais temos interesses, entrevistar colegas e

professores, partilhar dificuldades que sentimos e muito mais.

Por fim, deixo uma mensagem pessoal para os leitores. Sem alunos não

há NFEF-FCUL. Ninguém sabe melhor que estes, quais são as dificuldades

que existem, aquilo que gostariam de ver feito, aquilo que precisa

de ser melhorado. Se têm interesse em mudar algo, em deixar uma

marca na vossa faculdade, não tenham medo de o fazer: juntem-se ao

NFEF-FCUL!

O núcleo somos nós, e enquanto houver alunos e vontade de ajudar,

haverá NFEF-FCUL!

O Presidente

Manuel Xarepe

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Richard Feynman como

Professor

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Descobri a Física ao mesmo tempo que

descobri quem foi Richard Feynman. “Feynman’s

Lost Lecture” foi o primeiro livro de

divulgação científica que li - uma aula “perdida”

de Feynman compilada e escrita pelo

casal David e Judith Goodstein. Esta aula foi

denominada “The motion of planets around

the sun”, a partir dos rabiscos encontrados

por Judith, na altura arquivista do Instituto de

Tecnologia da Califórnia ou Caltech. Quem

construiu o raciocínio a partir destes rabiscos

foi o marido David, físico no mesmo instituto.

O NFEF contactou Judith para uma

entrevista, mas a arquivista e o marido estão

reformados. No entanto, aconselharam um

artigo escrito por David que descreve Richard

Feynman como professor. Inspirado por esse

artigo decidi escrever este.

Como aluno do 9º ano que era, ter lido

este livro e compreendido muitos dos seus

conceitos, mostra o quão a sua explicação foi

refinada para a tornar o mais simples possível;

quando queria compreender melhor um tópico,

Richard costumava dizer:

“I’ll prepare a freshman

lecture on it”.

Esta mentalidade única permitia a

Feynman ser um excelente professor, e acima

de tudo, compreender os conceitos profundamente.

Existem vários elementos que

fazem com que Feynman seja considerado

um excelente professor, ou até melhor, um

homem com várias facetas, muito caráter e

uma personalidade especial.

Um ator

Segundo David Goodstein:

“Consigo lembrar-me de muitos

momentos de grande

drama nas aulas de Richard”

As aulas eram tratadas como momentos

de expressão teatral à volta da personagem

que Feynman criava com foco na sua

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Fotografia de Richard P. Feynman na Caltech

característica forma de analisar a Física. A sua

versatilidade como ator era posta à prova nas

aulas de “Physics X”: estas aulas não tinham

créditos associados e eram dadas nas alturas

mais convenientes para os alunos. Era discutido

qualquer tema da física que os alunos quisessem

discutir, e era aqui que treinava o improviso.

A única regra que existia nessas aulas

era de que nenhum membro trabalhador da

faculdade podia participar ou assistir. Este

era um espaço onde Feynman podia fazer o

que mais gostava: deambular pela Física com

mentes frescas e atentas.

Um professor

“A melhor maneira de ensinar é não

ter nenhuma filosofia de como o fazer,

é ser caótico e confuso no sentido em

que se usam todas a maneiras possíveis

de o fazer”.

Esta frase foi retirada de uma entrevista

famosa onde Richard explica que este é o seu

melhor método porque cobre o interesse de diferentes

alunos com diferentes gostos.

Confesso que o que mais me surpreende

desta entrevista é que Feynman reconhece que

na verdade não sabe, em geral, qual é o melhor

método, o que se deve às diferentes maneiras de

pensar dos alunos. A humildade e criatividade de

Feynman ficarão para todas as gerações de estudantes

e professores.

Para além de um pensador e cientista incrível,

Feynman irá sempre ser reconhecido como

um dos melhores professores da história da humanidade.

A sua capacidade como pensador permitiu

abordar alguns dos temas mais contra-intuitivos

e complexos da Física e simplificá-los.

Tomás Sousa

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Cristais quânticos alinham chakras e curam

COVID-19

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Caro leitor, se está aqui a ler o resto

deste artigo, parabéns, está no caminho certo.

Este título apresentado, apesar de

falso, pode soar familiar. Já todos ouvimos

falar das pseudociências. Crenças sem base

científica que podem variar do “absurdo”, até

ao “perigoso”. Seja astrologia ou terraplanismo,

é alarmante o ritmo de crescimento das

pseudociências que temos vindo a testemunhar.

Mas como é que alguém pode ser levado

a trocar séculos de conhecimento por uma

série de afirmações descabidas?

Talvez devêssemos procurar respostas

avaliando o sistema de ensino atual.

A pressão de passar em testes e exames

acaba, muitas das vezes, por levar os

alunos a memorizarem fórmulas e definições

sem chegarem realmente a compreendê-las.

Isto não é aprender: informações que são

memorizadas acabam por ser esquecidas assim

que deixam de ser necessárias. Perde-se

então o que há de mais importante no ensino

científico: o espírito crítico.

Atualmente, com

a internet, temos acesso

a todo o tipo de informação

– mas nem tudo

que é divulgado é verdade.

Este fenómeno

que é a desinformação

permite às comunidades

pseudocientíficas

ampliarem a sua

voz e, assim, pessoas

que não questionam as

crenças fornecidas acabam

por acreditar em

informações distorcidas,

ou mesmo falsas.

Para além disso,

o sensionalismo, cada

vez mais presente nos

meios de comunicação

social, contribui para a

desinformação.

Quando um estudo fraudulento que diz

que óleos vegetais curam o cancro, é tão divulgado

quanto centenas de outros estudos

que dizem o contrário, surge então a ideia de

que o meio científico está dividido. O leitor

escolhe o que lhe parece melhor, ou que apresente

a ideia de maneira mais acessível.

Num estudo realizado pela empresa

3M,

85% dos mais de catorze mil

entrevistados acredita que

compreende “pouco ou nada”

sobre ciência.

Entre o grupo que se disse cético em

relação aos estudos científicos,

30% admite que um dos motivos

principais tem origem na desconfiança

sobre aquilo que não compreendem.

Vê-se, claramente, que existe uma falta

de comunicação entre o meio académico

científico e a população em geral. Há uma

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ideia, errónea, de que a ciência é só para Einsteins

e Newtons, que pessoas comuns não

têm a capacidade de participar neste meio.

Esta impressão leva ao medo ou à indiferença,

e, assim, à desistência de tentar

entender o conhecimento científico, alimentando,

ainda mais, as pseudociências,

que costumam apresentar-se de maneira

simples e com linguagem corriqueira.

Mas o verdadeiro perigo das pseudociências

revela-se quando estas deixam de

ser apenas disparates compartilhados por

grupos online e passam a afetar decisões importantes

como, por exemplo, vacinar ou não

os filhos. Em 2019, os casos de sarampo duplicaram

na Europa, surgindo ainda casos em

países onde a doença teria sido já erradicada.

Mas o que pode ser feito para evitar

este “desserviço” fornecido pelas pseudociências?

Não há resposta simples, mas existem

medidas que podem ser tomadas.

É impossível controlar completamente

a informação que circula na internet, e não se

deve tirar o direito à liberdade de expressão.

Não obstante, uma possível solução poderia

passar por desenvolver mecanismos de verificação

de informações, especialmente em

sites de notícias.

Além disso, a realização de atividades

de divulgação deve ser de extrema importância

para instituições como universidades e

centros de investigação.

Eventos como palestras e workshops

em que a ciência é apresentada ao público de

maneira lúdica e com linguagem acessível são

extremamente importantes para incentivar o

interesse da população pelas mais diversas

áreas da ciência. Afinal, a melhor forma de

combater a ignorância é com o conhecimento.

Maria Eduarda Pimentel

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Computação

Quântica

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Assim como grande parte dos assuntos

relacionados com esta área da física, o facto

de a tecnologia quântica não ser uma novidade

contemporânea, pode parecer pouco intuitivo

para quem não acompanhou os seus progressos.

Na realidade, porém, são já vários os elementos

do quotidiano que utilizam as leis da

Física Quântica a seu favor para tornar as nossas

vidas mais eficientes e para continuar a aprofundar

os confins da ciência. Os GPS que temos instalados

nos smartphones ou aos quais acedemos

pelo computador (de cada vez que abrimos

uma app de navegação) dependem da precisão

de relógios atómicos regulados pela Mecânica

Quântica. Outro exemplo provém dos transístores

- pequenos elementos eletrónicos que estão

presentes em quase todos os sistemas tecnológicos

- incluindo computadores, telemóveis

e aviões ou naves espaciais, e cujo funcionamento

depende dos conhecimentos adquiridos

sobre as propriedades dos semicondutores. Um

procedimento médico relativamente comum,

as ressonâncias magnéticas ou MRI (em inglês),

baseiam-se, em grande parte, em conhecimentos

quânticos. Outro exemplo, são os lasers, que

têm dezenas de aplicações, desde utilização em

cirurgias delicadas até ao refinamento de pedras

preciosas em ourivesaria. Não devemos esquecer

também dos LED (ou Light-Emitting Diode),

que conseguem atingir uma eficiência energética

largamente superior a todas as outras lâmpadas.

Estamos, atualmente, em plena era de informação

em massa. Numa altura em que as redes

sociais ganham cada vez mais poder económico

e, passo a redundância, social, fica cada vez mais

claro o potencial imensurável da recolha de dados.

Veja-se o recente caso polémico da empresa

que, agora servindo, primeiramente, para senhoras

de meia-idade darem os bons dias aos seus

seguidores com imagens de gatos fofinhos e receitas

deliciosas, foi levada a tribunal num caso

bastante público por vender ilegalmente os dados

das referidas senhoras, bem como de milhões de

outros utilizadores. É, portanto, de fácil dedução,

o facto de o poder de processamento e a capacidade

de analisar dados, a chamada Data Science,

ser um dos principais pilares do desenvolvimento

atual. As empresas que o conseguem aplicar

com sucesso têm uma vantagem de importância

considerável sobre as que não têm esse poder.

E é principalmente neste campo que entra

a computação quântica, idealizada pela primeira

vez pelo físico norte-americano Richard

Feynman, em 1981; os computadores atuais

Fotografia de um Computador Quântico da Google

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oferecem um desempenho bastante aceitável,

mas existem várias tarefas para as quais não

têm o poder de processamento necessário. Os

computadores quânticos, em vez de funcionarem

com os tradicionais bits “1” ou “0”, que são

interpretados a partir de interruptores que controlam

a passagem de corrente elétrica, sendo o

“0” a ausência de corrente e o “1” um determinado

espectro de valores, utilizam, por sua vez, os

chamados qubits, que vão buscar a sua eficiência

a duas propriedades da mecânica quântica -

a sobreposição e o emparelhamento. Um objeto

quântico, como por exemplo um fotão, pode estar

em diversos estados ao mesmo tempo. No

caso do fotão, este pode ter, simultaneamente,

vários estados de polarização (sobreposição),

correspondendo os diferentes estados a 1’s e 0’s.

Dois fotões podem também estar emparelhados

um com o outro, o que cria, por sua

vez, uma sobreposição de todas as combinações

de estados diferentes de polarização entre os

dois fotões. O que isto quer dizer na prática, é

que, em vez de um qubit representar o valor 1

ou o valor 0, antes de ser utilizado pode ser 1 e

0, ao mesmo tempo. Isto aumenta exponencialmente

a quantidade de combinações que se podem

formar ao mesmo tempo, com diferentes

grupos de qubits. Para N qubits, formam-se 2 N

combinações, ou seja, quando dois bits clássicos

têm apenas uma combinação, (pois já estão

definidos), ou são 1-0, ou 0-1, ou 1-1, ou 0-0, dois

qubits representam todas estas combinações em

simultâneo, pois cada um é 1 e 0 ao mesmo tempo.

Isto por sua vez aumenta, também, exponencialmente,

a capacidade de processamento da

máquina. Basta pensarmos que um processador

quântico com 64 qubits teria o poder de processamento

de um computador atual com 2 64 bits.

No entanto, conseguir emparelhar, e

manter estáveis, um grande número de qubits,

é um dos problemas que estão neste momento

a tentar ser ultrapassados. Quanto maior for

o sistema, neste caso o número de qubits emparelhados,

maior é a probabilidade de estes

perderem a estabilidade necessária para dar

uso às suas propriedades quânticas. O recorde

que vigora desde 2011, de 14 qubits emparelhados,

foi batido o ano passado, quando uma equipa

de físicos alemães conseguiu emparelhar e

manter estáveis 20 qubits em simultâneo. Esta

é uma das propriedades que se procura num

candidato a qubit, a facilidade com que se emparelha

de forma estável o maior número possível

de determinados objetos quânticos. Outra

propriedade importante é a facilidade com que

são manipulados entre diferentes estados, como

por exemplo, a facilidade de alterar e escolher a

polarização de um fotão, para ser possível voltar

ao estado inicial e/ou “armazenar” informação

nos qubits, apagando-a quando necessário.

Assim como o emparelhamento de qubits

em massa, os estados de sobreposição também

são muito difíceis de manter. Basta uma pequena

variação de temperatura, uma alteração no campo

magnético que envolve o qubit, ou qualquer

outro tipo de interação com o exterior, para este

perder a sobreposição de estados e ficar definido

em apenas um, como um bit clássico. Mesmo

conseguindo um ambiente completamente estável

para os qubits, o que já está a ser conseguido,

embora com alguns problemas a nível de

sustentabilidade energética, estes acabam por

perder a sobreposição após um curto período

de tempo (chamado tempo de coerência) após

o qual adotam apenas um estado. Para um processador

quântico conseguir funcionar corretamente,

este tempo de coerência antes dos qubits

perderem a sobreposição tem de ser muito

mais longo que o tempo que demora uma porta

lógica quântica a operar. Geralmente, esta

condição é conseguida a temperaturas perto

do zero absoluto, o que também ajuda a manter

os qubits emparelhados, provando que um potente

sistema de refrigeração é um componente

fundamental de qualquer computador quântico

a ser desenvolvido segundo as ideias atuais.

Uma das grandes vantagens dos computadores

quânticos, e que mais polémica atrai,

reside na enorme potencialidade que demonstram

para revolucionar os sistemas de encriptação,

tanto a oferecer um meio de comunicação

inviolável, como a destruir todas as barreiras de

defesa levantadas pelos computadores atuais. Os

sistemas de encriptação mais fortes que existem

atualmente, baseiam-se no facto de os computadores

que temos à disposição não serem eficientes

a fatorizar, ou a realizar operações matemáticas

exaustivas. Para fatorizar um número, os

computadores clássicos vão por tentativa e erro,

experimentando um de cada vez. Os computadores

quânticos, por seu lado, serão capazes de

experimentar todos os números (ou quase todos)

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Fotografia de um processador presente num Computador Quântico

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ao mesmo tempo, tornando o processo quase

instantâneo. Um computador com este poder

conseguiria facilmente desencriptar os códigos

que protegem, por exemplo, as nossas contas

bancárias e os nossos cartões. Contudo, um

tanto ironicamente, a arma que ataca as nossas

suscetibilidades providencia também uma defesa

inatacável: a encriptação quântica. Esta forma

de codificar mensagens, em vez de se basear em

conceitos matemáticos (que podem ser descodificados

com o tempo suficiente), baseia-se nas

propriedades de sobreposição e emparelhamento

para criar as chaves aleatoriamente entre os

dois participantes e enviar as mensagens através

da polarização de fotões ou do spin de partículas,

por exemplo. Para enviar uma mensagem

correspondente a dois bits tradicionais, o mensageiro

e o recipiente têm em sua posse, cada

um, um qubit, emparelhados um com o outro. O

mensageiro efetua uma medição no seu qubit, o

que altera o estado do qubit no recipiente. A partir

da forma como ambos efetuam as medições,

define-se a chave com que vai ser encriptada a

mensagem. Este método é indecifrável, pois se

os qubits forem intercetados por alguém que não

o recipiente, dono da chave aleatória, o próprio

ato de intercetar a mensagem sem a chave

correta vai alterar o seu conteúdo, por exemplo

o spin ou o ângulo de polarização dos qubits.

A computação quântica é, portanto, um

desafio atual, com resultados já bastante promissores

e a dar frutos nos mais variadíssimos campos.

No entanto, existem ainda problemas de raiz

que têm de ser ( e, mais cedo ou mais tarde, serão)

solucionados. A investigação e o desenvolvimento

tecnológico nesta área são uma das principais

armas de uma ciência que já revela a ponta do seu

vasto icebergue e que vai crescendo a um ritmo

constante, deixando lugar apenas à especulação,

mais ou menos informada, do que estará por vir.

Rui Vieira


Challenge

Dados 5 pontos aleatórios num

hypercubo, qual a probabilidade do

hypertetraedro formado

conter o centro do hypercubo ?

Sugestão

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À conversa com

Pedro Ferreira

Boa tarde, Pedro. Antes de mais agradeço,

novamente, por ter aceitado o nosso convite

para aquilo que é a primeira entrevista da revista

do NFEF-FCUL.

Conte-nos, então,

Qual foi o seu percurso

académico até chegar a este gabinete

onde nos encontramos ?

Boa tarde, e muito obrigado pelo

convite. O percurso académico começou

na Amadora, que foi onde fiz o ensino secundário,

e de lá entrei, em 1987, na Faculdade

de Ciências (da Universidade de Lisboa). Na

altura, as aulas eram partilhadas entre a escola

politécnica e aqui no Campo Grande, e

a licenciatura durava 4 anos. Após ter concluído

a licenciatura, iniciei o Mestrado de

Altas Energiase Gravitação, em 1992. Embora

soubesse que o que queria seguir era Física

Teórica, escolhi fazer uma tese de mestrado

em Física Experimental das altas energias,

porque queria perceber de que forma é que

os dados experimentais, no futuro, chegarme-iam

às mãos. De facto, comprovei que

não gostava de Física experimental, pelo que,

graças a uma bolsa atribuída pela instituição

que viria a ser a FCT, fiz o doutoramento em

Física Teórica das Altas Energias em Liverpool,

onde estive 3 anos e meio. A seguir a terminar

o doutoramento, em 1998, fui para Génova,

onde estive lá 2 anos a tirar o meu primeiro

pós-doutoramento. De Génova, fui para Dublin,

para o segundo pós-doutoramento. Ainda

que do ponto de vista profissional as coisas

estivessem a correr bem, após 1 ano na Irlanda,

decidi regressar a Portugal, com uma

bolsa de pós doutoramento, no ano letivo de

2001/2002. Fiz esse pós doutoramento durante

6 anos, novamente com uma bolsa da

FCT, altura em que consegui uma posição de

ensino no ISEL, onde continuo até hoje, embora

fazendo sempre parte do CFTC.

Houve alguém que o tenha inspirado a

seguir a carreira de investigador?

Isso sem sombra de dúvidas: Carl Sagan.

A série Cosmos, a original, marca uma

geração de portugueses, pois para além do

homem ter sido um comunicador fenomenal,

também a série, por si só, estava muito bem

feita. Quer pela série, quer pelos livros, o Carl

proporciona um panorama da ciência bastante

atraente do ponto de vista científico e do

ponto de vista humanístico, porque casava

de forma esplêndida a ciência com o desenvolvimento

histórico da ciência. Em particular,

quando estava no 12° ano, ofereceram-me

no Natal o Contacto, que é um livro de ficção

científica dele. A dada altura da história, há

um momento em que dois personagens, que

eram físicos teóricos, estão a começar a ter

uma conversa, e os colegas deles olham para

eles e acham que são doidos, pelo que quando

li aquilo pensei: “É isto que eu quero ser”

(risos). Depois, ao longo do curso, tive vários

professores que despertaram em mim um

grande fascínio pela física teórica, mas não foi

completamente decisivo, uma vez que quando

entrei na faculdade já sabia que queria enveredar

por esse caminho.

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Antes de ingressar na faculdade

realizou algum estágio?

Não. De facto, na minha altura, que até

nem foi assim há tanto tempo, ainda não existiam

as oportunidades que vocês hoje em

dia têm. Acho espetacular que uma pessoa

agora, ainda no secundário, possa visitar as

faculdades, frequentar estágios de verão... é

mesmo fenomenal.

Que trabalhos tem vindo a

desenvolver aqui no CFTC?

Faço investigação em Física Teórica

de partículas, com ênfase em modelos de

generalização do Modelo Padrão, especificamente

a generalização do Modelo de Higgs.

O Modelo Padrão até 2012 tinha puramente a

função de verificar a existência do Bosão de

Higgs. Neste momento, o Modelo está “completo”,

na medida em que tudo o que havia

para descobrir à custa desta teoria já foi descoberto,

mas ainda há muitas questões em

aberto. Desde há muitos anos, mesmo antes

do Bosão de Higgs ter sido descoberto,

havia (e continua a haver) uma série de gente

a tentar formular generalizações do Modelo

Padrão, que possam explicar algumas das

coisas que o MP deixa em aberto. A minha

especialização é em modelos em que se generaliza

o sector de Higgs, em que há mais do

que um Bosão de Higgs, em que são previstas

outras partículas de Higgs. Dentro desses

modelos tenho vindo a trabalhar em aspetos

mais fenomenológicos, em que se pega numa

teoria dum modelo específico e se tenta verificar

quais são as previsões experimentais associadas

a esse modelo. Por exemplo, no ano

passado, eu e um colega do Técnico fizemos

um modelo em que com um modelo de Higgs

específico se conseguia resolver uma coisa

chamada problema da violação forte de CP.

Com outros colegas, incluindo o colega professor

Rui Santos (membro do CFTC), temos

também vindo a trabalhar em alguns modelos

com mais escalares (partículas...), vendo

quais seriam as consequências possíveis

para, a título de exemplo, matéria escura.

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Alguns destes modelos são uma maneira de

se tentar conseguir explicar aquilo que os astrónomos

nos dizem que observam: que uma

grande quantidade de matéria do universo,

sensivelmente 95%, não é a matéria que nós

conseguimos ver nas galáxias, e portanto

seria a matéria escura. Umas das possibilidades

de origem dessa matéria escura seria,

precisamente, através da física de partículas,

nomeadamente de alguns modelos com mais

partículas do que o modelo padrão. Em paralelo,

gosto também de trabalhar em modelos

mais teóricos, em que se investiga a estabilidade

dos mínimos destes modelos (dos quais

tenho vindo a falar). À partida, isto parece

apenas um problema de análise matemática,

em que dada uma função de várias variáveis,

podemos determinar vários mínimos, consoante

os vários parâmetros da função. Em física

de partículas, a existência de vários mínimos

é incrivelmente importante para, por exemplo,

tentar explicar a assimetria entre matéria

e anti-matéria. Esta tarefa envolve, por vezes,

olhar para modelos não tanto do ponto de vista

fenomenológico, mas sim tentar perceber

teoricamente o que é que ali está envolvido.

É nisto em que me tenho vindo a especializar,

na chamada análise da estrutura de vácuo (ou

de vácuos).

O “Center for Theoretical and Computational Physics

“ está localizado no edificio C8 e tem todos os verões

estágios em diversas áreas para os alunos do Departmamento

de Física


Esteve em algum outro grupo de

investigação?

Sim. Durante os 6 anos e meio em que

estive lá fora, não tinha ligação nenhuma

com os grupos (de investigação) de cá, pelo

menos profissional. Durante o mestrado, fiz

parte do LIP, porque estava a fazer o mestrado

em Física de Partículas Experimental, e

portanto, esse foi o primeiro centro de investigação

português do qual fiz parte. Durante

o doutoramento fiz parte do grupo de investigação

da Universidade de Liverpool e depois,

durante os pós doutoramentos, fiz parte

dos centros de investigação dos sítios onde

estava. Quando regressei, em 2001, vim trabalhar

com o professor Augusto Barroso, que

na altura ainda cá estava (na FCUL). Ele era o

coordenador do grupo de Física de partículas

dentro do CFTC, que entretanto estava a

nascer, e portanto como tinha uma excelente

opinião do trabalho dele, quer enquanto docente,

quer enquanto investigador, perguntei-lhe

se podia integrar o grupo dele, e desde

então que cá estou.

Quando é que publicou o

seu primeiro artigo e qual foi o

estudo em causa?

O primeiro artigo a sério, e já falamos

do outro, foi em 1995, ou seja, no meu primeiro

ano de doutoramento. O meu orientador ficou

muito surpreendido porque eu vinha de um

país de 3º mundo como Portugal com uma

preparação fenomenal. Mesmo atualmente,

quem faça uma licenciatura e um mestrado

em Física, pelo menos na área das partículas,

em Portugal e queira ir estudar para Inglaterra,

leva uma preparação que bate os vossos colegas

ingleses aos pontos. E, portanto, ele deuse

conta de que estava muito mais avançado

do que os colegas ingleses, que estavam a

começar a aprender coisas que em Portugal

já tinha dado, e deu-me umas continhas para

eu fazer. O meu orientador, juntamente com

o seu colega, estava a fazer um estudo sobre

um modelo supersimétrico, em que se estudava

uma evolução de certas variáveis com a

escala de energia a que se encontravam. Ver-

21


22

ificava-se que, a baixas energias, havia umas

quantas previsões que se conseguiam fazer.

Mesmo sem perceber grande coisa de supersimetria,

como era estudar umas equações

diferenciais de primeira ordem, percebia

quais eram as consequências que poderiam

sair dali. Foi algo que, matematicamente, estava

ao nível de um exercício que poderíamos

fazer numa cadeira de matemática do 3º ano,

mas, ainda assim, simpaticamente, colocaram

o meu nome no artigo. Durante o mestrado

houve um outro artigo que acabou por ter o

meu nome por causa de um trabalho em que

colaborei com o grupo da professora Amélia

Maio no LIP, que tinha a ver com um protótipo

de um detetor que atualmente está no ATLAS

do LHC. Houve uma série de preparação, e investigação,

de fibras óticas, entre outros materiais,

e desse trabalho resulta um artigo de

colaboração.

A Física de Partículas tem empurrado

ao longo dos anos, cada vez mais, os

limites da ciência, contribuindo para

a compreensão do universo à mais

pequena escala.

O futuro desta área do saber passa

apenas por adicionar novas

partículas ou acha que há algo mais

fundamental que ainda não tenha sido

completamente entendido?

Quais são os grandes desafios?

É muito difícil de responder a isso

porque ambas as possibilidades são válidas.

Historicamente, cada vez que há um problema

que não se consegues resolver em Física

de Partículas, a solução tem sido expandir o

número de partículas que há. Foi assim com a

anti-matéria, com os neutrinos e tantas outras.

Nós temos grandes questões em aberto

em Física de Partículas, mas o mais banal deles

é o problema da massa. O bosão de Higgs

é introduzido em 1964 para explicar porque é

que as partículas elementares, os quarks e os

leptões, tinham massa. O Higgs faz esse trabalho

de forma exemplar, mas ele e o Modelo

Padrão só conseguem explicar porque é que

as partículas têm massa e não a razão pela

qual elas têm uma determinada massa. Nós

não temos uma teoria, até ao momento, que

explique de forma minimamente satisfatória

porque é que a massa do eletrão é 0.5 MeV/

c², porque é que a massa do (quark) top é 173

GeV/c², porque é que a massa do W é 80.4

GeV/c², não sabemos; são parâmetros de input

da teoria. Por que razão são estes e não

são outros é um mistério. Na parte dos fermiões

(partículas elementares), temos um

outro mistério que é o facto de não sermos

capazes de prever aquelas massas e de serem

inacreditavelmente diferentes: temos os

neutrinos com uma massa na ordem dos poucos

eV/c², e depois temos partículas como o

top que são super pesadas. Ninguém sabe

a razão dessa disparidade. Uma das possibilidades

que as pessoas dizem que poderá

explicar a razão dos fermiões apresentarem

massas tão distintas é considerar que, na verdade,

eles sejam compostos, e que, a título de

exemplo, dentro dos eletrões haja mais alguma

coisa, o que implicaria novas partículas .

Outra coisa que se tenta é que haja um mecanismo,

numa teoria que consiga, com umas

simetrias “malucas” e com outras partículas

explicar essas massas.

Portanto, todas estas coisas são possibilidades

que envolveriam expandir o espetro

de partículas dos modelos atuais, e, historicamente,

é por aí que se tem ido. Tendo dito isto,

também historicamente, temos percebido

que, de vez em quando, mudando o paradigma

da própria teoria, é possível andar para a

frente sem necessariamente introduzir novas

partículas. Quer isso dizer que, atualmente

temos uma ferramenta, que é a teoria quântica

de campo, que funciona espantosamente

bem, mas que quando a gente começa a olhar

para ela muito muito de perto começamos a

perceber que é inacreditável que isto funcione

tão bem porque há sítios em que parece

que há coisas que estão coladas com cuspo.

Há muitas passagens nas deduções da teoria

quântica de campo que são duvidosas no

mínimo ou parecem grandes saltos de fé do

género:


Fotografia dos atuais membros do CFTC retirada de http://cftc.cii.fc.ul.pt/membros.php

“Pá, isto funciona, mas como é que funciona?”

Em suma, há coisas que nos levam a

acreditar que isto funciona muitíssimo bem,

de facto, graças ao trabalho de pessoas espetaculares

com o Feynman e tantos outros,

mas ninguém me tira da cabeça que deve

haver uma teoria quântica de campo mais

avançada do que isto, que eventualmente

poderia resolver alguns dos problemas que

por aí andam. Quer pelo desenvolvimento de

um novo enquadramento teórico quer por

expandir a teoria para incluir novas partículas,

a verdade é que há quantidades enormes de

perguntas em aberto na física de partículas.

De facto, respondendo à pergunta, não sei,

porque ambas as tentativas são válidas.

Atualmente o Pedro dá aulas no ISEL.

Poderia contar-nos mais sobre as suas

funções enquanto docente? Porquê no

ISEL e não na FCUL?

No ISEL e não na FCUL, porque foi no

ISEL que me deram uma possibilidade de trabalhar

ganhando salário. Quando dei aulas

aqui na faculdade foi como professor convidado,

sem qualquer renumeração, dando a

cadeira de Eletrodinâmica Quântica (Teoria

Quântica de Campo), umas vezes em parceria

com o colega Rui Santos, porque tinha saudades

de dar “física a sério”, e gostei bastante,

mas dava imenso trabalho. A posição que

tenho no ISEL é de professor efetivo, e uma

pessoa tem que comer, e portanto precisa de

um salário. Houve a possibilidade de entrar

para o ISEL e não houve a possibilidade de entrar

aqui porque não têm aberto vagas, pelo

menos na minha área, e uma pessoa nesta

situação vai para onde está o dinheiro. Continua

a ser bastante difícil uma pessoa conseguir

entrar no meio académico, é assim já

há desde imenso tempo – ainda era eu estudante

e as pessoas já se queixavam disto -e

sobretudo num curso como o de física, não

é nada trivial. Relativamente àquilo que faço

enquanto docente, dou aulas de mecânica

e de eletromagnetismo nas licenciaturas, e

depois nos mestrados dou aulas de energia

nuclear e física média, que são cursos, quer

um quer outro, cursos de física das radiações

básica, voltado para gente que nunca viu física

atómica ou física nuclear, e portanto têm

de começar por um nível muito baixinho, mas

são cursos que têm piada e os alunos são

bastante aplicados. Os cursos de mecânica e

de eletromagnetismo são cursos vocacionados

para pessoas de engenharia, pelo que são

cursos mais de aplicações do que de teoria.

Por vezes, podemos pensar que os cursos de

23


Webinar realizado por Pedro Ferreira numa série de Webinars dados por vários membros do CFTC e cujas

gravações podem ser encontradas em

https://sites.google.com/view/projetos-cftc-2020/programa

24

engenharia são feitos para gente estúpida,

mas não é assim; simplesmente a exigência,

não o grau de exigência, é diferente.

Por exemplo, coisas giras como forças

de Coriollis e gravitação universal fazem sentido

num curso de mecânica para físicos, mas

não para engenheiros apenas porque eles não

precisam disso. Em termos das responsabilidades,

são as responsabilidades normais de

qualquer professor: ensinar e tentar fazer com

que a matéria entre na cabeça dos alunos, o

que não é nada fácil.

Dado o poster que o professor tem no

seu gabinete, diria que é apaixonado

por séries. Alguma favorita?

Breaking Bad é, provavelmente, a

minha série de televisão favorita de sempre.

Conseguiu destronar os Sopranos e outra

série chamada The Wire. Breaking Bad é algo

notável porque tem uma qualidade fenomenal

em termos da escrita, da cinematografia,

das interpretações e da própria história

porque eles conseguiram contar uma história

durante 5 anos com princípio meio e fim, sem

caírem na armadilha de outras séries, como

por exemplo Host, em que criaram mistérios,

mistérios, mistérios e depois não souberam

acabar aquilo. É uma série que, para nós que

somos de ciência, nos diz muito; no primeiro

episódio, a personagem principal, o Walter

White, personagem fantástico que só não é

perfeito porque é de química, devia ser física

(risos), ele diz uma coisa espetacular: ele

está na sala de aula a explicar aos alunos o

porquê da química ser importante dizendo

que a química é a ciência que estuda as transformações

das substâncias umas nas outras,

e isso acaba por ser uma metáfora para toda

a série porque ao longo da mesma ele vai-se

transformando progressivamente numa criatura

cada vez mais maléfica. Dramaticamente

é uma série esplêndida porque consegue esta

coisa perversa que é nós estarmos a ver um

homem a tornar-se cada vez mais criminoso,

cada vez mais impiedoso e damos por nós a

torcer por ele, nós queremos que ele ganhe,

quanto mais mau ele se torna mais nós estamos

a puxar por ele, até que facto chegamos

ao fim onde a coisa descamba mesmo

e fica incrivelmente trágica. Há outras séries

que continuam a ser espetaculares, mas esta

em termos de qualidade é fenomenal, e se

alguém nunca tentou Breaking Bad a receita

é: vejam os dois primeiros episódios, se chegarem

ao final do segundo episódio na cena

da banheira (quem viu vai perceber do que é

que estou a falar) e não se estiverem a rir até

às lágrimas, então não vale a pena continuarem.


De que forma ocupa o seu tempo fora

das Faculdades?

Tempo fora das faculdades? Isso existe?

(risos)Esta história de se fazer investigação

e dar aulas ocupa muito tempo, mas,

apesar de tudo consigo ter o meu tempo de

ócio. Em casa, vou consumindo o meu tempo

livre a ler livros, a ver séries, ou indo ao cinema,

eu gosto imenso de cinema, indo ao teatro,

porque também adoro teatro, e quando está

bom tempo, durante os meses de verão, indo

omais possível à praia. Um dos meus hobbies

é fazer mergulho submarino, com garrafa, de

forma que tento, sempre que a temperatura

sobe um bocadinho mais, ir fazer mergulho,

não tanto a Sesimbra porque não gosto muito

daquilo, mas sim às Berlengas. Outros sítios,

cá em Portugal, que são fenomenais é Sagres

e Lagos. Parte do meu trabalho científico envolve

viajar para conferências ou para colaborações

científicas, e uma pessoa, pelo menos

tenta, arranjar sempre um diazinho onde dê

para se visitar as cidades onde estamos a trabalhar.

Gosto imenso de viajar, dentro da Europa

ou fora dela, e portanto tento, sempre

que possível, que as minhas férias envolvam

para aí uma ou duas semanas passadas em

sítios fora de Portugal. É mais ou menos desta

maneira que ocupo o meu tempo livre.

Por último, teria muito gosto em saber

quais são os seus objetivos de vida

doravante.

Em termos de investigação, estou bastante

feliz com aquilo que estou a fazer, é claro

que sou uma pessoa que tem ambições,

há coisas que gostaria muito de conseguir

fazer, mas estou numa boa fase do meu trabalho

de investigação. Tenho mais ideias para

fazer do que tempo para as fazer, e portanto

tenho muita coisa para fazer durante os próximos

anos, em áreas diferentes. Eu e o meu

colega Rui Santos temos ideias para fazermos

artigos com pessoas da Alemanha, com as

quais temos colaborações reguladas, da Califórnia,

comecei há pouco tempo uma colaboração

com colegas da Noruega e da Polónia,

que também promete ser engraçada, talvez

retomar uns trabalhos com gente da Itália, e

ia ser giro porque uma coisa muito engraçada

nesta parte da Física é ouvir vozes diferentes.

Em Física não podemos ficar fechados

na própria concha, é preciso falar com as pessoas

de lá de fora e ver como as coisas são

feitas, porque isso ensina-nos imenso. Do

ponto de vista de ensino, gosto bastante de

dar as minhas aulas, e portanto aí vou continuando,

quer a dar as cadeiras do costume,

quer de vez em quando a propôr-me a dar

cadeiras diferentes; neste sábado (dia 29/2)

vou começar a dar uma cadeira diferente, que

nunca dei antes, na Escola Superior de Tecnologias

e Ciências da Saúde, e vamos lá ver o

que é que vai sair dali. Por coincidência, antes

de começar esta entrevista, fui falar com

o professor Nuno Araújo a dizer que houve

uns alunos de mestrado que me disseram que

queriam fazer cadeiras de mestrado de Física

Teórica de Partículas aqui, e como não havia,

tiveram de ir ao Técnico fazer essas cadeiras,

que são excelentes cadeiras, eles têm excelentes

cadeiras de Física de Partículas. Então

perguntei-lhe porque é que não criamos

mais uma cadeira de mestrado de Física de

partículas teórica aqui, cujo tema ainda está

para se decidir, e se calhar arranjei sarna para

me coçar para o ano letivo que vem, vamos lá

ver se isso vai para a frente ou não. Concluindo,

em termos profissionais há muita coisa

para fazer, pelo que me vou manter ocupado

durante imenso tempo.

Miguel Pinto

25


O senhor da

Lotaria

O Sr.

Mário, todas as quartas

feiras assistia ao Euromilhões. Quando

chegava a parte de saírem os números, o

Sr. Mário antecipava. Nunca jogou, mas pela graça do

programa lá se entretia. Ainda mais engraçado é ele acertar

todos os números exatamente antes de saírem. Nunca falhou

um número desde que começou esta brincadeira. E o senhor Mário

ria-se, podia ser o homem mais rico de sempre, mas a hipótese não

desanimava o riso do humilde. A mulher, senhora Maria Ana, não se ria.

Pudera, os dois de classe média baixa e não há proveito desta brincadeira.

Certo dia, o Sr. Mário teve um problema de saúde. A diabetes impulsionou

o entopimento duma artéria. Sem seguro de saúde que cobrisse a operação,

o Sr. Mário viu-se aflito. Claro que poderia simplesmente ir jogar no Euromilhões

e ficava tudo resolvido. Mas a questão é, e se não funcionar?

Bem, sem nada a perder, o homem lá jogou. Chegando a quarta feira,

ele e a mulher sentaram-se à televisão. Sai o primeiro número e pela

primeira vez o Sr. Mário nada disse. Consta no papelinho, menos mal.

Saiem os dois números seguintes, e o Sr. Mário começa a relaxar-se,

ao contrário da sua mulher que estava cada vez mais exaltada.

Três números já rende uns 30€. Mas três seguidos para eles

já valem 30 milhões. Sai o quarto. E nessa quarta, não foi

a diabetes que parou o coração do Sr Mário, foi um

número.

Miguel Calhau

26


HORIZONTAIS

1. Elementar Bose-Einstein;

5. Temporal Inverso mas periódico;

7. Metamorfose mecânica;

9. A particula elementar mais solitária;

11. Magnitude da variação;

12. A razão da existência da preguiça;

VERTICAIS

2. A maior lanterna do universo;

3. Ω;

4. O verdadeiro CEO da Apple;

6. Espetro da radiação eletromagnética que

rouba;

8. Das particulas elementar mais sociais;

10. Quanto e para onde;

27


Singularidade Tecnológica:

NEURALINK

28



Elon Musk é já considerado por

muitos como um visionário e uma das pessoas

mais influentes desta década, ou mesmo

deste século. Muitas das suas empresas,

como a Tesla, SpaceX, Solar City e OpenAI

tornaram-se líderes tecnológicas, forçando

um paradigma e uma direção diferente

nas suas respetivas áreas. Uma delas,

provavelmente menos conhecida, é a Neuralink,

que no dia 16 de julho de 2019 anunciou

ao mundo os seus planos para uma IBMI (Integrated

Brain-Machine Interface) portátil ao

nível do consumidor.

O cérebro humano é composto

por milhões de neurónios. Estes neurónios

estão ligados por sinapses, e por estas

sinapses estão a ser constantemente disparados

impulsos elétricos, centenas de vezes

por segundo. Estes impulsos, por sua vez,

ao atravessar as sinapses criam um impulso

eletromagnético. Uma IBMI visa ler e interpretar

estes sinais. Podemos então dizer que

esta é composta por 4 componentes

principais:

Os threads, cada um com 32 elétrodos,

que são como pequenos “fios” inseridos no

cérebro. Depois, temos um chip chamado N1,

que é aplicado à superfície da pele, capaz de

processar e converter os sinais analógicos

do cérebro para sinais digitais. Estes

sinais digitais seriam depois transmitidos

a um dispositivo removível situado atrás

da orelha, e daí são transmitidos a dispositivos

eletrónicos como computadores, smartphones

ou próteses.

Não se trata de uma ideia nova. Existem

protótipos e várias experiências, desde os

anos 90, sendo uma delas o deep brain estimulation.

Este, é um dispositivo usado para tratar

pacientes de Alzheimer e outras doenças

cerebrais. Porém, devido ao seu tamanho e

método de inserção destes elétrodos, é possível

causar graves danos no cérebro, assim

como muitos outros efeitos psicológicos secundários.

Apesar de bastante intrusivos e

arcaicos, estes dispositivos davam ao utilizador

a capacidade de controlo sobre uma prótese,

controlo sobre o ponteiro no computador,

e mesmo de sintetizar voz com apenas

256 elétrodos. A implementação da Neuralink

envolve cerca de 3072 elétrodos!

Para atingir este nível de inovação,

foram necessários ultrapassar dois desafios

principais:

• O primeiro foi criar threads suficientemente

pequenos, flexíveis e duradouros

para que a cirurgia seja o menos intrusiva possível,

segura e mais importante, duradoura.O

facto de eles serem pequenos é muito importante

por várias razões. No caso da deep

brain estimulation, devido ao tamanho dos

threads, eram lidos sinais provindos de vários

neurónios e, consequentemente, tínhamos

sobreposição devários sinais, ou ruído. Devido

aos avanços da Neuralink, conseguimos ler

sinais de neurónios individuais, melhorando a

Fotografia do N1 Chip, circuito

integrado com uma

capacidade total de 3.072

canais.

A: N1 Chip.

B: Threads num polimero

com substrato de parylene-c.

C: Encapsulamento de

titânio.

D: Porta USB C para alimentação

e transferência

de dados.

30


qualidade do sinal. Como foi dito, cada thread

tem 32 elétrodos igualmente distribuídos, ou

seja, com apenas 96 threads temos 3072 canais.

• O segundo desafio foi criar um robot

capaz de realizar esta cirurgia, pois devido

ao tamanho, complexidade, e quantidade

destes elétrodos, seria impensável conduzir

a cirurgia com um humano. Este robot

permite realizar a cirurgia com estabilidade

e rapidez, sendo este capaz de inserir

6 threads por minuto. Entretanto, este tempo

pode não corresponder ao do produto final,

uma vez que estão a ser estudados vários

materiais para a composição destes elétrodos,

podendo então variar a velocidade de

inserção. O chip capaz de “traduzir” estes canais,

chamado de N1 Chip, tem, atualmente,

duas configurações em teste com peso de

11 e 15g, respetivamente, diferindo em dimensões,materiais

e consumo elétrico. Estes

chips são capazes de processar entre 1536 e

3072 canais, respetivamente.

O N1 tem também integrado uma antena, de

forma apoder transmitir estes sinais sem fios,

levando a uma melhor experiência pelo consumidor

final. Estes sinais são, por sua vez,

transmitidos para um dispositivo removível,

responsável pelo pós-processamento e

transmissão, que é colocado atrás da orelha.

Com a tecnologia atual, seria possível

desenvolver um software de reconhec-

Fotografia de um close up da agulha de inserção dos

threads.

A: Agulha de inserção

B: Guia e suporte da agulha

C: Cartucho

imento de padrões cerebrais para comandos,

caracteres ou inputs completamente

diferentes, levando a atual experiência

de computação a níveis nunca antes vistos.

Contudo, apesar de todo o entusiasmo e ceticismo,

este produto não tem o objetivo de

nos transformar a todos em cyborgs. O seu

objetivo inicial é muito mais altruísta: ele promete

ajudar a criar próteses mais complexas,

devolvendo a independência a várias pessoas

debilitadas.

Com o aumento do uso e da

complexidade das Inteligências Artificiais,

que apresentam vários riscos, existe aqui

uma alternativa. Se as IBMIs cumprirem

a sua promessa, podem ser adotados pela

população em geral e podemos estar próximos

de algo muito maior do que a Internet.

Fotografia do robô cirúrgico criado pela Neuralink

usado para a inserção dos threads .

Ricardo Silva

31


32

Making of



34

O antes

“A FFA, ou Física Fora da Academia, é

o maior evento do Núcleo de Física e

Engenharia Física”

Esta é uma frase que os membros

deste núcleo se acostumaram a ouvir da direção

e que é conhecida por muitos dos nossos

alunos. Digo “nossos” com um certo orgulho

de participar num grupo de pessoas

que ativamente trabalha para melhorar a vida

académica destes estudantes.

Esta frase carrega a expectativa de,

no meio do apertado calendário, organizar o

melhor evento do ano letivo para os nossos

estudantes. É uma oportunidade única de reunir

os membros do núcleo e estruturar um

evento do início ao fim, e é, pelo menos para

mim, uma aventura. Esta aventura passa por

vários estágios: visão, planeamento, divulgação

e imagem, oradores, parcerias e a estrutura.

O meu objetivo, é que no final deste artigo

o leitor tenha a noção das várias fases, dificuldades

e alegrias de organizar um “evento

nicho”, focado não só na beleza da física e da

engenharia, como na adaptação feita para o

maior aproveitamento dos nossos alunos.

O durante

Visão

Julgo importante procurarmos ser

sempre a melhor versão de nós próprios, daí a

visão deste evento ser algo do género:

“vamos fazê-lo maior e melhor”

Com este mindset surge a questão, maior e

melhor que o quê?

Foi do nosso fortúnio, por trabalho de

antigas direcções, esse mindset já estar estabelecido.

Nós tivemos apenas de reestruturar

aquilo que já é uma boa ideia, criar um evento

para os nossos alunos que lhes dê a oportunidade

de conhecer melhor a vida profissional

antes de terminar o curso, na tentativa de

alinhar as suas noções do mercado de trabalho

com a realidade deste.

Nós quisemos que isto se mantivesse,

mas vai contra a ideia de criar um evento

maior, porque estamos limitados ao número

de alunos que temos. Pode ser que fazendo

uma melhor publicidade vão mais alunos ou

então que caso se coloque mais centros de

investigação vão mais investigadores e professores…

Isto pareceu-nos pouco.

Foi aí que ponderamos alterar a estrutura

do evento (que deixo para o final) e, consequentemente,

um pouco do seu mindset. A

ideia foi de criar um evento que tem a mesma

base que sempre teve, ajudar os nossos

alunos dando-lhes “noções do mercado de

trabalho e da sua realidade”, mas com o extra

de focar mais na Física e nos indíviduos que

trabalham com ela. Talvez assim, apelando

ao lado mais intelectual e pessoal, pudéssemos

trazer outra categoria de pessoas para

o evento: os apaixonados por Física e estudantes

do secundário.

Esta foi a nossa visão, e esperávamos

que, ao alargar o público-alvo, os nossos atuais

e futuros alunos valorizassem este evento,

da mesma forma que nós o fazemos e lhe

dessem, assim, a continuidade que merece.

Planeamento

Temos, então, entre nós, a tarefa de organizar

este evento, mas por onde começar?

Isto é sempre uma questão difícil. A nossa decisão

foi primeiro planear os custos e alocar o

dinheiro que seria necessário (esta é sempre

uma tarefa complicada). Foi feita e coordenada

maioritariamente pela nossa tesoureira


Andreia Domingos. É um trabalho difícil dadas

as possíveis existências de parcerias; o nunca

se saber qual a quantidade de dinheiro a

alocar a essas parcerias; e a imprevisbilidade

de terminar o evento sem dívidas nem lucros

- este é o objetivo financeiro da FFA, terminar

o evento com saldo 0.

Procuramos então dividir os membros

do núcleo em diferentes cargos: Parceiros,

Curadores, Logística e Imagem, com as seguintes

missões:

Parceiros: As tarefas de um parceiro

são simples - tentar angariar o máximo de

empresas, associações ou lojas para a Física

Fora da Academia. Isto consiste em enviar

muitos e-mails e ter uma boa capacidade de

escrita e persuasão. É relevante saber o que

é necessário para a FFA, por isso valoriza-se a

comunicação e transparência para o resto do

Núcleo.

Curadores: Para estar nesta equipa é

importante ter conhecimento do que está a

ser feito na faculdade (e fora) em termos pedagógicos;

os oradores são a cara e estrutura

da FFA, por isso um bom orador com um tema

interessante é uma excelente receita para o

sucesso. Procura-se, portanto, na equipa de

curadores, os melhores oradores nacionais e

um orador internacional.

Logística: Na equipa de logística tratamos

de… logística, ou seja, onde, como, quando

e porquê são as perguntas que alguém que

esteja em logística deve saber. Procuram-se

pessoas que gostem de interagir com o core

do evento e que estejam interessados em

planifica-lo.

são importantes e devem criadas no início e

não mais perto do evento. Gerir as expectativas

de uma equipa é um trabalho crucial, e, assim,

cada elemento consegue discernir quais

as suas tarefas e objetivos a médio prazo. Em

seguida, começa a preparação e criação da

imagem para divulgação.

Divulgação e Imagem

A imagem pode fazer a diferença entre

o sucesso ou o fracasso de qualquer produto,

evento ou marca. É de extrema importância

que esta seja apelativa, informativa e que com

o passar do tempo seja associada ao evento.

Assim como, por exemplo, a maçã da Apple ou

o retângulo amarelo da National Geographic,

a FFA ainda não tinha este tipo de imagem, e

o nosso principal objetivo foi criá-la. Procuramos

criar algo simples e iterável para futuros

núcleos. O nosso principal objetivo era fazer

com que mesmo alguém sem grande conhecimento

de edição de imagem pudesse agarrar

esta ideia e replicá-la. Criamos um logotipo,

códigos de cores, estratégias de publicação

em formato póster, redes sociais (que estamos

orgulhosos), modificámos o nosso site e

estamos a fazer esta revista.

Todos estes elementos são cruciais na

forma como o NFEF-FCUL e a própria FFA são

vistos.

Oradores

Imagem: A equipa de media será responsável

por tratar da imagem e som do dia.

Estas pessoas devem usar uma máquina fotográfica

e tirar fotos ao longo do dia. Estão

também responsáveis pela gestão e organização

dos ficheiros pós-evento.

Estas equipas e as suas respetivas missões

35


36

Encontrar oradores para o evento foi

uma das tarefas mais difíceis e recompensadoras.

Tentar encontrar oradores por si não é

fácil, mas tentar encontrar oradores ex-alunos

de Física ou Engenharia Física da Faculdade

de Ciências que não tenham vindo na edição

anterior e ofereçam temas interessantes, é

bastante complicado.

Toda a ajuda foi bem-vinda, desde os

coordenadores dos cursos, a professora Olinda

Conde, coordenadora do Mestrado Integrado

em Engenharia Física, a professora

Guiomar Evans, co-coordenadora do mesmo

curso e o professor Luis Peralta, coordenador

da Licenciatura em Física. Estes professores

disponibilizaram-nos bastantes contactos

úteis que permitiram iniciar a busca por bons

oradores.

Como núcleo, decidimos ser um pouco

mais abrangentes, englobando a comunidade

de Física e Engenharia Física do país. Consideramos

que no final de contas o que interessa

aos alunos é saber as diferentes saídas profissionais

possíveis e os caminhos para elas. Ao

apenas escolher oradores da nossa faculdade

ficaríamos bastante limitados, nesta, e em

edições futuras. Ao mesmo tempo quisemos

envolver mais os docentes da faculdade, sendo

assim proativos nas relações entre a academia

e o mercado de trabalho.

Parcerias

“Que tipo de empresas, associações ou

centros de investigação é que estão interessadas

em fazer parcerias como o nosso

núcleo?”

Esta foi a pergunta que conduziu a nossa

procura de parceiros. Estamos conscientes

do valor que temos nos nossos alunos e docentes:

o Departamento de Física é um centro

de conhecimento e formação de excelência.

Os parceiros associados têm de ter interesse

em captar alunos para estágios e para os

empregar, para disseminar o conhecimento

através de workshops ou aulas, e para auxiliar

o núcleo nas suas atividades.

É importante para nós que as parcerias

que fossem feitas este ano se mantivessem

no futuro. Felizmente, devido ao trabalho da

equipa de parceiros, tivemos sucesso e conseguimos

parcerias com 6 centros de investigação:

BioISI, CFTC, Centra, IA, LOLS, LIP;

e três empresas: Adlaser, Closer e Siemens.

Contámos também com o apoio da SPF, Sociedade

Portuguesa de Física, que apoia sempre

os eventos estudantis no âmbito da física

em Portugal. A todos estes parceiros quero

agradecer bastante pelo apoio dado e esperamos

contar com vocês numa edição futura.

No entanto, o meu objetivo é descrever-vos

este processo. Vou-me esquivar dessa

tarefa dando oportunidade aos testemunhos

dos dois membros do NFEF que mais contribuíram

e foram incansáveis para que estas

parcerias fossem possíveis, Miguel Pinto e

António Maschio.

Miguel Pinto

Confesso que nunca tinha tido experiência

em contactar empresas, de forma alguma,

pelo que, inicialmente, estava um pouco reticente

sobre a minha entrada para a equipa

de parceiros, por não ter a certeza de que

daria conta do trabalho. Com o passar do

tempo, senti essa insegurança a desaparecer,

muito por culpa tua (Tomás), que sempre

estiveste predisposto para nos ajudar. A

parte mais frustrante no meio disto tudo era

quando mandávamos um e-mail todo janota e

ninguém da empresa em questão respondia.

Enfim, aprendi o quão difícil é compôr a mensagem

certa para a pessoa certa. No final, foi

muito prazeroso saber que contribuí, assim

como toda a gente da equipa de parceiros,

para que o nosso núcleo colaborasse com

empresas de renome, e que, certamente, iriam

tornar Física Fora da Academia ainda mais

especial.


António Maschio

A FFA deste ano tinha como objectivo

ter muitas mais empresas que nos anos anteriores

e no início tínhamos uma lista contactos

para o evento muito pequena. O maior trabalho

feito por mim foi expandir esta tal lista

de contactos onde estão empresas que têm

interesse em contratar alunos da área de Física.

No início, falar com empresas e exalunos

foi intimidante. Parecia que o simples

ato de responderem era um grande favor

para nós. Obviamente esse não é o caso, pois

o interesse das empresas em participar nos

nossos eventos e em nos contactar é mútuo,

consegui aprender isso rapidamente. Uma

nota interessante é que os ex-alunos de uma

forma geral tiveram todo o prazer em falar

connosco e ajudar-nos.

Aprendi a comunicar com as instituições,

adquiri novo vocabulário como o significado

de “use case”. Aprendi a estar à vontade

com a comunicação de empresas no

geral que pode ser intimidante no ínicio.

Estrutura

Um dos nossos principais objetivos era

criar uma estrutura que conseguisse englobar

tudo o que foi falado anteriormente e ao

mesmo tempo tornar o evento diverso no seu

formato. Sentimos que comumente nestes

tipos de eventos não existe um esforço para

diversificar, é sempre um orador sozinho no

palco com os seus slides a debater um tema

meticulosamente estudado e manipulado.

Devido a este desconforto e depois de muitas

reuniões decidimos introduzir os seguintes

formatos:

Debate FFA: Três oradores e um moderador

debatem um determinado tema relacionado

com física, engenharia ou o mercado

de trabalho. Com esta dinâmica instiga-se

uma maior genuinidade, para os participantes

a sessão é também mais entusiasmante

porque consegue absorver a perspectiva de

três pessoas diferentes em vez de apenas

uma. É importante também que neste debate

os oradores convidados sejam de áreas diferentes

de maneira a conseguir ter um debate

mais diverso

Talking Heads: Dois oradores numa

conversa sobre um determinado tema da

física ou engenharia. Neste formato em específico

tivemos o cuidado de emparelhar

um especialista da área com um investigador

mais novo da mesma área tornando assim

perceptível a evolução da mesma ao longo do

tempo.

Coffee Breaks com Centros de Investigação

e Empresas: Neste intervalo

procuramos não só dar um descanso mental

aos participantes como promover conversas

relaxadas sobre os centros de investigação ou

empresas que participam no evento.

O após

O evento que aconteceu sem nunca ter

acontecido é como descrevo a Física Fora da

ademia 2020, a dias de consagrar e saborear

todo o trabalho que fizemos este foi cancelado

devido à pandemia que hoje em dia sofremos.

Escrevo este artigo na esperança de

entusiasmar os futuros alunos e docentes a

criar algo que o Departamento de Física e a

Faculdade de Ciências se sintam orgulhosos

de promover. No final de contas queremos todos

conhecer mais, aprender mais:

“O que hoje não sabemos, amanhã

saberemos.”

Tomás Sousa

37


38

Universidade



40

Das várias instituições de ensino que

existiram ao longo da história da humanidade,

destacam-se as universidades. Não

existe uma data objetiva que determine o

surgimento da primeira universidade no mundo

ocidental. O seu aparecimento foi gradual

e resultado do crescimento das escolas

urbanas e da necessidade por parte de alguns

eruditos de um ensino mais avançado.

Para se compreender o movimento intelectual

que teve lugar na Europa no século

XII, tem de se recuar no tempo até à queda

do Império Romano no século V. A desagregação

do Império conduziu à queda das instituições

de educação vigentes na altura,

onde apenas uma pequena percentagem da

população – elite – sabia ler grego antigo e

muitas obras foram perdidas em guerras.

Ainda assim, há registo de indivíduos

que se dedicaram à preservação de alguns

textos, conhecidos como enciclopedistas

latinos. Neste sentido, são de salientar nomes

como Boécio (480 a 525) que se dedicou

à tradução de algumas obras para latim, e

trabalhou na corte do Rei Teodorico do Reino

Ostrogótico, e Isidoro de Sevilha (560 a

636), arcebispo em Sevilha, que escreveu

Etymoliae, uma enciclopédia que abordava

os mais diversos temas incorporando parte

do conhecimento da Grécia Antiga e outros.

Anos mais tarde, dá-se ainda a chamada

Renascença Corolíngua com Carlos Magno

(742 a 814), Rei dos Francos e dos Lombardos

e Imperador do Sacro Império Romano,

através de reformas na educação como a

criação de catedrais dedicadas ao ensino na

Europa, para onde foram convidados a lecionar

os maiores intelectuais da época, aumento

da literacia no continente europeu e

investimento na preservação de várias obras.

Com a queda do Império de Carlos

Magno, a produção de conhecimento volta a

estagnar na Europa. No século XI, com o surgimento

de monarquias, consegue-se assegurar

alguma estabilidade e, por conseguinte,

verifica-se um crescimento exponencial da

população, uma multiplicação de cidades e

uma expansão do comércio que se apoiaram

na difusão de novas técnicas agrícolas e de

transporte. Dá-se, portanto, a urbanização,

a qual é acompanhada pela criação de escolas

urbanas. Estas tentavam justificar e explicar

fenómenos com base na razão e procederam

à recuperação de clássicos latinos.

Em simultâneo, decorre a reconquista

cristã. Recorde-se que na segunda metade

do século VII os muçulmanos tinham ocupado

as regiões do Médio Oriente, da África do

Norte, da Península Ibérica e da Sicília, nas

quais entraram em contacto, traduziram para

árabe e comentaram os textos científicos, filosóficos

e médicos gregos esquecidos pelos

europeus. Os povos cristãos, ao recuperarem

estes territórios, em particular grandes centros

de conhecimento como Córdova, Toledo

e Palermo, voltaram a estar na posse dos textos

antigos e puderam traduzi-los novamente

e difundi-los pela Europa. Além da recuperação

da tradição greco-romana também

se descobriram saberes árabes e indianos.

Estando instalada esta renovação intelectual,

as universidades surgem oferecendo

um local para a discussão das obras

recentemente redescobertas. Inicialmente

o termo “Universidade” aplicava-se a uma

comunidade de professores e alunos que se

juntam para estudarem. As universidades

caracterizavam-se pela sua independência e

liberdade. Eram fundadas e financiadas pelo

rei e/ou pelo papa que também ofereciam

proteção. Os seus membros beneficiavam

ainda do estatuto de clero e de todos os privilégios

inerentes sem terem de ser presbíteros

ou de pertencerem a uma ordem religiosa.

Localizando-se nas cidades, as universidades

recebiam um estatuto particular

e proteção das autoridades locais,

uma vez que estas eram vistas como sendo

uma fonte de prestígio e de formação

dos trabalhadores do Estado; permitiam,

ainda, formar a classe alta do povo e a

burguesia. A igreja beneficiava da trans-


missão de uma cultura e doutrina religiosas.

Nas principais universidades o ensino

dividia-se em quatro faculdades: artes liberais,

teologia, direito e medicina. Os estudantes

iniciavam o seu percurso académico

por volta dos catorze anos com um bacharelato

na faculdade das artes liberais. Este

dividia-se em dois grupos de disciplinas: o

trivium (gramática, lógica, retórica) e o quadrivium

(aritmética, geometria, astronomia,

música). O bacharelato tinha a duração

de quatro anos, porém a maioria dos alunos

não permanecia durante mais de dois anos

na faculdade. Os detentores da licenciatura

em artes liberais podiam ensinar qualquer

pessoa que estivesse a realizar a mesma e

tinham direito a entrar numa das outras faculdades.

A duração dos cursos nas outras

faculdades era de seis anos para medicina,

oito para direito e mais de doze para teologia.

A transferência de alunos e professores

entre universidades era comum e

era possível na medida em que o estudo

feito numa universidade era reconhecido

por qualquer outra – sistema de equivalências.

O facto da matéria lecionada ser semelhante

e de o ensino ser feito em latim

também incentivava estas deslocações.

O sistema de organização das universidades

da idade média é bastante idêntico

ao atual. Na verdade, o Processo de Bolonha

teve como objetivo a recuperação dos valores

destas instituições. A Magna Charta Universitatum

foi assinada por 388 reitores em 1988

contando com 889 assinaturas em 2018. Os

princípios básicos da reforma passam pela

liberdade académica – protege o processo

do conhecimento dos interesses de governantes

e outros -, autonomia institucional –

direito à seleção do professorado, atribuição

de diplomas, entre outros -, garantias para o

estudante e intercâmbio entre universidades.

Posto isto, o conceito de universidade

conta com quase um milénio de história.

Evoluiu, sofreu algumas alterações, todavia

manteve os seus fundamentos praticamente

imutáveis. Estes locais foram e continuam a

ser uma fonte de produção de conhecimento.

Observa-se que a educação de uma parte

considerável da população contribui para

o desenvolvimento da sociedade e o sucesso

desde modelo no mundo ocidental fez

com que fosse adotado no resto do globo.

Bibliografia

GINGRAS, Yves, KEATING, Peter, LIMOGES,

Camille. Do Escriba ao Sábio: Os Detentores

do Saber da Antiguidade à Revolução Industrial.

Porto: Porto Editora, 2007.

LINDBERG, David C.. The Beginnings of

Western Science. The University of Chicago

Press, 2008.

LINDBERG, David C., SHANK, Michael H..

The Cambridge History of Science: Volume

2, Medieval Science. Cambridge University

Press, 2018

Ana Patrícia Magalhães

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