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Gestão Hospitalar N.º 21 2020

Despacho não, despachem-se! Tudo mudou. Portugal recomeçou Recuperar, reorganizar e reconstruir: saúde de novo a prioridade Uma visão sustentável da saúde com bem-estar Retoma do sistema de saúde: antigas e novas preocupações Planeamento: uma necessidade premente! Resposta à Covid-19: o que foi feito e o que há para fazer O laboratório militar no apoio ao SNS e à sociedade civil A resposta da emergência médica e os impactos no tempo com a Covid-19 SNS24: a porta aberta do SNS Utopia ou não utopia, eis a questão Arrumar a casa depois do tsunami Covid Covid-19 e doença cardiovascular: da pandemia, um olhar para o futuro? A integração de cuidados pós-Covid-19: do “novo normal” a um “normal novo” “Fique em casa” tornou-se viral e resultou Diabetes e Covid-19: cronologia de uma relação pouco feliz Operação Luz Verde: hospitais mais próximos dos doentes Persistir em devir. Do Éden ao purgatório? A oportunidade dos CRI no pós-Covid-19 Contributos da Coordenação Nacional de Emergência da Cruz Vermelha na resposta à pandemia Estimativa de custos dos internamentos potencialmente evitáveis em Portugal Modelos de acesso ao sistema de saúde em situações de urgência 7ª edição do prémio vai distinguir projetos desenvolvidos no âmbito da resposta à pandemia Participação do cidadão na era da Covid-19 APAH lança academia de formação em formato digital

Despacho não, despachem-se!
Tudo mudou. Portugal recomeçou
Recuperar, reorganizar e reconstruir: saúde de novo a prioridade
Uma visão sustentável da saúde com bem-estar
Retoma do sistema de saúde: antigas e novas preocupações
Planeamento: uma necessidade premente!
Resposta à Covid-19: o que foi feito e o que há para fazer
O laboratório militar no apoio ao SNS e à sociedade civil
A resposta da emergência médica e os impactos no tempo com a Covid-19
SNS24: a porta aberta do SNS
Utopia ou não utopia, eis a questão
Arrumar a casa depois do tsunami Covid
Covid-19 e doença cardiovascular: da pandemia, um olhar para o futuro?
A integração de cuidados pós-Covid-19: do “novo normal” a um “normal novo”
“Fique em casa” tornou-se viral e resultou
Diabetes e Covid-19: cronologia de uma relação pouco feliz
Operação Luz Verde: hospitais mais próximos dos doentes
Persistir em devir. Do Éden ao purgatório?
A oportunidade dos CRI no pós-Covid-19
Contributos da Coordenação Nacional de Emergência da Cruz Vermelha na resposta à pandemia
Estimativa de custos dos internamentos potencialmente evitáveis em Portugal
Modelos de acesso ao sistema de saúde em situações de urgência
7ª edição do prémio vai distinguir projetos desenvolvidos no âmbito da resposta à pandemia
Participação do cidadão na era da Covid-19
APAH lança academia de formação em formato digital

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ABRIL MAIO JUNHO <strong>2020</strong><br />

Edição Trimestral<br />

N<strong>º</strong> <strong>21</strong><br />

GESTÃO<br />

HOSPITALAR<br />

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA aSSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ADMINISTRADORES HOSPITALARES<br />

Confiança no presente<br />

esperança no futuro


GH OPhghgh<br />

GESTÃO<br />

HOSPITALAR<br />

PROPRIEDADE<br />

APAH - Associação Portuguesa<br />

de Administradores <strong>Hospitalar</strong>es<br />

Parque de Saúde de Lisboa Edíficio, 11 - 1<strong>º</strong> Andar<br />

Avenida do Brasil, 53<br />

1749-002 Lisboa<br />

secretariado@apah.pt<br />

www.apah.pt<br />

DIRETOR<br />

Alexandre Lourenço<br />

DIRETORA-ADJUNTA<br />

Bárbara Sofia de Carvalho<br />

COORDENAÇÃO EDITORIAL<br />

Catarina Baptista, Miguel Lopes<br />

COORDENAÇÃO TÉCNICA<br />

Alexandra Santos<br />

EDIÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO<br />

Bleed - Sociedade Editorial e Organização<br />

de Eventos, Ltda<br />

Av. das Forças Armadas, 4 - 8B<br />

1600 - 082 Lisboa<br />

Tel.: <strong>21</strong>7 957 045<br />

info@bleed.pt<br />

www.bleed.pt<br />

PROJETO GRÁFICO<br />

Sara Henriques<br />

DISTRIBUIÇÃO<br />

Gratuita<br />

PERIODICIDADE<br />

Trimestral<br />

DEPÓSITO LEGAL N.<strong>º</strong><br />

16288/97<br />

ISSN N.<strong>º</strong><br />

0871- 0767<br />

TIRAGEM<br />

2.000 exemplares<br />

IMPRESSÃO<br />

Grafisol, Lda<br />

Rua das Maçarocas<br />

Abrunheira Business Center, 3<br />

2710-056 Sintra<br />

Esta revista foi escrita segundo as novas regras<br />

do Acordo Ortográfico<br />

Estatuto Editorial disponível em www.apah.pt<br />

Capa:<br />

Alexandre Farto aka Vhils<br />

Linha da Frente<br />

Projecto Scratching the Surface<br />

Parede esculpida em baixo-relevo<br />

Centro <strong>Hospitalar</strong> Universitário de São João<br />

Porto, Portugal<br />

Junho de <strong>2020</strong><br />

GH SUMÁRIO<br />

ABRIL MAIO JUNHO <strong>2020</strong><br />

4<br />

6<br />

8<br />

12<br />

14<br />

16<br />

20<br />

24<br />

30<br />

34<br />

40<br />

42<br />

46<br />

48<br />

52<br />

54<br />

56<br />

60<br />

64<br />

70<br />

74<br />

78<br />

84<br />

90<br />

92<br />

96<br />

Editorial<br />

#Futuro<br />

Visão | Médicos<br />

Despacho não, despachem-se!<br />

Visão | Enfermeiros<br />

Tudo mudou. Portugal recomeçou<br />

Visão | Farmacêuticos<br />

Recuperar, reorganizar e reconstruir: saúde de novo a prioridade<br />

Visão | Psicólogos<br />

Uma visão sustentável da saúde com bem-estar<br />

Visão | Nutricionistas<br />

Retoma do sistema de saúde: antigas e novas preocupações<br />

Saúde Pública<br />

Planeamento: uma necessidade premente!<br />

Cuidados de Saúde Primários<br />

Resposta à Covid-19: o que foi feito e o que há para fazer<br />

Saúde Militar<br />

O laboratório militar no apoio ao SNS e à sociedade civil<br />

Emergência<br />

A resposta da emergência médica e os impactos no tempo com a Covid-19<br />

E Saúde<br />

SNS24: a porta aberta do SNS<br />

Reflexão<br />

Utopia ou não utopia, eis a questão<br />

Medicina interna<br />

Arrumar a casa depois do tsunami Covid<br />

Opinião<br />

Covid-19 e doença cardiovascular: da pandemia, um olhar para o futuro?<br />

Atividade Assistencial<br />

A integração de cuidados pós-Covid-19: do “novo normal” a um “normal novo”<br />

Comunicação<br />

“Fique em casa” tornou-se viral e resultou<br />

Voz do Cidadão<br />

Diabetes e Covid-19: cronologia de uma relação pouco feliz<br />

<strong>Gestão</strong><br />

Operação Luz Verde: hospitais mais próximos dos doentes<br />

Direito Biomédico<br />

Persistir em devir. Do Éden ao purgatório?<br />

Inovação Organizacional<br />

A oportunidade dos CRI no pós-Covid-19<br />

Resposta de Emergência<br />

Contributos da Coordenação Nacional de Emergência da Cruz Vermelha<br />

na resposta à pandemia<br />

Espaço ENSP<br />

Estimativa de custos dos internamentos potencialmente evitáveis em Portugal<br />

Serviços de Saúde<br />

Modelos de acesso ao sistema de saúde em situações de urgência<br />

Iniciativa APAH | Prémio Healthcare Excelence<br />

7ª edição do prémio vai distinguir projetos desenvolvidos no âmbito<br />

da resposta à pandemia<br />

Iniciativa APAH | Webinar Participação do cidadão na era da Covid-19<br />

Participação do cidadão na era da Covid-19<br />

Iniciativa APAH | APAH Go Digital<br />

APAH lança academia de formação em formato digital<br />

3


GH editorial<br />

Alexandre Lourenço<br />

Presidente da APAH<br />

#futuro<br />

Seis dos dez rostos dos profissionais de saúde<br />

esculpidos à porta do Hospital de São<br />

João por Vhils são a capa desta RGH.<br />

Entre os profissionais, a gravidade da situação<br />

e o propósito partilhado aproximou-nos.<br />

Nesta edição, os bastonários das Ordens dos<br />

Médicos, Enfermeiros, Farmacêuticos, Psicólogos e Nutricionistas,<br />

falam da necessidade de recuperar o tempo<br />

perdido e da reconstrução do SNS. Miguel Guimarães<br />

apela à ação, Ana Rita Cavaco à mudança, Ana Paula<br />

Martins à reconstrução, Francisco Miranda Rodrigues à<br />

saúde bem-estar, e Alexandra Bento a novas estratégias<br />

públicas sem negligenciar os problemas antigos.<br />

A estrutura nacional de emergência médica foi colocada<br />

sobre pressão adicional durante a fase inicial de resposta<br />

da Covid-19. Luís Meira avalia a resposta do INEM e<br />

oferece aprendizagens para o futuro. O Administrador<br />

<strong>Hospitalar</strong> Carlos Alberto Silva contribui para esta discussão<br />

através do artigo de revisão sobre modelos de<br />

acesso aos sistemas de saúde em situações de urgência.<br />

Pela Cruz Vermelha, Gonçalo Órfão fala do papel da<br />

Cruz Vermelha na resposta à pandemia. Margarida de<br />

Sá Figueiredo de Almeida elabora sobre o papel do Laboratório<br />

Militar no apoio ao SNS.<br />

Ricardo Mexia fala-nos dos desafios que esta pandemia<br />

representa e da necessidade de planear a resposta para<br />

o médio-prazo. Maria Isabel Pereira dos Santos e colegas<br />

falam-nos do que ainda está por fazer ao nível dos<br />

cuidados de saúde primários. Na medicina interna, João<br />

Araújo Correia procura arrumar a casa depois do ‘tsunami’.<br />

Pela integração de cuidados, Adelaide Belo procura<br />

aproveitar a janela de oportunidade para um “normal<br />

novo”. Francisco Velez Roxo fala-nos em repensar e<br />

reinventar a dimensão comunitária/social/saúde enquanto<br />

alicerce integrador da resposta às necessidades do<br />

cidadão: assumir a utopia?<br />

Os doentes crónicos têm sido bastante negligenciados<br />

pelo sistema de saúde. São já milhões de consultas médicas<br />

e mais de uma centena de milhar de cirurgias que<br />

ficaram por realizar. Victor Machado Gil aborda o impacto<br />

no controlo da doença cardiovascular e José<br />

Manuel Boavida da diabetes. O espaço ENSP elabora<br />

sobre os custos dos internamentos evitáveis em Portugal.<br />

Apesar de apresentar dados pré-Covid, diz-nos que<br />

perto de 10% de todos os internamentos em hospitais<br />

públicos são potencialmente evitáveis, estimando-se um<br />

custo superior a 250 milhões de euros.<br />

No campo das soluções, Ricardo Mestre propõe os<br />

centros de responsabilidade integrados para a melhoria<br />

do acesso. Luís Goes Pinheiro oferece-nos um vislumbrar<br />

das potencialidades do SNS24 como centro<br />

de contacto, incluindo o acompanhamento remoto de<br />

doentes crónicos. Humberto Martins apresenta os ensinamentos<br />

da dispensa de medicamentos hospitalares<br />

em farmácias de oficina. Dulce Salzedas da importância<br />

da boa comunicação.<br />

Na APAH continuamos a procurar inovar e a acreditar<br />

no futuro. A Academia APAH apresenta agora um formato<br />

digital com vários cursos disponíveis. Ao juntarmos<br />

o canal de gestão em saúde no YouTube, são centenas<br />

de horas de formação disponíveis de forma gratuita.<br />

Entre os sócios da APAH, a discussão sobre a proposta<br />

de revisão de estatutos está a gerar bastante interesse. A<br />

Direção está a promover a discussão da proposta, tendo<br />

já sido organizadas várias sessões de discussão que<br />

se encontram gravadas e disponíveis aos sócios. Pela sua<br />

importância, todos têm o direito de ser esclarecidos,<br />

pedir alterações ou mesmo apresentar alternativas. A<br />

Direção ouve, apresenta os argumentos e, em consciência,<br />

apresentará uma proposta à Assembleia Geral.<br />

Como não poderia deixar de ser, os sócios decidirão o<br />

futuro da sua associação. Importa que todos estejamos<br />

cientes do caminho proposto e da sua importância para<br />

a profissionalização da gestão de serviços de saúde<br />

em Portugal.<br />

Confiança no Presente, Esperança no Futuro.<br />

Até porque, até prova em contrário, somos nós que<br />

o construímos. Ã<br />

4


GH VISÃO MÉDICOS<br />

DESPACHO NÃO,<br />

DESPACHEM SE!<br />

Miguel Guimarães<br />

Bastonário da Ordem dos Médicos<br />

Debates, ciclos de debates. Visitas e<br />

roteiros. Grupos de trabalho, coordenações.<br />

Livros brancos, livros amarelos,<br />

livros de todas as cores. Decretos,<br />

portarias, despachos. A recolha<br />

de informação, o contacto com o terreno e com os<br />

profissionais podem ser essenciais quando queremos<br />

conhecer melhor e atuar com conhecimento de causa,<br />

seja qual for o setor de atividade - mas, para isso, é essencial<br />

que se passe das palavras aos atos. Os estudos<br />

e diagnósticos sobre o Serviço Nacional de Saúde são<br />

inúmeros. E não são de hoje. Arrisco-me a dizer que<br />

se republicarmos agora, praticamente ipsis verbis, um<br />

qualquer relatório com 20 anos, quase ninguém notará.<br />

Quiçá, nem os protagonistas fará falta alterar, ora<br />

vigorando mais acima ou mais abaixo nos autores. Infelizmente,<br />

tem sido necessário que alguma coisa mude<br />

para que tudo fique na mesma, evocando Giuseppe<br />

Tomasi di Lampedusa.<br />

O Serviço Nacional de Saúde está doente. Já todos<br />

o sabemos. Já todos lemos e estudámos sobre este<br />

doente. O diagnóstico também não suscita grandes<br />

dúvidas. Apesar de existirem vários tratamentos possíveis,<br />

pasme-se, pois nem aí os caminhos apontados<br />

são assim tão diferentes. Não precisamos de mais um<br />

diploma, de mais um “vamos ver, vamos estudar, vamos<br />

analisar”. Não precisamos de um despacho, precisamos<br />

que se despachem a implementar no terreno<br />

as decisões urgentes que a saúde em Portugal exige.<br />

Este grito de alerta é recorrente, mas com a pandemia<br />

que atravessamos tornou-se ainda mais notória a necessidade<br />

de termos serviços públicos fortes, nomeadamente<br />

na área da saúde, até pelo impacto direto<br />

que tem na economia. A saúde é o motor da economia<br />

e deve ser entendida como um investimento em<br />

todos nós e não como um gasto. Mais: com a resposta<br />

à Covid-19 muitos atos, como consultas, cirurgias e<br />

exames, foram cancelados ou adiados. Muitos doentes<br />

nem sequer conseguiram aceder aos cuidados de saúde<br />

para um primeiro contacto, necessário para virem a<br />

integrar as listas de espera.<br />

As primeiras contas possíveis são assustadoras. Entre<br />

março e maio de <strong>2020</strong>, por comparação com os<br />

mesmos meses de 2019, fizeram-se menos 378.638<br />

primeiras consultas hospitalares e menos 518.014<br />

consultas subsequentes. Depois, 93.301 doentes não<br />

foram operados. Nos cuidados de saúde primários registaram-se<br />

menos 3.045.495 consultas presenciais e<br />

menos 30.005 domicílios. A isto podemos ainda juntar<br />

a quebra de 591.137 episódios de urgências, com um<br />

impacto de menos 29% nos doentes triados com pulseira<br />

vermelha, 37% nos laranjas, 45% nos amarelos e<br />

45% também nos verdes.<br />

Tenho-me referido a este facto como a outra pandemia,<br />

a pandemia dos outros doentes que nem sequer<br />

conseguimos contabilizar, mas que têm doenças<br />

tão ou mais urgentes, com inevitável impacto na<br />

morbilidade e mortalidade. Mais grave, em muitos casos<br />

estamos a falar de doentes sem nome e sem rosto.<br />

Se podemos saber que uma cirurgia marcada não<br />

se realizou, muito mais difícil será identificar quem<br />

ficou pelo caminho por nem sequer entrar nas listas<br />

de espera ou de cancelamentos.<br />

Tudo isto agudizou a necessidade de olharmos para<br />

a saúde como a joia da coroa, sem esquecer também<br />

a importância de se apostar mais do que nunca numa<br />

resposta para a saúde mental e para todas as patologias<br />

que em cenário de crise sabemos que se agravam.<br />

É urgente um plano de retoma sem preconceitos ideológicos,<br />

que se foque tão só e apenas em resolver o<br />

problema dos doentes, que crie novas estratégias para<br />

recuperar os sem rosto que ficaram para trás e que só<br />

voltarão a ter uma oportunidade se o SNS for pró-ativo<br />

a tentar encontrá-los.<br />

Infelizmente não foi esta preocupação que encontrámos<br />

no orçamento suplementar apresentado e que<br />

deixa o Serviço Nacional de Saúde, literalmente, a ver<br />

aviões. Para a saúde foram destinados 504,4 milhões<br />

de euros, para a TAP 1200 milhões. O valor destinado<br />

à saúde não permite recuperar o que se perdeu nestes<br />

três meses e o que se continuará a perder, tanto<br />

por via da pandemia propriamente dita como de todas<br />

as medidas de proteção adicionais que continuarão a<br />

vigorar e que implicam mais espaçamento de doentes<br />

e mais despesa em equipamentos de proteção individual.<br />

Já para não relembrar a suborçamentação crónica<br />

existente há largos anos.<br />

O que foi destinado à saúde não vai ao encontro do<br />

que os portugueses entendem como prioritário para<br />

as suas vidas e que têm vindo a reportar em várias<br />

sondagens. O que foi destinado à saúde não contribui<br />

para a valorização dos profissionais e da qualidade,<br />

apesar de ser neles que os cidadãos confiam. Atente-se<br />

à mais recente sondagem publicada pela Intercampus<br />

e em que os portugueses reconheceram o<br />

trabalho do primeiro-ministro na pandemia - e bem,<br />

mas em que colocaram no topo os profissionais de<br />

saúde, que receberam a avaliação mais elevada, com<br />

77% dos portugueses a dizerem que os médicos,<br />

enfermeiros e auxiliares de saúde estiveram “muito<br />

bem” na luta contra o novo coronavírus e com <strong>21</strong>%<br />

a dizerem que estiveram “bem”, o que perfaz um total<br />

de 98% de avaliações positivas. Os profissionais de<br />

saúde foram, aliás, os únicos a merecer a nota máxima<br />

de forma tão expressiva.<br />

Mesmo o SNS, que recebeu a segunda maior taxa de<br />

resposta de “muito bem”, só obteve 32%. O “bem”<br />

fixou-se nos 56%, perfazendo um total de 88% de reconhecimento<br />

ao trabalho das unidades de saúde. O<br />

terceiro lugar foi para o Primeiro-Ministro, com 27%<br />

de “muito bem” e 58% de “bem” (total de 85% de<br />

avaliações positivas). O Presidente da República surgiu<br />

em quarto lugar, com um total de 81% de avaliações<br />

positivas (27% muito bem e 54% bem). Em quinto<br />

lugar os portugueses colocaram a Ministra da Saúde,<br />

com <strong>21</strong>% de “muito bem” e 51% de bem (total de<br />

72%). O último lugar coube à Diretora-Geral da Saúde,<br />

que recolheu apenas 18% de “muito bem” e 47%<br />

de “bem”, num total de 65%.<br />

Sem populismos e demagogias - a saúde é demasiado<br />

importante para ser arma política, ouçamos o que nos<br />

pedem os portugueses e o que corroboram os profissionais<br />

que estão no terreno todos os dias a fazer<br />

o SNS acontecer. Não há números mágicos e a tarefa<br />

não se esgotará nunca. Mas há 10 medidas urgentes e<br />

que permitiriam recolocar o SNS no caminho certo<br />

e que foram recentemente integradas no movimento<br />

SOS SNS, ao qual a Ordem dos Médicos se associou<br />

com a Ordem dos Farmacêuticos, pelo amplo<br />

consenso que geram e pela forma como permitiriam<br />

continuar a honrar a história de sucesso da saúde em<br />

Portugal. Sintetizemo-las:<br />

1. Garantir médico de família e equipa de saúde para<br />

todos os cidadãos;<br />

2. Aumentar o acesso a todos os cuidados de saúde<br />

e através de Programa Excecional resolver as listas de<br />

espera para cirurgias, consultas e exames complementares<br />

de diagnóstico e terapêutica, num exercício de<br />

apuramento real das necessidades e de aproveitamento<br />

dos recursos existentes;<br />

3. Desenvolver Vias Verdes Clínicas abertas e Vias Verdes<br />

com o apoio da telemedicina promovendo uma<br />

melhor articulação entre os cuidados de saúde primários<br />

e os cuidados hospitalares;<br />

4. Integrar e expandir a hospitalização domiciliária, promovendo<br />

a telemedicina e desenvolvendo serviços específicos<br />

para assistência no domicílio, em articulação<br />

com o sistema de saúde e as associações de doentes;<br />

5. Equipar as unidades de saúde e integrar aplicações móveis<br />

para aperfeiçoar e desenvolver a medicina à distância<br />

na monitorização e seguimento de doentes crónicos;<br />

6. Garantir proximidade na dispensa de medicamentos;<br />

7. Garantir o acesso à inovação terapêutica e tecnológica;<br />

8. Projeto 10 milhões de Portugueses - mais literacia,<br />

mais prevenção, mais participação;<br />

9. Reforçar a governação clínica das unidades de saúde,<br />

valorizar os profissionais e reorganizar os serviços<br />

hospitalares em unidades de cuidados integrados e<br />

centros de responsabilidade integrados;<br />

10. Evoluir para um orçamento público da Saúde em<br />

% PIB equivalente à média da UE, com uma lei de<br />

meios e orçamentação plurianual.<br />

É hora de fazer acontecer. Despachemo-nos enquanto<br />

é tempo. Se fizer falta um despacho, que se publique<br />

com efeitos retroativos, justificando-se que o doente<br />

era grave e corria risco iminente de vida. Ã<br />

6 7


GH VISÃO ENFERMEIROS<br />

TUDO MUDOU.<br />

PORTUGAL RECOMEÇOU<br />

Ana Rita Cavaco<br />

Bastonária da Ordem dos Enfermeiros<br />

Tudo mudou nos últimos meses. O mundo<br />

transformou-se radicalmente. Alteraram-se<br />

as relações sociais, profissionais<br />

e económicas. Mudaram-se hábitos ancestrais<br />

de relacionamento humano e,<br />

pela primeira vez na história da humanidade, temos um<br />

mundo inteiro a falar sobre o mesmo tema, a discutir<br />

as mesmas preocupações e a procurar uma saída comum.<br />

Dito de outra forma, o vírus colocou o debate<br />

sobre a Saúde no centro das nossas angústias coletivas<br />

e obrigou-nos a parar para pensar. E agora?<br />

A pergunta é suficientemente vaga. Seria preferível,<br />

apesar da urgência, perguntar: E amanhã? A verdade é<br />

que vivemos na ditadura do agora e a memória nem<br />

sempre resiste às tentações da atualidade. A melhor<br />

forma de não esquecer aquilo que nos aconteceu<br />

passa por concretizar transformações de fundo, impor<br />

mudanças que corrijam problemas estruturais e combatam<br />

injustiças antigas. É esse o primeiro grande desafio.<br />

Vou chamá-lo de desafio da vontade.<br />

As gerações futuras não nos perdoariam se deixássemos<br />

estar tudo como estava antes desta pandemia.<br />

Em Portugal, este vírus colocou a nu as fragilidades do<br />

sistema, mas também a sua centralidade na vida de todos<br />

nós. Percebemos, à força, que nada vale se não<br />

tivermos saúde. Mais. Percebemos, com uma violência<br />

que marcará as nossas vidas para sempre, que trememos<br />

perante a dúvida sobre a capacidade de resposta<br />

do nosso Serviço Nacional de Saúde (SNS). A pandemia<br />

desmontou os nossos medos e as nossas dúvidas.<br />

Mostrou que não há Liberdade sem um efetivo acesso<br />

aos cuidados de saúde. Não há Democracia. Assim<br />

sendo, é preciso começar por ter vontade para mudar<br />

as regras do jogo na saúde. Aceitar que agora começa<br />

um tempo novo. Recusar voltar a ceder à vaidade, ao<br />

egoísmo e ao compadrio na gestão da coisa pública.<br />

Os governos não poderão voltar a olhar para a Saúde<br />

como a prateleira onde se arrumam os amigos, nem<br />

onde se justificam cativações.<br />

É aqui que surge o segundo grande desafio. O da clareza.<br />

É necessário dizer de forma clara, preto no branco,<br />

sem espaço a interpretações duvidosas, qual o lugar<br />

da Saúde na hierarquia das prioridades políticas destes<br />

novos tempos. Isso significa reforço do investimento<br />

e os primeiros sinais não foram positivos. O Governo<br />

vacilou no momento em que deveria ter mostrado<br />

que tinham aprendido alguma coisa com aquilo que<br />

nos aconteceu. Quando, no Orçamento Suplementar,<br />

se dedica ao SNS menos de metade do investimento<br />

que se prepara para fazer na TAP, o Governo dá um<br />

sinal errado para o futuro e falha estrondosamente no<br />

desafio da clareza. Aprendemos, ou não, alguma coisa<br />

com tudo isto? Percebemos, ou não, que a Saúde deve<br />

ser a prioridade máxima de qualquer Democracia? Se<br />

sim, chegou a hora de dotar o SNS de todos os meios<br />

capazes de combater não só esta pandemia, como de<br />

enfrentar os desafios crescentes do dia-a-dia. Quando<br />

a manta é curta, tapar a cabeça significa destapar os<br />

pés, e isso em saúde paga-se com vidas.<br />

É bom não esquecer como estávamos antes desta<br />

pandemia. Mário Centeno congratulava-se com o facto<br />

de o país dar lucro e António Costa sorria, como se<br />

estivesse a acreditar que foi para isso que construímos<br />

o Estado Social. Não foi. O problema não veio com o<br />

“<br />

PORTUGAL TEM NESTE MOMENTO<br />

20 MIL ENFERMEIROS EMIGRADOS.<br />

E QUE FALTA NOS FAZEM!<br />

PARTIRAM PRECISAMENTE POR<br />

FALTA DE RECONHECIMENTO.<br />

”<br />

vírus. Já cá estava. Um país que dá lucro não tem milhares<br />

de pessoas que morrem em listas de espera para<br />

cirurgias, nem outras tantas à espera por uma consulta,<br />

ou exame de diagnóstico. Tínhamos, portanto, antes<br />

desta pandemia, um País ao serviço do orçamento e<br />

não o contrário. É bom não nos esquecermos disto<br />

para evitar, agora, que os mais audazes queiram sobrecarregar<br />

as costas largas do vírus.<br />

Assim, depois da vontade e da clareza, o terceiro<br />

grande desafio deve ser o da valorização dos recursos<br />

humanos. Ao longo destes 40 anos, os portugueses<br />

habituaram-se a confiar no SNS porque confiam nos<br />

seus profissionais, sendo testemunhas da sua dedicação,<br />

profissionalismo e constante espírito de sacrifício.<br />

Confiar é acreditar. Este vírus veio confirmar aquilo<br />

que os portugueses já sabiam: são os profissionais que<br />

mantêm o SNS vivo.<br />

Portugal tem neste momento 20 mil enfermeiros emigrados.<br />

E que falta nos fazem! Partiram precisamente<br />

por falta de reconhecimento. Que ninguém tenha dúvidas<br />

de que os incentivos, monetários e não monetários,<br />

são decisivos na hora de fazer escolhas. Mas esses<br />

incentivos, mais do que quantitativos, trazem consigo<br />

uma mensagem política. Veja-se, por exemplo, o que<br />

aconteceu na Suécia, Malásia, Indonésia, Alemanha ou<br />

França. Todos estes Governos decidiram valorizar o<br />

trabalho dos enfermeiros através de incentivos. Nestes<br />

casos, não se trata de prémio, mas de reconhecimento<br />

de valor, de justiça pelo trabalho de quem cuida. Na<br />

Suécia, o Governo decidiu mesmo duplicar o vencimento<br />

dos enfermeiros durante a pandemia.<br />

Quando queremos contratar enfermeiros para a Linha<br />

da Frente por pouco mais de 900 euros líquidos por<br />

mês, e nos lares ainda menos, e garantir-lhes um contrato<br />

de quatro meses, estamos a dizer que esse é o<br />

valor de quem cuida quando mais ninguém quer cuidar.<br />

Que esse é reconhecimento que damos a quem<br />

deixa os seus para ir salvar os outros. Foi esse desinvestimento<br />

na Saúde que nos fez chegar aqui com o<br />

coração nas mãos.<br />

Portugal parece que tem pouco para oferecer aos enfermeiros<br />

portugueses para além de aplausos, palavras<br />

bonitas e palmadas nas costas. Corrijo. Oferecemos salários<br />

indignos, quatro meses de contrato e um vazio,<br />

uma incógnita em relação à carreira, que é como quem<br />

diz, ao futuro. A Ordem dos Enfermeiros tem recebido<br />

vários pedidos internacionais para ajudar no recrutamento<br />

de enfermeiros portugueses. Holanda, Alemanha<br />

e Espanha estão na linha da frente, à espera de recrutar<br />

o profissionalismo e a excelência que caracteriza<br />

os enfermeiros formados em Portugal. Querem levá-<br />

-los, pagam-lhes o triplo do que recebem por cá, prometem-lhes<br />

uma carreira, formação e segurança. Tudo<br />

aquilo que, mesmo depois de tudo o que vivemos, o<br />

nosso Estado teima em não ser capaz de garantir.<br />

Os problemas estruturais do SNS não desapareceram<br />

com este vírus. A concentração de meios e esforços<br />

numa única batalha não podem comprometer a guerra.<br />

Continuamos a precisar de soldados motivados para<br />

a linha da frente. Nunca, como agora, foi tão fácil<br />

perceber que é imperativo apostar e valorizar as pessoas<br />

que cuidam das pessoas. É essa a grande revelação<br />

dos novos tempos.<br />

Se aceitamos que as pessoas devem estar no centro<br />

das prioridades políticas, temos de ser capazes de<br />

perceber a dimensão do desafio que se segue: cuidar<br />

dos mais velhos. Este vírus destapou um inferno que<br />

andava escondido. Já ninguém pode dizer que desconhece<br />

as condições em que sobrevivem milhares de<br />

idosos em muitos lares que as autoridades deveriam<br />

investigar. Um país define-se pela forma como trata os<br />

idosos, como preserva os seus saberes, valoriza a sua<br />

sabedoria e é capaz de lhes garantir cuidados de saúde<br />

dignos até ao último dia das suas vidas. Dito de outra<br />

forma: estamos a falhar. O Estado está a falhar.<br />

O cenário de terror vivido em muitos lares era, perdoem-me<br />

a honestidade, expectável. E acontece porque<br />

o Estado se demitiu de zelar pela proteção dos mais<br />

velhos. Ao não fiscalizar o cumprimento da Lei, o Estado<br />

abriu a porta ao abuso, à desumanidade, à tragédia. É<br />

preciso garantir que os cuidados de enfermagem são<br />

prestados por enfermeiros e que estes existem em número<br />

suficiente. Neste caso, vou mais longe: defendo<br />

que a direção dos lares deve ser entregue aos enfermei- }<br />

8 9


GH VISÃO ENFERMEIROS<br />

“<br />

AS NOVAS GERAÇÕES QUEREM<br />

MUDANÇA PORQUE JÁ NÃO<br />

ACEITAM OS MÉTODOS ANTIGOS,<br />

OS VÍCIOS QUE DURANTE ANOS<br />

OUVIRAM OS PAIS E OS AVÓS<br />

CRITICAREM SEM EFEITOS<br />

PRÁTICOS. O MUNDO MUDOU<br />

E PORTUGAL TEM DE MUDAR.<br />

”<br />

ros e que a tutela possa ser partilhada entre a Segurança<br />

Social e a Saúde. É urgente colocar o cuidado dos idosos<br />

como um dos grandes desafios da comunidade. Hoje<br />

são os nossos pais e avós. Seremos nós amanhã.<br />

A reflexão sobre o trabalho que há a fazer junto dos<br />

mais velhos ajuda-nos a perceber a importância dos<br />

esforços multidisciplinares. É uma boa forma de lançar<br />

outro desafio que considero essencial: a coesão. Nos<br />

tempos em que vivemos, o País precisa, mais do que<br />

nunca, que as Ordens Profissionais do sector da saúde<br />

sejam o garante da segurança e qualidade dos serviços<br />

prestados, assim como da dignidade dos seus profissionais.<br />

É urgente sermos capazes de unir esforços num<br />

sentido de identificarmos um caminho comum.<br />

A história política do SNS está repleta de desejos de<br />

pactos prometidos, pactos envergonhados ou falhados.<br />

Acredito que estamos de acordo em relação ao<br />

essencial. É preciso mais investimento e mais rigor na<br />

gestão. É preciso mais valorização do mérito e menos<br />

compadrio. É preciso mais ação e menos política. O<br />

que fica para trás, como efeito da pandemia, é uma<br />

fatura muito pesado ao nível dos cuidados gerais de<br />

Saúde. Adiaram-se consultas, cirurgias e exames. O<br />

medo forçou milhares de portugueses, doentes crónicos,<br />

a recusarem tratamentos. Perante este cenário, vai<br />

ser necessário um esforço suplementar para combater<br />

alguns atrasos e voltar a cuidar das pessoas dentro do<br />

tempo clinicamente viável. Isso pressupõe um plano,<br />

um caminho que as Ordens devem ajudar a definir, em<br />

conjunto, com ambição e sem medos.<br />

Chegados a este ponto, o próximo desafio só pode<br />

ser o da ação. Chegou a hora da verdade. Se por um<br />

lado é necessário um plano claro, com objetivos e<br />

compromissos ambiciosas para os próximos dez anos,<br />

por outro, é preciso deixar as folhas de papel e saltar<br />

para o terreno. É imperioso colocar um ponto final<br />

no eterno subfinanciamento do sector e deixar de<br />

arranjar desculpas para que o dinheiro tome outras<br />

direções. É urgente ser eficaz no combate às listas de<br />

espera das consultas, cirurgias e exames, nem que para<br />

isso seja necessário encontrar um novo modelo de<br />

organização. É imperativo avançar para o reforço do<br />

quadro de pessoal no respeito pelas dotações seguras,<br />

ao mesmo tempo em que se concretizam, de uma vez<br />

por todas, as carreiras e as remunerações dignas para<br />

os profissionais, assim como a aprovação do subsídio<br />

de risco. Mas é preciso mais neste desafio da ação. É<br />

urgente uma revolução na forma como se nomeiam<br />

as administrações hospitalares, porque o cartão do<br />

partido é manifestamente incompetente. E numa altura<br />

em que muito se fala sobre a ajuda comunitária, é<br />

fundamental que o dinheiro de Bruxelas, desta vez, seja<br />

colocado ao serviço das pessoas e não das clientelas<br />

que gravitam na esfera do Estado.<br />

Esta não pode ser mais uma oportunidade perdida para<br />

fazermos o que tem de ser feito. Chegou o momento<br />

de virar a página e começar a construir um tempo<br />

diferente. As novas gerações querem mudança porque<br />

já não aceitam os métodos antigos, os vícios que durante<br />

anos ouviram os pais e os avós criticarem sem<br />

efeitos práticos. O mundo mudou e Portugal tem de<br />

mudar também.<br />

Chegámos então ao último desafio. Vou chamar-lhe<br />

rutura, fazendo justiça ao trabalho que estou a desenvolver<br />

com a minha equipa deste que cheguei à Ordem<br />

dos Enfermeiros. É preciso recomeçar. Andámos<br />

durante vários anos com as prioridades trocadas, a fazer<br />

favores, a pagar compromissos e a desvalorizar as<br />

verdadeiras funções do Estado. Aqui chegados, deixaremos<br />

de salvar bancos para proteger vidas. Deixaremos<br />

de garantir rendas suspeitas a parcerias de betão<br />

para investir nas pessoas que cuidam de pessoas. Chegados<br />

a este momento de viragem, recusaremos, de<br />

uma vez por todas, fazer da Saúde um negócio, percebendo<br />

que ela é nosso bem mais valioso. Será assim o<br />

amanhã. Será esta história que contaremos aos nossos<br />

netos: Era uma vez um vírus que mudou, para sempre,<br />

a nossa forma de estar, de sentir, enfim, de sonhar.<br />

Depois dele, tudo mudou. Portugal recomeçou. Ã<br />

10


GH VISÃO FARMACêUTICOS<br />

RECUPERAR, REORGANIZAR<br />

E RECONSTRUIR: SAÚDE<br />

DE NOVO A PRIORIDADE<br />

Ana Paula Martins<br />

Bastonária Ordem dos Farmacêuticos<br />

A<br />

saúde já era a principal preocupação<br />

dos portugueses, pelo que a pandemia<br />

da Covid-19 só a veio acentuar.<br />

Há números impressionantes quem<br />

mostram o impacto da pandemia<br />

nos cuidados de saúde prestados aos portugueses nos<br />

últimos meses. O Ministério da Saúde já reconheceu<br />

publicamente que os hospitais do Serviço Nacional de<br />

Saúde (SNS) fizeram menos 85.000 cirurgias e menos<br />

902 mil consultas, das quais 371 mil eram primeiras<br />

consultas, durante os primeiros meses de pandemia.<br />

Mais do que nunca, é urgente recuperar, reorganizar<br />

(inovando) e reconstruir. Não há tempo a perder. Se<br />

não conseguirmos retomar a atividade assistencial na<br />

saúde, condenaremos o crescimento e o progresso<br />

económico em Portugal por muitas décadas.<br />

Vários estudos nacionais e internacionais apontam também<br />

para um aumento da mortalidade não associada<br />

à Covid-19, que parece ser explicada pela ausência de<br />

cuidados de saúde aos doentes agudos graves, pela<br />

progressão de algumas doenças do foro oncológico,<br />

pela eventual descontinuação da cadeia de diagnóstico<br />

e de tratamento ou pela descompensação de doentes<br />

crónicos, com consequente mortalidade evitável. Não<br />

podemos assistir impávidos e serenos ao crescimento<br />

destes números. Pelo contrário, temos o dever cívico,<br />

ético e moral de alertar, planear e participar num<br />

regresso à atividade regular, na retoma das atividades<br />

assistenciais do nosso SNS.<br />

Esta crise sanitária tem de devolver ao país o contexto<br />

necessário para um reforço do investimento na Saúde.<br />

O contexto para reconstruir o nosso futuro, um futuro<br />

assente na transição digital, na economia verde, na<br />

ciência. O facto do SNS apresentar um bom desempenho,<br />

mesmo nestes tempos de enorme exigência,<br />

mostra a sua resiliência, mas mostra, acima de tudo,<br />

a capacidade de resposta técnica, científica e humana<br />

dos seus profissionais, com a sua natural dedicação aos<br />

portugueses, e uma resposta efetiva que, através da<br />

ciência, da inovação e das tecnologias, temos sido capazes<br />

de incorporar no cluster da saúde em Portugal.<br />

O SNS sofre de uma crónica insuficiência de financiamento.<br />

Todos os indicadores nacionais e internacionais<br />

o comprovam. Portugal investe em Saúde menos do<br />

que devia, e para o desempenho que, apesar de tudo,<br />

consegue manter. Não há investimento novo nem sequer<br />

de reposição. Não há planeamento a médio e a<br />

longo prazo. A inovação tende a entrar mais tarde em<br />

Portugal e os orçamentos das unidades de saúde são<br />

insuficientes, incumpríveis. Há mais de uma década que<br />

não há reposição de equipamentos básicos nem obras<br />

no edificado. As dívidas acumulam-se e quem paga, como<br />

sempre, são os portugueses, os contribuintes e os<br />

utentes de um serviço que vai apresentando mais ineficiências.<br />

A despesa corrente em saúde aumenta todos<br />

os anos, conforme refere o INE, mas esse aumento é<br />

sempre mais acentuado na despesa privada, ou seja, suportado<br />

pelas famílias, pelos seguros e subsistemas de<br />

saúde privados. Portugal ocupou o 9.<strong>º</strong> lugar no ranking<br />

europeu do peso relativo da despesa corrente em saúde<br />

no PIB, com 1,9 p.p acima da média europeia.<br />

Por tudo isto a prioridade, de entre as prioridades, é<br />

colocar em marcha um plano de emergência para a<br />

recuperação da atividade do SNS, tarefa simultaneamente<br />

exigente e complexa, que obriga a uma liderança<br />

política forte e ao envolvimento e participação<br />

de todos os agentes: utentes, profissionais de saúde,<br />

gestores e operadores da área da Saúde.<br />

E esta prioridade e urgência revela-se em medidas simultaneamente<br />

eficazes e transformadoras, que tornem<br />

o sistema de saúde mais eficiente e humano. O<br />

programa do Governo para esta legislatura prometeu<br />

dar resposta a esta preocupação e concretizar muitas<br />

das medidas já pensadas, algumas ensaiadas, outras em<br />

ainda desenvolvimento: reforço e valorização do capital<br />

humano na saúde; expansão de modelos de governação<br />

autónomos sensíveis a uma governação clínica<br />

orientada para os resultados; financiamento através de<br />

uma Lei de Meios no SNS; e planeamento plurianual<br />

dos investimentos, tal como previsto na Lei de Bases<br />

da Saúde (LBS). São transformações fundamentais que<br />

urge concretizar, a que se associam várias outras propostas<br />

dos parceiros e movimentos cívicos na área da<br />

Saúde. De entre essas medidas, salientam-se as que<br />

foram apresentadas pelo movimento #sossns:<br />

• Um médico de família e uma equipa de saúde para<br />

todos os portugueses;<br />

• Programa excecional para resolver listas de espera<br />

para cirurgias, consultas e exames e cumprimento dos<br />

Tempos Médios de Resposta Garantidos (TMRG) em<br />

todas as especialidades;<br />

• Vias Verdes clínicas com apoio da telemedicina e articulação<br />

entre cuidados de saúde primários e cuidados<br />

hospitalares;<br />

• Promover a hospitalização domiciliária e serviços específicos<br />

de assistência ao domicílio em articulação com<br />

as associações de doentes;<br />

• Desenvolver a medicina à distância para monitorização<br />

e seguimento de doentes crónicos;<br />

• Reforçar os serviços de proximidade de dispensa de<br />

medicamentos, em articulação com os hospitais;<br />

• Garantir o acesso à inovação terapêutica e tecnológica,<br />

aproximando o país da média;<br />

• Promover a literacia em saúde, a prevenção e participação<br />

em saúde, com acesso gratuito a plataformas e<br />

fontes de informação digitais para profissionais de saúde<br />

e cidadãos;<br />

• Novos modelos de gestão e governação clínica das<br />

unidades e serviços de saúde, com valorização os profissionais<br />

e das suas carreiras e reorganização dos serviços<br />

hospitalares em unidades de cuidados integrados<br />

e centros de responsabilidade integrados;<br />

• Aumentar o financiamento público anual do SNS (na<br />

ordem dos 7,5%), aproximando da média europeia em<br />

percentagem do PIB.<br />

Não podemos também esquecer a necessidade de<br />

reforço da rede nacional de cuidados continuados, a<br />

implementação de um plano de promoção da melhoria<br />

dos lares e de proteção dos mais velhos, aspetos<br />

fundamentais da reconstrução da nossa vida, neste regresso<br />

ao futuro.<br />

“<br />

NUNCA, COMO HOJE, FOI<br />

TÃO CLARO QUE PRECISAMOS<br />

ENCONTRAR UM CAMINHO<br />

COMUM PARA GARANTIR<br />

O REFORÇO DO NOSSO SNS.<br />

”<br />

E, finalmente, de uma vez por todas, temos o dever de<br />

ser realistas, de fazer acontecer, reforçando o SNS, na sua<br />

atividade assistencial, para que os 10 milhões de portugueses<br />

a ele possam aceder, mesmo assumindo que, uma<br />

parte da prestação que o Estado tem de lhes garantir, pode<br />

ser feita em estruturas não públicas, com uma regulação<br />

forte e que sirva os interesses do País, livre de quaisquer<br />

conflitos e interesse e separando claramente funções<br />

de financiamento, de regulação e assistenciais.<br />

Vivemos uma época extraordinariamente exigente. A<br />

pandemia de covid-19 modificou os nossos hábitos, a<br />

forma como nos relacionamos, como trabalhamos, como<br />

socializamos, como vivemos o nascimento e a morte.<br />

Modificou os nossos sonhos e os nossos planos enquanto<br />

sociedade. Nunca, como hoje, estivemos tão<br />

conscientes do esforço de reconstrução que temos<br />

pela frente. Nunca, como hoje, a Saúde foi tão prioritária.<br />

E nunca, como hoje, foi tão claro que precisamos<br />

encontrar um caminho comum para garantir o reforço<br />

do nosso SNS.<br />

O acesso à saúde é um direito humano. É um fator de<br />

coesão social. É uma dimensão fundamental da confiança<br />

no nosso futuro coletivo. É para a Europa, e para<br />

Portugal, neste momento particular da sua e da nossa<br />

história, um desígnio de todos, para preservação de<br />

valores e princípios do nosso contrato social. A história<br />

jamais nos perdoará se não estivermos à altura das<br />

decisões que temos de tomar. Coragem e realismo,<br />

são atitudes fundamentais que os nossos líderes terão<br />

de garantir para que a democracia se reforce, ao invés<br />

de se enfraquecer, que a confiança regresse ao futuro<br />

que teremos de reconstruir, num clima de cooperação<br />

para recuperar para um tempo novo. Ã<br />

12 13


GH VISÃO psicólogos<br />

UMA VISÃO SUSTENTÁVEL<br />

DA SAÚDE COM BEM ESTAR<br />

Francisco Miranda Rodrigues<br />

Bastonário da Ordem dos Psicólogos<br />

O<br />

Mundo está a confrontar-se com<br />

a necessidade de enfrentar vários<br />

desafios sociais complexos para os<br />

quais são precisas análises e intervenções<br />

multidisciplinares, diferentes<br />

abordagens e uma aplicação da evidência científica<br />

que deve explorar as potencialidades de campos ainda<br />

pouco utilizados no domínio da melhoria das políticas<br />

públicas. O nosso país não é exceção mas poderia tentar<br />

ser exemplar, na prevenção e no desenvolvimento<br />

das pessoas, sendo que para isso tem que alterar os<br />

seus modelos de decisão política e planear muito mais,<br />

e mais para além do ciclo político eleitoral.<br />

A redução da pobreza e das desigualdades, a excelência<br />

na educação, mais acesso a melhor saúde, comunidades<br />

mais sustentáveis, o combate à crise climática e<br />

uma sociedade mais envelhecida são apenas exemplos<br />

que comportam tarefas que temos civilizacionalmente<br />

a nosso cargo e das quais somos responsáveis, provisoriamente,<br />

em nome das gerações vindouras. O<br />

conhecimento da Psicologia, enquanto ciência que<br />

estuda o comportamento e os processos mentais é<br />

assim essencial e até central. Os psicólogos trabalham<br />

transversalmente em toda a sociedade, desde a intervenção<br />

precoce e educação, até à justiça, passando<br />

pelas organizações, em todas contribuindo para a saúde,<br />

num conceito de "saúde" como preconizado pela<br />

OMS, “mais do que ausência de doença, representa<br />

uma situação de completo bem-estar físico, psíquico<br />

e social”, e fazem-no ao longo de todo o ciclo de vida.<br />

No contexto mais específico da saúde, os psicólogos<br />

podem trabalhar para: o desenvolvimento saudável, o<br />

bem-estar e a saúde física e psicológica da população;<br />

a adoção de comportamentos e estilos de vida mais<br />

saudáveis (e a alteração de comportamentos de risco<br />

para a Saúde); a melhoria da adaptação à doença, adesão<br />

terapêutica, da recuperação após a doença e da<br />

gestão da dor ou das doenças crónicas; a diminuição<br />

da mortalidade e morbilidade; a melhoria dos cuidados<br />

de saúde, diminuindo o tempo e frequência de<br />

hospitalização, o número de consultas médicas e idas<br />

às urgências; a humanização dos cuidados de saúde.<br />

Estes são alguns exemplos do papel dos psicólogos.<br />

O país tem cerca de 23.000 psicólogos, cerca 10.000<br />

dos quais especialistas em diversas intervenções. Deste<br />

modo, face às necessidades e aos recursos existentes,<br />

defendemos que o Governo assuma uma Agenda da<br />

Prevenção e do Desenvolvimento das Pessoas para<br />

Coesão Social. Para a concretização deste instrumento<br />

estratégico, a governação deve garantir que o trabalho<br />

de desenvolvimento de competências das crianças e<br />

jovens, promoção da inclusão e da sua autonomia é<br />

apoiada por técnicos especializados no contexto educativo,<br />

como os psicólogos, ao mesmo tempo que assume<br />

medidas promotoras de uma efetiva avaliação<br />

dos riscos psicossociais e de implementação de planos<br />

de prevenção dos mesmos como uma realidade<br />

dentro e fora do sistema de saúde, abrangendo assim<br />

todos os trabalhadores portugueses e as lideranças das<br />

organizações, para além de desenvolver um centro de<br />

competências transversal a toda a administração pública<br />

que desenvolva intervenções comportamentais de<br />

melhoria da eficiências das políticas públicas de acordo<br />

a evidência da ciência psicológica.<br />

Especificamente no contexto da saúde deixo alguns<br />

exemplos de medidas que preconizamos: manter, em<br />

continuidade, a Linha de Aconselhamento Psicológico<br />

SNS24, aumentar progressivamente o número de psicólogos<br />

no SNS, incidindo prioritariamente na duplicação<br />

do número de psicólogos nos Cuidados de Saúde<br />

Primários (de 250 para 500), de modo a permitir o<br />

diagnóstico e a intervenção precoce nos problemas<br />

de saúde psicológica, bem como introduzir atempadamente<br />

programas de literacia (em saúde psicológica)<br />

e de promoção de hábitos de vida saudáveis e de<br />

prevenção, assim como mudança de comportamentos<br />

de risco, transversais à saúde; criar a carreira especial<br />

de Psicólogo no SNS, a regularização das situações de<br />

contratualização de Técnicos Superiores e Técnicos<br />

Superiores de Saúde como forma de redução de iniquidades<br />

e garantir a sua articulação com a atribuição<br />

do título de especialista pela Ordem; reforçar as equipas<br />

de saúde pública com psicólogos, potenciando a vigilância<br />

epidemiológica dos fenómenos de Saúde e dos<br />

seus determinantes, que podem aumentar os comportamentos<br />

de risco ou os comportamentos protetores,<br />

para além da melhoria da comunicação e gestão de<br />

risco; investir no Programa Nacional de Prevenção da<br />

Depressão; garantir o cumprimento integral da autonomia<br />

dos serviços de psicologia enquanto modelo de<br />

“<br />

OS PSICÓLOGOS SÃO<br />

NECESSÁRIOS PARA UM FUTURO<br />

DE SUSTENTABILIDADE DE UM<br />

SISTEMA DE SAÚDE.<br />

”<br />

gestão eficiente para maior acessibilidade aos serviços<br />

prestados pelos psicólogos; criar vagas para a integração<br />

de Psicólogos Estagiários (Psicólogos Júnior) de<br />

modo construir também aqui o futuro do SNS. Mas o<br />

acesso aos serviços dos psicólogos também precisa da<br />

redução dos obstáculos no acesso à comparticipação<br />

e redes dos seguros de saúde e especificamente também<br />

da ADSE.<br />

Os psicólogos são necessários para um futuro de sustentabilidade<br />

de um sistema de saúde num contexto<br />

de progressiva coesão social. Ã<br />

14 15


GH VISÃO NUTRICIONISTAS<br />

RETOMA DO SISTEMA<br />

DE SAÚDE: ANTIGAS<br />

E NOVAS PREOCUPAÇÕES<br />

Alexandra Bento<br />

Bastonária da Ordem dos Nutricionistas<br />

O<br />

novo coronavírus gerou alterações<br />

na atividade quotidiana do sistema<br />

de saúde, para responder a este<br />

desafio pandémico. Numa primeira<br />

fase, para mitigar a pandemia, o serviço<br />

de saúde desviou os seus recursos para o tratamento<br />

dos doentes com Covid-19.<br />

No caso dos nutricionistas, nesta fase estiveram numa<br />

linha menos visível, mas indispensável. Nos hospitais enfrentaram<br />

vários desafios, quer na adaptação do acompanhamento<br />

nutricional, quer na reestruturação de todo<br />

o circuito de fornecimento de refeições hospitalares,<br />

quer ainda na reorganização das consultas de nutrição,<br />

maioritariamente à distância. No que respeita à intervenção<br />

nos doentes com Covid-19 esta é fundamental,<br />

em particular, naqueles em estado mais grave e crítico,<br />

nos cuidados intensivos. Estes doentes apresentam um<br />

elevado risco de desnutrição, pelo que o seu acompanhamento<br />

precoce, com o estabelecimento de um suporte<br />

nutricional adequado revela-se determinante para<br />

a melhoria do prognóstico desta doença. Nos cuidados<br />

de saúde primários, efetuaram por contacto remoto as<br />

consultas de nutrição urgentes e prioritárias, analisaram<br />

o perfil das necessidades da comunidade com a equipa<br />

de saúde pública, prestaram apoio às equipas de família<br />

dos utentes com necessidades especiais e prioritárias<br />

e às equipas de cuidados continuados integrados,<br />

bem como às unidades de cuidados na comunidade,<br />

mantendo o contacto com os utentes e as respostas<br />

às equipas através da referenciação, tendo ainda articulado<br />

com as instituições locais para apoio dos cidadãos<br />

carenciados com dificuldades em adquirir alimentos e<br />

suplementos alimentares. Toda esta intervenção foi alinhada<br />

com a estratégia do Programa Nacional para a<br />

Promoção da Alimentação Saudável.<br />

Numa pandemia como a que estamos a viver era impossível<br />

manter toda a atividade normal e responder<br />

aos doentes com Covid-19. Mas, no momento atual, é<br />

essencial retomar - e intensificar! - os cuidados a todas<br />

as outras doenças, em todo o sistema de saúde com o<br />

Serviço Nacional de Saúde como "espinha dorsal", mas<br />

articulado com os sectores privado e social.<br />

Nesta nova fase de desconfinamento, onde se pretende<br />

gerir as transições entre diferentes estádios na<br />

saúde pública do país, não se pode esquecer o impacto<br />

tremendo que esta situação gerou em toda a atividade<br />

assistencial, descurando os doentes crónicos que são<br />

um dos grupos mais afetados pela Covid-19 e também<br />

os que pode fazer aumentar a mortalidade por esta<br />

doença infeciosa.<br />

O sistema de saúde conseguiu reorganizar-se na fase<br />

de confinamento, mas este período terá resultado num<br />

aumento de algumas doenças crónicas, pelo que após o<br />

primeiro impacto da pandemia de Covid-19 temos novos<br />

desafios, existindo agora um sentido de urgência na<br />

retoma da prestação de cuidados de saúde, de forma<br />

a garantir o acesso de todos os doentes não Covid-19<br />

aos melhores cuidados de saúde de forma atempada.<br />

Nesta nova fase é importante que se adote uma nova<br />

estratégia de saúde pública para o presente e para o<br />

futuro próximo, cientificamente fundamentada, integrando<br />

as múltiplas dimensões de uma resposta à pandemia,<br />

contando com a participação de todos para a<br />

concretização dos resultados esperados, sem descuidar<br />

todas as outras doenças que não a Covid-19.<br />

Neste contexto de mudança de paradigma na intervenção<br />

em saúde pública é imperiosa a centralidade<br />

da alimentação adequada como fator determinante na<br />

manutenção do estado de saúde das populações.<br />

Sabemos que esta pandemia apanha Portugal num<br />

contexto demográfico marcado pelo envelhecimento<br />

da população com reflexos no estado da nossa saúde,<br />

com destaque para a elevada prevalência de doenças<br />

crónicas e para um elevado número de pessoas portadoras<br />

de múltiplas patologias.<br />

A par disto, sabemos, hoje, que a Covid-19 afeta preferencialmente<br />

os idosos com doenças crónicas, mas<br />

também sabemos que na origem da maioria destas<br />

doenças crónicas, que provoca a morte ou a perda de<br />

qualidade de vida, estão fatores de risco passíveis de<br />

ser modificados, como é o caso dos maus hábitos alimentares<br />

e, consequentemente, evitados. Tal exigem<br />

uma complexidade de cuidados inquestionável, onde<br />

a aposta na promoção da saúde e na prevenção da<br />

doença terá que ser uma prioridade.<br />

Uma população com melhores hábitos alimentares é<br />

um fator crítico de sucesso para uma sociedade mais<br />

produtiva, sustentável e economicamente competitiva.<br />

E um melhor estado nutricional é determinante para a<br />

melhoria do prognóstico de qualquer doença.<br />

Esta crise pandemia torna mais saliente a necessária<br />

centralidade da alimentação adequada e o papel dos<br />

nutricionistas no sistema de saúde português. Contudo,<br />

a carência de acessibilidade dos cidadãos a serviços<br />

de nutrição, nos cuidados hospitalares (onde existem<br />

pouco mais de 300 nos hospitais públicos!), mas principalmente<br />

nos cuidados de saúde primários (onde só<br />

existem 100 nutricionistas!), dificultam um adequado<br />

suporte nutricional para um melhor combate à doença<br />

nos utentes internados nas unidades de saúde e inviabilizam<br />

medidas enérgicas de promoção da saúde<br />

através da alimentação. Mas, pedir ao sistema de saúde<br />

que se responsabilize isoladamente pelos resultados ou<br />

ganhos em saúde é pedir de mais. A evidencia científica<br />

demonstra que o desenvolvimento económico e social,<br />

o rendimento e a escolaridade assumem uma enorme<br />

importância na saúde da população. As pessoas com<br />

menos instrução ou rendimentos tendem a estar mais<br />

expostas a fatores de risco comportamentais, com particular<br />

destaque para os riscos alimentares. Em Portugal<br />

o inquérito nacional de saúde com exame físico, referente<br />

a 2015, identificava que o grupo dos indivíduos<br />

que não possuía nenhum nível de escolaridade, ou que<br />

possuía apenas o primeiro ciclo do ensino básico, apresentava<br />

uma prevalência de obesidade (43,1%) mais<br />

do dobro comparativamente aos grupos de indivíduos<br />

com maior escolaridade (ensino superior).<br />

Mas, em Portugal os erros alimentares continuam a ter<br />

um importante impacto nos resultados em saúde. Em<br />

2017, cerca de 14% das mortes registadas estiveram<br />

associadas a riscos alimentares, incluindo baixa ingestão<br />

de fruta e hortícolas e elevado consumo de açúcar e<br />

sal. E os mais expostos a estes riscos alimentares são os<br />

que gozam de pior situação económica e social.<br />

Entretanto, outra face que esta pandemia apresenta é<br />

a da segurança alimentar. Para que os alimentos sejam<br />

seguros, é preciso que não possam colocar a nossa<br />

saúde em risco, através de perigos biológicos, químicos<br />

ou físicos (food safety). Mas, em simultâneo, é necessário<br />

que eles estejam disponíveis e que tenhamos capacidade,<br />

física e económica, para os adquirirmos com o }<br />

16 17


GH VISÃO NUTRICIONISTAS<br />

“<br />

PARA MELHOR VENCERMOS<br />

AS ANTIGAS E AS NOVAS<br />

PREOCUPAÇÕES É IMPERIOSA<br />

UMA NOVA ESTRATÉGIA DE SAÚDE<br />

PÚBLICA QUE NÃO NEGLIGENCIE<br />

OS ANTIGOS PROBLEMAS.<br />

”<br />

objetivo de satisfazer as necessidades em nutrientes e<br />

as preferências alimentares, permitindo uma vida ativa<br />

e saudável (food security).<br />

Há cinco anos, 10% das famílias em Portugal experimentaram<br />

insegurança alimentar, ou seja, tiveram dificuldade<br />

de fornecer alimentos suficientes a todo o<br />

agregado, devido à falta de recursos financeiros. Hoje,<br />

de acordo com dados de um estudo da Direção-Geral<br />

da Saúde que pretendeu conhecer os comportamentos<br />

alimentares em contexto de contenção social, um<br />

terço dos portugueses manifesta preocupação com<br />

uma eventual dificuldade no acesso a alimentos e 8,3%<br />

relata mesmo ter dificuldades económicas para os adquirir.<br />

São dados que nos devem preocupar. Acresce<br />

que o risco de agravamento da situação é significativo,<br />

dada a situação de crise que se avizinha.<br />

Assim, a problemática da insegurança alimentar poderá<br />

agravar-se ainda mais no tempo, pelo que é essencial<br />

conjugar esforços para o desenvolvimento de uma estratégia<br />

que articule setores e atores sociais relevantes<br />

por forma a garantir o direito humano a uma alimentação<br />

adequada. Tal exige medidas que promovam o<br />

acesso de toda a população a uma alimentação adequada<br />

como fator determinante para a redução das<br />

desigualdades em saúde.<br />

O assunto não diz respeito somente ao sistema de saúde,<br />

deve ser uma responsabilidade compartilhada em<br />

que todos têm um papel a desempenhar, como sugere<br />

a estratégia formalmente aprovada pela União Europeia<br />

no passado mês de maio, “do prado ao prato”, para um<br />

sistema alimentar justo, saudável e amigo do ambiente.<br />

A Organização Mundial da Saúde apresenta uma visão<br />

abrangente de sistema de saúde incluindo “todas as<br />

atividades que têm como finalidade essencial a promoção,<br />

a recuperação ou a manutenção da saúde”. Entre<br />

nós, utiliza-se uma visão mais restritiva, compreendendo<br />

os estabelecimentos que prestem cuidados de<br />

saúde, com um “papel central do Serviço Nacional de<br />

Saúde enquanto garante do cumprimento do direito<br />

à saúde”, tal como previsto na Lei de Bases da Saúde.<br />

Há muito que sabemos que a escola é um local privilegiado<br />

para a promoção da saúde e para a modulação<br />

de comportamentos alimentares, visto proporcionar<br />

aos alunos conhecimentos e competências para a adoção<br />

de comportamentos saudáveis. Mas em Portugal a<br />

ação nestes domínios tem merecido nota insuficiente.<br />

Este ano fomos brindados com a boa notícia da possível<br />

contratação de nutricionistas para as escolas (que<br />

não os há!), prevista no Orçamento do Estado, esperando-se<br />

que ela se efetive, pois, o regresso às aulas<br />

este ano vai trazer novos desafios.<br />

Mas, há outros setores em que a necessidade de uma<br />

nova abordagem ficou patente no decurso desta pandemia,<br />

como é o caso das instituições do setor social<br />

que necessitam de uma aposta urgente em matéria<br />

de saúde, particularizando as questões nutricionais,<br />

pela sua ação junto das populações mais vulneráveis,<br />

incluindo os mais idosos.<br />

Igualmente as autarquias locais, devem intensificar a<br />

sua intervenção na modulação de comportamentos<br />

saudáveis dos seus munícipes e reforçar a sua colaboração<br />

com as instituições de saúde.<br />

Esta pandemia deve constituir uma oportunidade para<br />

se articular melhor setores e atores sociais relevantes,<br />

cuja necessidade foi evidente nos últimos meses<br />

que vivemos.<br />

Temos um grande desafio em termos de saúde pública<br />

pois estamos perante uma doença transmissível<br />

que afeta as pessoas de idade mais avançada que têm<br />

doenças não transmissíveis crónicas, como as doenças<br />

cardíacas e oncológicas, a hipertensão arterial e a diabetes,<br />

fortemente associadas à alimentação. Estes eram<br />

os antigos problemas de saúde, com destaque para<br />

uma outra pandemia, a obesidade, que continuam a<br />

marcar o perfil epidemiológico atual, o que traz grandes<br />

desafios à sociedade e ao sistema de saúde. Tudo<br />

somado à presença de um vírus pandémico entre nós.<br />

Este cenário é e continuará a ser o “novo normal”.<br />

Para melhor vencermos as antigas e as novas preocupações<br />

é imperiosa uma nova estratégia de saúde<br />

pública que não negligencie os antigos problemas, sublinhando<br />

as questões alimentares como um grande<br />

determinante de saúde pública e os nutricionistas como<br />

o seu agente. Ã<br />

18


GH saúde pública<br />

PLANEAMENTO:<br />

UMA NECESSIDADE PREMENTE!<br />

Ricardo Mexia<br />

Médico especialista em Saúde Pública, Presidente da ANMSP<br />

Vamos entrar numa fase particularmente<br />

importante do combate à<br />

pandemia e é necessário planear um<br />

período que se afigura complicado.<br />

Seguramente que toda esta situação<br />

da pandemia gera particular preocupação, sendo certo<br />

que só será possível ultrapassar a situação de forma definitiva<br />

de uma de três maneiras: encontrando uma solução<br />

terapêutica eficaz e segura; desenvolvendo uma<br />

vacina; atingindo imunidade de grupo. Como aparentemente<br />

nenhuma das opções se afigura particularmente<br />

próxima, provavelmente devemos preparar-nos para<br />

ter de manter contacto com o vírus durante mais algum<br />

tempo. E isso implica uma adaptação de todos os<br />

sectores para o médio-longo prazo.<br />

O Outono/Inverno, com a epidemia sazonal de gripe<br />

irá representar desafios adicionais, e é fundamental antecipar<br />

problemas, encontrar as soluções e implementá-las<br />

agora para que tenhamos já capacidade agilizada<br />

quando vier a ser necessário. Passar de uma situação<br />

reativa para um cenário de maior proatividade poderá<br />

ser a chave que nos permita ultrapassar as dificuldades<br />

com mais agilidade.<br />

Há um texto que se tornou famoso, da autoria de<br />

Tomas Pueyo, com o título “The Hammer and the<br />

Dance” 1 que descreveu, em março, a necessidade de<br />

uma intervenção inicial mais abrangente e disruptiva (o<br />

martelo), seguida de uma abordagem mais longa, com<br />

medidas mais direcionadas e limitadas, ajustadas à evolução<br />

da situação (a dança). Importa ter a capacidade<br />

de comunicar esta “dança”, feita de avanços e recuos<br />

e incutir nas pessoas a perceção de que a evolução e<br />

controlo da situação está nas suas mãos e nas atitudes<br />

que forem tomando. Sem ignorar o papel dos operadores<br />

económicos (e a adaptação das suas atividades<br />

para minimizar o risco) ou do Governo (dotando o<br />

país da capacidade de resposta necessária), seguramente<br />

que aquilo que todos individualmente formos<br />

fazendo terá uma influência determinante na evolução<br />

da situação epidemiológica.<br />

Portanto a defesa das medidas individuais é fundamental.<br />

Correndo o risco de ser repetitivos não podemos<br />

deixar de insistir na necessidade de manutenção de<br />

uma boa etiqueta respiratória e higienização frequente<br />

das mãos, reforçadas pelo distanciamento físico e utilização<br />

de máscara sempre que haja proximidade com<br />

outras pessoas fora do nosso agregado familiar. Outro<br />

aspeto, enraizado na nossa cultura, que importa mudar<br />

é o presentismo, ou seja as pessoas continuarem<br />

a frequentar a escola ou apresentarem-se ao trabalho<br />

quando estão doentes.<br />

Sabemos que muitos dos casos identificados ocorrem<br />

em contextos sócio económicos particularmente desiguais<br />

e, portanto, há aspetos que têm de ser tidos em<br />

conta. Em contextos de enorme precariedade laboral,<br />

muitas pessoas não têm proteção social e, portanto,<br />

apenas obtêm rendimentos mediante trabalho efetivo.<br />

Ou seja, se ficarem em isolamento (o doente) ou<br />

quarentena (os restantes coabitantes) perdem qualquer<br />

fonte de rendimento, o que inviabiliza a sustentabilidade<br />

do seu agregado familiar. Adicionalmente,<br />

no contexto de desigualdade social é também mais<br />

frequente que as habitações tenham um número elevado<br />

de coabitantes, o que também implica limitações<br />

importantes à capacidade de manter um isolamento<br />

ou quarentena de forma eficaz.<br />

Portanto a resposta do ponto de vista social tem de<br />

ser reforçada, para permitir uma intervenção de Saúde<br />

Pública. A existência de equipas mistas que respondem<br />

a esta realidade é uma boa solução e maximiza a capacidade<br />

de identificar os problemas e uma solução mais<br />

atempada dos mesmos.<br />

Uma das questões que tem sido levantada prende-se<br />

com a necessidade de prestar atenção ao que se passa<br />

com as outras doenças que não o Covid-19. Não é<br />

plausível que essas doenças tenham sido colocadas em<br />

pausa pela existência da pandemia e, portanto, o mais<br />

provável é que exista uma evolução silenciosa que não<br />

pode deixar de nos preocupar. Existem sinais diretos e<br />

indiretos que podem dar alguns indicadores para perceber<br />

o problema. A suspensão da atividade assistencial<br />

normal levou ao cancelamento de um número elevado<br />

de consultas médicas, de exames complementares de<br />

diagnóstico e de intervenções cirúrgicas, por exemplo.<br />

De acordo com dados revelados pela Ordem dos Médicos<br />

“nos três meses de maior confinamento - março,<br />

abril e maio - houve menos 900 mil consultas hospitalares,<br />

numa quebra de 38% em termos homólogos;<br />

uma redução de 93 mil cirurgias, numa redução de<br />

57%, menos 3 milhões de consultas presenciais dos<br />

centros de saúde e uma redução de 44% no recurso<br />

aos serviços de urgência, em termos homólogos” 2 .<br />

De acordo com a Sociedade Portuguesa de Transplantação<br />

(SPT), a pandemia de Covid-19 obrigou ao cancelamento<br />

ou à suspensão de vários transplantes, representando<br />

uma diminuição de 52% neste tipo de operações<br />

entre março e junho de <strong>2020</strong>, em comparação<br />

com o período homólogo (147 comparado com 207) 3 .<br />

Esta situação tenderá a agravar-se se não houver uma<br />

rápida inflexão e existirem mecanismos que permitam<br />

recuperar o que foi sendo atrasado. Há aqui um efeito<br />

“escondido” que é o facto de as listas de espera cirúrgicas<br />

não terem aumentado de forma significativa. Como<br />

houve uma quebra também nas consultas e exames<br />

complementares, o diagnóstico e consequente inclusão<br />

na indicação para cirurgia ficou também prejudicado.<br />

A quebra nos episódios de urgência é também difícil de<br />

explicar, pois não poderá apenas representar a diminuição<br />

de atividades e consequente diminuição de acidentes<br />

e lesões. Há seguramente um receio da população }<br />

20 <strong>21</strong>


GH saúde pública<br />

“<br />

OUTRO ASPETO QUE NÃO PODE<br />

DEIXAR DE NOS PREOCUPAR<br />

PRENDE-SE COM A VACINAÇÃO<br />

E A QUEBRA NA COBERTURA<br />

VACINAL. DADOS DO PORTAL<br />

DO SNS REVELAM QUE<br />

“O NÚMERO DE VACINAS<br />

ADMINISTRADAS EM MAIO<br />

CAIU MAIS DE 40%<br />

EM COMPARAÇÃO COM<br />

O MESMO MÊS DE 2019.<br />

”<br />

em aceder às unidades de saúde o que pode ter impactos<br />

importantes na evolução das dinâmicas da doença.<br />

Já estamos a verificar um impacto importante na mortalidade.<br />

De acordo com dados revelados pelo Ministério<br />

da Saúde, “morreram mais 2973 pessoas (mais 9%) em<br />

Portugal, por todas as causas, entre março, no início<br />

do estado de emergência devido à Covid-19, e junho,<br />

em comparação com o mesmo período de 2019” 4 .<br />

Atendendo a que a mortalidade atribuída ao Covid-19<br />

representa menos de metade destes números, há um<br />

excesso de mortalidade por outras causas que é preocupante.<br />

Importa estudar estes aspetos em maior detalhe<br />

para identificar as causas e intervir sobre elas.<br />

Outro aspeto que não pode deixar de nos preocupar<br />

prende-se com a vacinação e a quebra na cobertura<br />

vacinal. Dados do Portal do SNS revelam que “o número<br />

de vacinas administradas em maio caiu mais de<br />

40% em comparação com o mesmo mês de 2019, fixando-se<br />

em 300.693, (…) e em maio de 2019 tinham<br />

sido administradas 519.234 vacinas” 5 .<br />

De acordo com a coordenação do Programa Nacional<br />

de Vacinação “a maior parte da quebra registada no<br />

número de vacinas administradas nos meses atingidos<br />

pela pandemia de Covid-19 tem a ver com a vacinação<br />

de adultos e adolescentes" 6 .<br />

Esta quebra na cobertura, caso não seja recuperada,<br />

poderá vir a originar surtos, o que será de todo evitável.<br />

Importa também realçar com a chegada do Inverno,<br />

da necessidade de implementar uma iniciativa<br />

robusta de vacinação contra a gripe. O Governo já<br />

anunciou o reforço do número de vacinas da gripe disponíveis<br />

e a antecipação da campanha de vacinação 7 .<br />

É fundamental que também se aposte numa melhor<br />

cobertura em profissionais de saúde, grupo com cobertura<br />

vacinal tipicamente baixa.<br />

Face a tudo isto é importante ter a perceção que o<br />

funcionamento do SNS e do nosso Sistema de Saúde<br />

deve retomar o seu funcionamento normal, para fazer<br />

face à carga de doença existente. E que deveremos ter<br />

recursos para responder às necessidades causadas pela<br />

existência da pandemia.<br />

Mais uma vez, o planeamento da recuperação das diversas<br />

atividades assistenciais é essencial e tem que acomodar<br />

o normal funcionamento, mais essa produção<br />

adicional. Há diversos mecanismos pré-existentes nesse<br />

sentido, mas face à dimensão do problema talvez sejam<br />

necessárias novas soluções, mais abrangentes, para que<br />

se possa ser bem sucedido numa escala aceitável.<br />

Soluções concretas que podem ser reforçadas são a<br />

criação de equipas de resposta rápida que, perante<br />

o surgimento de casos num determinado contexto<br />

(empresa, escola, lar ou estabelecimento prisional,<br />

por exemplo) de forma célere são mobilizadas para<br />

realizar todas as atividades necessárias à contenção do<br />

problema. Outra questão que já tem vindo a ser sinalizada<br />

é a necessidade de dimensionar a estrutura<br />

de rastreio de contactos para conseguir responder ao<br />

previsível aumento da procura. A existência de profissionais<br />

dedicados a esta tarefa, treinados e disponíveis<br />

para responder rapidamente é fundamental e devem<br />

estar capacitados antes do mais que provável embate<br />

do Outono/Inverno. Atendendo a que estes profissionais<br />

desempenham as suas funções principalmente à<br />

distância (usando meios eletrónicos ou telefónicos) a<br />

sua localização acaba por ser irrelevante e podem dar<br />

resposta a situações em todo o território nacional.<br />

Um aspeto que talvez não tenha merecido atenção e<br />

que vale a pena sinalizar é a necessidade de atualização<br />

e formação dos profissionais. Perante a pandemia, que<br />

deixou muitos dos serviços assoberbados por esta nova<br />

realidade, a formação acabou por ficar descurada. E seguramente<br />

que seis meses é um tempo demasiado longo<br />

para esta situação, que é até provável que se prolongue.<br />

Assim, importa identificar esta lacuna e encontrar<br />

soluções para a sua resolução. As oportunidades para<br />

a formação á distância não são novas e ganharam uma<br />

relevância adicional neste período, sendo fundamental<br />

encontrar maneira de as incluir nas rotinas dos serviços<br />

e simultaneamente manter a operacionalidade. Isto é<br />

particularmente importante em questões conexas com<br />

a pandemia, com uma evolução constante do conhecimento<br />

e da abordagem do doente. Mas é também<br />

extensível para outras questões, cabendo às entidades<br />

empregadoras reforçar os meios disponíveis nesta área.<br />

Assim, o planeamento desempenha um papel central<br />

na resposta à pandemia. Importa que esse planeamento<br />

acautele a resposta para cenários previsíveis e que<br />

haja também aqui a preocupação de treinar estes cenários<br />

com exercícios de simulação. Pode haver uma perceção<br />

que perante a situação difícil que atravessamos,<br />

“perder tempo” a fazer exercícios é desperdiçar tempo<br />

que não temos, mas os ganhos em identificar as lacunas<br />

e fragilidades proporcionados, serão seguramente uma<br />

vantagem importante no médio/longo prazo. Ã<br />

1. https://medium.com/@tomaspueyo/coronavirus-the-hammer-and-the-dance-be9337092b56<br />

2. https://www.jornaldenegocios.pt/economia/saude/detalhe/ha-muitos-doentes-por-tratar-bastonario-propoe-programa-para-recuperar-consultas-cirurgias-e-exames<br />

3. https://tvi24.iol.pt/sociedade/transplantes/transplantacao-de-orgaos-recuperacao-da-atividade-esta-a-ser-feita-de-forma-algo-lenta<br />

4. https://www.publico.pt/<strong>2020</strong>/07/03/sociedade/noticia/ine-excesso-mortalidadereverteu-segunda-semana-junho-1922951<br />

5. https://www.publico.pt/<strong>2020</strong>/06/03/sociedade/noticia/vacinas-administradasmaio-cairam-40-1919202<br />

6. https://tvi24.iol.pt/sociedade/coronavirus/quebra-na-vacinacao-durante-pandemia-de-covid-19-deve-se-sobretudo-a-adultos-e-adolescentes<br />

7. https://sicnoticias.pt/pais/<strong>2020</strong>-06-24-Reforco-de-38-nas-encomendas-da-vacina-da-gripe-para-este-ano<br />

22 23


GH CUIDADOS DE SAúDE PRIMÁRIOS<br />

RESPOSTA À COVID 19:<br />

O QUE FOI FEITO<br />

E O QUE HÁ PARA FAZER<br />

Maria Isabel Pereira dos Santos<br />

Colégio de Medicina Geral e Familiar<br />

Paulo Santos<br />

Colégio de Especialidade de Medicina Geral<br />

e Familiar - Faculdade de Medicina da Universidade<br />

do Porto<br />

Victor Ramos<br />

Colégio de Especialidade de Medicina Geral<br />

e Familiar - Escola Nacional de Saúde Pública<br />

- NOVA (UNL)<br />

*<br />

Gonçalo Envia<br />

Colégio de Especialidade de Medicina Geral e Familiar<br />

- Ordem dos Médicos; Coordenador da Equipa Regional<br />

de Apoio da ARS Lisboa e Vale do Tejo; Assistente de Medicina<br />

Geral e Familiar - USF Lapiás - ACeS Sintra - ARSLVT<br />

A<br />

pandemia de coronavírus apanhounos<br />

de surpresa. Uma doença infeciosa<br />

voltou a criar o pânico entre a<br />

população e profissionais de saúde:<br />

não existe vacina disponível nem<br />

tratamento eficaz. Os dados iniciais mostraram uma taxa<br />

de letalidade de 4% e em alguns países europeus<br />

ainda maior 1 . É um padrão que nos recorda as históricas<br />

epidemias da peste negra e dos grandes surtos<br />

de gripe, com elevada incidência e mortalidade. Em<br />

2009/10, os Cuidados de Saúde Primários (CSP) tiveram<br />

de se organizar para combater a gripe A, mas<br />

Joana Monteiro<br />

Colégio de Especialidade de Medicina Geral e Familiar<br />

- Ordem dos Médicos; Assistente de Medicina Geral e Familiar<br />

-USF Odisseia - ACeS Maia-Valongo ARSNorte<br />

Os autores descrevem a reorganização que foi necessária fazer em função do conhecimento sobre a doença, no contexto<br />

do surgimento da epidemia Covid-19 em Portugal. Identificam as alterações introduzidas na prestação de Cuidados de<br />

Saúde Primários, as aprendizagens a partir das disfunções apresentadas e fazem propostas para melhorar a capacidade<br />

de resposta estratégica e governativa, neste nível de cuidados, para o presente e futuro do SNS.<br />

quando a epidemia se declarou na Europa já tínhamos<br />

vacina disponível e reservas suficientes de antivírico eficaz<br />

2 . Os serviços prepararam-se mas pouca necessidade<br />

houve de alterar o modo de prestação de cuidados.<br />

A Covid-19 é uma doença infeciosa de predomínio respiratório<br />

com amplo espetro de apresentação clínica,<br />

desde casos paucissintomáticos em cerca de 80% dos<br />

doentes até uma pneumonia severa com falência multiorgânica<br />

em 6%, potencialmente fatal 3 . A suspeita depende<br />

dos contactos e da clínica, e a certeza diagnóstica<br />

é o teste confirmatório da presença do vírus SARS-<br />

-CoV-2. Além dos doentes temos um número indeter-<br />

minado de casos de pessoas assintomáticas, porém capazes<br />

de transmitir a infeção 4 , e que permanecerão assintomáticas<br />

na sua maioria 5 .<br />

Esta pandemia afasta-nos uns dos outros, e afasta-nos<br />

do perfil e da organização de cuidados a que estamos<br />

habituados. Sentimos medo nas pessoas e sentimos<br />

medo nos profissionais de saúde.<br />

As respostas e as aprendizagens dos Cuidados de<br />

Saúde Primários durante a pandemia<br />

A melhor resposta a uma epidemia é a antecipação. Perante<br />

uma doença desconhecida, temos de observar os<br />

acontecimentos nos focos iniciais da infeção, identificar<br />

os fatores facilitadores da disseminação, perceber as estratégias<br />

para cada contexto e avaliar a eficácia das respostas<br />

encontradas.<br />

A primeira fase teve como objetivo a contenção da<br />

transmissão da infeção. Apesar da informação disponível<br />

internacionalmente, não dispúnhamos do equipamento<br />

de proteção individual adequado e suficiente<br />

para o funcionamento de toda a rede de saúde pública,<br />

nem dos testes necessários para diagnóstico. A atuação<br />

dos CSP centrou-se em assegurar respostas mínimas,<br />

mas eficazes, para identificar, delimitar e diminuir as cadeias<br />

de contágio, isolar e acompanhar os casos suspeitos<br />

na comunidade, manter as unidades de saúde e os<br />

profissionais sem infeção e assegurar a manutenção dos<br />

cuidados de saúde essenciais. Reorganizou-se a estrutura<br />

assistencial, num esforço para identificar os casos<br />

suspeitos que seriam orientados no protocolo vigente,<br />

tentando manter a filosofia e os princípios de trabalho<br />

da MGF no compromisso de prestação de cuidados<br />

abrangentes e em continuidade à população. Esta<br />

visão clínica permite uma adaptabilidade local dentro<br />

de objetivos estratégicos que tem sido basilar no Serviço<br />

Nacional de Saúde (SNS). Exige uma liderança forte,<br />

confiável, capaz de definir metas, criar dinâmicas para<br />

a sua concretização e agregar as pessoas à volta das<br />

melhores estratégias para as alcançar.<br />

Tivemos o acaso de ser um dos últimos países europeus<br />

com casos prevalentes, o que poderia ter sido benéfico<br />

se tivéssemos sabido incorporar precocemente<br />

a informação disponível. As áreas dedicadas à Covid-19<br />

6 (ADC) poderiam ter sido implementadas antecipadamente,<br />

garantindo uma visão estratégica nacional<br />

e deixando à autonomia de cada ACeS a sua organização<br />

local, permitindo otimizar respostas e poupando<br />

stress escusado aos profissionais de saúde, à semelhança<br />

do que havia ocorrido na pandemia da gripe<br />

A. Os processos de contratualização deveriam ter sido<br />

suspensos, libertando os serviços para a necessária reorganização.<br />

Sem testes em número suficiente, faltou<br />

uma estratégia clara de testagem 7 aplicável ao caso concreto,<br />

levando à bizarria de ter doentes com critério<br />

clínico e epidemiológico a aguardar um telefonema (de<br />

barragem) para aceder ao teste confirmatório.<br />

Na ausência de uma estratégia abrangente para os CSP, }<br />

24 25


GH CUIDADOS DE SAúDE PRIMÁRIOS<br />

“<br />

INSTITUIU-SE UM MODELO<br />

DE TRABALHO MAIS ABERTO<br />

E COLABORATIVO, PERMITINDO<br />

OS AJUSTAMENTOS NECESSÁRIOS<br />

EM CADA MOMENTO E A CRIAÇÃO<br />

DE NOVOS PROTOCOLOS<br />

E FLUXOGRAMAS DE DECISÃO.<br />

”<br />

a Ordem dos Médicos /Colégio de Medicina Geral e<br />

Familiar propôs um conjunto de princípios gerais que<br />

visavam orientar a ação e o exercício profissional, influenciar<br />

as administrações a flexibilizar horários de trabalho<br />

e a permitir trabalho de retaguarda e teletrabalho, garantindo-se<br />

o acesso remoto aos registos clínicos pelos<br />

profissionais em quarentena 8 . Mais do que simplesmente<br />

definir serviços mínimos para a atividade assistencial<br />

presencial, procurou-se garantir vias alternativas<br />

e eficientes para manter o contacto dos utentes com a<br />

equipa de saúde, com atenção especial aos mais vulneráveis,<br />

promover a proatividade na reorganização dos<br />

serviços, simplificar procedimentos relativos à prescrição<br />

de medicamentos e exames de diagnóstico, reforçar<br />

o papel do médico de família, e da equipa de saúde<br />

familiar, na introdução das medidas de distanciamento<br />

social, e garantir a existência dos equipamentos de proteção<br />

adequados ao contexto. No geral, procurou-se<br />

proporcionar condições organizativas para manter pessoas<br />

e doentes afastados dos serviços de saúde, exceto<br />

quando estritamente necessário, diminuindo a probabilidade<br />

de contágio, e proteger os profissionais de<br />

saúde para poderem assegurar os cuidados de saúde<br />

à população.<br />

Os utentes foram informados das alterações e intensificaram-se<br />

os contactos telefónicos e por e-mail. Reorganizaram-se<br />

escalas de serviço e horários de trabalho<br />

para evitar a presença física, em simultâneo, de toda a<br />

Figura 1: Distribuição dos doentes Covid-19 pelo internamento hospitalar, unidades de cuidados intensivos e ambulatório em Portugal até 27 de junho (fonte: DGS, <strong>2020</strong>).<br />

equipa na mesma unidade de saúde. O contacto à distância<br />

substituiu uma parte significativa do normal agendamento<br />

presencial. Os espaços foram adaptados para<br />

criar circuitos alternativos para utentes e profissionais<br />

e salas de isolamento para os doentes. Instituiu-se um<br />

modelo de trabalho mais aberto e colaborativo, permitindo<br />

os ajustamentos necessários em cada momento<br />

e a criação de novos protocolos e fluxogramas de decisão.<br />

Os utentes foram estratificados por níveis de risco<br />

e necessidade de cuidados para assegurar o atendimento<br />

à doença aguda não-Covid-19, e o acompanhamento<br />

da doença crónica. Foi colocada grande ênfase<br />

nas medidas de proteção individual e coletiva, no arejamento,<br />

limpeza e fardamento, adequando os procedimentos<br />

de higiene e de contenção de propagação<br />

de infeção.<br />

Neste enquadramento, é fundamental uma comunicação<br />

eficaz, capaz de compensar os constrangimentos<br />

da restrição à presença física. Na ausência dos recursos<br />

nos serviços, os profissionais disponibilizaram voluntariamente<br />

equipamentos pessoais, superando deficiências<br />

e insuficiências dos equipamentos, linhas telefónicas<br />

e sistemas de comunicação. Nunca os médicos dos<br />

CSP telefonaram tanto e enviaram tantos e-mails. Os<br />

“Diários de uma pandemia” do Instituto de Saúde Pública<br />

da Universidade do Porto têm mostrado que o<br />

contacto telefónico com os médicos de família tem suplantado<br />

o recurso à Linha Saúde 24. Não sendo a melhor<br />

opção, foi a necessária para abordar rapidamente<br />

o problema, mas a prazo requer um reforço rápido dos<br />

recursos existentes.<br />

Inevitavelmente, houve também atingimento dos recursos<br />

humanos, ao nível dos profissionais que foram<br />

colocados em quarentena por doença, por contacto<br />

próximo, ou por situação de risco de gravidade. Novamente<br />

a iniciativa partiu dos profissionais no terreno.<br />

Em alguns locais foi necessário juntar unidades existentes<br />

num modelo de group practice, garantindo a continuidade<br />

de cuidados por partilha do processo clínico<br />

eletrónico. Uma parte importante dos procedimentos<br />

de seguimento dos doentes pode, e deve, ser realizada<br />

por outros grupos profissionais nomeadamente a enfermagem,<br />

na sua dimensão de acompanhar e cuidar,<br />

e outros, incluindo os secretários clínicos, assegurando<br />

a gestão da comunicação, a acessibilidade e a proximidade<br />

à equipa de saúde.<br />

As ADC na Comunidade (ADC-C) trouxeram novos<br />

circuitos, fluxogramas e aplicações informáticas. Deslocalizaram-se<br />

das unidades de saúde, criando um circuito<br />

externo dos doentes entre as unidades de saúde<br />

onde recorriam e o local para serem observados. Os<br />

protocolos respondiam ao combate ao Covid-19, dicotomizando<br />

a decisão clínica em positivo ou negativo,<br />

e deixando um número significativo de doentes sem<br />

resposta assistencial concreta. Obrigaram a um atendimento<br />

distinto da regular consulta em MGF, pelo que<br />

deveriam estar baseadas em equipas estáveis principalmente<br />

formadas por voluntários, em regime rotativo,<br />

com previsão dos necessários reforços e separadas dos<br />

restantes profissionais, permitindo implementar fluxogramas<br />

de procedimento claros para a receção e encaminhamento<br />

dos doentes em ambulatório, e com<br />

formação específica 9 .<br />

Por último, nesta gestão da pandemia surge o Trace-<br />

-Covid 6 , um instrumento de vigilância epidemiológica<br />

desgarrado do sistema e das aplicações informáticas<br />

em uso no SNS. Esta plataforma poderá ter vantagens<br />

no seguimento de utentes com necessidade de potencial<br />

monitorização. Porém, os registos efetuados não<br />

migram diretamente para o registo clínico eletrónico<br />

do doente, obrigando a duplicar o trabalho de registo<br />

com desperdício de tempo, atenção e esforço numa<br />

repetição inexplicável de gestos, claramente ineficiente.<br />

Nem sequer é um instrumento adequado para<br />

investigação sobre acompanhamento clínico, pois os<br />

dados da história atual e pregressa não-Covid estão<br />

naturalmente, e bem, registados no processo clínico<br />

individual do utente. Mais do que um repositório de<br />

dados estruturados, as aplicações informáticas devem<br />

ser uma forma de comunicação efetiva entre os níveis<br />

de cuidados, suficientemente plásticas para permitir<br />

uma adaptação à realidade local, e continuamente auditáveis<br />

e auditadas para incorporar os inputs dos utilizadores<br />

no terreno.<br />

Apesar dos problemas, a rede de CSP funcionou no<br />

apoio à população, mantendo um acompanhamento<br />

próximo de todas as pessoas com receio, suspeita ou<br />

infeção confirmada por SARS-CoV-2, permitindo manter<br />

em ambulatório mais de 95% dos casos, gerir os<br />

níveis de ansiedade social e reforçar a confiança da população<br />

no SNS. Em 18 de março, mais de 80% dos<br />

doentes encontravam-se orientados em ambulatório,<br />

tendo este valor ultrapassado os 90% a partir de 24 de<br />

março. A proporção de 80-14-6, descrita nas primeiras<br />

séries da China, foi em Portugal de 95-4-1 (ambulatório -<br />

internamento - cuidados intensivos), o que permitiu aliviar<br />

a pressão sobre a rede hospitalar, contribuindo para<br />

uma taxa de letalidade inferior a 4%, menor do que<br />

muitos outros países, e para uma gestão mais equilibrada<br />

dos recursos (Figura 1).<br />

Propostas de reorganização e reformulação nos<br />

Cuidados de Saúde Primários<br />

As propostas para reorganização dos CSP surgem antes<br />

da pandemia 10 e abrangem diversas áreas: o tamanho<br />

adequado das listas de utentes, a organização do<br />

trabalho em group practice, a alocação de recursos humanos<br />

às reais necessidades dos serviços, a redução da<br />

carga burocrática através de informatização eficiente e }<br />

26 27


GH CUIDADOS DE SAúDE PRIMÁRIOS<br />

“<br />

OS CSP TÊM EVOLUÍDO COMO<br />

BASE DE UM SNS QUE APESAR<br />

DO DESINVESTIMENTO E DA<br />

FRAGMENTAÇÃO DE QUE FOI ALVO,<br />

COLOCOU O PAÍS ENTRE OS<br />

MELHORES DO ESPAÇO EUROPEU<br />

NO QUE À SAÚDE DIZ RESPEITO.<br />

”<br />

da transferência de tarefas técnicas, burocráticas e administrativas<br />

para outros grupos profissionais, sem prejuízo<br />

da manutenção da integridade do ato médico.<br />

É necessário disponibilizar dados real-time que possibilitem<br />

uma avaliação da qualidade assistencial nas diferentes<br />

vertentes, capaz de gerar conhecimento para a<br />

melhoria contínua dos processos assistenciais, organizacionais,<br />

de gestão e de avaliação epidemiológica e racionalizar<br />

os recursos existentes. A Covid-19 veio evidenciar<br />

esta necessidade. A realocação dos recursos<br />

afetados às ADC-C, com reduzido número de atendimentos,<br />

e até sem atendimentos, tem sido disso um<br />

exemplo. Na reformulação da norma 004/<strong>2020</strong>, é fundamental<br />

assumir que a gestão diagnóstica, do seguimento<br />

e da terapêutica do doente Covid-19 não depende<br />

de um protocolo de aplicação cega, mas que<br />

se rege pela decisão clínica personalizada, de quem é<br />

elegível para ser testado, quando o fará, e como será<br />

acompanhado em ambulatório ao longo do tempo até<br />

ser dado como curado ou ter de ser referenciado a<br />

outro nível de cuidados.<br />

Será fundamental que as tecnologias de informação<br />

estejam ao serviço do processo. É urgente parar com<br />

a enxurrada de aplicações e exigir dos produtores dos<br />

sistemas informáticos que respeitem a relação médico-<br />

-doente, em vez de obrigar todos a adaptarem-se<br />

constantemente a modelos que poderão servir muitos<br />

objetivos, mas que, na prática, se distanciam de um<br />

formato orientado para o doente e para a clínica: que<br />

sejam sistemas de apoio à clínica e não barreiras à realização<br />

da consulta 11,12 .<br />

Da mesma forma, é crucial garantir eficiência na possibilidade<br />

do doente contactar a sua equipa de saúde<br />

familiar em caso de dúvida ou necessidade.<br />

Para o futuro ficam algumas lições.<br />

É necessária formação em medicina de catástrofe com<br />

planos de contingência atualizados e treinados na prática<br />

dos CSP; é necessário aperfeiçoar a rede informática,<br />

nos equipamentos e nas aplicações, e criar condições<br />

duradouras que permitam dinamizar a telemedicina<br />

nas suas múltiplas dimensões; é necessário equipar<br />

os centros de saúde com material adequado de proteção<br />

individual, de fardamento, de equipamento de<br />

apoio para higienização, etc.<br />

É fundamental que os profissionais confiem nas cadeias<br />

hierárquicas e clínicas e que estas sejam baseadas no<br />

mérito, tecnicamente competentes, encurtadas e simplificadas,<br />

ao nível de coordenações de unidades de<br />

saúde, de ACeS e das ARS.<br />

Apesar da emergência do combate ao Covid-19, não<br />

podemos deixar de atender a doença aguda, doença<br />

crónica, cuidados domiciliários, a prevenção nas diferentes<br />

fases da vida, e restantes solicitações a que normalmente<br />

os médicos de família são chamados a resolver.<br />

Para isso é necessário repor o funcionamento dos<br />

laboratórios e imagiologia, da Medicina Dentária, dos<br />

profissionais paramédicos com formação, da Medicina<br />

Física e Reabilitação, das consultas hospitalares para onde<br />

referenciamos os doentes, de todo um sistema de<br />

saúde que não se pode fechar com medo de ser infetado.<br />

Os CSP têm evoluído como base de um SNS que,<br />

apesar do desinvestimento e da fragmentação de que<br />

foi alvo, colocou o País entre os melhores do espaço<br />

europeu no que à Saúde diz respeito. Podem ser a base<br />

do combate a esta epidemia mesmo enquanto não<br />

temos uma vacina disponível. Temos profissionais motivados<br />

e eficazes, capazes de usar os dados de saúde<br />

para a decisão em benefício da população, promovendo<br />

o acesso e a equidade aos serviços de saúde. É importante<br />

que sejam devidamente valorizados para não<br />

deixar escapar este potencial, provendo-os com os<br />

meios necessários para realizar o seu trabalho. Os CSP<br />

são a base da organização da saúde e não podem continuar<br />

a ser sujeitos ao desinvestimento que se tem assistido<br />

nos últimos anos através de suborçamentações<br />

crónicas, justificadas em contratualizações forçadas de<br />

indicadores meramente financeiros. É preciso olhar para<br />

os CSP como um investimento em saúde e um fator<br />

chave de sustentabilidade de todo o SNS.<br />

Presos num agora, que veio alterar toda a nossa vida<br />

pessoal, social e laboral nunca estivemos tão conscientes<br />

do valor que a nossa ação individual tem para o<br />

coletivo: é altura de preparar hoje o pós-Covid. Ã<br />

EVAC<br />

Unidades Higiénicas<br />

Certificadas<br />

Tem sido grande a recetividade do mercado nacional e estrangeiro, desde 2015, à gama<br />

certificada de Unidades de Tratamento de Ar, UTA-H, que satisfazem todos os requisitos de<br />

higiene aplicáveis especificados nas principais normas europeias, nomeadamente nas normas<br />

DIN 1946-4, EN 13053 e VDI 6022-1.<br />

1984<br />

Há 35 anos a pensar em Unidades de Tratamento de Ar.<br />

1999<br />

Primeiro fabricante nacional com Certificação EUROVENT.<br />

Atualmente, a nível mundial, são mais de 100 as empresas certificadas. A EVAC foi a 12ª.<br />

2015<br />

Primeiro fabricante nacional com Certificação Higiénica DIN 1946-4.<br />

UTA-H<br />

1. WHO. Coronavirus disease 2019 (Covid-19). Situation Report-41. https://<br />

www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/situation-reports/<strong>2020</strong>0301-<br />

sitrep-41-covid-19.pdf?sfvrsn=6768306d 2. Date: March 1, <strong>2020</strong>. Acedido: 5<br />

de março de <strong>2020</strong>.<br />

2. MS. Relatório da Pandemia da Gripe em Portugal 2009. DGS, junho de 2010.<br />

https://www.dgs.pt/documentos-e-publicacoes/relatorio-da-pandemia-da-gripe-ah1n12009-em-portugal-pdf.aspx<br />

3. Li PJ et al. Intensive care management of coronavirus disease 2019 (Covid-19):<br />

challenges and recommendations. The Lancet Respiratory Medicine.<br />

Available online 6 April <strong>2020</strong>. Acedido a 10 de abril. https://www.thelancet.<br />

com/journals/lanres/article/PIIS2<strong>21</strong>3-2600(20)30161-2/fulltext<br />

4. UpToDate. Coronavirus disease 2019 (Covid-19). Acedido: 11 de março<br />

de <strong>2020</strong>. https://www.uptodate.com/contents/coronavirus-disease-2019-covid-19#H4014462337<br />

5. Sakurai A. et al. Natural History of Asymptomatic SARS-CoV-2 Infection.<br />

Correspondence. The New England Journal of Medicine. June 12, <strong>2020</strong> DOI:<br />

10.1056/NEJMc2013020. Acedido a 20 de junho de <strong>2020</strong>. Disponível em:<br />

https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMc2013020<br />

6. DGS - Norma 004/<strong>2020</strong>. Covid-19: Fase de Mitigação Abordagem do Doente<br />

com Suspeita ou Infeção por SARS-CoV-2, data de 23/03/<strong>2020</strong> atualizada<br />

a 25/04/<strong>2020</strong>. https://www.dgs.pt/directrizes-da-dgs/normas-e-circularesnormativas/norma-n-004<strong>2020</strong>-de-2303<strong>2020</strong>-pdf.aspx<br />

7. ECDC. Technical Report. Novel coronavirus (SARS-CoV-2) Discharge criteria<br />

for confirmed Covid-19 cases - When is it safe to discharge Covid-19 cases<br />

from the hospital or end home isolation? https://www.ecdc.europa.eu/sites/<br />

default/files/documents/Covid-19-Discharge-criteria.pdf<br />

8. Colégio de Medicina Geral e Familiar. Reorganização de serviços em Medicina<br />

Geral e Familiar no contexto de exceção do combate à Covid-19 em 17 de<br />

março de <strong>2020</strong>. https://ordemdosmedicos.pt/reorganizacao-de-servicos-emmedicina-geral-e-familiar-no-contexto-de-excecao-do-combate-a-covid-19/<br />

9. Colégio de Medicina Geral e Familiar. Recomendação do Colégio de MGF<br />

sobre organização de "mini-equipas" exclusivamente destinadas ao serviço em<br />

ADC nos CSP, 25/03/<strong>2020</strong>. https://ordemdosmedicos.pt/wp-content/uploads/<br />

<strong>2020</strong>/03/recomenda%C3%A7%C3%A3o-CMGF-26-<strong>2020</strong>-2vs.pdf<br />

10. Colégio de Medicina Geral e Familiar. Desafios de hoje à gestão da prática<br />

clínica de Medicina Geral e Familiar, 20/12/2019 https://ordemdosmedicos.pt/<br />

wp-content/uploads/<strong>2020</strong>/06/2019.071-Desafios-de-hoje-a%CC%80-gesta%C-<br />

C%83o-da-pra%CC%81tica-cli%CC%81nica-e-Medicina-Geral-e-Familiar.pdf<br />

11. Colégio de Medicina Geral e Familiar. Efetividade e segurança dos Cuidados<br />

de Saúde Primários para a redução da Covid-19 na comunidade, 30/03/<strong>2020</strong>.<br />

https://ordemdosmedicos.pt/wp-content/uploads/<strong>2020</strong>/04/<strong>2020</strong>.027-Efetivi-<br />

dade-e-seguran%C3%A7a-dos-Cuidados-de-Sa%C3%BAde-Prim%C3%A-<br />

1rios-na-redu%C3%A7%C3%A3o-da-Covid-19-na-comunidade.pdf<br />

12. Colégio de Medicina Geral e Familiar. Reorganização da atividade assistencial<br />

e pandemia Covid-19 - Retoma faseada da resposta às restantes necessidades<br />

de saúde, 05/05/<strong>2020</strong>. https://ordemdosmedicos.pt/wp-content/<br />

uploads/<strong>2020</strong>/03/Reorganiza%C3%A7%C3%A3o-de-servi%C3%A7os-em-M-<br />

GF-_-Covid-19.pdf<br />

www.evac.pt<br />

28<br />

Acreditamos na engenharia Portuguesa e no nosso trajeto. Acredite também.<br />

A ENGENHARIA DO AR


GH saúde militar<br />

O LABORATÓRIO MILITAR<br />

NO APOIO AO SNS<br />

E À SOCIEDADE CIVIL<br />

Margarida de Sá Figueiredo de Almeida<br />

Coronel Farmacêutica, Diretora do Laboratório Militar<br />

de Produtos Químicos e Farmacêuticos<br />

LMPQF: fachada principal do edifício.<br />

Há mais de um século a servir Portugal<br />

e os portugueses, o Laboratório<br />

Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos<br />

(LMPQF) é muito mais<br />

que um laboratório.<br />

Um longo caminho a garantir a logística sanitária, a produção<br />

de medicamentos e de produtos farmacêuticos,<br />

quer a nível nacional a todas as Unidades, Estabelecimentos<br />

e Órgãos (UEO) do Exército, quer em teatros<br />

de operações às Forças Nacionais Destacadas (FND),<br />

assim como ações de sanitarismo e desinfestação.<br />

Na tradução do conceito de uso dual nas Forças Armadas<br />

(FFAA) o LMPQF utiliza sinergicamente e em<br />

economia de escala, recursos humanos, materiais, financeiros<br />

e de infraestruturas, cuja missão de cariz militar<br />

se une à de cariz civil e de interesse público, mantendo<br />

ainda um elevado conhecimento técnico e científico.<br />

O LMPQF tem como missão “assegurar a logística<br />

sanitária militar necessária ao sistema de saúde militar<br />

(SSM) e às FFAA, aos seus familiares e aos deficientes<br />

militares, e responder às necessidades dos serviços do<br />

Ministério da Saúde, nomeadamente na produção e<br />

manipulação de medicamentos”.<br />

No apoio ao dispositivo territorial do Exército são<br />

operadas sete sucursais que garantem um apoio logístico-farmacêutico<br />

de proximidade muito significativo<br />

em medicamentos e dispositivos médicos.<br />

De acordo com a sua missão, são ainda atribuições<br />

do LMPQF “produzir e manipular medicamentos, de<br />

acordo com o disposto no regime jurídico dos medicamentos<br />

de uso humano, e outros produtos de saúde<br />

necessários ao abastecimento do SSM e das FFAA”,<br />

“produzir medicamentos que não se encontrem autorizados<br />

ou comercializados em Portugal e que sejam<br />

imprescindíveis na prática clínica e a distribuir pela rede<br />

hospitalar do SNS” e ainda “produzir medicamentos<br />

para fazer a situações de emergência, de epidemia ou<br />

pandemia” (como por ex. antídotos).<br />

No âmbito do apoio à sociedade civil e em resposta<br />

ao solicitado pela rede hospitalar do SNS, o Laboratório<br />

Militar produz medicamentos manipulados e medicamentos<br />

para doenças raras (como por ex. a histidina<br />

cobre, utilizada na Síndrome de Menkes; citrato de cafeína,<br />

usado em pneumologia neonatal) e outros que<br />

por desinteresse da indústria farmacêutica deixaram<br />

de ser produzidos, mas que, no entanto, são cruciais<br />

no tratamento dos doentes que deles necessitam. Dos<br />

medicamentos inexistentes no mercado nacional, quer<br />

temporariamente quer de forma permanente, são cerca<br />

de cinquenta os que estão a ser produzidos em<br />

resposta ao solicitado pelos hospitais do SNS, como<br />

por ex.: Carbonato de cálcio (Hemodiálise), Isoniazida<br />

(Tuberculose), Xarope comum, Hidrato de cloral (Pediatria),<br />

Pasta de Cocaína (Anestesia), etc.<br />

Na produção dos medicamentos, nomeadamente nos<br />

utilizados nas doenças raras, que afetam 5 em cada<br />

10.000 cidadãos da União Europeia, o LMPQF pode<br />

atuar como ferramenta de regulação ativa e de normalização<br />

do mercado, à semelhança do que já acontece<br />

nas FFAA de outros países.<br />

Em toda a área de produção é fundamental assegurar a<br />

qualidade quer das matérias-primas quer dos medicamentos<br />

ou outros produtos acabados, que no LMPQF<br />

é avaliada pelo laboratório de controlo de qualidade<br />

de acordo com as especificações regulamentares;<br />

As análises físico-químicas e microbiológicas de amostras<br />

são outras das áreas importantes da capacidade<br />

instalada no LMPQF;<br />

Esta vertente da atividade farmacêutica, nomeadamente<br />

no campo das análises de águas, tem particular<br />

relevância em ambiente operacional e inclusive no âmbito<br />

de programas de cooperação técnico-militar em<br />

processos que, em parceria com a Engenharia Militar,<br />

permitam a purificação e controlo da qualidade da<br />

água, garantindo o acesso a água de qualidade para as<br />

populações diminuindo a mortalidade, morbilidade e<br />

controlando a disseminação de doenças;<br />

Exemplo deste apoio à população foi o caso mais recente<br />

em março de 2019 em Moçambique aquando<br />

do ciclone Idai, em que integrado na Força de Reação<br />

Imediata, o LMPQF desenvolveu ações de purificação<br />

e desinfeção da água em aldeias isoladas, em coordenação<br />

com o módulo de Engenharia.<br />

Em apoio do Ministério da Saúde, o LMPQF, desde<br />

há 20 anos que em colaboração com o serviço de<br />

intervenção nos comportamentos aditivos e nas dependências<br />

(SICAD) integra o projeto de produção }<br />

Missão do LMPQF: Dec. Lei 102 de 2019.<br />

LMPQF: Carregamento de material para FND.<br />

LMPQF: Farmácia militar dos Olivais.<br />

30 31


GH saúde militar<br />

Produção: Área de manipulados.<br />

Laboratório de microbiologia.<br />

e distribuição de metadona por todo o país com mais<br />

de dois milhões de saquetas/ano e mais de 10.000<br />

frascos/1L, com cerca de 25.000 toxicodependentes<br />

a serem apoiados.<br />

No início de março, perante o surto de COVID19 a<br />

Direção Geral de Saúde ativou a Reserva Estratégica<br />

do Medicamento (REM) e solicitou ao Exército que,<br />

através do Laboratório Militar, e conforme previsto no<br />

DL 102/2019, fizesse o armazenamento, gestão e distribuição<br />

da reserva nacional de medicamentos e de equipamento<br />

de proteção individual nas suas instalações.<br />

No atual contexto da Pandemia Covid19, o LMPQF,<br />

em paralelo a toda a sua atividade, passou a exercer o<br />

seu esforço no reabastecimento de equipamentos de<br />

proteção individual (EPI) e produção de desinfetante<br />

(SABA) para as FFAA e SNS, sendo que comparativamente<br />

à atividade habitual a capacidade de produção<br />

de SABA foi quadruplicada.<br />

Face ao período pré-pandemia a atividade do Laboratório<br />

Militar aumentou significativamente e diversificou-se.<br />

Foram adaptadas instalações e efetuadas<br />

alterações necessárias no sentido de melhorar as condições<br />

de trabalho e segurança, não só para acomodar<br />

o conjunto de equipamentos adquiridos para aumento<br />

da produção de SABA como para fabrico de produtos<br />

químicos cuja produção tem subjacente o risco de deflagração<br />

e/ou explosão; nestas instalações estão a ser<br />

Produção: Área de de sólidos.<br />

“<br />

FACE AO PERÍODO PRÉ-PANDEMIA<br />

A ATIVIDADE DO LABORATÓRIO<br />

MILITAR AUMENTOU<br />

SIGNIFICATIVAMENTE<br />

E DIVERSIFICOU-SE.<br />

”<br />

REM: Armazém.<br />

REM: Descarregamento para armazém.<br />

produzidos, entre outros produtos, descontaminantes<br />

usados pelas equipas do Exército que têm atuado por<br />

todo o país na descontaminação de instalações; estes<br />

produtos podem também ser utilizados na resposta a<br />

situações de incidentes/acidentes biológicos, químicos<br />

ou radiológicos.<br />

É assim com a motivação do contributo para a garantia<br />

da soberania nacional, na capacidade de resposta a<br />

situações de crise e emergência para produção de medicamentos<br />

para doenças raras, bem como da constituição<br />

de reservas estratégicas, que o Laboratório Militar<br />

nunca esquecendo o passado, faz do agora um presente,<br />

encarando com confiança e entusiasmo o futuro<br />

sempre cientes da nobre missão de Semper et Vbiqve,<br />

continuar a servir Portugal na defesa da saúde na salvaguarda<br />

do cidadão. Ã<br />

Metadona: Enchimento de frascos.<br />

Metadona: Máquina de embalamento em saquetas.<br />

32


GH emergência<br />

A RESPOSTA DA EMERGÊNCIA<br />

MÉDICA E OS IMPACTOS<br />

NO TEMPO COM A COVID 19<br />

Luís Meira<br />

Presidente do INEM<br />

No final de dezembro de 2019, foi reportado<br />

um surto de pneumonia de<br />

causa desconhecida na cidade chinesa<br />

de Wuhan. A 9 de janeiro de <strong>2020</strong>, a<br />

Organização Mundial de Saúde (OMS)<br />

revelou que as autoridades chinesas tinham identificado<br />

a causa daquele surto: um novo vírus da família coronaviridae,<br />

capaz de provocar doença na espécie humana.<br />

Este novo coronavírus foi, posteriormente, designado<br />

SARS-CoV-2 e a doença por ele causada, Covid-19.<br />

A rápida propagação deste vírus fez com que a OMS,<br />

a 30 de janeiro, declarasse o estado de emergência de<br />

saúde pública internacional, seis dias depois dos três<br />

primeiros casos serem reportados num país europeu<br />

(França, 24 de janeiro).<br />

A 11 de março, nove dias depois de ser confirmado<br />

o primeiro caso de infeção por SARS-CoV-2 em Portugal,<br />

a disseminação global do SARS-Cov-2 levou a<br />

OMS a declarar a situação de pandemia, reconhecendo<br />

formalmente as implicações da Covid-19 a nível<br />

mundial e o seu forte impacto nos serviços de saúde.<br />

Em poucos meses, um novo agente patogénico evidenciou<br />

a impreparação de praticamente todos os<br />

países para lidarem com esta pandemia e demonstrou<br />

a pouca atenção que os decisores políticos prestaram<br />

aos alertas feitos desde há vários anos por muitos especialistas<br />

sobre a ameaça das designadas doenças infecciosas<br />

emergentes 1 .<br />

Infelizmente, muito pouco se aprendeu com alguns<br />

“avisos” recentes feitos por outros membros da família<br />

Equipa de transporte especializado.<br />

coronaviridae (SARS 2 , em 2002 e 2003, e MERS 3 , em<br />

2012), o que poderá ser atribuído à forma como esses<br />

surtos evoluíram e que conduziu a uma falsa sensação<br />

de segurança baseada na perceção de que a capacidade<br />

instalada e as medidas implementadas permitiram o<br />

seu controlo com facilidade.<br />

Contudo, não se deve cair no erro de considerar que<br />

o risco biológico tem sido completamente ignorado,<br />

atribuindo a situação atual apenas à impreparação e falta<br />

de planeamento e desvalorizando a capacidade de<br />

diversos agentes patogénicos submicroscópicos para<br />

provocar doença na espécie humana, originando verdadeiras<br />

catástrofes.<br />

Efetivamente, após os ataques terroristas de 11 de setembro<br />

de 2001, a maior parte dos governos dos países<br />

ocidentais tomaram subitamente consciência do<br />

risco de novos ataques terroristas com recurso a meios<br />

“não convencionais”, incluindo agentes biológicos. Essa<br />

tomada de consciência, suportada por uma opinião<br />

pública traumatizada que exigia a tomada imediata de<br />

medidas, levou ao aumento do investimento e ao reforço<br />

das capacidades de resposta, onde a colaboração<br />

internacional e a vigilância epidemiológica passaram a<br />

ter papeis mais relevantes. No entanto, esse esforço<br />

focou-se essencialmente nos agentes patogénicos cuja<br />

potencialidade para serem weaponized, isto é, convertidos<br />

em “Armas de Destruição em Massa”, é bem conhecida,<br />

relevando para segundo plano as doenças infecciosas<br />

emergentes.<br />

A trágica situação vivida em alguns países europeus,<br />

com destaque para Itália e Espanha, onde o aumento<br />

exponencial dos doentes com Covid-19 rapidamente<br />

ultrapassou a capacidade instalada nos serviços de saúde,<br />

serviu de alerta para países onde a entrada do vírus<br />

ocorreu mais tardiamente.<br />

Os ecos do colapso dos serviços de saúde italianos e<br />

espanhóis facilitaram a adesão da sociedade portuguesa<br />

às medidas de combate ao SARS-Cov-2 implementadas<br />

pelas autoridades. Essas medidas, juntamente com<br />

uma resposta inicial muito positiva da população e o<br />

contributo exemplar dos profissionais de saúde, criaram<br />

as condições para se controlar a situação, afastando<br />

os cenários mais catastrofistas.<br />

No entanto, a ameaça não desapareceu e a necessidade<br />

de retomar a normalidade perdida implica um duro<br />

processo de aprendizagem para podermos conviver<br />

com este vírus com um mínimo de segurança, sem deixar<br />

de aumentar a resiliência das populações e a capacidade<br />

de reação a novos surtos, epidemias e pandemias<br />

que, inevitavelmente, o futuro trará.<br />

A resposta do Instituto Nacional de Emergência<br />

Médica, I. P., à Covid-19<br />

O Instituto Nacional de Emergência Médica, I. P. (INEM),<br />

é a entidade do Ministério da Saúde responsável por<br />

coordenar o funcionamento, no território de Portugal<br />

continental, de um Sistema Integrado de Emergência<br />

Médica (SIEM), de forma a garantir aos sinistrados ou<br />

vítimas de doença súbita a pronta e correta prestação<br />

de cuidados de saúde.<br />

A gestão das chamadas de emergência na área da saúde,<br />

realizadas para o 112, a assistência médica no local da<br />

ocorrência, o transporte assistido das vítimas para o hospital<br />

adequado e a articulação entre os vários intervenientes<br />

do Sistema, são as principais atribuições do INEM.<br />

Para garantir o funcionamento articulado do SIEM, o<br />

Instituto dispõe de centrais com supervisão médica per-<br />

manente, os Centros de Orientação de Doentes Urgentes<br />

(CODU), responsáveis pela triagem dos pedidos<br />

de socorro encaminhados pelas centrais 112, pelo<br />

despacho de todos os meios de emergência médica<br />

pré-hospitalar, pela sua coordenação no terreno e pela<br />

preparação da receção hospitalar das vítimas.<br />

A resposta do INEM à pandemia de Covid-19, assentou<br />

em quatro grandes eixos:<br />

• Garantir a operacionalidade dos meios e a continuidade<br />

do cumprimento da sua missão;<br />

• Garantir a assistência médica pré-hospitalar imediata<br />

aos doentes suspeitos ou com Covid-19 com sinais<br />

de gravidade;<br />

• Apoiar as entidades do Ministério da Saúde e o próprio<br />

Ministério na resposta nacional e internacional (no<br />

âmbito da cooperação bilateral com os países de língua<br />

oficial portuguesa) à Covid-19;<br />

• Apoiar serviços essenciais de outras áreas governativas<br />

na resposta à Covid-19.<br />

Um aspeto fundamental passou, necessariamente, por<br />

garantir a proteção adequada dos operacionais do<br />

INEM. A este propósito refira-se que o Instituto teve<br />

14 trabalhadores infetados com SARS-CoV-2, não registando<br />

novos casos desde 7 de abril.<br />

Antecipando futuras dificuldades de aquisição de Equi- }<br />

34 35


GH emergência<br />

pamentos de Proteção Individual (EPI), o INEM procurou<br />

reforçar a aquisição dos componentes habitualmente<br />

utilizados nos seus meios. No entanto, as entregas<br />

destes equipamentos, sobretudo a partir de finais<br />

de fevereiro, confirmaram os receios iniciais: algum<br />

material foi entregue em quantidades muito inferiores<br />

aos pedidos e, nalguns casos, pura e simplesmente não<br />

foi entregue.<br />

Durante os meses seguintes, o aumento brutal das necessidades<br />

em EPI a nível mundial, e a quebra marcada<br />

do fornecimento, condicionaram uma escassez global<br />

de EPI e o aumento dos custos de aquisição para valores<br />

absolutamente astronómicos, num mercado completamente<br />

desregulado.<br />

Esta realidade obrigou à criação de uma Reserva Estratégica<br />

Nacional (REN) de EPI, com recurso à centralização<br />

das aquisições no Ministério da Saúde, com o<br />

INEM a contribuir de forma absolutamente essencial<br />

para garantir a liquidez necessária para grande parte<br />

destas aquisições, ao canalizar o seu saldo de gerência<br />

para o esforço nacional de constituição da REN e, também,<br />

para a aquisição de ventiladores.<br />

Ainda sem casos positivos confirmados, a preparação<br />

do INEM incidiu na identificação das medidas mais importantes<br />

para garantir a continuidade da operação e o<br />

cumprimento da sua missão, tendo sido desenvolvidas<br />

várias ações, nomeadamente:<br />

1. A revisão e atualização do Plano de Contingência do<br />

INEM para Resposta a Agentes Biológicos, em março<br />

de <strong>2020</strong>, passando a incorporar todo o conhecimento<br />

entretanto produzido sobre esta doença.<br />

2. A produção e atualização de Normas e Orientações<br />

Técnicas.<br />

2.1. O desenvolvimento de diversas recomendações<br />

Colheita.<br />

Equipa de colheitas em Coimbra.<br />

e orientações técnicas foi fundamental para garantir a<br />

segurança dos operacionais e dos doentes assistidos.<br />

2.2. As principais matérias abordadas estavam relacionadas<br />

com a vigilância epidemiológica dos operacionais,<br />

a utilização adequada de EPI, os procedimentos de Suporte<br />

Básico de Vida e Desfibrilhação Automática Externa,<br />

Suporte Imediato e Avançado de Vida, oxigenoterapia<br />

e abordagem da via aérea e, ainda, com aspetos<br />

específicos da atividade pré-hospitalar, como a limpeza<br />

e higienização de viaturas e a utilização segura dos<br />

sistemas de ventilação e ar condicionado das ambulâncias.<br />

3. Ajustamento dos fluxos de triagem telefónica do<br />

CODU.<br />

3.1. A criação de um fluxo de triagem especifico para a<br />

Covid-19, com base na definição de caso e respetivas<br />

atualizações, emitidas pela Direção Geral da Saúde (DGS),<br />

de modo a identificar casos suspeitos na triagem telefónica<br />

(identificando sintomas e links epidemiológicos).<br />

3.2. Ajustamentos em todos os fluxos de triagem onde<br />

fosse possível identificar situações suspeitas, como o fluxo<br />

Dispneia e em todos onde a febre e as queixas de tosse e<br />

dificuldade respiratória estivessem contempladas.<br />

3.3. Introdução de uma pergunta em todos os fluxos<br />

questionando sobre contactos prévios com doentes<br />

com Covid-19.<br />

4. A criação da capacidade de transporte pré-hospitalar<br />

especializado de casos suspeitos/doentes com Covid-19.<br />

4.1. A implementação de ambulâncias especializadas dedicadas,<br />

com equipas com formação e treino adequado.<br />

4.2. O número de ambulâncias especializadas em funcionamento<br />

simultâneo, incluindo ambulâncias da Cruz<br />

Vermelha Portuguesa, atingiu as duas dezenas.<br />

5. O reforço dos stocks próprios de EPI e o acesso à Reserva<br />

Estratégica Nacional:<br />

5. 1. Em contexto de grande escassez e aumento crescente<br />

do consumo de EPI, a capacidade para garantir a<br />

existência destes equipamentos nos meios de emergência<br />

revelou-se fundamental para manter a confiança<br />

e a segurança dos operacionais.<br />

6. A articulação com diversos organismos do Ministério<br />

da Saúde, nomeadamente a DGS, o Instituto Nacional<br />

de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), os Serviços Partilhados<br />

do Ministério da Saúde (SPMS) e os Hospitais, bem<br />

como com os vários parceiros do SIEM (Corpos de<br />

Bombeiros e Cruz Vermelha Portuguesa), e entidades<br />

como a Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos.<br />

O SNS 24, com o seu papel de aconselhamento e encaminhamento<br />

de situações não urgentes para os cuidados<br />

primários de saúde e hospitais, garantiu o tratamento<br />

dos casos suspeitos de Covid-19 que não apresentavam<br />

sinais de gravidade. Juntamente com a Linha<br />

de Apoio ao Médico (LAM), um serviço telefónico dirigido<br />

a médicos, para apoio na gestão de situações de<br />

saúde pública e responsável pela validação dos casos<br />

suspeitos, o SNS 24 garantiu a primeira linha de resposta<br />

na maior parte dos casos, cabendo ao INEM a<br />

resposta às situações mais graves e o transporte dos<br />

casos suspeitos validados.<br />

Quando surgiram os primeiros casos suspeitos, foram<br />

ativadas quatro ambulâncias especializadas para transporte<br />

aos hospitais de referência, com o objetivo de<br />

garantir uma resposta mais especializada e reduzir o<br />

número de profissionais expostos a doentes com Covid-19,<br />

permitindo que os restantes operacionais do<br />

pré-hospitalar recebessem formação sobre a abordagem<br />

destes doentes, o uso adequado de EPI e os procedimentos<br />

de limpeza e higienização das ambulâncias.<br />

No dia 12 de março, o aumento do número de casos<br />

conduz à ativação da Sala de Situação Nacional (SSN),<br />

de modo a garantir o acompanhamento permanente<br />

da atividade operacional e o apoio clínico às situações<br />

relacionadas com a Covid-19.<br />

No dia 13 de março, o Governo português declarou o<br />

estado de emergência, impondo a adoção de medidas<br />

de confinamento de doentes, a proibição de ajuntamentos<br />

e restrições à circulação que alteraram profundamente<br />

o nosso quotidiano. É neste contexto que o<br />

INEM implementa medidas adicionais para reforçar a<br />

prevenção e controlo da infeção e garantir a continuidade<br />

do funcionamento da Instituição.<br />

Entre as medidas mais importantes, salientam-se a<br />

promoção do teletrabalho para elementos com tarefas<br />

de apoio e de backoffice; a promoção do recurso<br />

a soluções de trabalho à distância, com diminuição das<br />

deslocações e do contacto laboral; a implementação do<br />

Projeto CODU Virtual para reforço da sua capacidade<br />

de gestão de chamadas de emergência, através da operacionalização<br />

de 10 postos de atendimento remotos<br />

(com capacidade de escala), prontos a funcionar em<br />

qualquer localização; a realização de reuniões diárias<br />

(por teleconferência) dos dirigentes da estrutura operacional<br />

para acompanhamento permanente da situação.<br />

Uma vez que ainda não existia capacidade para realizar<br />

testes na comunidade e antevendo dificuldades<br />

para garantir o transporte de um número crescente<br />

de doentes, o INEM foi pioneiro na criação de equipas<br />

especializadas para Colheita de Amostras Biológicas<br />

(CAB) para realização de testes para deteção de SAR-<br />

S-CoV-2 por RT-PCR 4 .<br />

Estas equipas de enfermeiros com formação específica<br />

ministrada pelo INSA, realizam as CAB deslocando-se<br />

a instituições ou estruturas de elevada sensibilidade, como<br />

os lares de idosos, os estabelecimentos prisionais,<br />

comunidades de migrantes a residir em condições de<br />

habitabilidade precária e outros clusters, além de forças<br />

de segurança e altas entidades, evitando a necessidade<br />

de transporte ao hospital.<br />

Até à data, foram realizadas mais de <strong>21</strong> mil colheitas.<br />

O Centro de Atendimento Psicológico e Intervenção<br />

em Crise (CAPIC) do INEM, desenvolveu um conjun- }<br />

36 37


GH emergência<br />

Sala de Situação Nacional (SSN).<br />

to de ações para melhor adaptar o apoio psicossocial<br />

ao contexto da pandemia.<br />

Particularmente relevante foi o reforço da capacidade de<br />

atendimento telefónico e a criação do Plano de Resposta<br />

Psicossocial e Saúde Mental para Profissionais INEM<br />

de modo a melhorar o apoio prestado aos operacionais.<br />

O CAPIC produziu ainda um folheto sobre gestão<br />

emocional dirigida a doentes Covid-19 e seus familiares,<br />

um folheto explicando a pandemia às crianças e<br />

um vídeo com adaptação da informação psicoeducativa<br />

para a comunidade surda.<br />

No âmbito da iniciativa Emergency Medical Teams da<br />

OMS, através do seu módulo de emergência médica<br />

(Pt-EMT), certificado pela OMS, o INEM empenhou<br />

uma equipa médica para acompanhamento de vários<br />

cidadãos portugueses repatriados da China.<br />

Ainda no âmbito da iniciativa EMT e respondendo a<br />

um pedido de apoio do governo de São Tomé e Príncipe,<br />

o Instituto enviou, a 15 de maio, uma equipa de<br />

quatro elementos para aquele país, para apoio das autoridades<br />

locais no combate à Covid-19.<br />

O INEM apoiou ainda o Hospital de São João, no Porto,<br />

e o Hospital Pediátrico Dona Estefânia, em Lisboa,<br />

através da cedência de ventiladores e da montagem<br />

de várias tendas para criação de zonas de receção de<br />

doentes Covid-19.<br />

Em Ovar, o Instituto apoiou a montagem de um Hospital<br />

de Campanha na Arena Dolce Vita, para reforço<br />

da capacidade do Hospital Dr. Francisco Zagalo.<br />

Conclusão<br />

Nunca antes foi gerado tanto conhecimento científico<br />

como o produzido sobre o SARS-CoV-2, nem de forma<br />

tão rápida (em menos de um mês foi possível identificar<br />

e mapear geneticamente o agente causador de<br />

um surto de uma pneumonia de causa desconhecida).<br />

No entanto, um dos principais problemas levantadas<br />

por este novo coronavírus resulta da dificuldade que a<br />

comunidade científica tem sentido para encontrar armas<br />

eficazes e produzir conhecimento em tempo útil,<br />

que permita a tomada de melhores decisões para um<br />

combate mais eficaz à pandemia.<br />

Apenas a monitorização permanente de toda a atividade<br />

assistencial e o acompanhamento muito próximo e<br />

atento da evolução da situação permitirão antecipar a<br />

necessidade de ajustamentos na capacidade de resposta<br />

do SIEM, de acordo com a procura de cuidados que<br />

se verifique em cada momento. Só deste modo será<br />

possível proteger os operacionais e garantir condições<br />

para que o seu desempenho se paute pelos mais elevados<br />

padrões de qualidade e segurança.<br />

A propósito da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida,<br />

o vencedor do prémio Nobel de Fisiologia e Medicina<br />

de 1958, o Dr. Joshua Lederberg, numa conferência<br />

de laureados, realizada em Paris há mais de 30<br />

anos (janeiro de 1988), afirmou:<br />

“Voltaremos a enfrentar catástrofes semelhantes e ficaremos<br />

cada vez mais confusos ao lidar com elas, se<br />

não compreendermos a realidade do lugar da nossa<br />

espécie na natureza. Uma grande parte do progresso<br />

da humanidade tem sido dedicada à subordinação da<br />

nossa própria natureza humana a ideais de perfeição<br />

e autonomia individuais. A inteligência, a cultura e a<br />

tecnologia humanas deixaram todas as outras espécies<br />

de plantas e animais fora da competição.<br />

Podemos legislar o comportamento humano. Mas temos<br />

muitas ilusões que podemos, por escrito, governar<br />

os reinos vitais remanescentes, os micróbios, que continuam<br />

sendo os nossos maiores concorrentes pelo<br />

domínio do planeta. As bactérias e vírus nada sabem<br />

sobre as soberanias nacionais…” Ã<br />

1. Segundo a OMS, as doenças infecciosas emergentes são aquelas que afetam<br />

uma população pela primeira vez ou que, existindo previamente, se disseminam<br />

rapidamente, seja pelo número de pessoas infetadas, seja pelo atingimento<br />

de novas áreas geográficas.<br />

2. SARS: Severe Acute Respiratory Syndrome ou Síndroma Respiratória Aguda Grave.<br />

3. MERS: Middle East Respiratory Syndrome ou Síndroma Respiratória do Médio Oriente.<br />

4. RT-PCR: Reverse Transcriptase - Polymerase Chain Reaction. Teste de biologia<br />

molecular para deteção de componentes do SARS-CoV-2, sendo considerado<br />

o teste mais fiável para deteção do vírus.<br />

38


GH esaúde<br />

SNS24: A PORTA ABERTA<br />

DO SNS<br />

Luís Goes Pinheiro<br />

Presidente do Conselho de Administração<br />

da Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, EPE<br />

“<br />

Bem-vindo ao SNS24! Por uma questão<br />

de segurança, a sua chamada irá ser gravada.<br />

Por favor, selecione uma das seguintes<br />

opções.”<br />

Esta mensagem, escutada por quem liga<br />

para o centro de contacto do SNS, o SNS24, entrou no<br />

dia a dia do País. Quem não conhece o 808 24 24 24?<br />

A verdade é que, ao longo da pandemia da Covid-19,<br />

este apoio telefónico passou a ser a primeira linha de<br />

auxílio daqueles que têm procurado ajuda clínica.<br />

Ontem foi a vez da Maria, que descobriu a linha num<br />

“conselho da DGS”, reforçado pela experiência que<br />

lhe transmitira o João, o vizinho da frente. Ligou para o<br />

SNS24 por causa daquela tosse seca que a afligia desde<br />

a véspera. Foi atendida pelo enf.<strong>º</strong> Franco. Este, com<br />

serenidade e profissionalismo, transmitiu-lhe que devia<br />

permanecer em casa, isolada do resto das pessoas, e<br />

que, entretanto, seria contactada pelo seu médico de<br />

família. Ficou muito mais calma. Não queria ir àquela<br />

hora para as urgências…<br />

O SNS24 não nasceu com a Covid-19. Esta modalidade<br />

de teletriagem, com atendimento telefónico por<br />

profissionais de saúde, tem estado ao serviço dos residentes<br />

em Portugal há mais de duas décadas. Tudo começou<br />

em 1998, com o serviço “Dói Dói Trim Trim”,<br />

destinado a pais e cuidadores de crianças, lembram-se?<br />

A que se somou, em 2002, a Linha de Saúde Pública,<br />

criada para informar e apoiar a população em matéria<br />

de saúde pública. A junção destes dois serviços esteve<br />

na génese da Linha Saúde 24, criada, simbolicamente,<br />

no dia 25 de abril de 2007. Uma década volvida e<br />

mais de oito milhões de chamadas depois, em 2017,<br />

na sequência da política de consagração da marca SNS,<br />

a Linha Saúde 24 mudou de nome, para SNS24, ampliando<br />

o catálogo de serviços, mas mantendo a natureza:<br />

um serviço de triagem telefónica, assegurado, essencialmente,<br />

por enfermeiros, a qualquer hora, todos<br />

os dias, que procura evitar deslocações desnecessárias<br />

aos serviços de urgência.<br />

Entre 2017 e 2019 a previsibilidade marcou o quotidiano<br />

da linha, sendo a habitual tranquilidade, resultante<br />

de uma capacidade de resposta muito superior à procura,<br />

apenas interrompida, ciclicamente, pela agitação<br />

das épocas gripais. Nessa altura, a linha raramente recebia<br />

mais de 100 mil chamadas por mês, apesar das<br />

sucessivas campanhas promocionais ou da notoriedade<br />

conferida por um call center, pouco discreto, situado<br />

no centro de Lisboa.<br />

Todavia, nos primeiros dias de março deste ano tudo<br />

mudou. Bastou a notícia do primeiro caso de Covid-19<br />

em Portugal, no dia 2, para o SNS24 ser imerso por<br />

um furacão de chamadas. Chegaram a ser mais de 50<br />

mil num só dia. E, se é certo que, à tempestade, ainda<br />

não se seguiu a bonança, também aqui, no SNS24,<br />

passámos a ter um “novo normal”, com a boa resposta<br />

a depender da monitorização atenta, de uma gestão<br />

muito mais flexível do número de operadores e do<br />

recurso a diversas soluções tecnológicas que tornaram<br />

o serviço mais eficiente e eficaz.<br />

Assim, para conseguir dar resposta a esta procura<br />

muito alta e instável foi necessário: elevar em cerca de<br />

50%, acima de 1400, o número de profissionais de saúde<br />

disponíveis para atendimento; instalar um novo<br />

call center no Algarve - tirando partido dos recursos<br />

especializados aí disponíveis; criar postos de trabalho<br />

móveis; disponibilizar um serviço informativo sobre<br />

Covid-19 prestado por psicólogos, libertando os enfermeiros<br />

para o serviço de triagem; suspender os<br />

serviços administrativos no momento de maior procura;<br />

racionalizar o atendimento, mediante o aperfeiçoamento<br />

das entradas do Interactive Voice Response<br />

(IVR) e através da criação de um canal exclusivo para<br />

a triagem de Covid-19; transformar, tecnologicamente,<br />

o sistema de atendimento para permitir passar de 200<br />

para 2000 chamadas em simultâneo; e utilizar um sistema<br />

robotizado de atendimento que possibilita acelerar<br />

o atendimento pessoal e tratar automaticamente as<br />

questões mais simples.<br />

Hoje, em plena pandemia, o SNS24 atende, praticamente,<br />

todos os seus utentes. A taxa de abandono é<br />

muito baixa, o que se explica pelo facto de o tempo de<br />

espera por atendimento ser, em regra, inferior a 30 segundos.<br />

Olhando para o que se passou desde o início<br />

de março, verificamos que já foram atendidas mais de<br />

1 milhão de chamadas, o que se aproxima dos valores<br />

anuais registados antes da pandemia.<br />

Não foi apenas a Covid-19 a motivar o contacto com<br />

a linha. Bem pelo contrário. O medo da pandemia incentivou<br />

muitos utentes, com suspeitas de outras doenças,<br />

a ligar para o SNS24 antes da ida ao hospital<br />

ou ao centro de saúde, beneficiando de uma triagem<br />

prévia que dispensou, em muitos casos, deslocações<br />

desnecessárias. O mês de março foi o único em que<br />

o peso da (nova) pandemia foi mais expressivo, chegando<br />

a representar cerca de 50% da procura da linha,<br />

se somarmos a triagem aos serviços informativos. Nos<br />

meses seguintes, esta realidade alterou-se: em maio e<br />

junho, por exemplo, a Covid-19 não chega sequer a<br />

ocupar 20% das chamadas atendidas.<br />

Além do mais, os serviços do SNS24 foram ampliados<br />

durante a pandemia da Covid-19. Desde o dia 1 de abril<br />

que está disponível um serviço de aconselhamento<br />

psicológico, patrocinado pela Fundação Calouste Gulbenkian<br />

e construído com o apoio da Ordem dos Psicólogos<br />

Portugueses: a Linha de Aconselhamento Psicológico<br />

(LAP). Este serviço, assegurado por psicólogos<br />

especialmente formados para este efeito, tem permitido<br />

apoiar todos aqueles que têm sentido maior<br />

ansiedade, angústia e depressão nesta época de confinamentos<br />

e de incertezas. São já mais de 20 mil as pessoas<br />

que beneficiaram deste serviço, entre as quais se<br />

encontram mais de 1.800 profissionais de saúde que,<br />

como sabemos, têm enfrentado, com bravura, um período<br />

especialmente exigente e stressante.<br />

Foi também no mês de abril, mais precisamente no dia<br />

<strong>21</strong>, que os cidadãos surdos viram uma reivindicação<br />

histórica ser atendida: passaram a poder aceder a uma<br />

plataforma de videoconferência, disponível no site do<br />

SNS24, beneficiando da triagem telefónica intermediada<br />

por um intérprete de língua gestual portuguesa.<br />

Hoje, podemos dizer que há mais igualdade na resposta<br />

aos cidadãos. Que são menores as diferenças no<br />

acesso à saúde. E não é apenas no acesso ao SNS24, já<br />

que que esta intermediação tem igualmente servido os<br />

cidadãos surdos que recorrem aos hospitais e centros<br />

de saúde. Muito para lá deste serviço de interpretação<br />

e em complemento ao serviço de triagem telefónica,<br />

importa também referir o sucesso do sítio na Internet<br />

do SNS24, disponível em www.sns24.gov.pt. Este portal,<br />

criado em janeiro de 2019, era pouco conhecido,<br />

tendo sido verificado um crescimento muito acelerado<br />

da sua utilização durante a pandemia. O número de utilizadores<br />

mais do que decuplicou, se compararmos o<br />

primeiro semestre deste ano com o período homólogo,<br />

e funcionalidades automáticas, como o “Avaliar Sintomas”,<br />

passaram a ser de utilização corrente por todos<br />

aqueles que querem examinar o seu estado de<br />

saúde. Ainda não conhece? Vá experimentar.<br />

Por todas estas razões, o SNS24 é, hoje, um dos pilares<br />

da telessaúde em Portugal. Mas ainda há um longo<br />

caminho a percorrer. Na verdade, com exceção dos<br />

casos mais graves, o acesso ao serviço de urgência deveria<br />

estar condicionado à triagem prévia do SNS24.<br />

No futuro, em vez de esta linha encaminhar apenas<br />

os cidadãos para se deslocarem, pelo seu pé, a um<br />

centro de saúde, poderia, em certos casos, referenciar<br />

os utentes para que estes sejam contactados pelo seu<br />

médico de família ou por quem o substitua, dispensando<br />

o contacto pessoal.<br />

Este centro de contacto tem também todas as condições<br />

para se tornar um dos principais postos de monitorização<br />

dos doentes no seu domicílio, seja por via<br />

de chamadas automáticas, seja por meio de contactos<br />

efetuados na sequência de alarmes acionados por<br />

equipamentos usados pelos utentes.<br />

Enfim, as possibilidades são praticamente infinitas. Resta-nos,<br />

agora, abrir ainda mais esta porta que já é, de<br />

todas, a mais acessível. Ã<br />

40 41


GH reflexão<br />

UTOPIA OU NÃO UTOPIA,<br />

EIS A QUESTÃO<br />

Francisco Velez Roxo<br />

Economista Gestor,<br />

Docente Universitário em temas de <strong>Gestão</strong> da Saúde<br />

“<br />

TO BE, OR NOT TO BE, THAT IS THE QUESTION:<br />

WHETHER 'TIS NOBLER IN THE MIND TO SUFFER<br />

THE SLINGS AND ARROWS OF OUTRAGEOUS FORTUNE,<br />

A<br />

frase “Ser ou não ser, eis a questão”<br />

(em inglês “to be, or not to be, that<br />

is the question”) vem da peça “A<br />

tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca”,<br />

de William Shakespeare,<br />

(escrita entre 1599 e 1601), Ato III, Cena I e é frequentemente<br />

usada com um fundo filosófico profundo mas<br />

que, na verdade, é em meu entender, muito simples de<br />

descodificar: ser ou não ser é exatamente “existir ou<br />

não existir” e, em última instância, “viver ou morrer”.<br />

Tive o prazer de assistir a uma bela encenação desta<br />

peça em início de fevereiro, antes da pandemia, no<br />

Teatro do Bairro e com a descoberta do que o encenador<br />

chamou de “um Hamlet unplugged e sem efeitos”.<br />

Que hoje, curiosamente, associo em momento<br />

reflexivo sobre a pandemia que estamos a viver, ao<br />

conteúdo temático do livro “Utopia” de Thomas Mo-<br />

OR TO TAKE ARMS AGAINST A SEA OF TROUBLES<br />

”<br />

re (1516) que reli durante o confinamento. Pensando<br />

no que no SNS (Serviço Nacional de Saúde) e no<br />

SNSS (Sistema Nacional de Segurança Social) estava a<br />

acontecer. E o que era (e é) preciso mudar para não se<br />

“ser ou não” e muito menos, “ser utópico” perante o<br />

que se desenha para o futuro. Que pode “ser ou não<br />

ser, utopia ou não utopia”.<br />

A ver vamos como será possível uma nova encenação<br />

para velhas peças e escritos. Velhos temas e objetivos<br />

Nacionais.<br />

Por origem e paixão de vida, gosto muito do sentido<br />

comunitário da pequena e media dimensão nos aglomerados<br />

populacionais. Mesmo reconhecendo que é<br />

nas grandes urbes que o mundo tem assentado o seu<br />

desenvolvimento depois da segunda guerra mundial.<br />

Porque “small is beautiful” mas “big is powerful”, fomos<br />

penetrando e consolidando as nossas vidas no<br />

mundo da Segunda Vaga de Alvin Toffler. Mas que<br />

agora, mais do que nunca, foi atropelada pela Terceira<br />

Vaga de mudança informacional que o mesmo autor<br />

também previra e identificou para o futuro.<br />

Na vida comunitária das pequenas cidades em que<br />

se organizaram as grandes urbes, a complexidade demográfica<br />

e sociológica tornou muito semelhantes as<br />

necessidades, preferência e exigências dos cidadão,<br />

aquelas que tinham nas suas regiões de origem (caso<br />

das migrantes nacionais) ou imigrações (caso dos imigrantes)<br />

mas com um nível de exigência crescente nas<br />

questões relativas ao trabalho, habitação, alimentação,<br />

educação, segurança, saúde e bem estar. Sobretudo na<br />

Saúde e no Apoio Social.<br />

Num País pequeno e muito heterogéneo como é o<br />

nosso, com as melhorias a que temos assistido, principalmente<br />

desde o inicio do século XXI, nos meios<br />

de informação e comunicação, nos meios e formas de<br />

circulação de pessoas e bens, no gosto das novas gerações<br />

pela mobilidade e novos desafios profissionais,<br />

pareceria lógico que os modelos organizativos das diferentes<br />

regiões (pese embora não termos um modelo<br />

de Estado descentralizado e muito menos regionalizado)<br />

teriam podido evoluir positivamente e, em especial<br />

na Saúde e na Segurança Social, para não estarmos hoje<br />

a interrogarmo-nos em permanência sobre “ser ou<br />

não ser”, “cumprir ou não cumprir”, a utopia que nos<br />

têm sistematicamente prometido. E temos de continuar<br />

a querer ver na realidade. No concreto.<br />

Em especial na saúde e nas suas formas organizativas<br />

em Portugal (como de resto em muitos outros Países do<br />

mundo e com diferentes graus de evolução) o que está<br />

hoje em causa e muito por causa da “fragmentação pandémica”<br />

é o superar o presente e repensar o futuro “out<br />

of the box”, principalmente nos seguintes vetores:<br />

• Mais Literacia em Saúde e Bem Estar (integrar educação<br />

para a saúde, para alem de belos textos);<br />

• Nova Medicina (para além da boa Medicina Humanista);<br />

• Participação crescente dos doentes e famílias na prestação<br />

de cuidados;<br />

• Humanismo na prestação de cuidados (para alem do<br />

só “da saúde”);<br />

• Elevada tecnicidade crescente em todas as tecnologias<br />

da saúde;<br />

•Multidisciplinaridade gestionária “para alem da saúde<br />

e do saudês”;<br />

• Inovação socio técnica na relação entre Saúde e Social<br />

(para além das Leis, Decretos Leis, Portarias, Despachos<br />

e Normas);<br />

• Digital Transformation (para além do hardware e software<br />

são precisos novos processos de trabalho).<br />

Mas claramente o desafio maior, para que estes veto-<br />

res sejam linhas de força consistentes dinameicamente,<br />

é o de assumir “a complexidade” que os Sistemas de<br />

Saúde (e os Sistemas de Ação Social com eles intimamente<br />

conectados) têm.<br />

De acordo com Lissack, M. (1997). “Mind your Metaphors:<br />

Lessons from Complexity Science” in Long Range<br />

Planning, Vol. 30/2 pp294, “Complexity refers to the<br />

condition of the universe which is integrated and yet<br />

too rich and varied for us to understand in simple, mechanistic<br />

or linear ways. We can understand many parts<br />

of the universe in these ways, but the larger and more<br />

intricately related phenomena can only be understood<br />

by principles and patterns-not in detail. Complexity deals<br />

with the nature of “emergence, innovation, learning<br />

and adaptation.”<br />

Assim e na linha do que pretendo evidenciar, as lições<br />

derivadas da questão chave “complexidade” no mo- }<br />

42 43


GH reflexão<br />

“<br />

TAL COMO NA ECONOMIA<br />

DEVE EVITAR-SE PARA ENCONTRAR<br />

NOVAS SOLUÇÕES, A LINGUAGEM<br />

DO “ECONOMÊS”, NA SAÚDE<br />

EVITAR O “SAUDÊS” E NO SOCIAL<br />

O “SOCIÊS". PORQUE JÁ SENDO<br />

O MUNDO TÃO COMPLEXO NÃO<br />

VALE A PENA COMPLICAR MAIS.<br />

”<br />

mento atual e para o futuro nos Sistemas de Saúde e<br />

Social pós pandémicos, não poderão deixar de ser,<br />

emergência, inovação, aprendizagem e adaptação (em<br />

contexto de digital transformation).<br />

Passo a ser mais concreto.<br />

Num país pequeno mas complexo, fragmentado por<br />

tradições históricas e não organizado por razões genéticas<br />

e culturais, com um SNS que teve excelente desempenho<br />

na pessoa dos seus Profissionais na pandemia,<br />

com um povo “que se confinou serenamente” (e<br />

muita coisa sobre o seu comportamento haverá a rever<br />

na teoria do medo), com um sistema de apoio social<br />

a idosos (que se aguentou muitas vezes só a rezar)<br />

numa situação económica geral ainda á espera, mais<br />

uma vez, da “solidariedade” dos mais ricos da Europa,<br />

as exigências individuais e coletivas, muito ficou evidente<br />

que no pós pandemia, muita coisa tem de mudar<br />

(para melhor) no SNS do futuro. E na sua articulação<br />

como Sistema Social.<br />

E, procurando ser ainda mais concreto, as formas organizativas<br />

adotadas ao longo dos anos: nos Centros <strong>Hospitalar</strong>es,<br />

Unidades Locais de Saúde, Agrupamentos de<br />

Centros de Saúde, Unidades de Saúde Familiares, Equipas<br />

Coordenadoras Regionais, Centros Distritais de Segurança<br />

Social, sendo estruturas consolidadas na complexidade<br />

e onde a pandemia na articulação com as Autarquias<br />

Locais (mediaticamente tão visível nos últimos<br />

quatro meses, umas vezes caraterizada pelo desenrasca<br />

e outras pelo voluntarismo fantástico) evidenciou-se<br />

uma complexidade burocrática excessiva e impõem-se<br />

no curto e medio prazo, maiores capacidade de resposta<br />

em emergência, mais inovação em processos de trabalho,<br />

muita aprendizagem com os erros e rapidíssima<br />

adaptação aos novos tempos. Ao futuro imediato e de<br />

medio prazo.<br />

Tal como na economia deve evitar-se para encontrar<br />

novas soluções, a linguagem do “economês”, na saúde<br />

evitar o “saudês” e no Social o “sociês”. Porque já sendo<br />

o mundo tão complexo não vale a pena complicar<br />

mais. Em situação pandémica o mundo chega a tornarse<br />

colérico e desmotivante. Não o irritemos mais.<br />

Será que alguém de bom senso e experiência de vida<br />

não conseguirá ver e debater (levando à ação simples<br />

e prática) que num mundo internético, de redes, de conexão<br />

instantânea, de medo e desconfianças, de comparações<br />

sistemáticas nacionais e internacionais mais ou<br />

menos bem fundamentadas, não reconhece que é necessário<br />

repensar se ainda se justifica a tradicional abordagem<br />

de separação entre cuidados de saúde primários<br />

secundários e terciários, quando já se fala há anos em<br />

“integração de cuidados” como objetivo fundamental<br />

do SNS na sua articulação com a Segurança Social, e<br />

depois o doente é empurrado de burocracia em burocracia<br />

desgastante (com apesar de tudo alguns bons mas<br />

demorados resultados) ate á exaustão?<br />

Ou antes, devemos passar para o novo desafio da<br />

integração efetiva “human digital-based”, que permita<br />

otimizar a resposta aos novos tempos, ás expectativas,<br />

preferências e exigências dos cidadãos com<br />

simplicidade e humanismo? Passar para o que alguns<br />

Sistemas integrados Nacionais assumiram e procuram<br />

praticar: “Healthcare is an expansive industry that ranges<br />

from preventative care, to emergency services, to<br />

follow-up and rehabilitation”. E para o que tem sido o<br />

movimento de integração comunitária entre Saúde e<br />

Social (com boas experiências na Holanda, Dinamarca,<br />

Inglaterra, Alemanha, para só referir casos europeus)?<br />

Ou, mais ainda, como conseguir otimizar a Rede das<br />

Instituições de Solidariedade Social, de longa tradição e<br />

resultados em Portugal, com o trabalho das Autarquias<br />

ainda em começo de assumir novas competências nas<br />

áreas da saúde? Como desenvolver nos Sistemas Nacionais<br />

Integrados (pós pandemia), uma “nova onda”<br />

de “Complex Transformation” englobando com gestão<br />

efectiva e eficaz: “managerial and leadership skills clinical<br />

and information technology, that ensure the optimal delivery<br />

of social healthcare”, como há muito fui ouvindo<br />

de uma grande profissional com forte experiencia de<br />

trabalho no NHS e em Países do Médio Oriente (Liz<br />

Thebe) com quem tenho tido o privilégio de trabalhar.<br />

“Sickcare vs Healthcare, High Tech vs High Touch. Value<br />

based solutions, new integration wave” são os temas<br />

que mais me ficam reforçados depois de passar<br />

por muitas experiências profissionais em Saúde, mas<br />

sobretudo marcantes nesta nova experiência de quatro<br />

meses “impensáveis” depois de 67 anos de vida e<br />

45 de atividade profissional. E, já agora, como ator autárquico<br />

desde 2013 com intervenção permanente na<br />

defesa dos princípios atrás referidos e dos desafios que<br />

apenas na pandemia ouvi comos ecos de concordância,<br />

porque “as populações estão e vão sofrer imenso.”<br />

Para concluir, e na prática com um exemplo de coisas<br />

simples e só para a saúde: a integração dos Registos<br />

Nacionais dos Utentes só em 2018 a ULSLA (Unidade<br />

Local de Saúde do litoral Alentejano) foi anunciada como<br />

“a primeira instituição a integrar o sistema informático<br />

no RNU (Registo Nacional de Utentes).” Convém<br />

não esquecer que o SNS foi criado em 1979.<br />

O objetivo era simples, super atrasado e assim comunicado:<br />

“… com o objetivo de integrar a informação disponível<br />

no RNU com a base de dados das instituições,<br />

como hospitais, centros de saúde, o Sistema de Informação<br />

dos Certificados de Óbito (SICO), entre outros,<br />

a ULSLA torna-se, assim, na primeira unidade de saúde,<br />

em Portugal, a implementar e a manter esta integração.<br />

O caso da ULSLA é um exemplo de sucesso, com diversos<br />

benefícios associados, quer para as entidades que<br />

fazem parte desta Unidade Local de Saúde, quer para<br />

os utentes. Maior qualidade nas comunicações e, consequentemente,<br />

ganhos de eficiência para o Serviço Nacional<br />

de Saúde constituem algumas das vantagens da<br />

integração da base de dados das instituições de saúde<br />

no RNU. Sob a coordenação da SPMS, o Registo Nacional<br />

de Utentes é um dos pilares do sistema de informação<br />

da saúde (SIS), constituindo a base de dados nacional<br />

de identificação dos utentes do SNS.”<br />

Basta pensar que as ULS, enquanto processo de integração<br />

vertical em saúde por regiões, foram iniciadas<br />

com a criação da ULS de Matosinhos, em 1999 e só<br />

quase uma década depois, em 2007, se prosseguiu com<br />

a criação da ULS do Norte Alentejano, no ano seguinte<br />

com a ULS do Alto Minho, a ULS do Baixo Alentejo e<br />

a ULS da Guarda, e em 2009 com a ULS de Castelo<br />

Branco; passados dois anos surge a ULS do Nordeste<br />

e, por último, em 2012, foi constituída a ULS do Litoral<br />

Alentejano (documento da ERS de fevereiro de 2015),<br />

para se perceber a grande vitória que foi o ato integrador<br />

informático sobre o RNU na ULSLA em 2018…<br />

Se concatenarmos estas situações, as fundamentais bases<br />

de trabalho administrativo para uma boa eficiência<br />

de prestação de cuidados, com o conteúdo do Decreto-Lei<br />

n.<strong>º</strong> 23/2019 - Diário da República n.<strong>º</strong> <strong>21</strong>/2019,<br />

Série I de 2019-01-30 diploma que concretiza o quadro<br />

de transferência de competências para os órgãos municipais<br />

e para as entidades intermunicipais no domínio<br />

da saúde em que se dá enfase á “… manutenção, conservação<br />

e equipamento das instalações de unidades de<br />

prestação de cuidados de saúde primários. E onde se<br />

refere que “são também transferidas para os municípios<br />

as competências de gestão e execução dos serviços de<br />

apoio logístico das unidades funcionais dos Agrupamentos<br />

de Centros de Saúde (ACES) que integram o SNS,<br />

excluindo-se, porém, todos os serviços de apoio logístico<br />

relacionados com equipamentos médicos, que se<br />

mantém na esfera da Administração central. E que “é,<br />

ainda, transferida para os municípios a competência de<br />

gestão dos trabalhadores inseridos na carreira de assistente<br />

operacional das unidades funcionais dos ACES<br />

que integram o SNS, assegurando-se a esses trabalhadores<br />

a manutenção dos direitos adquiridos, nomeadamente<br />

o direito de mobilidade para quaisquer serviços<br />

ou organismos da Administração central ou local, o direito<br />

à avaliação de desempenho ou o direito à ADSE.”<br />

E, mais ainda, é decidido que “tal sucede também no<br />

que respeita à transferência das já mencionadas competências<br />

de gestão e execução dos serviços de apoio<br />

logístico. Contudo, não se transferem para os municípios<br />

apenas competências de gestão, prevendo-se também<br />

o estabelecimento de uma parceria estratégica entre os<br />

municípios e o SNS relativa aos programas de prevenção<br />

da doença, com especial incidência na promoção<br />

de estilos de vida saudáveis e de envelhecimento ativo.”<br />

Porque “trata-se de uma antiga reivindicação dos<br />

municípios, prevendo-se assim que estes possam vir a<br />

participar e influenciar o plano das políticas de saúde a<br />

nível dos respetivos territórios.”<br />

Fica-se obrigatoriamente perante tanta ponta desgarrada,<br />

com a pergunta de base deste escrito: será que, agora<br />

que estamos a passar por um dos maiores desafios<br />

nacionais e mundiais “pandemia crise social e económica”<br />

do último século, somos capazes de construir uma<br />

base sólida de reflexão ação sobre o “ser ou não ser ”, o<br />

“existir ou não existir e, em última instância, o “viver ou<br />

morrer” com dignidade num mundo turbulento”?<br />

Quiçá estarmos perante, para a integração de esforços<br />

de reconstrução, a urgência de enfrentarmos o desafio<br />

dos desafios? Reviver saudavelmente.<br />

Assumir utopia ou não utopia, é pois a questão chave<br />

para repensar e reinventar a dimensão comunitária/social/saúde<br />

enquanto alicerce integrador da resposta às<br />

necessidades do cidadão, identificando e resolvendo em<br />

permanência os novos e renovados desafios e oportunidades<br />

(atuais e futuras) dos processos holísticos da<br />

saúde e do social, nas novas comunidades que a pandemia<br />

esta a delimitar.<br />

The bill comes due. always. (Mordo in Doctor Strange). Ã<br />

44 45


GH medicina interna<br />

ARRUMAR A CASA<br />

DEPOIS DO TSUNAMI COVID<br />

João Araújo Correia<br />

Presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna<br />

É<br />

indiscutível o êxito da resposta do SNS<br />

na primeira vaga da pandemia Covid-19.<br />

Agora, que tudo correu bem, posso dizer,<br />

sem parecer agoirento, que houve<br />

vários factos nas políticas de saúde dos<br />

últimos anos, que me fizeram temer o pior:<br />

• O desinvestimento no SNS em meios humanos e<br />

materiais;<br />

• A redução contínua do número de camas hospitalares<br />

por 100.000 habitantes (395), muito abaixo da média<br />

europeia e metade da Alemanha (800);<br />

• O agravamento das condições sociais, numa população<br />

cada vez mais envelhecida e doente, acarretando um<br />

enorme número de internamentos inapropriados nos<br />

Serviços <strong>Hospitalar</strong>es, atingindo 25% das camas disponíveis<br />

nos Serviços de Medicina Interna (ver Barómetro<br />

dos Internamentos Sociais 28-02-<strong>2020</strong> parceria APAH/<br />

SPMI - Índice de inapropriação do internamento = 8,7%).<br />

Há algumas explicações para que tivéssemos registado<br />

tão bom desempenho nos meses de março a maio,<br />

que alguns apelidaram de “milagre português”:<br />

• Houve coragem política para declarar o Estado de<br />

Emergência a 19-03-<strong>2020</strong>, numa altura em que Portugal<br />

tinha apenas seis dezenas de casos e nenhum falecido. Isto<br />

resultou no aplanamento da curva pandémica, fazendo<br />

com que o SNS tivesse tempo para adequar a resposta,<br />

sem nunca termos corrido o risco de soçobrar;<br />

• Em mais de vinte hospitais designados para receberem<br />

doentes Covid, operou-se uma completa revolução<br />

da logística operacional, com suspensão generalizada<br />

da atividade cirúrgica, remetida apenas para a cirurgia<br />

oncológica ou de urgência. Com esta estratégia, foram<br />

libertadas as camas dos serviços cirúrgicos e muitas<br />

de Cuidados Intensivos. Os doentes médicos não<br />

Covid foram deslocados para as enfermarias cirúrgicas<br />

libertadas, convertendo-se as Unidades Médicas em<br />

enfermarias Covid;<br />

• A Medicina Interna, como especialidade hospitalar<br />

mais numerosa no hospital (14%), com cerca de mil<br />

internos em formação específica, contribuiu para uma<br />

resposta estruturada, competente e rápida do SNS. Os<br />

doentes Covid de pior prognóstico, são os idosos com<br />

múltiplas doenças crónicas, que são aqueles para os<br />

quais os internistas estão treinados para tratar. De facto,<br />

a 29 de abril de <strong>2020</strong> estavam em dedicação exclusiva<br />

ao tratamento dos doentes Covid, 327 especialistas e<br />

248 internos de Medicina Interna (total = 579), nas enfermarias<br />

e nos Cuidados Intensivos (Inquérito SPMI).<br />

Entramos agora numa nova fase do combate à pandemia,<br />

em que temos de retomar a atividade, sem<br />

desbaratar o que aprendemos e termos defesas para<br />

uma eventual segunda vaga. A primeira coisa em que<br />

pensamos é na digitalização aplicada à saúde. É, sem<br />

dúvida, uma boa aposta, mas que devemos dar-lhe a<br />

sua real dimensão, sem a considerar uma panaceia para<br />

tudo. Provavelmente, com ela podemos manter cerca<br />

de 50% das consultas como não presenciais.<br />

Isto tem reflexo óbvio na diminuição do risco de infeção<br />

nas salas de espera, mas não resulta em acréscimo<br />

de eficiência e tem um limite temporal razoável. Não é<br />

admissível que um doente em consulta de especialidade<br />

hospitalar, tenha mais do que duas consultas não presenciais<br />

consecutivas, a não ser que possa ter alta clínica.<br />

A segunda atitude determinada deve ser a utilização<br />

criteriosa das camas hospitalares, reservando-as para os<br />

doentes mais graves, que não possam ser assistidos em<br />

regime de hospitalização domiciliária. E, mais do que tudo,<br />

temos de reduzir ao mínimo a manutenção do internamento<br />

hospitalar de doentes com alta clínica, que aguardam<br />

colocação na RNCC ou em lar da Segurança Social.<br />

Não nos podemos esquecer de que será muito mau para<br />

a qualidade assistencial prestada, se nos virmos obrigados<br />

a suspender de novo a atividade cirúrgica, como fizemos<br />

antes para conseguir as camas de que necessitávamos.<br />

Outro ensinamento que a pandemia Covid nos trouxe,<br />

é a de que a doença ligeira deve ser lidada no centro<br />

de saúde, sem o recurso ao Serviço de Urgência<br />

do Hospital. Espero que este bom hábito perdure,<br />

também para os doentes não Covid.<br />

Por último, penso que seria útil voltar a definir alguns<br />

(poucos) hospitais disponíveis para receberem pequenos<br />

surtos de doentes Covid, que naturalmente continuarão<br />

a ocorrer. É evidente que estes hospitais terão de ver revistas,<br />

em baixa, as suas metas de produção, pois não é<br />

possível não haver reflexo duma crise desta dimensão. Ã<br />

46


GH OPinião<br />

COVID 19 E DOENÇA<br />

CARDIOVASCULAR:<br />

DA PANDEMIA, UM OLHAR<br />

PARA O FUTURO?<br />

Victor Machado Gil<br />

Presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia<br />

A<br />

pandemia Covid-19 afeta, à data<br />

em que escrevo este artigo (05/<br />

/07/<strong>2020</strong>), mais de 11 milhões de<br />

pessoas, com mais de 528.000<br />

mortes em 188 países ou regiões 1 .<br />

Globalmente, os números mantêm-se em curva ascendente,<br />

sobretudo à custa do Brasil e Estados Unidos,<br />

mas também com novas e significativas contribuições<br />

como as da Índia e da Rússia.<br />

O vírus SARS-CoV-2 é o sétimo coronavírus conhecido,<br />

não se aparentando a alguns coronavírus que<br />

causam quadros de vulgar constipação, mas assemelhando-se<br />

mais a formas como as que provocam síndroma<br />

de dificuldade respiratória grave (SRAS-CoV)<br />

e a Síndrome Respiratória do Médio Oriente (MERS).<br />

A taxa de letalidade, embora variando muito de país<br />

para país, era de 2,3% nos reportes originais da China,<br />

mas aumentado progressivamente com a idade (< 1%<br />

para doentes com menos de 50 anos e quase 15%<br />

para octogenários) e comorbilidades como a doença<br />

cardiovascular (10,5%), diabetes, DPOC, hipertensão e<br />

cancro (variando entre 7,3% e 5,6%).<br />

A infeção é causada pela ligação da proteína espiculada<br />

que reveste o vírus a um recetor humano (ACE-2) cuja<br />

ativação contribui, entre outras coisas, para o estado<br />

de dilatação e contração das artérias. Nos humanos,<br />

o ACE-2 é expresso sobretudo no pulmão (células<br />

alveolares), mas também no coração balanceando os<br />

efeitos da ativação excessiva do sistema renina-angiotensina,<br />

como sucede na hipertensão, insuficiência cardíaca<br />

e aterosclerose. A expressão do ACE-2 ocorre<br />

também no rim, vasos sanguíneos e intestino, donde se<br />

infere que, tendo uma expressão pulmonar dominante,<br />

o coração seja frequentemente afetado e nos casos<br />

graves haja atingimento multiorgânico.<br />

A prevalência de doença cardiovascular, de hipertensão<br />

e de diabetes entre os doentes afetados por Covid-19<br />

é elevada em todas as séries, com diferentes<br />

ordens de grandeza, conforme a prevalência de base<br />

nas diferentes populações em diferentes regiões do<br />

mundo. Assim sucedeu, por exemplo, com uma prevalência<br />

muito elevada de hipertensão reportada em<br />

Wuhan, na China, e na Lombardia, em Itália.<br />

É igualmente comum a todas as séries que os doentes<br />

portadores de doença cardiovascular são dos que têm<br />

mais elevada letalidade (a seguir ao grupo etário dos<br />

octogenários, na primeira série publicada) e parece-me<br />

importante dissecar um pouco esta realidade.<br />

A designação de “doença cardiovascular” é ampla e<br />

não é claro, na maior parte dos casos, o que contém.<br />

Num estudo de grande dimensão 2 em que foram analisados<br />

dados de 8910 doentes com Covid-19 internados<br />

em 169 hospitais da Ásia, Europa e EUA, 11,3%<br />

tinham doença das coronárias, 2,1% história de insuficiência<br />

cardíaca congestiva e 3,4% história de arritmia.<br />

Quanto aos fatores de risco cardiovasculares, 30,5%<br />

tinham dislipidemia, 26,3% tinham hipertensão arterial,<br />

14,3% tinham diabetes e 22,3% fumavam ou tinham<br />

sido fumadores. Como sublinhado num recente artigo<br />

divulgado online e a aguardar publicação na Revista<br />

Portuguesa de Cardiologia 3 , a prevalência de comorbilidades<br />

parece ser semelhante à da população geral,<br />

não traduzindo necessariamente maior suscetibilidade<br />

à infeção Covid-19.<br />

Quanto ao risco associado às várias patologias, na série de<br />

Mehra, os fatores que se associaram de forma independente<br />

a um aumento da mortalidade hospitalar foram a<br />

idade > 65 anos (10% vs 4,9%, odds ratio 1,93), a doença<br />

coronária (10,2% vs 5,2%, OR 2,7), a insuficiência cardíaca<br />

(15,3% vs 5,6%, OR 2,48), a presença de arritmias (11,5%<br />

vs 5,6%, OR 1,95), a DPOC (14,2% vs 5,6%, OR 2,96) e<br />

o tabagismo atual (9,4% vs 5,6%, OR 1,79).<br />

É de há muito sabido que a incidência de síndromas coronárias<br />

agudas, disritmias e agudização de insuficiência<br />

cardíaca aumenta em situações de infeção respiratória, tal<br />

como sucede nos surtos de gripe comum 4 e o mesmo<br />

se tem vindo a constatar na doença Covid-19. Nestas situações,<br />

existe uma ativação da inflamação e das vias da<br />

coagulação, bem como disfunção endotelial.<br />

A ocorrência de lesão miocárdica foi reconhecida desde<br />

a publicação das séries iniciais de doentes da China. De<br />

facto, em 7% da globalidade desses doentes e em 20%<br />

dos doentes que necessitaram de cuidados intensivos,<br />

ocorreu evidência de lesão miocárdica evidenciada por<br />

elevação da troponina I de alta sensibilidade ou de alterações<br />

eletrocardiográficas ou ecocardiográficas de novo 5 .<br />

Estas alterações estão em geral relacionadas com atingimento<br />

miocárdico, por mecanismo ainda não completamente<br />

conhecido e estão descritos casos de miocardite<br />

franca. Parece haver dois padrões de lesão miocárdica:<br />

um em que a elevação da troponina I é progressiva,<br />

acompanhando a elevação de biomarcadores<br />

inflamatórios, possivelmente em consequência de uma<br />

“tempestade” de citocinas; o outro, o de doentes com<br />

sintomas cardíacos associados possivelmente a miocardite<br />

viral ou miocardiopatia de stress.<br />

Além disso, o ambiente proinflamatório e pró-trombótico<br />

é favorável à ocorrência de enfarte do miocárdio<br />

quer no contexto do estado infeccioso e respiratório<br />

(tipo 2) quer por instabilização de placa aterosclerótica<br />

coronária pré-existente 6 .<br />

Mesmo não havendo clínica e imagiologicamente desenvolvimento<br />

de doença cardíaca aguda, a ocorrência<br />

de lesão miocárdica associa-se a pior prognóstico 7 e<br />

temem-se consequências a prazo nesses doentes, com<br />

alguma evidência suportando a possibilidade de maior<br />

risco de virem a desenvolver insuficiência cardíaca. Do<br />

mesmo modo, teme-se que o millieu pro-trombótico<br />

possa igualmente repercutir-se em patologia subsequente<br />

ao episódio agudo.<br />

Em Portugal, a confirmação dos primeiros dois casos<br />

ocorreu em 2 de março de <strong>2020</strong>, 12 dias depois a ministra<br />

da Saúde anunciava que o surto tinha entrado em<br />

fase de crescimento exponencial e a 18 de março foi<br />

decretado o estado de emergência. impondo medidas<br />

de confinamento obrigatório.<br />

Em 2 de julho estão referenciados 43.897 casos, com<br />

1.614 mortos 8 . O sistema nacional de saúde reagiu inicialmente<br />

concentrando recursos no combate à pan- }<br />

48 49


GH OPinião<br />

“<br />

O NÚMERO DE URGÊNCIAS<br />

HOSPITALARES DIMINUIU<br />

EM FLECHA NA FASE<br />

DE CONFINAMENTO.<br />

”<br />

demia, o que incluiu reorientação da atribuição de camas<br />

hospitalares, criação de zonas de internamento<br />

e corredores de circulação protegidos para doentes<br />

Covid-19, suspensão da atividade não urgente, cancelamento<br />

da atividade ambulatória.<br />

Atendendo à sua vulnerabilidade e risco, os doentes cardiovasculares<br />

foram fortemente aconselhados a permanecer<br />

em casa. O cancelamento de consultas e de exames<br />

programados provocou disrupção no seguimento<br />

de doentes crónicos e montaram-se sistemas de telemedicina<br />

que permitissem retomar a ligação dos doentes<br />

às equipas.<br />

Em grupos especiais, como os doentes após enfarte do<br />

miocárdio, sobretudo se tratados com stents coronários,<br />

nos doentes hipocoagulados e nos doentes com<br />

insuficiência cardíaca, a consciência do perigo da interrupção<br />

da medicação e da não sinalização dos sinais de<br />

descompensação, foi uma preocupação constante e as<br />

sociedades científicas, muitas vezes em parceria com<br />

associações de doentes, lançaram múltiplas ações de<br />

educação da população.<br />

O número de urgências hospitalares diminuiu em flecha<br />

na fase de confinamento 9 . E se podíamos argumentar<br />

que essa diminuição se deveu ao desaparecimento das<br />

“falsas urgências”, o facto é que envolveu também o enfarte<br />

do miocárdio, fenómeno ainda mal explicado mas<br />

que se verificou em diversas latitudes 10 (Figura 1).<br />

Uma das razões da diminuição das admissões por enfarte<br />

poderá ter sido um retraimento exagerado dos<br />

doentes, adiando o pedido de socorro com medo de<br />

contágio por coronavírus no hospital. Alguns desses<br />

casos poderiam evoluir para morte no domicílio e,<br />

entre os sobreviventes, outros poderiam evoluir mais<br />

lentamente para quadros de disfunção ventricular progressiva<br />

e insuficiência cardíaca.<br />

Não obstante, com assinalável esforço de todas as<br />

partes envolvidas, com destaque para o INEM e as<br />

unidades de cardiologia de intervenção, as vias verdes<br />

mantiveram-se em funcionamento, com dificuldades<br />

pontuais de disponibilidade de meios, mas assegurando<br />

os tratamentos invasivos em fase aguda de enfarte<br />

como na época pré-pandemia.<br />

As equipas de cardiologia de intervenção terão sido dos<br />

primeiros a promover a alternância de equipas, de forma<br />

a assegurar a continuidade da resposta. Uma vez mais as<br />

sociedades científicas (Sociedade Portuguesa de Cardiologia<br />

- SPC, e a sua associação especializada - APIC)<br />

vieram a terreiro, alertando para a indispensabilidade<br />

de socorro urgente em caso de sintomas suspeitos e<br />

progressivamente a situação tem vindo a recuperar. Os<br />

próximos meses mostrarão se o excessivo resguardo de<br />

doentes em situações agudas é ou não acompanhado<br />

de aparecimento de situações graves, iniciadas na fase<br />

de maior confinamento e medo.<br />

Muitos desafios organizativos se colocaram às equipas,<br />

desde logo a preocupação em manter as respostas<br />

adequadas em situações de urgência e assegurar<br />

a continuidade de cuidados a doentes crónicos. Estes<br />

desafios interpelaram também a criatividade, a entrega<br />

e disponibilidade dos profissionais e das chefias pois,<br />

apesar de reflexões prolixas iniciadas há mais de uma<br />

década, na verdade não existem modelos adequados<br />

e generalizados de seguimento de doenças crónicas,<br />

de que são exemplo muitas situações cardiovasculares,<br />

com a particularidade de que aqui a descompensação<br />

não corresponde apenas a agravamento sintomático,<br />

mas pode acarretar perigo para a própria vida.<br />

Entretanto, merece aprofundada reflexão as informações<br />

que vão surgindo sobre excesso de mortalidade<br />

em relação ao histórico por causas supostamente não<br />

relacionadas com Covid 11 . É certo que algumas destas<br />

mortes podem ser de doentes com SARS-CoV-2 não<br />

identificado, mas também é verdade que algumas das<br />

mortes em que se identificou a presença de coronavírus<br />

poderiam não ter sido causadas pela Covid-19.<br />

Vivemos hoje uma fase de retoma da atividade clínica<br />

que se pretende mais próxima da de antes da pandemia,<br />

condicionada por cuidados extra para evitar a<br />

transmissão do vírus, que aumentam os tempos atribuídos<br />

aos atos médicos, o que contribuirá para acentuar<br />

o congestionamento do sistema, agravado pela<br />

remarcação dos atos suspensos durante a fase mais<br />

aguda. Conseguiu-se, até agora, evitar a rotura do sistema<br />

de agudos; veremos se as circunstâncias não virão a<br />

provocar o colapso do sistema para os crónicos.<br />

Estamos ainda a viver a pandemia, nela envolvidos sem<br />

ainda o distanciamento necessário para uma análise<br />

independente e continuamos numa fase em que a<br />

prioridade continua a ser a gestão dos recursos para<br />

dar resposta a esta calamidade. No entanto, depois da<br />

surpresa e tempestade inicial, o sistema de saúde tem<br />

de se reforçar de forma a enquadrar adequadamente<br />

a resposta às situações não Covid-19, em tantos casos<br />

mais graves que a própria infeção.<br />

Uma crise gera perplexidade e desafios adaptativos permanentes,<br />

mas das crises nascem sempre oportunidades,<br />

assim consigamos manter o discernimento e a lucidez<br />

necessária. O primeiro dos desafios é a focalização<br />

no doente e não na doença ou na instituição, de forma a<br />

usar os meios adequados para o seu acompanhamento<br />

e tratamento em todas as fases da sua evolução.<br />

O médico de medicina geral e familiar (MGF) tem,<br />

evidentemente, um papel do maior relevo, pois é nele<br />

que assenta a plataforma de gestão das comorbilidades<br />

que frequentemente o doente apresenta, sobretudo o<br />

doente idoso. Mas a cooperação e complementaridade<br />

interinstitucional e multidisciplinar tem de ser garantida<br />

e não obstaculizada, como sucede atualmente. Se<br />

pudéssemos isolar um grupo, o modelo da insuficiência<br />

cardíaca (IC) pode ser paradigmático.<br />

Na fase diagnóstica complementar após identificação<br />

dos casos, nas fases de descompensação e nas diversas<br />

intervenções, o hospital (MH) tem um papel indispensável,<br />

mas a medicina de proximidade pode (e deve<br />

em minha opinião) ser o braço longo dos serviços hospitalares<br />

no acompanhamento dos doentes estáveis,<br />

no cumprimento dos protocolos e na identificação dos<br />

sinais de descompensação que justifiquem o retorno<br />

aos cuidados hospitalares.<br />

As vias de comunicação entre MGF e MH têm de se<br />

manter abertas e proporcionar um contacto fácil e bilateral.<br />

Não é apenas o acesso às consultas hospitalares<br />

que tem que ser propiciado aos MGF (sistema<br />

ALERT), mas também o inverso, a referência ao médico<br />

de proximidade, que garante a continuação dos<br />

cuidados iniciados na fase hospitalar.<br />

É de todos conhecida a situação de excessiva procura<br />

dos serviços de urgência hospitalares por doentes com<br />

situações que podiam ser tratadas em medicina de proximidade<br />

(como aliás se demonstrou uma vez mais durante<br />

a fase de confinamento), mas o excesso de consumo<br />

de consultas, meios de diagnóstico e até terapêutica<br />

é igualmente uma realidade que não podemos ignorar.<br />

Parte desse consumo é suscitado pelos próprios profissionais<br />

em contexto duma medicina defensiva que<br />

secundariza o juízo clínico, em favor da proliferação de<br />

múltiplos exames de diagnóstico, por vezes redundantes<br />

ou mesmo fúteis. Mantém-se a prática generalizada de<br />

testes diagnósticos obsoletos à luz das guidelines internacionais<br />

e mesmo de tratamentos invasivos sem vantagem<br />

adicional em relação à terapêutica medicamentosa.<br />

O recentemente publicado estudo ISCHEMIA 12 , como<br />

exemplo, derrubou muitos dados tidos como adquiridos<br />

para o tratamento das síndromas coronárias crónicas,<br />

mas demorará tempo até que mude a prática clínica.<br />

Nos últimos anos, generalizou-se a publicação de guidelines<br />

e documentos de consenso, mas é preciso ir muito<br />

mais longe. Outros já iniciaram o processo de elaborar<br />

documentos sobre adequação de diagnósticos e terapêuticas,<br />

de forma a prevenir o seu uso fútil e excessivo,<br />

mas também de os proporcionar a quem tem<br />

potencial para deles beneficiar. Formas mais modernas<br />

de tratamento estão a substituir as tradicionais, como<br />

é o caso no tratamento da estenose aórtica com as<br />

próteses implantadas por via percutânea.<br />

Por outro lado, muitos tratamentos vasculares, antes<br />

feitos por cirurgia convencional, são hoje realizados por<br />

via endovascular. O desafio é também o de repensar os<br />

modelos tradicionais dos serviços hospitalares e promover<br />

a fusão e integração efetiva, operacional e não apenas<br />

retórica em verdadeiros centros cardiovasculares.<br />

Finalmente, o desafio é o de ampliar a escala e pensar<br />

efetivamente numa perspetiva de Europa. Vozes autorizadas,<br />

que acompanho com interesse, defendem<br />

que depois da já anunciada União Energética, é preciso<br />

avançar no sentido de uma União para a Saúde. Se<br />

assim for, a pandemia Covid-19 será, no reverso da<br />

calamidade, uma verdadeira forja de oportunidades. Ã<br />

1. https://covid19.who.int/<br />

2. Mehra MR. Cardiovascular Disease, Drug Therapy, and Mortality in Covid-19.<br />

N Engl J Med. DOI: 10.1056/NEJMoa20076<strong>21</strong>.<br />

3. Rogério Teixeira, Mário Santos, Victor Gil, https://spc.pt/wp-content/uploads/<strong>2020</strong>/<br />

04/artigo-Covid-19-and-cardiovascular-comorbidities-An-update.pdf<br />

4. Nguyen JL, Yang W, Ito K, Matte TD, Shaman J, Kinney PL. Seasonal influenza<br />

infections and cardiovascular disease mortality. JAMA Cardiol 2016;1:274-81.<br />

https://doi.org/10.1001/jamacardio.2016.0433<br />

5. Clerkin KJ et al. Covid-19 and Cardiovascular Disease. Circulation. <strong>2020</strong>;141:<br />

1648-1655.DOI:0.1161/CIRCULATIONAHA.120.046941.<br />

6. Driggin et al. Cardiovascular Considerations for Patients, Health Care Workers,<br />

and Health Systems During the Covid-19 Pandemic. J Am Coll Cardiol <strong>2020</strong>;<br />

75:2352-71. https://doi.org/10.1016/j.jacc.<strong>2020</strong>.03.031<br />

7. Guo T, Fan Y, Chen M, et al. Cardiovascular Implications of Fatal Outcomes of<br />

Patients With Coronavirus Disease 2019 (Covid-19). JAMA Cardiol. Published<br />

online March 27, <strong>2020</strong>. doi:10.1001/jamacardio.<strong>2020</strong>.1017.<br />

8. https://covid19.min-saude.pt<br />

9. Afonso Félix-Oliveira et al. Caring for cardiac patients amidst the SARS-CoV-<br />

-2 pandemic: the scrambled pieces of the puzzle. Rev Port Cardiol. <strong>2020</strong>;39(5):<br />

299-301.<br />

10. Solomon MD et al. The Covid-19 Pandemic and the Incidence of Acute<br />

Myocardial Infarction. N Engl J Med <strong>2020</strong>. DOI: 10.1056/NEJMc2015630.<br />

11. Paulo Jorge Nogueira et al. Excess Mortality Estimation During the Covid-19<br />

Pandemic: Preliminary Data from Portugal. Acta Med Port <strong>2020</strong> Jun;33(6):376-<br />

383. https://doi.org/10.20344/amp.13928 & Report 15: Strengthening hospital<br />

capacity for the Covid-19 pandemic J-IDEA pandemic hospital planner. Paula<br />

Christen et al. Imperial College Covid-19 Response Team DOI: https://doi.<br />

org/10.25561/78033.<br />

12. Maron DJ et al. Initial Invasive or Conservative Strategy for Stable Coronary<br />

Disease. N Engl J Med <strong>2020</strong>; 382:1395-1407. DOI: 10.1056/NEJMoa1915922.<br />

50 51


GH ATIVIDADE ASSISTENCIAL<br />

A INTEGRAÇÃO DE CUIDADOS<br />

PÓS COVID 19: DO "NOVO<br />

NORMAL" A UM "NORMAL NOVO"<br />

Adelaide Belo<br />

Presidente da Portuguese Association for Integrated Care - PAFIC<br />

A<br />

pandemia por que estamos a passar,<br />

alterou vários aspetos da nossa vida<br />

e terá consequências na sociedade<br />

que ainda não conhecemos totalmente.<br />

Para quem tinha dúvidas,<br />

tornou bem evidente a necessidade de os países terem<br />

um Serviço Nacional de Saúde (SNS) capacitado<br />

para responder aos desafios que lhes são colocados,<br />

por mais desconhecidos que sejam.<br />

As notícias que nos chegavam de outros países com<br />

quem nos identificamos e com serviços de saúde considerados<br />

mais robustos - Inglaterra, França, Itália, Espanha<br />

- eram muito preocupantes.<br />

Temia-se que o nosso debilitado SNS soçobrasse perante<br />

a procura dos seus serviços, principalmente os<br />

considerados “mais diferenciados”.<br />

Por isso no início da pandemia o foco esteve em ter<br />

camas hospitalares e aumentar a capacidade das UCI,<br />

nomeadamente de mais ventiladores.<br />

Isto foi o que suportou a decisão da Tutela de suspender<br />

a atividade assistencial programada, quer a nível<br />

dos Cuidados de Saúde Primários (CSP), quer dos<br />

Cuidados de Saúde <strong>Hospitalar</strong>es (CSH).<br />

Rapidamente se constatou que o que acontecia noutros<br />

sítios - lares, escolas, transportes, locais de trabalho,<br />

era tão importante como o que se passava na saúde.<br />

Tornava-se cada vez mais claro que cada setor dependia<br />

dos outros para atingir os objetivos.<br />

Em todo este processo era para nós evidente a ana-<br />

logia com a “Cadeia de Sobrevivência” da resposta a<br />

uma emergência.<br />

Para aumentar a probabilidade de êxito na abordagem<br />

de uma situação crítica, os elos da cadeia devem estar<br />

alinhados e coordenados. E lembramo-nos do que é<br />

importante reter no final de uma aprendizagem sobre<br />

a cadeia de sobrevivência: qual é o elo mais importante?<br />

Todos. Por onde quebra a cadeia? Pelo elo mais<br />

fraco. No geral, os elos da cadeia de resposta à pandemia<br />

funcionaram.<br />

Os nossos políticos - Presidente da República, Primeiro-ministro,<br />

Assembleia da República e oposição, estiveram<br />

alinhados numa postura coerente e tendencialmente<br />

tranquilizadora para o País e para a sua imagem<br />

externa. Os diversos ministérios transmitiram-nos a<br />

ideia de que colaboravam entre eles para encontrar<br />

soluções eficientes para as necessidades que ocorriam.<br />

O Ministério da Saúde assumiu a gestão da resposta<br />

na saúde, emitindo normas, centralizando informação<br />

e coordenando esforços com outras instituições - militares,<br />

forças de segurança, proteção civil, bombeiros.<br />

Mas foi ao nível das estruturas locais de saúde que<br />

houve de facto uma gestão partilhada e coordenada<br />

dos problemas que iam surgindo.<br />

A organização dos cuidados de Saúde Pública e dos<br />

Cuidados de Saúde Primários e a sua coordenação com<br />

os cuidados Pré-<strong>Hospitalar</strong>es e <strong>Hospitalar</strong>es, foi determinante<br />

para que, em média, entre 80% a 90% dos<br />

doentes infetados com Covid-19, fosse seguida/tratada<br />

no domicílio. A literatura sobre “gestão da mudança”<br />

salienta a dificuldade da sua implementação nas organizações<br />

de saúde, mormente quando as condições<br />

de trabalho não são as melhores e há deficit de capital<br />

humano. Os profissionais do SNS demonstraram<br />

o contrário - apesar da falta de recursos humanos e<br />

materiais, do excesso de trabalho e do risco que por<br />

vezes corriam, focaram-se no que era verdadeiramente<br />

prioritário: tratar/cuidar dos que precisavam.<br />

Estamos convencidos que o exemplo dos profissionais<br />

de saúde, com a sua disponibilidade e profissionalismo,<br />

foi um dos gatilhos para alavancar a resposta que<br />

houve da sociedade civil. A mobilização que aconteceu,<br />

envolvendo todas as áreas da sociedade foi muito<br />

enriquecedora e gratificante - o poder autárquico foi<br />

para o terreno defender as suas populações; as IPSS e<br />

o setor privado participaram na resposta; a academia<br />

juntou-se a empresas e estudaram soluções técnicas<br />

para problemas que surgiram, tais como o fabrico de<br />

ventiladores ou de material de proteção; as unidades<br />

hoteleiras adaptaram espaços para receber doentes e<br />

profissionais impedidos de ir para casa e disponibilizaram<br />

refeições; vizinhos ajudaram vizinhos, principalmente<br />

os mais frágeis, cantaram-se parabéns das varandas<br />

e motivámo-nos com murais, a comunicação e<br />

as redes sociais mantiveram-nos unidos.<br />

Qual foi o elo mais importante? Todos.<br />

Esta é a essência da Integração de Cuidados. Isto é<br />

o que a PAFIC defende. E aconteceu, de uma forma<br />

mais ou menos organizada, como resposta de todos à<br />

situação que todos vivemos.<br />

É habitual dizer-se que, enquanto sociedade, somos<br />

muito bons na resposta a crises, mas que depois... A<br />

PAFIC considera que a atual crise representa uma<br />

oportunidade para melhorar o que fazemos. Tememos<br />

“o novo normal”, queremos um “normal novo”.<br />

Tivemos uma capacidade incrível de nos adaptarmos<br />

aos desafios que surgiram diariamente, neste período<br />

de tempo, reorganizando o trabalho, distribuindo tarefas,<br />

partilhando informação, passando a utilizar ferramentas<br />

de que antes muitos desconfiavam, tais como<br />

as de telesaúde e falámos uns com os outros, dentro<br />

e fora da saúde, tendo um objetivo comum: prevenir,<br />

diagnosticar, tratar, recuperar, encontrar soluções que<br />

respondessem às necessidades das pessoas.<br />

Importa refletir sobre o que se passou e aproveitar as<br />

dinâmicas criadas, para alavancar a reorganização dos<br />

cuidados em algo novo que se torne normal - o “normal<br />

novo”, numa altura em que se torna urgente recomeçar<br />

a atividade programada em todos os setores.<br />

Estarão para chegar, seguramente mais pandemias, que<br />

ainda não conhecemos. Mas temos uma “pandemia”<br />

instalada com a qual ainda não lidamos bem: a transição<br />

demográfica para uma sociedade envelhecida e o<br />

consequente aumento de pessoas com doenças crónicas<br />

e multimorbilidade, que requerem mais cuidados<br />

de saúde e respostas sociais.<br />

Esta situação é já um fardo para os orçamentos dos<br />

serviços de saúde e social, que põe em causa a sua<br />

sustentabilidade. Ao contrário da pandemia que se instalou<br />

em semanas, esta realidade tem avançado lenta<br />

e progressivamente.<br />

Há-de haver uma vacina e medicamentos para travar o<br />

Covid-19. Mas a transição para sociedades mais envelhecidas<br />

não vai parar. A uma realidade diferente não<br />

podemos continuar a responder com as mesmas soluções<br />

organizativas que não respondem nem às necessidades<br />

das pessoas, nem dos profissionais.<br />

Assim como enfrentámos a pandemia de Covid-19<br />

com uma resposta rápida, focada e integrada, temos<br />

de enfrentar a “pandemia” do envelhecimento da população<br />

com uma resposta integradora, adaptada a<br />

uma situação que está para ficar.<br />

É determinante promover a integração funcional entre<br />

os vários níveis de cuidados do setor da saúde, mas<br />

também entre estes e o setor social e as estruturas<br />

existentes na comunidade, de modo a potenciar respostas,<br />

ouvindo sempre as pessoas, para saber o que<br />

é verdadeiramente importante para o seu bem-estar<br />

e capacitando-as para que possam ser um parceiro no<br />

processo de cuidar.<br />

Só quando os doentes e cuidadores participarem na<br />

co-produção dos programas de organização dos cuidados,<br />

se ganhará a batalha da centralidade nas pessoas.<br />

Mas além de capacitar os doentes e cuidadores<br />

há necessidade de capacitar os profissionais - gestores<br />

e clínicos - sobre esta nova forma de organização dos<br />

cuidados. Isto só será possível fazer-se de “baixo para<br />

cima”, com autonomia das estruturas de proximidade<br />

para encontrarem os caminhos mais eficientes para a<br />

sua implementação e sustentação.<br />

O que se espera da Tutela é um sinal enquadrador<br />

(mas não castrador) de que a integração de cuidados é<br />

o caminho, deixando espaço às iniciativas locais e não<br />

desperdiçando as que já existem. E que seja repensado<br />

o financiamento que tem de desfocar da gestão da<br />

doença e da quantidade para promover a integração e<br />

avaliar resultados em saúde.<br />

A PAFIC enquanto associação, constituída por um<br />

conjunto multidisciplinar de profissionais - académicos,<br />

administradores hospitalares, médicos, enfermeiros, assistentes<br />

sociais, farmacêuticos e outros, quer ser parceira,<br />

acreditando que também pode acrescentar valor<br />

neste percurso. Ã<br />

52 53


GH comunicação<br />

"FIQUE EM CASA" tornou se<br />

viral e resultou<br />

Dulce Salzedas<br />

Jornalista<br />

Olhando quatro meses para trás, a<br />

frase "fique em casa" é muito provavelmente<br />

o que melhor caracteriza<br />

a forma como vivemos os<br />

meses de fevereiro, março e abril.<br />

As autoridades de saúde pediram-nos para nos afastarmos<br />

uns dos outros e nós cumprimos<br />

Os louros desse confinamento, que ajudaram a diminuir<br />

o número de infetados e a encontrar o tal<br />

planalto de que tantas vezes ouvimos falar, deve-se<br />

única e exclusivamente aos portugueses. E não foi<br />

porque, por sua iniciativa, decidissem ficar confinados.<br />

Foi porque o chavão comunicacional de "fique<br />

em casa" tornou-se de tal forma viral que resultou.<br />

O desconfinamento deveria também ter sido acompanhado<br />

de outros chavões, de outras mensagens fortes.<br />

Diferentes das que foram usadas na primeira fase da<br />

pandemia, mas igualmente eficazes para tornar fácil a<br />

compreensão do que estava e está a acontecer.<br />

Mas ao contrário do que aconteceu com o "fique em<br />

casa", ninguém se lembrará agora de nenhuma mensagem<br />

decorrente do desconfinamento. E não se<br />

lembra, pura e simplesmente porque ela não aconteceu.<br />

A única mensagem que tem passado e que<br />

está em cartazes, painéis informativos é o "protejase".<br />

Mas proteger pode querer dizer muitas coisas.<br />

A comunicação feita pelas autoridades de saúde durante<br />

o desconfinamento é confusa: fala-se em proibição<br />

de ajuntamentos de 10 ou 20 pessoas, mas<br />

depois os transportes públicos estão sobrelotados.<br />

E não se diz por exemplo que esses ajuntamentos<br />

obrigam ao uso de máscara e à distância social. Até<br />

os apelos iniciais à lavagem das mãos e à higienização<br />

dos teclados, telefones, mesas e outros objetos foram<br />

sendo abandonados.<br />

E já não falo da confusão gerada à volta do uso ou<br />

não de máscara. Com uns a dizerem que ela era imprescindível,<br />

outros a negligenciarem o seu uso.<br />

Por outro lado, há as dúvidas geradas sobre os números<br />

diários de infetados e as diferenças entre<br />

dados nacionais e dados por concelho. Não tenho<br />

qualquer dúvida de que não há nenhuma intenção<br />

da Direção Geral da Saúde ou até do Ministério em<br />

esconder números. Mas sei também que esta espécie<br />

de desarmonia entre uns e outros dados geram<br />

desconfiança e incerteza que desmotivam qualquer<br />

um a tomar medidas de redução de riscos.<br />

Sabemos que em Portugal os dados em saúde nunca<br />

foram o nosso melhor atributo: sempre houve atrasos<br />

e discrepâncias. De certa forma, sempre houve<br />

uma espécie de desarrumação nos dados, quer<br />

porque quem os devia notificar - centros de saúde,<br />

hospitais, administrações regionais de saúde, laboratórios<br />

- não tem tempo para o fazer, dada a complexidade<br />

dos formulários, quer porque quem os colige<br />

os recebe tarde e a más horas.<br />

É uma imperfeição do nosso sistema informação em<br />

saúde que tem de ser reconhecida e assumida.<br />

O Serviço Nacional de Saúde merece um sistema de<br />

informação simples, eficaz e capaz.<br />

Comunicar de outra forma valerá a pena? Trará ganhos?<br />

Sim porque é de ganhos em saúde que se trata<br />

quando se fala em comunicar saúde.<br />

Aliás, comunicação, prevenção e literacia estão profundamente<br />

ligadas quando se fala em saúde. E o<br />

capital investido numa comunicação adequada e diferenciada<br />

consoante o público/alvo que se pretende<br />

atingir é capital ganho na adesão a medidas de prevenção<br />

e de redução de riscos.<br />

A forma como comunicamos é essencial na obtenção<br />

de bons resultados.<br />

E numa pandemia, é mais do que essencial: pode<br />

mesmo salvar vidas. Ã<br />

Obrigado a todos<br />

pela partilha e troca<br />

de experiências nos últimos<br />

cinco meses, foram:<br />

+ de 30 parceiros envolvidos<br />

+ de 40 temas em discussão<br />

+ de 60 sessões de partilha conhecimento online<br />

+ de 200 peritos nacionais e internacionais<br />

+ de 500 mil visualizações no<br />

em + de 40 países<br />

Parceiros institucionais:<br />

Com o apoio:<br />

54


GH voz do cidadão<br />

DIABETES E COVID 19:<br />

CRONOLOGIA DE UMA<br />

RELAÇÃO POUCO FELIZ<br />

José Manuel Boavida<br />

Presidente da APDP - Associação Protetora dos Diabéticos<br />

de Portugal<br />

Mudaram-se os tempos, alteraramse<br />

os hábitos e a normalidade ficou<br />

suspensa por tempo indeterminado.<br />

Desde o dia 2 de março,<br />

data em que a Ministra da Saúde<br />

anunciou os dois primeiros casos de pessoas infetadas<br />

em Portugal por SARS-CoV-2, que a vida mudou. E<br />

desde aí, passando pelo Estado de Emergência até ao<br />

desconfinamento atual, a diabetes e a Covid-19 andaram<br />

sempre lado a lado, numa relação pouco feliz e<br />

ainda com muito por compreender.<br />

Foi há cerca de 4 meses que as capas dos jornais faziam<br />

manchete com as declarações da Diretora-Geral<br />

da Saúde, anunciando que um milhão de portugueses<br />

poderiam vir a ser infetados com o novo coronavírus.<br />

Nesta altura, estávamos longe de imaginar o que<br />

iria acontecer, pois não conhecíamos a dimensão da<br />

pandemia. Ainda hoje não a conhecemos. Atualmente,<br />

há mais de 40 mil casos confirmados de infeção, mas<br />

há investigadores que suspeitam que o número de infetados<br />

possa ser 10 vezes superior, cerca de 4% da<br />

população portuguesa.<br />

Dia 16 de março é anunciada a primeira morte no<br />

país, de um homem de 80 anos com várias patologias<br />

associadas, entre as quais um cancro do pulmão<br />

e diabetes. A 18 de março, o Presidente da República<br />

decreta o Estado de Emergência, com confinamento<br />

obrigatório e restrições à circulação na via pública. Dois<br />

dias depois é publicado o decreto governamental que<br />

define as medidas excecionais e temporárias de resposta<br />

à pandemia. Dentro destas medidas, as pessoas<br />

com diabetes, por representarem uma população de<br />

risco, passam a estar incluídas nos grupos com “dever<br />

especial de proteção”.<br />

A 30 de abril, o Governo aprova em Conselho de Ministros<br />

um plano de transição do Estado de Emergência<br />

para uma situação de calamidade. A 1 de maio, dois<br />

dias antes de iniciar a situação de calamidade, o artigo<br />

25-A do decreto-lei 20/<strong>2020</strong> vem determinar que as<br />

pessoas imunodeprimidas e com doenças crónicas podem<br />

justificar a falta ao trabalho mediante declaração<br />

médica, “desde que não possam desempenhar a sua<br />

atividade em regime de teletrabalho ou através de outras<br />

formas de prestação da atividade”.<br />

Mas eis que, numa retificação publicada a 5 de maio, o<br />

Governo exclui a diabetes e a hipertensão do regime<br />

excecional de proteção, sem qualquer fundamentação<br />

científica que sustentasse a decisão. Esta, felizmente,<br />

é uma questão ultrapassada, pois o diploma foi chamado<br />

ao Parlamento e, a 26 de junho, foi aprovada<br />

em plenário a alteração que devolveu às pessoas com<br />

diabetes e hipertensão o direito de voltarem a estar<br />

incluídos nesse regime.<br />

No início do mês, também a Associação Protetora dos<br />

Diabéticos de Portugal (APDP) havia reiterado o apelo<br />

ao Governo para que reconsiderasse a exclusão das<br />

pessoas com diabetes do regime de teletrabalho, lembrando<br />

o risco acrescido destas pessoas face à Covid-19.<br />

Com o país recolhido, começam a destacar-se as respostas<br />

da sociedade civil para fazer face à pandemia.<br />

Antecipando as medidas de confinamento em todo o<br />

País e as restrições de movimento, mesmo quando a<br />

pandemia da Covid-19 ainda estava num estágio inicial<br />

em Portugal, a APDP rapidamente reorganizou os seus<br />

serviços para garantir que o acompanhamento às pessoas<br />

com diabetes não fosse interrompido.<br />

Implementou-se um sistema de teleconsultas e criouse<br />

uma linha de atendimento telefónico para prestar<br />

aconselhamento especializado a todas as pessoas com<br />

diabetes, sem nunca descurar o atendimento presencial<br />

a primeiras consultas ou consultas que implicam uma<br />

observação presencial, como é o caso da oftalmologia,<br />

tratamentos de pé diabético, ou intercorrências. Após<br />

assegurar, através do INFARMED, a existência de reservas<br />

de medicamentos, o envio domiciliar de medicamentos,<br />

telefonemas de motivação e uma presença<br />

ativa nas redes sociais, complementaram estas práticas.<br />

Durante o confinamento, foram aparecendo evidências<br />

científicas que chegaram de países em estádios de<br />

pandemia mais precoces, confirmando que as pessoas<br />

com diabetes são, de facto, uma população de risco,<br />

mais vulnerável ao desenvolvimento de complicações<br />

graves com a infeção por coronavírus e com um risco<br />

de morte três vezes superior ao da população em geral.<br />

Um artigo do jornal inglês The Guardian 1 refere que, segundo<br />

dados do Serviço Nacional de Saúde no Reino<br />

Unido, entre 31 de março e 12 de maio, uma em cada<br />

4 mortes por Covid-19, ocorridas nos hospitais ingleses,<br />

foi de uma pessoa com diabetes. A diabetes foi a<br />

doença mais recorrente na identificação das condições<br />

pré-existentes das mortes por Covid-19 no Reino Unido.<br />

Na China, 20% das pessoas que morreram de coronavírus<br />

tinham diabetes 2 e, segundo informações vindas<br />

de Itália, a percentagem de mortes entre pessoas com<br />

diabetes é de 35% . Tal como em Portugal, a comorbilidade<br />

mais frequente, a seguir à hipertensão, é a diabetes.<br />

O quadro não é otimista, mas nem tudo são más notícias.<br />

Um artigo publicado pela Cell Metabolism 4 , relata<br />

um estudo retrospetivo feito com pessoas com diabetes<br />

internadas nos hospitais da província de Hubei, }<br />

56 57


GH voz do cidadão<br />

“<br />

SÓ NO CASO DA DIABETES,<br />

ESTIMA-SE QUE ENTRE 10 A 20 MIL<br />

PESSOAS TERÃO FICADO POR<br />

DIAGNOSTICAR, POIS QUER PELOS<br />

DADOS DO INSA-MÉDICOS<br />

SENTINELA, QUER PELOS REGISTOS<br />

DOS CUIDADOS PRIMÁRIOS, EXISTEM<br />

60.000 NOVOS CASO/ANO.<br />

”<br />

em Wuhan, na China. As pessoas com diabetes foram<br />

divididas em dois grupos: 282 pessoas com a diabetes<br />

bem controlada e 528 cuja diabetes foi considerada<br />

como mal controlada. A determinação de um bom e<br />

de um mau controlo foi feita com base nos níveis de<br />

A1c e na variabilidade glicémica.<br />

Assim, a média de A1c do grupo considerado como<br />

“bem controlado” foi de 7,3%, enquanto que no grupo<br />

“mal controlado” foi de 8,1%. Ao analisaram os resultados,<br />

verificaram que todos os parâmetros de avaliação<br />

foram melhores no grupo dos “bem controlados”.<br />

Estes dados são demonstrativos de como uma boa<br />

gestão da diabetes é fundamental para prevenir formas<br />

mais graves de progressão da Covid-19.<br />

São quatro as doenças crónicas que a Organização<br />

Mundial da Saúde (OMS) reconhece como prioritárias,<br />

pela sua dimensão, pelo seu impacto e pela associação<br />

perigosa à Covid-19: a diabetes, a doença cardiovascular,<br />

o cancro e a doença respiratória. Estas doenças são<br />

aquelas que precisam de uma resposta mais imediata,<br />

prevendo-se um aumento das complicações nos próximos<br />

tempos pela falta de cuidados nos últimos meses.<br />

Só no caso da diabetes, em Portugal, estima-se que<br />

entre 10 a 20 mil pessoas terão ficado por diagnosticar,<br />

pois quer pelos dados do INSA-Médicos Sentinela,<br />

quer pelos registos dos cuidados primários, existem<br />

cerca de 60.000 novos caso/ano de diabetes 5 , mas os<br />

atrasos dos rastreios da retinopatia, da nefropatia ou do<br />

pé diabético não auspiciam boas notícias. O alarme sobre<br />

o aumento de amputações dos membros inferiores<br />

já soou através de várias administrações hospitalares. A<br />

Covid-19 veio destabilizar todos os níveis de cuidados<br />

e o apoio continuado que as doenças crónicas exigem.<br />

Houve consultas e tratamentos adiados que podem vir<br />

a ter desfechos dramáticos num futuro próximo.<br />

As orientações publicadas pela OMS no guia “Manutenção<br />

dos serviços essenciais de saúde: orientações<br />

operacionais para o contexto da Covid-19” 6 referem<br />

que, a nível internacional, houve uma interrupção<br />

generalizada nos cuidados de saúde às pessoas com<br />

doença crónica, à medida que os países passavam de<br />

casos esporádicos de Covid-19 para a fase de transmissão<br />

comunitária. A OMS reforçou a importância da<br />

implementação progressiva de programas que recuperem<br />

os cuidados de saúde nas doenças crónicas, no<br />

contexto da pandemia da Covid-19. No caso específico<br />

da diabetes, a OMS salienta a retoma gradual de:<br />

• Atividades de promoção da saúde e estratégias para<br />

a mudança comportamental e adoção de estilos de vida<br />

saudável (por exemplo, atividade física e alimentação<br />

saudável), adaptadas aos meios de comunicação à distância,<br />

por telefone, mensagens SMS, ou recursos online;<br />

• Rastreios de retinopatia em adultos com diabetes, e<br />

observação das pessoas com retinopatia proliferativa<br />

estabelecida e pessoas com nefropatia diabética;<br />

• Monitorização da falta de medicamentos, complicações<br />

da doença, pessoas com Covid-19, episódios de<br />

urgência, internamentos hospitalares, ativando linhas<br />

de apoio dedicadas, de triagem e de atendimento;<br />

• Monitorização das taxas de admissão e de mortalidade<br />

hospitalar.<br />

A <strong>21</strong> de maio, o Parlamento aprova as propostas de lei<br />

do Governo sobre o processo de desconfinamento. A<br />

APDP, não só não tinha parado, como tinha retomado,<br />

aos poucos, a sua atividade normal. Aos utentes<br />

com consultas de seguimento é dada a hipótese de<br />

escolha entre o presencial e o online. A experiência<br />

destes últimos meses provou que, efetivamente, a telemedicina<br />

resulta numa boa alternativa no acompanhamento,<br />

e que veio para ficar em alguns casos, desde<br />

que a relação médico/enfermeiro com o utente esteja<br />

estabelecida. O que não pode falhar é o acompanhamento<br />

e o suporte continuado às pessoas.<br />

Esta nova realidade de vida com a Covid-19 contribuiu<br />

para o aumento de ansiedade e de dúvidas relacionadas,<br />

quer com a gestão da diabetes, quer com a prevenção<br />

da infeção. A complexa gestão da diabetes tornou-se<br />

agora mais exigente, perante a necessidade de<br />

assegurar continuamente um bom controlo, para que<br />

o risco das complicações originadas pela Covid-19, seja<br />

o mais próximo possível do da população em geral.<br />

Mas a relação entre a diabetes e a Covid-19 não fica<br />

por aqui. Recentemente, numa carta publicada no The<br />

New England Journal of Medicine, um grupo de 17 investigadores<br />

alerta para o risco de se desenvolver diabetes<br />

após infeção por SARS-CoV-2, salientando a existência<br />

de uma possível relação bidirecional entre a Covid-19<br />

e a diabetes. Por um lado, a diabetes está associada a<br />

um risco aumentado de complicações graves por Covid-19.<br />

Por outro lado, foi observado em pessoas com<br />

Covid-19, o aparecimento de uma diabetes recente<br />

em pessoas saudáveis e o desenvolvimento de complicações<br />

metabólicas graves em pessoas com diabetes<br />

preexistente, “incluindo a cetoacidose diabética e<br />

situações de hiperosmolaridade grave, que necessitam<br />

de doses excecionalmente altas de insulina” 7 . Os casos<br />

que acompanhamos na APDP também o confirmam:<br />

em dois/três dias passamos de antidiabéticos orais, a<br />

mais de 50 U/dia de insulina.<br />

O SARS-CoV-2 liga-se ao recetor ACE2, uma das<br />

portas de entrada nas células, que está localizado nos<br />

pulmões e nas vias respiratórias, mas que também se<br />

encontra nos principais órgãos e tecidos metabólicos,<br />

como o pâncreas, intestino delgado, tecido adiposo,<br />

fígado e rins. Assim, segundo os investigadores, é possível<br />

que a SARS-CoV-2 possa causar alterações no<br />

metabolismo, originando complicações na diabetes<br />

preexistente ou novos mecanismos da doença 8 .<br />

Depois do The New England, também a revista Nature<br />

abordou esta relação entre a diabetes e a Covid-19.<br />

Há várias hipóteses em aberto e não se sabe de que<br />

tipo de diabetes estamos a falar, ou mesmo se é um<br />

novo tipo por investigar. Se a doença se instala para<br />

sempre ou se é temporária. Estas e outras dúvidas merecem<br />

uma atenção especial para o aprofundamento<br />

do estudo desta relação entre a diabetes e a Covid-19.<br />

Entretanto, chegamos ao mês de junho, às portas de<br />

julho e, em Portugal, os números não param de aumentar,<br />

em particular na região de Lisboa. Ao contrário<br />

do que proclamávamos de início, agora já não<br />

estamos todos no mesmo barco. A Covid-19 atinge,<br />

desproporcionalmente, as populações mais desfavorecidas<br />

e com maior prevalência de doenças crónicas. A<br />

pandemia está a forçar-nos a encarar a realidade de<br />

que o progresso em direção aos Objetivos de Desenvolvimento<br />

Sustentável é frágil, pois as populações que<br />

se encontravam com possibilidade de melhoria das<br />

suas condições de vida, estão agora mais vulneráveis e<br />

em risco de ficar ainda mais para trás.<br />

A classificação de risco já não será pelas patologias que<br />

atingem as pessoas, mas essencialmente pelos determinantes<br />

sociais, tanto mais que são também eles os<br />

principais implicados nas doenças crónicas em geral,<br />

e na diabetes em particular. É tempo de evoluir de<br />

uma abordagem universal, que a todos serve, para uma<br />

mais centrada nos que apresentam um maior risco,<br />

com maiores necessidades, melhorando os cuidados<br />

de saúde primários, tornando-os ainda mais próximos,<br />

aumentando os cuidados domiciliários, integrando assistentes<br />

sociais a monitorizar as necessidades sociais,<br />

para além das de saúde, envolvendo as pessoas, as<br />

estruturas comunitárias locais, as autarquias e as organizações<br />

da sociedade civil na resposta à pandemia.<br />

A organização e estruturação do combate às doenças<br />

crónicas, não só reforçará a sua prevenção, controlo e<br />

acompanhamento, como contribuirá para o combate<br />

à Covid-19, pela maior participação dos cidadãos, o<br />

aumento da literacia e o reforço da coesão social. Ã<br />

1. https://www.theguardian.com/world/<strong>2020</strong>/may/14/one-in-four-people-whodied-in-uk-hospitals-with-covid-19-had-diabetes<br />

2. https://www.thelancet.com/journals/laninf/article/PIIS1473-3099(20)30243-7/<br />

fulltext<br />

3.https://www.epicentro.iss.it/coronavirus/bollettino/Report-Covid-<br />

-2019_17_mar-zo-v2.pdf<br />

4. Zhu, Lihua et al. Association of Blood Glucose Control and Outcomes in<br />

Patients with Covid-19 and Pre-existing Type 2 diabetes, in “Cell Metabolism”<br />

(junho, <strong>2020</strong>).<br />

5. Observatório Nacional da diabetes. “diabetes: Factos e Números - O Ano<br />

de 2015”. Sociedade Portuguesa de Diabetologia (2016).<br />

6. World Health Organization. “Maintaining essential health services: operational<br />

guidance for the Covid-19 context” (junho, <strong>2020</strong>).<br />

7. https://www.nejm.org/doi/10.1056/NEJMc2018688<br />

8. Idem.<br />

58 59


GH gestão<br />

OPERAÇÃO LUZ VERDE:<br />

HOSPITAIS MAIS PRÓXIMOS<br />

DOS DOENTES<br />

Neste momento, decorrem diversos estudos económicos<br />

sobre estas dimensões da intervenção farmacêutica,<br />

quer hospitalar, quer comunitária. Apresentam-se,<br />

de seguida, os resultados da operação realizada até 31<br />

de maio, a partir de um estudo do Centro de Estudos<br />

e Avaliação em Saúde (CEFAR), a uma amostra representativa<br />

de 600 doentes, selecionados aleatoriamente.<br />

As farmácias comunitárias garantiram 14.743 dispensas<br />

de medicamentos, por solicitação de 33 hospitais. Cada<br />

doente poupou, em média, 100 km de deslocações<br />

aos hospitais. Globalmente considerados, os doentes<br />

pouparam mais de 1,7 milhões de quilómetros, o que<br />

corresponde a 43 voltas ao planeta.<br />

Automóvel e transportes públicos são os meios de deslocação<br />

predominantes aos hospitais. Na sua maioria, os<br />

doentes deslocam-se às farmácias a pé.<br />

Humberto Martins<br />

Diretor da área profissional da Associação Nacional das Farmácias<br />

A<br />

pandemia de Covid-19 pôs o sistema<br />

de saúde à prova, como nunca<br />

antes tinha acontecido. Os serviços<br />

de saúde, em particular os hospitais,<br />

tiveram de implementar transformações<br />

radicais na sua organização e procedimentos,<br />

quase de um dia para o outro.<br />

Todos os estudos de opinião aos portugueses mostram,<br />

de forma objetiva, que o desafio foi superado<br />

com distinção. Os profissionais de saúde são agora<br />

ainda mais valorizados pela população. A necessidade<br />

de maior investimento público na Saúde deixou de ser<br />

discutível, para se apresentar como uma urgência e um<br />

imperativo nacional.<br />

As soluções encontradas para responder à pandemia<br />

devem ser avaliadas com transparência e objetividade,<br />

para determinar o seu valor em Saúde Pública e económico.<br />

Devemos avaliar se as respostas criadas agora,<br />

para responder às necessidades<br />

dos cidadãos no contexto pandémico<br />

que ainda atravessamos, se<br />

mantêm eficientes quando ultrapassarmos<br />

esta crise.<br />

Com a liderança institucional da Ordem<br />

dos Farmacêuticos e da Ordem<br />

dos Médicos, a Operação Luz Verde<br />

(OLV) foi a resposta articulada entre<br />

farmacêuticos hospitalares e comunitários<br />

para garantir a continuidade te-<br />

rapêutica aos doentes medicados em ambulatório hospitalar.<br />

Concebida, desenhada e implementada em menos<br />

de duas semanas, a OLV arrancou no dia 24 de março,<br />

com uma duração prevista até 31 de maio. Contudo, este<br />

prazo foi ampliado, para além do estado de emergência,<br />

pelo Despacho da Ministra da Saúde n<strong>º</strong> 5315/<strong>2020</strong>,<br />

de 7 de maio, que ainda vigora. De 1 a 25 de junho foram<br />

asseguradas pelas farmácias comunitárias, gratuitamente,<br />

3.817 dispensas de medicamentos a solicitação<br />

dos hospitais. As farmácias continuam diariamente a assegurar<br />

o serviço de forma gratuita, disponibilizando os<br />

seus recursos técnicos, tecnológicos e profissionais, com<br />

a transparente expectativa de que este seja avaliado e<br />

valorizado para uma contratualização transparente.<br />

A OLV contou com a participação ativa de 20 associações<br />

de doentes, procurando também ser um exercício<br />

para uma futura maior participação dos cidadãos na<br />

gestão de programas de Saúde Pública.<br />

Os doentes oncológicos e os portadores de VIH/SIDA<br />

lideram o ranking de patologias mais frequentes.<br />

O recurso às farmácias comunitárias para a dispensa de<br />

medicação hospitalar de ambulatório poupa, em média,<br />

1H44 aos doentes em deslocações, o que têm impacto<br />

no absentismo de 28,2%. }<br />

60 61


GH gestão<br />

O serviço de dispensa é avaliado muito positivamente<br />

em ambos os ambientes, com particular destaque para<br />

a disponibilidade do farmacêutico, indicador onde as diferenças<br />

registadas se podem considerar marginais.<br />

A intervenção da farmácia comunitária é valorizada pela<br />

quase totalidade (97,9%) dos doentes que experimentaram<br />

o serviço.<br />

A liberdade de escolha é valorizada pelo mesmo universo<br />

de cidadãos.<br />

Conclusões<br />

Seria também interessante estimar os ganhos em saúde<br />

(em infeções e mortes evitadas) da OLV, e a redução de<br />

custo para os utentes e outros financiadores das deslocações<br />

aos hospitais, como os governos regionais.<br />

A elevada satisfação e a vontade dos doentes de manter<br />

este serviço são já evidentes.<br />

Os resultados alcançados num contexto de particular<br />

desafio, apenas foram possíveis pela articulação entre<br />

profissionais, centrada no interesse de doente, bem como<br />

pelo suporte das associações profissionais - Ordem<br />

dos Médicos, Ordem dos Farmacêuticos e Associação<br />

Portuguesa de Administradores <strong>Hospitalar</strong>es (APAH) -<br />

e das associações representativas dos agentes do medicamento<br />

- Associação de Distribuidores Farmacêuticos<br />

(ADIFA), Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica<br />

(APIFARMA), Associação Nacional das Farmácias<br />

(ANF) e Associação de Farmácias de Portugal (AFP).<br />

O momento que atravessamos questiona muitos dados<br />

adquiridos na nossa convivência em sociedade.<br />

“<br />

O INTERESSE DO CIDADÃO DOENTE<br />

INTERPELA-NOS A PROSSEGUIR<br />

UM CAMINHO DE COLABORAÇÃO<br />

E DE TRANSPARÊNCIA.<br />

”<br />

Regressar acriticamente ao modelo pré-Covid-19 de<br />

dispensa de medicamentos hospitalares seria transformar<br />

um paradigma, que produziu os seus efeitos no<br />

passado, em paradoxo.<br />

O interesse do cidadão doente interpela-nos a prosseguir<br />

um caminho de colaboração e de transparência. Ã<br />

Em sentido oposto, a perceção de segurança dos doentes<br />

regista diferenças muito significativas entre a farmácia<br />

e o ambiente hospitalar.<br />

Nove em cada dez doentes preferem continuar a usufruir<br />

deste serviço depois da pandemia.<br />

62


GH direito biomédico<br />

PERSISTIR EM DEVIR.<br />

DO ÉDEN AO PURGATÓRIO?<br />

João Vaz Rodrigues<br />

Universidade de Évora, Centro de Direito Biomédico da FDUC<br />

Entre a redação e a publicação verificarse-á<br />

a “mobilidade” e a “dispersão” que<br />

caracterizam os “tempos que correm”.<br />

Eis o novo da novidade (em cada dia,<br />

as notícias das horas de “laudes” são<br />

anacronismos pelas de “vésperas”). Mais: o que se insiste<br />

para o SARS-Cov-2 mostrou-se imperativo desde<br />

2003 e materializado a partir de 2005 no Regulamento<br />

Sanitário Internacional 1 justificando a teimosia do que<br />

designarei por "alicate": pela "haste" do Mundo - uma<br />

tutela supraestadual da saúde - OMS, atuação isenta,<br />

planificada e equânime; solidariedade integral: científica<br />

e de meios; monitorização e transparência de dados,<br />

prevenção de recursos.<br />

Pela "haste" individual: "informação sem confusão" (recíproca),<br />

aceitação das restrições individuais dos direitos<br />

fundamentais, recato, distância, empenho, pertinácia<br />

e confiança. Existem receios, tais como a regulação<br />

do "trânsito" no cruzamento com o setor farmacêutico.<br />

O alicate permite multiplicar a força, é necessário ainda<br />

ser flexível, anotar e corrigir erros.<br />

A "perspetiva doméstica" anunciada em abstrato.<br />

Da catástrofe a um caos atualizado no anúncio<br />

que denuncia o seguinte.<br />

Coube ao Presidente Xi Jinping no dia 24-01-<strong>2020</strong> a primeira<br />

declaração mediática sobre o Covid-19 (SARS-<br />

Cov-2). Dou crédito à notícia de Sam Knight na sua<br />

coluna no New Yorker, de 27-06, Letter from UK. É inesquecível<br />

a "revolução" social mundial subjacente. Segundo<br />

a mesma fonte, o editor da vetusta e prestigiada<br />

Lancet (1823), Richard Horton, formulou desde janeiro<br />

de <strong>2020</strong> (sabor a século) balanços contínuos da ciência<br />

à política, em moldes desabridos e acutilantes, mercê<br />

de muitos artigos controversos, com impacte também<br />

nos costumes, valores, ética e direito 2 . Uma emergência<br />

calculada, em balanço de experiência ponderada<br />

desde o HIV.<br />

"O Lancet não é o The Economics", afirma Horton. Está<br />

lançado o repto entre os dois lados da briga, as duas<br />

trincheiras. Faça o favor de se sentar; tarde ou cedo<br />

também ficará zangado: afinal, foi - fomos - expulso(s)<br />

de um Éden! A defesa da saúde dá por adquirido e<br />

eficaz a adoção do maior isolamento e distanciamento<br />

possíveis. A defesa da subsistência económica afirma ser<br />

urgente assumir riscos cautelosos na(s) reabertura(s).<br />

Coexistem opções mais ou menos afoitas, dislates e<br />

afirmações contraditórias, ridículas não fora a gravidade.<br />

As posições radicais que cegam a realidade cobram<br />

alto, muito alto. O curso do antropoceno inclui as derrotas<br />

infligidas pelo poder da "pobreza de mundo do<br />

animal" (Heideggar, Agamben) 3 . A pandemia é "decretada"<br />

pela OMS no dia 11de março de <strong>2020</strong>, após o<br />

PECHS de 30 de janeiro 4 .<br />

Um dos adágios que cunha as personalidades admiráveis<br />

é o de que "a sorte protege os audazes" (Virgílio,<br />

Eneida, X). Sendo invectiva, pois que mereça tempero<br />

de prudência. Sobretudo, que não afaste a humildade<br />

da visita ao campo da batalha, não largando ao olvido<br />

os cadáveres da refrega. Aprende-se muito com a recordação<br />

reflexiva que processa o registo da memória.<br />

É mais fácil apontar os êxitos do que escrutinar a fatura.<br />

E, paradoxalmente, é sobre faturas que escrevo. Já<br />

lereis. Primeiro, o óbvio: a ciência médica atingiu desenvolvimentos<br />

extraordinários, com exercício em<br />

equipas multidisciplinares e no seio de estruturas sofisticadíssimas.<br />

Ora, estas estruturas necessitam - além de<br />

recursos - técnicas e regras que acarretam burocracias<br />

impostas pelos contrastes das formações técnicas múltiplas.<br />

Tudo obedece a entes enigmáticos: "legisladores"<br />

(no nosso caso, democrático: uf!). Os burocratas estão<br />

apostados em dar segurança à liberdade (cientistas e<br />

profissionais), mas, cuidado: recebem "ordens" e são<br />

pressurosos em formulários e formalismos.<br />

Seguindo os (des)governos anunciados pelos Estados<br />

"vizinhos" do Mundo, muitos legislam o fim da pandemia.<br />

Não resulta, está bem de ver. Um singelo princípio,<br />

assumido como essencial para a Vida e para a<br />

"vidinha", em menos de nada carreia normas sem fim.<br />

É usual ao ator o desprezo por montantes e jusantes;<br />

aperta o parafuso que lhe cabe e dispara à incompletude:<br />

that's not my job! Está feito o "caldo". Procedimento?<br />

Quero um protocolo! E, depois, quero um formulário<br />

para simplificar (primeiro: "leia, creia e assine"; depois:<br />

"preciso que assine"; e, por fim, "tem de assinar").<br />

Acabamos a ver nas latrinas "regulamentos" plenos de<br />

interpretações complexas de normas como: "puxe o<br />

autoclismo"; "feche a torneira"; "toalhetes no caixote",<br />

etc. Os regulamentos da "vidinha" não raramente banalizam<br />

e entopem, e, claro, o culpado já não é quem<br />

os pede, mas quem os faz. Talvez ambos sejam (ir)<br />

responsáveis. E, ao fim e ao cabo, quando perante imprevisto<br />

procuramos uma norma salvífica, mais céleres<br />

afiguram-se os princípios. É que os legisladores obedecem<br />

sem remédio, apelo ou agravo, ao devir. Explico.<br />

Sonhem a sombra do Titanic. Milagre tecnológico, mas<br />

a "fortaleza" não resistiu ao iceberg que, em abril de<br />

1912, lhe rasgou o costado, ditou naufrágio e matou<br />

quase todos os tripulantes. O espanto residiu na vulnerabilidade.<br />

Após um século, o radar de bordo, regulamentar,<br />

arredaria o desastre. Lição?<br />

É legítimo esperar que se resolvam muitos dos desafios<br />

com que estamos confrontados: que ao desnorte<br />

se substitua a solução, na prática dos profissionais de<br />

saúde, recursos e ação salvífica. Até lá, e lá, teremos<br />

princípios e valores (axiologia). Olhai o horror dos<br />

profissionais de saúde perante a escassez de meios e<br />

o drama das decisões (ventilador a A ou a B?). Um pequeno<br />

gigantesco exemplo dos problemas específicos<br />

(as aporias paradoxais).<br />

É certo que perante o caos, sobram os valores e vale<br />

o decisor. No meu pesadelo ouvi a frase que ditou<br />

a ação (ética) do Comandante R. Salmond da fragata<br />

Birkenhead (naufrágio: 1852), face à escassez de botes:<br />

"mulheres e crianças primeiro". O bom senso contra o<br />

senso comum; eis o que demonstra a inquietude dos<br />

"pontos de perigo" da (intraduzível) governance. Fora<br />

do tempo útil da ação, pensai hoje nos debates possíveis<br />

em torno da opção. Não somos doidos: sabemos<br />

quando pensar e quando agir (Sapiens!?).<br />

Sabemos? Claro que sim, "estamos todos no mesmo<br />

navio", afinal. Persisto no reduto iconográfico.<br />

Um dos primeiros ensaios, escrito em prisão domiciliária<br />

ditada a "privilegiados", pertence a Slavoj Zizek 5 ,<br />

onde presta homenagem a M.Luther King, Jr.: "Podemos<br />

ter chegado em diferentes navios, mas estamos<br />

todos no mesmo, agora". Citação feliz. Podemos ter<br />

vários Estados (em torno de 200), mas um só Mundo.<br />

Reduzo ainda: a pandemia, como tormenta tremenda,<br />

apaga todas as fronteiras, reduzindo o globo a algo que<br />

cabe na palma da mão humana 6 .<br />

A tempestade Covid-19 tem vários pontos críticos. Propaga<br />

em pau de fósforo, debilita, reaparece matrei- }<br />

64 65


GH direito biomédico<br />

“<br />

DOU COMO PONTO ASSENTE,<br />

EM SÍNTESE, QUE OS TEMPOS<br />

DESTA CRISE PERTENCEM A TODOS<br />

E ESTA A TODOS DEMANDA<br />

POR IGUAL O QUE DECORRE<br />

DAS INTERDEPENDÊNCIAS<br />

ACELERADAS. ONDE A TORMENTA<br />

DESPEJA A SUA FÚRIA É ONDE<br />

A UNIÃO SOLIDÁRIA MAIS<br />

SE JUSTIFICA. SÃO AVISADOS<br />

OS QUE NOS APONTAM<br />

CAUTELAS SOBRE O<br />

AGRAVAMENTO DA PANDEMIA.<br />

”<br />

ra, multiplica sequelas colaterais, posta-se sem sintomas;<br />

reduz-se em mortalidade, mas, altamente esquizofrénica,<br />

mata ao ocupar as disponibilidades das estruturas<br />

de saúde, que deixam de poder reagir às demais<br />

patologias. Entre o pânico dos pacientes que recusam<br />

o Hospital e este, que fica atafulhado, sobram mortes<br />

ou outras mortes, com a mesma razão. Correu junho.<br />

Após um "estalo" europeu, sentimos alívio; sabemos<br />

de onde veio a tempestade e percebemos onde está<br />

intensíssima (Américas) e revela agressividade máxima<br />

(Índia, Rússia, e países que, imprecisamente, designo do<br />

Levante alargado).<br />

Já entendemos igualmente que se trata de uma persistência<br />

que se dissemina por todo o lado: uma intempérie<br />

que persiste em porvir. Sendo mal de todos,<br />

ficamos atónitos perante as respostas fragmentadas,<br />

frente a visões domésticas. Continuamos sob um jugo<br />

(intolerável!?) de negação da solução dada pela Lei<br />

da complexidade crescente em matéria das relações<br />

internacionais (A. Moreira). Teremos de atalhar o debate<br />

em espiral e demonstrar o apelo do sentido comum.<br />

Temos o Mundo na mão, vamos esmagá-lo?<br />

Vamos esperar pelo GPS perante o iceberg? Enquanto<br />

esperamos, jogamos à "violeta" 7 com o revólver político?<br />

Como proteger o maior número de pessoas?<br />

Dou como ponto assente, em síntese, que os tempos<br />

desta crise pertencem a todos e esta a todos demanda<br />

por igual o que decorre das interdependências aceleradas.<br />

Onde a tormenta despeja a sua fúria é onde a<br />

união solidária mais se justifica. São avisados os que<br />

nos apontam cautelas sobre o agravamento da pandemia<br />

(étimo: do povo todo). Existem casos "felizes",<br />

em que as preocupações que antecedem se dissolvem<br />

em inteligência, como nos relata Vera L. Raposo ter já<br />

ocorrido em Macau 8 . Certo é que também a inteligência<br />

exige recursos e autodisciplina (sempre o alicate).<br />

Mulheres e crianças primeiro?<br />

Todos no mesmo navio, mas os nossos "maiores" 9<br />

estão terrivelmente expostos. As estatísticas revelamse<br />

dramáticas a vulneráveis. Os da trincheira do front<br />

mortal (dificuldades respiratórias, cardíacas, imunitárias,<br />

etc.) estão ainda expostos a cuidados de "profissionais<br />

ativos", pelo que, mesmo isolados, convivem com<br />

quem os cuida. Consequentemente, anunciamos-lhes<br />

que vão viver "cerceados de liberdades" e ainda assim<br />

em risco: "a mão que lhes dá o pão não se assegura sã".<br />

Os do Mundo que não tiverem meios médicos disponíveis<br />

(modelos de Beveridge ou de Bismarck, etc., respetivos<br />

desenvolvimentos e convergências) encontram<br />

o bote salva-vidas na OMS. Atenção. Serão menos de<br />

50% os Estados com estruturas organizadas de intervenção<br />

em caso de emergência 10 ; e, entre estes (penso<br />

em Itália, Espanha e Reino Unido), viveram-se nos rigores<br />

de março, abril e maio, desespero e impotência.<br />

Dói ver os Estados em kindergarden na competição das<br />

faturas, cegos e surdos à "registadora" que fatura ainda.<br />

Os heróis da orquestra do Titanic continuaram a tocar.<br />

A grande maioria da população mundial encontra-se<br />

na dependência dos porta-moedas dos ricos. É impressionante<br />

como somos ricos em perspetiva comparada,<br />

ainda que otimista 11 . Voltarei à ampulheta.<br />

"É a Economia, estúpido!"<br />

A frase do assessor de Clinton, James Carville (eleições<br />

de1992), deixou rasto na História. Tirada eficaz, precedeu<br />

outra: "o resto é conversa”. É bom estarmos cientes<br />

de que a vertigem inevitável da consubstanciação<br />

da fórmula, constitui pomo crítico de discórdia ao equilíbrio<br />

da balança. A "sentença" tem agora um eco radicalmente<br />

oposto: vai a transformar-se em ordem ditada<br />

aos condenados à exposição enquanto soldados: homo<br />

laborens 12 .<br />

O sacrifício da ausência de alternativas, tanto pior que<br />

a adversativa, fica construído em requisitos materiais.<br />

Nomes de notáveis como Trump e Bolsonaro afiguram-se<br />

já com lugar cativo nos autos dos julgamentos<br />

na galeria dos "insustentáveis" da História. Cuidado. Os<br />

países do Mundo mostram ganas em desrespeitar as<br />

regras internacionais assumidas e ou a aberturas sustentadas.<br />

Sobrevêm riscos sérios em ressuscitar amargos<br />

de boca.<br />

A velocidade da circulação das pessoas é alucinante,<br />

mas parece menor do que a da propagação da doença.<br />

Notícias tão singelas e inocentes como as "efémeras"<br />

que alumiam rodapés dos jornais (companhias aéreas<br />

ponderam abolir malas de viagem ou análises a águas residuais<br />

no Guadiana revelam contaminação) constituem<br />

os imprevistos evidentes: "como não pensei nisso?"<br />

O mercado mundial, ao cunho destas linhas: 06 de<br />

<strong>2020</strong>, encontra um número de infetados que se cifra<br />

em 10 milhões e o "relógio” mundial da população<br />

(worldometters.info) chora meio milhão de falecidos<br />

por Covid-19 13 , mas quantos foram e quantos serão<br />

ainda, até por omissão de cuidados?<br />

A população cresce aos 8 "biliões", previstos aos meados<br />

do século; os nascimentos diários são mais do<br />

dobro das mortes. Em suma, os números globais parecem<br />

reiterar que a economia, muito doente, causa<br />

piores problemas, também mortais. Mas que mal<br />

pergunte no desenrolar das premissas do raciocínio<br />

sobre o desastre económico resultante da imobilidade:<br />

o que fazer com uma multidão de trabalhadores e de<br />

consumidores doentes, eventualmente endossados a<br />

infraestruturas de saúde incapazes de tratar? Que novo<br />

tipo de risco é este?<br />

Em síntese, no caleidoscópio, interdependentes, complicam-se<br />

saúde e economia. Dou primazia àquela. A<br />

economia multiplica riqueza e bem-estar; a saúde é um<br />

bem estranho, escasso, precário, que, falhando, gera a<br />

nostalgia de ser radicalmente irrepetível: por mais que<br />

nos empenhemos em dar-lhe guarda, preservando-a,<br />

sempre se deteriora sem necessidade de qualquer auxílio.<br />

Na coexistência de sapiens e econs, o curso singular<br />

ordinário da dignidade humana é espelho de Magritte<br />

onde parafraseio: celui ci n'est pas un homme.<br />

O caleidoscópio das modificações e o "pesadelo<br />

de Harari":<br />

A aceleração máxima mensurada no nosso Universo<br />

está em 300 mil km/segundo, afirma Jim Al-Khalili (a<br />

velocidade do tecido do espaço-tempo). Olhamos o<br />

Universo em torno e queremos aceder-lhe; estamos<br />

no alter space (em comunicações, por exemplo) e queremos<br />

"ocupar" o espaço lunar, com as utilidades possíveis.<br />

A tecnologia aproxima-nos em comunicações 14 .<br />

Nesta voragem não corremos para o suicídio nem ponderamos<br />

morrer sem assistência; piscamos os olhos à<br />

vertigem tecnológica e ao acesso a bens, serviços, riqueza.<br />

A fatura tem uma nova "parcela": os dados.<br />

Os anos têm ditado modificações significativas no reduto<br />

mínimo "adquirido" da esfera individual da autonomia;<br />

nessa que Orlando de Carvalho, no seu rigoroso ensino,<br />

sintetizou: noli me tangere (não me toques, João: 20:17),<br />

enquanto ponto axial da Dignidade Humana. A primeira<br />

é a da recolha dos dados de saúde, o preço para a<br />

circulação das pessoas; a segunda é a monitorização dos<br />

infetados, para a salvaguarda da saúde individual e coletiva,<br />

com as restrições inerentes (vg Declaração individual<br />

de saúde, in Raposo, VL); a terceira, que não forçosamente<br />

a última, será o acesso tendencial à totalidade<br />

das informações: a banalidade da visibilidade. O pesadelo<br />

de "Harari" vaticinou-lhe a expressão "dataísmo": previsto<br />

a arco de tempo de décadas, atalha-se para hoje 15 .<br />

O exercício da excecionalidade, da prudência e do mínimo<br />

necessário são fundamentais (cf. Raposo, VL). O<br />

processamento dos dados não necessita de ser um<br />

monstro, precisa sim, pelo contrário, de ser arredado<br />

do lado negro da Força 16 . }<br />

66 67


GH direito biomédico<br />

“<br />

POR LEI, JÁ NÃO EXISTIA<br />

PANDEMIA: VERDADE É<br />

QUE TODOS JÁ OUVIMOS<br />

OS CANDIDATOS A ARGUIDOS<br />

DESTE EPISÓDIO DA HISTÓRIA<br />

DO MUNDO AFIRMAR QUE,<br />

SEM A INFORMAÇÃO SOBRE<br />

OS INFETADOS, REDUZEM-SE<br />

OS PROBLEMAS.<br />

”<br />

Fidedignidade! Os tempos do antes pelo contrário.<br />

Certificação dos factos.<br />

Escrevi que, por Lei, já não existia pandemia: verdade<br />

é que todos já ouvimos os candidatos a arguidos deste<br />

episódio da História do Mundo afirmar que, sem<br />

a informação sobre os infetados, reduzem-se os problemas<br />

(eufemismo). É formula análoga para camuflar:<br />

decreta-se que não é aquela doença; ninguém sabe se<br />

está doente da doença que não sabe se está a matar<br />

tanto quanto, porque, cientificamente, não se sabe 17 .<br />

Aqui entra um valor fulcral: fidedignidade. A certificação<br />

dos factos das notícias dadas e a liberdade de acesso<br />

não apenas às conclusões, mas às fontes.<br />

O dia seguinte: o purgatório! O iter irónico da<br />

Divina Comédia: Dante, Beatriz e Virgílio.<br />

Perdi a conta às contrições recentes ditadas pelas doenças<br />

análogas. Todas ditaram como virtudes o isolamento.<br />

Nos ínterins existe uma nostalgia do Éden primevo<br />

onde se multiplicam as macieiras. Não vislumbro<br />

paraíso, mas água do Letes. "Diga lá outra vez: 33!".<br />

Acredito que se não existirem traições, se a axiologia<br />

for solidária e universal, entenderei a decisão casuística<br />

da oportunidade, ie, a lex artis ad hoc. Sei que a novidade<br />

afasta, suspende (existem outras traves para a<br />

nova Ética). O possível é neste momento a superação<br />

da impossibilidade, derribando já as fronteiras, queimar<br />

papel, seja de formulários seja de crédito. Não tolero;<br />

aceito, quero e ajo. Quero Beatriz, não quero esquecer.<br />

Não quero que esqueçam. Tenho anos pela frente<br />

e esta ou outras pandemias mais que prováveis. Não<br />

toco, não cuspo, lavo as mãos. Vamos lá, juntos. Ã<br />

1. Cf. Fidler, David: SARS. Governance and the Globalization of Disease, Ed.<br />

Palgrave Macmillan, 2004, pp 42, 68 e 132, 155. Também: https://youtu.be/qIA-<br />

54lzSkWY (07-12-2018). A pandemia rompe as fronteiras de Vestfália. RSI: Av.<br />

12|2008, DR, I, n.<strong>º</strong> 16, 23-01-2008), preceptivo em 196 países (mais do que os<br />

194 da OMS).<br />

2. VG a investigação de Mehra sobre a hidroxicloroquina, cf. https://observador.<br />

pt/<strong>2020</strong>/06/04/revista-the-lancet-retira-artigo-polemico-sobre-hidroxicloroquina/,<br />

ou, com ironia cultural, o paralelo com o "Ensaio sobre a Cegueira" de Saramago,<br />

por D.Marchalik e D.Petrov, From literature to medicine | Seeing Covid-<br />

-19 through José Saramago"s Blindness, 395, June 20, <strong>2020</strong>, p 1899. Horton, R.,<br />

The Covid 19 Catastrophe (…), Polity Press, <strong>2020</strong> (kindle).<br />

3. Agamben, G: "O Aberto…", Ed. 70, 2014.<br />

4. Cf. https://www.who.int/dg/speeches/detail/who-director-general-s-openingremarks-at-the-media-briefing-on-covid-19-11-march-<strong>2020</strong>.<br />

"Public Health Emergency<br />

of International Concern". Cf. art. 12.<strong>º</strong> RSI (Emergência de Saúde Pública<br />

de Âmbito Internacional) e fluxograma no Anexo 2.<br />

5. Cf. ID Panic - Covid-19 shakes the world, OR Books, NY, London, <strong>2020</strong>, lucros<br />

para a Associação Médicos sem Fronteiras.<br />

6. Três referências a pretexto da convergência que aspiro inevitável de todas<br />

as áreas culturais e étnicas: Arnold Toynbee, Adriano Moreira e Teillard de<br />

Chardin Livre de citações, não deixarei, contudo, de mencionar que Chardin<br />

integrou a equipa que, há um século, "escavou" o Homem de Pequim (sinanthropos:<br />

750 000 anos), similitude metafórica com o ponto zero do período de<br />

união perante o mínimo invisível que nos ataca.<br />

7. Variante da roleta russa praticado no contingente espanhol da invasão alemã<br />

na II GM, na URSS. em que os jogadores suicidas vão inserindo uma bala na<br />

câmara, acelerando o desfecho ao sobrevivente.<br />

8. Raposo VL. "Macau, a luta contra a Covid-19 no olho do furação" Cadernos<br />

Ibero-Americanos de Direito Sanitário. <strong>2020</strong>abr/jun; 9(2): 12-28.<br />

9. O sinónimo para velhos, gerontes, etc. é vulgar no léxico castelhano, portanto,<br />

muito português, sentados que estamos em cima desse tesouro, com<br />

vénia a José R. Pichel apud F.Venâncio, "Assim nasceu uma língua", Ed. Guerra e<br />

Paz, <strong>2020</strong>, p 153. Gracia, Diego: La vida de 100 años. "Vivir y trabajar en la era<br />

de la longevidad", 2018, https://youtu.be/qnAf879vqL0 . Cf. ainda Entralgo, La<br />

empresa de envejecer, Galaxia Gutenberg, 2001 e María Blasco,", Morir joven,<br />

a los 140 anos (…), Paidós (Kindle Ed).<br />

10. Kandel et al, "Health Security Capacities…", Lancet, 18-03-<strong>2020</strong>.<br />

11. Cf. H.Rosling, Factfulness, Temas e Debates, 2019, de 2018; atualização em<br />

gapminder.org.<br />

12. Cf. H. Arendt, "Pensar sem corrimão" (antologia), Relógio d"Água, 2019, pp<br />

198, ss, 229 ss).<br />

13. fCf.WHOcovidDashboard:https://covid19.who.int/?gclid=EAIaIQobChMIqO-p776m6gIVCMqyCh1DDwLYEAAYASAAEgJMpvD_BwE<br />

14. ID, Faster Than The Speed Of Light?, cf. https://www.jimal-khalili.com/blog/<br />

Faster-than-the-speed-of-light). cf ainda "Moontopia competition", TEST LAB /<br />

Monika Lipinska, Laura Nadine Olivier e Inci Lize Ogun, https://aasarchitecture.<br />

com/2017/01/nine-visions-moontopia-competition.html/<br />

15. Cf. Harari, YN: "Homo Deus: História Breve do Amanhã", Elsinore, 2017,<br />

pp 433 e ss.<br />

16. Cf. vg. Autoridade Europeia para a Proteção de Dados; as decisões vinculativas<br />

do Comité Europeu de Proteção de Dados, https://edpb.europa.eu/<br />

about-edpb/board/members_pt )<br />

17. Alves SMC, Delduque MC. Má conduta nas publicações científicas: precisamos<br />

falar sobre isso! Cadernos Ibero-Americanos de Direito Sanitário.<br />

<strong>2020</strong>abr./jun.; 9(2): 09-11. Cf. notícia da criação de Comissões de Ética certificadoras<br />

vg: https://publicationethics.org/core-practices.<br />

68


GH INOVAÇÃO ORGANIZACIONAL<br />

A OPORTUNIDADE DOS CRI<br />

NO PÓS COVID 19<br />

Ricardo Mestre<br />

Vogal do Conselho Diretivo,<br />

Administração Central do Sistema de Saúde, IP<br />

Os sistemas de saúde dos países desenvolvidos<br />

enfrentam desafios complexos,<br />

essencialmente relacionados<br />

com o crescimento sustentado das<br />

necessidades em saúde da população,<br />

fruto das tendências de evolução demográfica, social<br />

e cultural. O envelhecimento acelerado da população<br />

e o aumento progressivo das doenças crónicas são<br />

duas das consequências mais visíveis destas tendências,<br />

às quais se juntam expetativas e exigência cada vez<br />

maiores por parte dos cidadãos que, de forma legítima,<br />

pretendem assegurar elevados níveis de qualidade e de<br />

bem-estar ao longo do seu percurso de vida.<br />

Por outro lado, o crescimento económico destes países,<br />

onde se inclui Portugal, tem sido mais moderado<br />

do que o aumento da procura de cuidados, o que<br />

obriga a uma discussão permanente sobre a utilização<br />

rigorosa e responsável dos recursos que estão disponíveis<br />

para o setor da Saúde.<br />

Esta realidade exige a alteração dos tradicionais padrões<br />

de prestação de cuidados de saúde, nomeadamente<br />

nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde<br />

(SNS), com uma forte aposta na desinstitucionalização<br />

e na ambulatorização das respostas, no reforço da integração<br />

e da continuidade de cuidados e na aceleração<br />

do processo de transformação digital na Saúde. Aprofundar<br />

estas alterações estruturais implica desenvolver<br />

novos modelos assistenciais, mais centrados nas reais<br />

necessidades das pessoas, que reconheçam e valorizem<br />

o mérito dos profissionais e das equipas, que induzam<br />

uma gestão eficiente e sustentável dos serviços<br />

de saúde.<br />

A recente pandemia da Covid-19 veio acelerar esta<br />

necessidade de inovação organizacional no setor da<br />

Saúde, não só porque se trata de uma doença emergente,<br />

com grande impacto social e económico, mas,<br />

essencialmente, porque afetou fortemente a capacidade<br />

produtiva dos serviços de saúde, inviabilizando a<br />

realização de milhares e milhares de consultas, cirurgias,<br />

meios complementares de diagnóstico e terapêutica<br />

(MCDT) e episódios de urgência.<br />

Recuperar a atividade assistencial não realizada nos<br />

últimos meses e retomar a trajetória de melhoria do<br />

acesso, da qualidade e da eficiência que estava em curso<br />

no SNS (e que foi interrompida pela chegada da<br />

Covid-19), são objetivos partilhados entre os utentes e<br />

os profissionais saúde.<br />

Para serem alcançados, é necessário adotar medidas<br />

excecionais de curto prazo que incentivem os médicos,<br />

os enfermeiros e todos os profissionais de saúde à<br />

realização de atividade adicional em horários alargados,<br />

durante a semana e aos fins-de-semana, priorizando as<br />

situações com maior risco clínico e assegurando condições<br />

de segurança para todos.<br />

Mas para além disso, e acima de tudo, é imperativo<br />

aproveitar esta oportunidade para introduzir alterações<br />

estruturais no funcionamento dos hospitais, para<br />

reformar a sua organização interna, para descentralizar<br />

o processo de tomada de decisão, para repartir responsabilidades<br />

entre os vários níveis intermédios de<br />

gestão, para reforçar a participação dos profissionais<br />

de saúde na concepção e implementação de soluções<br />

que respondam às reais necessidades em saúde das<br />

pessoas. É preciso fazer diferente!<br />

Uma das formas de impulsionar este movimento de<br />

mudança é promover a criação de Centros de Responsabilidade<br />

Integrados (CRI), alargando este modelo<br />

organizacional a mais áreas assistenciais e a mais serviços<br />

hospitalares, contribuindo decisivamente para:<br />

• Melhorar o acesso e o grau de cumprimento dos<br />

tempos máximos de resposta garantidos (TMRG);<br />

• Promover a autonomia, o envolvimento e a satisfação<br />

dos profissionais e dos utentes;<br />

• Aumentar a produtividade e a eficiência na utilização<br />

dos recursos;<br />

• Rentabilizar a capacidade instalada no serviço público,<br />

fomentando a gestão partilhada dos recursos dentro<br />

do SNS.<br />

Os CRI são estruturas de gestão intermédia dos hospitais<br />

do SNS 1 e a sua criação inicia-se com a apresentação<br />

do projeto assistencial por parte dos profissionais<br />

interessados, seguida de negociação com o<br />

conselho de administração do hospital, resultando daí<br />

a nomeação da equipa multidisciplinar e do conselho<br />

de gestão do CRI, que é composto por um médico<br />

de reconhecido mérito, que dirige, por um administrador<br />

hospitalar (ou outro profissional com experiência<br />

comprovada de gestão em saúde) e por outro profissional<br />

da equipa, devendo ser um enfermeiro no caso<br />

dos serviços médicos e cirúrgicos.<br />

É, pois, um processo de adesão voluntária, que depende<br />

exclusivamente dos profissionais e dos dirigentes dos<br />

hospitais, onde a liderança, a solidariedade e o compromisso<br />

das equipas são aspetos decisivos para o sucesso,<br />

e onde a gestão por objetivos previamente negociados<br />

é um fator central, que permite a atribuição de incentivos<br />

aos profissionais e que influencia a melhoria contínua<br />

das condições de trabalho das equipas. }<br />

70 71


GH INOVAÇÃO ORGANIZACIONAL<br />

“<br />

QUE É DECISIVO É ASSUMIR<br />

QUE ESTA É UMA FILOSOFIA<br />

DE GESTÃO QUE VALORIZA<br />

O DESEMPENHO DOS<br />

PROFISSIONAIS E QUE É MAIS<br />

EXIGENTE, PARTICIPADA<br />

E ESTIMULANTE DO QUE<br />

OS HABITUAIS PROCESSOS<br />

DE “COMANDO-CONTROLE”<br />

TÍPICOS DA ADMINISTRAÇÃO<br />

PÚBLICA TRADICIONAL.<br />

”<br />

A atual legislação hospitalar tem a flexibilidade necessária<br />

para permitir a formação destas equipas em várias<br />

áreas, existindo atualmente cerca de 20 CRI já em atividade<br />

ou em fase avançada de constituição.<br />

Todos eles têm o mesmo enquadramento geral e objetivos<br />

assistenciais semelhantes, mas todos são diferentes<br />

entre si, funcionando de acordo com o contexto concreto<br />

onde estão inseridos, com o perfil assistencial ajustado<br />

às especificidades locais e com carteiras de serviços<br />

adequadas às necessidades em saúde identificada e aos<br />

recursos disponíveis.<br />

Os resultados que têm sido alcançados são muito positivos<br />

e encorajadores. Basta ouvir os utentes que foram<br />

tratados nestes CRI, ou as suas famílias, e registar a sua<br />

satisfação com os cuidados que receberam. Basta falar<br />

com os profissionais que integram estas equipas, ou que<br />

as lideram, e constatar o seu entusiasmo, orgulho e dedicação.<br />

Basta analisar os ganhos de produtividade dos<br />

profissionais ou quantificar as poupanças geradas pela<br />

melhoria da eficiência operacional dos serviços, resultantes<br />

da diminuição dos custos de produção, da internalização<br />

de MCDT, de cirurgias e de outros serviços<br />

anteriormente efetuadas no exterior ou da redução da<br />

utilização desnecessária de cuidados que são evitáveis,<br />

entre outros ganhos tangíveis e intangíveis.<br />

Muitos outros projetos para a constituição de CRI começam<br />

a surgir nos vários hospitais do SNS, apresentando<br />

as mais diversas formas e configurações, seguindo<br />

habitualmente um racional de resposta assistencial<br />

que está organizado em função de:<br />

• Especialidades cirúrgicas, tais como cirurgia geral,<br />

oftalmologia, ortopedia, otorrinolaringologia, urologia,<br />

ou outras;<br />

• Especialidades médicas, como medicina interna,<br />

pneumologia, gastroenterologia, e outras;<br />

• Áreas de diagnóstico e terapêutica, como imagiologia,<br />

medicina nuclear, medicina física e de reabilitação,<br />

diálise, e outras;<br />

• Serviços ou modelos organizativos, como é o caso da<br />

psiquiatria, das equipas dedicadas nos serviços de urgência<br />

e emergência, das unidades de hospitalização domiciliária,<br />

ou outras formas de prestação dos cuidados;<br />

• Patologias ou percursos clínicos, como acontece na<br />

área da obesidade, da oncologia, da doença cardiovascular,<br />

da patologia do sono, entre outras.<br />

Seja qual for a sua área de intervenção específica, o<br />

que é importante é perceber que os CRI se constituem<br />

como uma forma inovadora de trabalho em<br />

equipa multidisciplinar, que potencia as aptidões e as<br />

competências dos profissionais de saúde e que permite<br />

a partilha dos ganhos e benefícios resultantes do<br />

desempenho alcançado pelos serviços, avaliados em<br />

função dos objetivos previamente contratualizados e<br />

dos resultados efetivamente obtidos.<br />

O que é relevante é reconhecer que os CRI são um<br />

modelo organizativo que cria condições para os profissionais<br />

de saúde desenvolverem a sua atividade em dedicação<br />

plena nos hospitais públicos, que alia a vertente<br />

assistencial às componentes de ensino e investigação e<br />

que aposta na criação de valor para todo o SNS.<br />

O que é fundamental é compreender que este movimento<br />

de reorganização interna se insere numa lógica<br />

de gestão moderna dos hospitais do SNS, que valoriza<br />

o planeamento sustentado e que prioriza os investimentos<br />

e a alocação dos recursos (humanos, financeiros<br />

e materiais) em função das necessidades em saúde<br />

da população, que promove a gestão por objetivo de<br />

forma transversal a todo o sistema e que reconhece a<br />

missão de cada serviço e de cada hospital no contexto<br />

regional e nacional do SNS.<br />

O que é decisivo é assumir que esta é uma filosofia de<br />

gestão que valoriza o desempenho dos profissionais e<br />

que é mais exigente, participada e estimulante do que<br />

os habituais processos de “comando-controle” típicos<br />

da administração pública tradicional.<br />

Que é uma abordagem organizacional que permite<br />

alinhar os instrumentos de gestão estratégica e operacional<br />

dos hospitais do SNS, nomeadamente os planos<br />

de atividades e orçamento trienais e os contratos-programa<br />

anuais, com os seus instrumentos de governação<br />

interna, ou seja, com os regulamentos internos, os<br />

planos de ação trienais, os contratos-programa anuais<br />

e todos os outros documentos de gestão que suportam<br />

o funcionamento dos CRI.<br />

Que é uma forma de trabalhar que coloca, verdadeiramente,<br />

as pessoas no centro das prioridades do sistema<br />

de saúde, e que se for incentivada a nível nacional e<br />

regional, e bem implementada a nível local, contribuirá<br />

para que os hospitais do SNS continuem a responder<br />

adequadamente à Covid-19 e, principalmente, para que<br />

estejam cada vez mais preparados para enfrentar os<br />

restantes desafios do presente e do futuro. Ã<br />

1. Conforme Decreto-Lei n.<strong>º</strong> 18/2017, de 10 de fevereiro, que estabelece os<br />

princípios e regras aplicáveis às unidades de saúde que integram o SNS com<br />

a natureza de entidade pública empresarial, ou que estão integradas no setor<br />

público administrativo, e nos termos da Portaria n.<strong>º</strong> 330/2017, de 31 de outubro,<br />

alterada pela Portaria n.<strong>º</strong> 71/2018, de 8 de março, que define o modelo<br />

de regulamento interno dos serviços ou unidades funcionais (…) que se organizem<br />

em CRI.<br />

72 73


GH RESPOSTA DE EMERGÊNCIA<br />

CONTRIBUTOS DA<br />

COORDENAÇÃO NACIONAL<br />

DE EMERGÊNCIA DA CRUZ<br />

VERMELHA NA RESPOSTA<br />

À PANDEMIA<br />

Gonçalo Órfão<br />

Coordenador Nacional de Emergência<br />

da Cruz Vermelha Portuguesa<br />

Cruz Vermelha Portuguesa<br />

A Cruz Vermelha é uma instituição<br />

humanitária não governamental, de carácter<br />

voluntário e de interesse público,<br />

que desenvolve a sua atividade devidamente<br />

apoiada pelo Estado, no respeito pelo Direito<br />

Internacional Humanitário, pelos Estatutos do Movimento<br />

Internacional e pela Constituição da Federação<br />

Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho.<br />

Baseado nos seus sete Princípios Humanidade,<br />

Imparcialidade, Neutralidade, Independência, Voluntariado,<br />

Unidade, Universalidade, tem como missão<br />

prestar assistência humanitária e social, em especial aos<br />

mais vulneráveis, prevenindo e reparando o sofrimento<br />

e contribuindo para a defesa da vida, da saúde e da<br />

dignidade humana.<br />

No âmbito do desempenho da sua missão, a Cruz<br />

Vermelha Portuguesa (CVP) possui uma unidade de<br />

Coordenação Nacional de Emergência, responsável pela<br />

gestão e coordenação da emergência a nível nacional,<br />

nomeadamente no apoio e socorro a situações de acidente<br />

e desastres naturais ou provocados pelo homem,<br />

dispondo para o efeito de uma estrutura sedia-<br />

da em Coimbra, no centro de Portugal, com capacidade<br />

de atuação nacional. Assegura a representação<br />

nos circuitos oficiais dos Agentes de Proteção Civil<br />

e Emergência a nível nacional, nomeadamente Autoridade<br />

Nacional de Emergência e Proteção Civil<br />

(ANEPC), Instituto Nacional de Emergência Médica<br />

(INEM), Guarda Nacional Republicana (GNR), Forças<br />

Armadas. Também, a nível internacional, integra o Civil<br />

Protection Working Group do Gabinete da União Europeia<br />

da Cruz Vermelha e o Emergency Health Technical<br />

Working Group da Federação Internacional da<br />

Cruz Vermelha (IFRC). No âmbito das suas funções<br />

diárias, garante o funcionamento ininterrupto 24 horas<br />

por dia/365 dias por ano, e em permanente ligação<br />

nacional aos principais Agentes de Proteção Civil, de<br />

uma Sala de Operações Nacional e gere três Plataformas<br />

Logísticas de Emergência, com armazenamento<br />

dos equipamentos e materiais essenciais para respostas<br />

de apoio à sobrevivência da população em situações<br />

de desastre, bem como respostas diferenciadas<br />

da Cruz Vermelha Portuguesa.<br />

Historicamente, os princípios da CVP estão associados<br />

a uma cultura e tradição intrinsecamente ligados a de-<br />

sastres e catástrofes, com capacidade de atuação e<br />

mobilização internacional. A integração e formação de<br />

base de todos os voluntários e profissionais, bem como<br />

a sua ideologia de ação baseia-se nestes princípios,<br />

com uma aquisição de conhecimento e capacidade<br />

técnica no âmbito da resposta de catástrofe, na consciência<br />

(ou desejo) de não existir necessidade do seu<br />

uso um dia.<br />

No entanto, atualmente é notória a importância do<br />

Movimento Internacional da Cruz Vermelha, com uma<br />

atuação permanente e assídua em diversas catástrofes<br />

naturais a nível internacional. De facto, tem-se verificado<br />

nos últimos anos uma maior consciência perante<br />

o desastre com o desenvolvimento de mecanismos<br />

e respostas centralizadas e fortalecidas com especial<br />

incidência nos países desenvolvidos, como é exemplo<br />

do Mecanismo Europeu de Proteção Civil. A perceção<br />

de risco tem reforçado a prevenção, mas também o<br />

apoio direto a países em desenvolvimento.<br />

Aprendizagem<br />

A Cruz Vermelha Portuguesa teve, no passado, desafios<br />

internacionais que motivaram um planeamento<br />

urgente de resposta. A Operação Embondeiro, de<br />

apoio a Moçambique após o Ciclone IDAI em 2019<br />

demonstrou essa realidade. Em menos de uma semana<br />

a CVP teve de preparar, planear e ativar uma<br />

resposta de emergência baseada em Voluntários, que<br />

consistiu na montagem de um Hospital de Campanha<br />

de apoio ao Centro de Saúde de Macurungo, na Cidade<br />

da Beira.<br />

Com a última emergência internacional há mais de<br />

10 anos, todo o espírito, cultura e conhecimento de<br />

emergência foram colocados em teste. Obstante os<br />

desafios, o resultado foi um sucesso traduzindo-se<br />

num case-study de intervenção internacional, face à<br />

inexistência de equipa previamente formada.<br />

3W: When? Where? What?<br />

A preparação e planeamento de emergência baseiase<br />

numa previsão não objetiva, pelo que por diversas<br />

vezes “preparamos o pior para fazer o melhor”.<br />

O Incêndio de Pedrogão marcou a atuação de emergência<br />

que mudou paradigmas em Portugal. A análise e<br />

aprendizagens, após incêndio, iniciaram-se para a possível<br />

repetição do episódio. Quando? Passado 6 meses,<br />

o Incêndio de 15 de outubro, repetiu o estado de desastre<br />

impensável de (voltar) a acontecer. }<br />

74 75


GH RESPOSTA DE EMERGÊNCIA<br />

Pandemia Covid-19<br />

A Covid-19 mudou severamente o paradigma da resposta<br />

de emergência da Cruz Vermelha Portuguesa.<br />

Importa recordar que os esforços e desenvolvimento<br />

de equipas no âmbito da reposta humanitária focavamse<br />

em respostas direcionadas para exterior, nomeadamente<br />

países dos PALOPs.<br />

<strong>2020</strong> seria o ano de aposta da CVP na formação e fortalecimento<br />

de uma equipa de resposta internacional,<br />

com o planeamento de um curso em Public Health in<br />

Emergencies, ministrado pela IFRC em Portugal, e integração<br />

de elemento portugueses em equipas de resposta<br />

internacional (ERU - Emergency Response Unit) de<br />

outras Sociedades Nacionais do Movimento Internacional<br />

da Cruz Vermelha.<br />

A pandemia do SARS-CoV-2 desafiou o paradigma da<br />

ajuda humanitária internacional. Da atuação transfronteiriça,<br />

o desafio era, agora, interno.<br />

A CVP iniciou em janeiro a preparação para uma potencial<br />

epidemia de SARS-CoV-2. A linhas de atuação,<br />

com orçamento limitado (porque ninguém acredita na<br />

factualidade das emergências em território nacional)<br />

basearam-se em:<br />

• Formação dos operacionais em procedimento de<br />

segurança pessoal e na atuação com doentes contaminados,<br />

para proteção dos operacionais, com enfoque,<br />

também, na área da saúde mental;<br />

• Criação de equipas dedicadas à emergência pré-hospitalar<br />

para o transporte de doentes com Covid-19, de<br />

forma a potenciar a atuação na fase de contenção;<br />

• Alargamento e formação específica da rede de transporte<br />

de cadáveres;<br />

• Criação de kits de EPI (Equipamento de Proteção<br />

Individual) para as equipas no terreno, de forma a otimizar<br />

a resposta da rede;<br />

• Educação e formação os elementos da CVP sobre<br />

a doença e problemas inerentes de saúde pública e<br />

social, com o objetivo de potenciar respostas paralelas<br />

e inovadoras em diversas áreas.<br />

Numa estreita atuação com o INEM, foi criada uma<br />

rede complementar de 15 ambulâncias dedicadas em<br />

exclusivo ao transporte de doentes no âmbito do novo<br />

coronavírus; foram formados 700 operacionais nos<br />

procedimentos de segurança pessoal e das vítimas,<br />

com o intuito de assegurar uma cobertura de norte<br />

a sul do país, com posterior transição para formação<br />

e-learning e foram produzidos 1708 kits EPI para a rede<br />

da Cruz Vermelha.<br />

Com o desenrolar do panorama verificou-se que a realidade<br />

ultrapassou o imaginável.<br />

A Epidemia transformou-se numa Pandemia.<br />

A corrida de 100 metros transformou-se numa maratona.<br />

Um mercado completamente disruptivo colocou em<br />

prova a resiliência na manutenção da segurança e capacidade<br />

de atuação das equipas da Cruz Vermelha.<br />

Teve-se, assim, de desconstruir a resposta e inovar.<br />

Inovação<br />

“Inovação”, citando Tedros Adhanom, Presidente da<br />

Organização Mundial de Saúde, quando declarou o estado<br />

de Pandemia, traduz a verdadeira realidade dos<br />

factos e necessidade dinâmica de constante adaptação.<br />

A Cruz Vermelha Portuguesa iniciou o combate à Covid-19<br />

atuando nas suas áreas de excelência. A formação<br />

de elementos, a criação de ambulâncias dedicadas<br />

ou, mesmo, o reforço no apoio social são áreas que a<br />

CVP trabalha diariamente, portanto, com experiência<br />

e conhecimento.<br />

O reforço e a necessidade de otimizar a resposta, prolongada<br />

no tempo, teve em conta dois aspetos fulcrais:<br />

1. Segurança e saúde (mental) das equipas da Cruz<br />

Vermelha<br />

As equipas da Cruz Vermelha assumem-se em diversas<br />

ocasiões como equipas de resposta de primeira linha.<br />

Verifica-se quer no socorro pré-hospitalar quer no<br />

apoio social, onde o contato direto com o indivíduo e<br />

população é inevitável, e com um seguimento posterior<br />

na cadeia de socorro e apoio e interligação a outros técnicos.<br />

Associado a este facto é importante realçar que<br />

muitas das equipas da CVP, principalmente em momentos<br />

de catástrofe, são constituídas por Voluntários. Torna-se,<br />

assim, fundamental controlar e monitorizar esta<br />

exposição promovendo e gerindo o estado de saúde<br />

dos Voluntários e a operacionalidade da Cruz Vermelha.<br />

Neste âmbito, a formação competente e adaptada à nova<br />

realidade (nomeadamente no uso de EPI), mas também a<br />

promoção da saúde mental e física são fulcrais.<br />

Nesta resposta, além da formação desenvolvida já referida,<br />

foram criadas linhas diretas de apoio interno a<br />

profissionais e voluntários, salvaguardadas por médicos<br />

e psicólogos, e com o objetivo de esclarecer, monitorizar<br />

e acompanhar qualquer situação de risco. Paralelamente,<br />

e diretamente com os responsáveis de cada estrutura<br />

local da Cruz Vermelha, foi criado um sistema<br />

de vigilância de elementos infetados com SARS-CoV-2<br />

e realizado aconselhamento interno na gestão de situações<br />

ou contactos de risco.<br />

De notar que a Cruz Vermelha Portuguesa no âmbito<br />

da operação de ambulâncias dedicadas ao Covid-19<br />

não teve qualquer socorrista infetado através de um<br />

trabalho afincado de procedimentos instituídos, distribuição<br />

de EPI e formação.<br />

2. Teste diagnóstico Covid-19<br />

As recomendações da OMS foram objetivas desde<br />

o início da Epidemia: existe necessidade de testagem<br />

para identificação da doença e permitir a devida contenção/mitigação.<br />

A realidade portuguesa, nomeadamente a capacidade<br />

laboratorial e de colheitas de amostras, não apresentava<br />

capacidade para as solicitações de testes verificadas.<br />

O tempo de espera para a realização de teste de diagnóstico<br />

correspondia a uma resposta demorada, com<br />

consequências a nível da gestão e controle da doença.<br />

Neste âmbito, e baseado na experiência e conhecimentos<br />

da CVP na área da saúde na rede de emergência<br />

e da Escola Superior de Saúde de Lisboa da Cruz<br />

Vermelha Portuguesa, iniciou-se um processo para realização<br />

de teste de diagnóstico da Covid-19.<br />

Numa estreita parceria com o Instituto de Medicina<br />

Molecular de Lisboa, que garantia a capacidade laboratorial,<br />

formaram-se equipas para a realização de zaragatoas<br />

e constituiu-se um Posto de Testes fixo no<br />

Hospital da Cruz Vermelha. Numa verdadeira sinergia<br />

da rede, envolvendo elementos das Estruturas Operacionais<br />

de Emergência, mas também professores e<br />

alunos da Escola Superior de Saúde da CVP, criou-se<br />

em tempo record um posto drive-thru para realização<br />

de testes da Covid-19, com funcionamento em tendas<br />

durante 12h por dia, durante 2 meses. No total foram<br />

efetuados 3260 testes com a criação de uma Via Verde<br />

para agentes de Proteção Civil e Forças de Segurança,<br />

com a possibilidade de realizar testes minimizando<br />

o impacto da doença nestes serviços.<br />

Paralelamente, e face à necessidade imperiosa e nacional<br />

de realizar testes em lares e unidades de acolhimento<br />

de idosos, foram criadas equipas móveis para<br />

permitir a realização de testes de forma ágil e permitir<br />

um eficaz rastreio.<br />

A Cruz Vermelha Portuguesa formou até ao presente<br />

13 equipas nacionais para realização de testes de diagnóstico<br />

da Covid-19 e realizou mais de 20.000 testes!<br />

Futuro<br />

A incógnita perante o futuro é uma realidade face à necessidade<br />

premente de mais conhecimento sobre uma<br />

(nova) doença que transbordou em Pandemia. No entanto,<br />

há uma necessidade de atuação imediata e contínua<br />

enquadrada tecnicamente, que dê resposta às necessidades<br />

atuais.<br />

A Cruz Vermelha Portuguesa adaptou-se e inovou nas<br />

respostas à Pandemia de SARS-CoV-2. Criou novos mecanismos,<br />

reformulou a rede de voluntários, apostou e<br />

desempenhou um papel relevante através dos mecenas<br />

e donativos que recebeu, em estreita articulação e suporte<br />

às entidades públicas e Estado Português. Estamos<br />

presentes para ajudar a construir um futuro melhor. Ã<br />

“<br />

DE NOTAR QUE A CRUZ VERMELHA<br />

PORTUGUESA NO ÂMBITO<br />

DA OPERAÇÃO DE AMBULÂNCIAS<br />

DEDICADAS AO COVID-19<br />

NÃO TEVE QUALQUER SOCORRISTA<br />

INFETADO ATRAVÉS DE UM<br />

TRABALHO AFINCADO<br />

DE PROCEDIMENTOS ESCRITOS,<br />

DISTRIBUIÇÃO DE EPI E FORMAÇÃO.<br />

”<br />

76 77


GH espaço ensp<br />

ESTIMATIVA DE CUSTOS<br />

DOS INTERNAMENTOS<br />

POTENCIALMENTE EVITÁVEIS<br />

EM PORTUGAL<br />

João Rocha<br />

Centro de Investigação em Saúde Pública (CISP), Escola Nacional<br />

de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa (ENSP-NOVA)<br />

Ana Patricia Marques<br />

Centro de Investigação em Saúde Pública (CISP), Escola Nacional<br />

de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa (ENSP-NOVA)<br />

Rui Santana<br />

Centro de Investigação em Saúde Pública (CISP), Escola Nacional<br />

de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa (ENSP-NOVA)<br />

Enquadramento e dimensão do problema<br />

Para algumas condições de saúde, o internamento<br />

hospitalar poderia ser potencialmente<br />

evitado por intervenção oportuna,<br />

adequada e efetiva disponíveis em ambulatório. Estas condições<br />

são comumente definidas na literatura internacional<br />

como Ambulatory Case Sensitive Conditions (ACSC).<br />

Os internamentos por ACSC têm sido amplamente utilizadas<br />

em investigações e políticas de saúde para avaliar a<br />

acessibilidade, a qualidade e o desempenho dos cuidados<br />

de saúde primários e cuidados de ambulatório, uma vez<br />

Bruno Moita<br />

Centro de Investigação em Saúde Pública (CISP), Escola Nacional<br />

de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa (ENSP-NOVA),<br />

Centro <strong>Hospitalar</strong> Universitário do Algarve, E.P.E Faro<br />

* Trata-se de um resumo do artigo publicado na revista BMC Health Services Research, disponível em:<br />

https://bmchealthservres.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12913-020-5071-4<br />

que uma intervenção em ambulatório oportuna e eficaz<br />

pode potencialmente evitar o internamento.<br />

A ocorrência de um internamento potencialmente evitável<br />

indica que se perdeu uma oportunidade de intervir<br />

com efetividade no desenvolvimento de uma condição<br />

de saúde do utente. Estes episódios, além de trazerem<br />

consequências negativas para os utentes e sociedade,<br />

podem ter um impacto económico considerável ao sistema<br />

de saúde, tendo em conta o custo dos cuidados<br />

hospitalares em comparação com os cuidados prestados<br />

em ambulatório.<br />

O impacto financeiro dos internamentos potencialmente<br />

evitáveis ao sistema de saúde foi estimado em estudos<br />

anteriores no Brasil 1 , França 2 , Irlanda 3 e Reino Unido<br />

4 , utilizando-se os preços de internamentos definidos<br />

pelo sistema de saúde de cada país. Dois estudos estimaram<br />

os custos diretos de internamentos evitáveis<br />

em Portugal, encontrando custos totais estimados de<br />

€200 milhões 5 e €250 milhões 6 . Ambos os estudos revelaram<br />

que cerca de 10% de todos os internamentos<br />

em Portugal eram potencialmente evitáveis, indicando<br />

que há espaço para melhorias em Portugal na prestação<br />

de cuidados de saúde de ambulatório.<br />

Nenhum dos estudos que estimaram os custos associados<br />

aos internamentos potencialmente evitáveis incluiu<br />

nas suas análises a estimativa de custos de perda<br />

de produtividade, perda de salários e morte prematura.<br />

A análise do impacto económico na sociedade<br />

fornece valiosas informações para o planeamento dos<br />

serviços de saúde e alocação de recursos, indicando<br />

o potencial de economia de custos. Desta maneira, o<br />

objetivo do estudo consistiu em estimar os custos diretos<br />

e de perda de produtividade dos internamentos<br />

evitáveis em Portugal.<br />

Materiais e métodos<br />

Fonte de dados e definição de amostra<br />

Para este estudo foi utilizada a base de dados de morbilidade<br />

hospitalar relativa a hospitais públicos do continente<br />

para o ano de 2015. Estes dados foram fornecidos pela<br />

Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), e<br />

o uso dos dados foi aprovado pela ACSS e pela Escola<br />

Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa<br />

(ENSP-NOVA). Em cada episódio, variáveis do internamento<br />

utilizadas foram idade, sexo, diagnóstico principal<br />

e secundário (de acordo com o código ICD-9-CM),<br />

código de GDH e duração do internamento.<br />

A definição de quais internamentos são potencialmente<br />

evitáveis foi determinada de acordo com a metodologia<br />

Agency of Healthcare Research and Quality (AHRQ), que<br />

utiliza os códigos de diagnóstico principal e secundário.<br />

As condições incluídas nesta lista são pneumonia bacteriana,<br />

infeção do trato urinário, desidratação, hipertensão,<br />

insuficiência cardíaca congestiva, doença pulmonar obstrutiva<br />

crónica (DPOC) ou asma, complicações a curto e<br />

a longo prazo de diabetes, diabetes não controlado e am-<br />

-putação dos membros inferiores em diabéticos. Mais }<br />

78 79


GH espaço ensp<br />

Internamentos totais e evitáveis, Portugal continental, 2015<br />

Número total de internamentos 1.000.670<br />

Número de internamentos evitáveis 99.417<br />

Internamentos evitáveis no total de internamentos 9,93%<br />

Taxa de internamentos evitáveis (por 100.000 habitantes com 18 anos ou mais) 1.253,88<br />

Internamentos por condições evitáveis<br />

Pneumonia bacteriana 35.523 (35,54%)<br />

Insuficiéncia cardíaca 22.753 (22,76%)<br />

Infeção do trato urinário 17.704 (17,71%)<br />

DPOC ou asma 10.735 (10,75%)<br />

Diabetes (complicações a curto e a longo prazo, não controlado e amputação 7.787 (8,32%)<br />

dos membros inferiores)<br />

Desidratação 3.019 (3,02%)<br />

Hipertensão 1.896 (1,90%)<br />

Internamentos evitáveis por grupo etário<br />

18-44 anos 4.455 (4,49%)<br />

45-64 anos 13.573 (13,66%)<br />

65 + anos 81.389 (81,87%)<br />

Idade media dos utentes com internamentos evitáveis (desvio-padrão) 75,84 (14,54%)<br />

Duração média (em dias) do internamento evitável (desvio-padrão) 10,08 (11,22%)<br />

Internamento evitável com morte do utente (% todos os internamentos) 13.453 (3,53%)<br />

Tabela 1<br />

detalhes sobre os códigos de ICD usados na metodologia<br />

utilizada podem ser encontradas no sítio web da AHRQ 7 .<br />

Estimativa de custos<br />

Para a estimação dos custos diretos associados aos<br />

internamentos evitáveis, os preços oficiais dos internamentos<br />

foram utilizados como proxy dos custos. Estes<br />

valores encontram-se na tabela nacional dos GDH, publicada<br />

no Diário da República, 1.ª série - n.<strong>º</strong> 153 - 7 de<br />

agosto de 2015. Estes preços correspondem apenas<br />

ao internamento e, portanto, não incluem outras despesas<br />

antes ou após o episódio.<br />

Os custos de perda de produtividade foram estimados<br />

nas dimensões de absenteísmo e morte prematura,<br />

de acordo com a abordagem económica do capital<br />

humano. Nesta metodologia, o valor de produtividade<br />

perdida para a sociedade é estimado por valores<br />

do mercado de trabalho. O uso desta metodologia é<br />

comum na análise económica de custos de doenças<br />

para estimar valores por perda de produtividade. Para<br />

todos os internamentos definidos como evitáveis, o<br />

custo estimado de absenteísmo foi estimado como o<br />

valor dos dias de produtividade perdidos, calculado como<br />

o tempo de permanência no hospital multiplicado<br />

pelo salário diário (o salário médio mensal no concelho<br />

de residência do utente, dividido por 30 dias), levando<br />

em consideração se a pessoa tinha idade ativa (entre<br />

18 e 64 anos), a probabilidade de o utente fazer parte<br />

da força de trabalho (com base na participação na força<br />

de trabalho) e estar empregado (com base na taxa<br />

de desemprego).<br />

Para os internamentos evitáveis nos quais o utente acabou<br />

por falecer no hospital, o custo estimado da perda<br />

de produtividade por morte prematura foi calculado de<br />

acordo com os anos de vida produtiva potencialmente<br />

perdidos (diferença entre a idade do utente e a idade<br />

de reforma) e multiplicados pela média do salário local<br />

anual, também de acordo com a participação na força<br />

de trabalho e a taxa de desemprego. Os dados de<br />

salário mensal, desemprego e participação na força de<br />

trabalho foram específicos de acordo com o género do<br />

utente; estes dados foram obtidos ao nível de concelho<br />

no sítio web do Instituto Nacional de Estatística.<br />

Resultados<br />

Foram registados aproximadamente um milhão de internamentos<br />

em Portugal continental em 2015. Destes,<br />

99.417 foram categorizados como potencialmente evitáveis,<br />

representando 10% do total. Este valor representa<br />

uma taxa bruta de 1.254 internamentos evitáveis por<br />

100 mil adultos. A maior parte destes internamentos<br />

ocorreram em utentes com idade mais avançada (mais<br />

Custos dos internamentos evitáveis, Portugal continental, 2015<br />

Total Custos diretos Perda de produtividade<br />

Custos em € 250.064.177 <strong>21</strong>0.026.755 40.037.422<br />

Absenteísmo Morte prematura<br />

2.631.311 37.406.111<br />

% do custo total 83,99% 16,01%<br />

Custo per capita* 31,53 26,49 6,83<br />

Custo por internamento evitável* 2.515,31 2.112,58 2.220,85<br />

* Para custos totais e diretos, o denominador foi a população com mais de 18 anos. Para perda de produtividade, o denominador foi a população entre<br />

18 e 64 anos.<br />

Tabela 2<br />

Distribuição dos custos dos internamentos potencialmente evitáveis por condições, Portugal continental,<br />

2015<br />

Condição Custo total Custo direto Perda<br />

de produtividade<br />

de 80% para pessoas com 65 anos ou mais); a idade<br />

média foi de 76 anos (desvio-padrão 14,5) e o tempo<br />

médio de permanência foi de 10 dias (desvio-padrão =<br />

11,2). Um pouco mais da metade destes internamentos<br />

foram para utentes do sexo feminino (52%). Cerca<br />

de 13,5% dos internamentos evitáveis terminaram<br />

com o falecimento do utente no hospital. A causa mais<br />

frequente de internamento foi pneumonia bacteriana<br />

(35,5%), seguida de insuficiência cardíaca (22,8%) e infeções<br />

do trato urinário (17,7%) (Tabela 1).<br />

O custo total estimado para os internamentos evitáveis<br />

foi de €250 milhões. Cerca de 84% deste valor<br />

é proveniente do custo direto do internamento. Os<br />

custos de perda de produtividade foram estimados em<br />

cerca de €40 milhões. O custo per capita dos internamentos<br />

evitáveis foi de €31,53 (Tabela 2).<br />

A Tabela 3 detalha o custo dos internamentos evitáveis<br />

por condições. A pneumonia bacteriana representou<br />

uma parcela significativa dos custos gerais (€106<br />

Taxa<br />

de mortalidade<br />

Pneumonia bacteriana 106.306.862 80.546.077 25.760.785 <strong>21</strong>,20%<br />

Insuficiéncia cardíaca 59.334.934 54.247.983 5.086.951 12,12%<br />

Infeção do trato urinário 29.616.268 26.741.082 2.875.186 8,32%<br />

DPOC ou asma 23.063.150 20.406.881 2.656.308 6,70%<br />

Diabetes (complicações 22.720.103 20.565.792 2.154.272 6,05%<br />

a curto e a longo prazo,<br />

não controlado e amputação<br />

dos membros inferiores)<br />

Desidratação 5.913.323 4.565.029 1.348.294 14,08%<br />

Hipertensão 3.109.537 2.953.911 155.626 5,54%<br />

Tabela 3<br />

milhões; 41,9% do custo total). Pela alta taxa de mortalidade<br />

de utentes internados com pneumonia bacteriana,<br />

esta condição apresentou um alto custo por perda<br />

de produtividade (€25 milhões; 64,3% do custo por<br />

perda de produtividade). Insuficiência cardíaca congestiva<br />

e infeção do trato urinário também foram fontes<br />

importantes de custos associados a internamentos potencialmente<br />

evitáveis.<br />

Discussão<br />

O custo de cada internamento potencialmente evitável<br />

em Portugal foi estimado em €2.515, o que mostra que<br />

recursos substanciais poderiam ser poupados. Em 2015<br />

o orçamento total dos hospitais E.P.E em Portugal foi<br />

de €4,5 mil milhões; o custo total dos internamentos<br />

evitáveis representam 6% deste valor. Este custo total<br />

estimado é equivalente a 57% do deficit orçamentário<br />

dos hospitais E.P.E no final de 2015 (€451 milhões). Os<br />

resultados mostram que os internamentos evitáveis representam<br />

importante fonte de pressão para o siste- }<br />

80 81


GH espaço ensp<br />

“<br />

ESTE É O PRIMEIRO ESTUDO<br />

A ESTIMAR CUSTOS DE PERDA<br />

DE PRODUTIVIDADE ASSOCIADOS<br />

AOS INTERNAMENTOS<br />

POTENCIALMENTE EVITÁVEIS.<br />

ENTRETANTO EXISTEM ESCOLHAS<br />

METODOLÓGICAS QUE DEVEM<br />

SER DESCRITAS ACERCA DESTES<br />

RESULTADOS. OS CURSOS DIRETOS<br />

FORAM ESTIMADOS DE ACORDO<br />

COM OS PREÇOS, QUE NÃO<br />

REFLETEM OS CUSTOS REAIS.<br />

para o utente retornar ao trabalho após a alta nem a<br />

possibilidade de o utente não retornar ao mercado de<br />

trabalho por ser declarado permanentemente incapaz<br />

de trabalhar. Estas possibilidades não foram incluídas<br />

na análise pela indisponibilidade de dados. A idade de<br />

reforma foi fixada em 65 anos por este ser um valor<br />

comum em estudos de custos da doença. Existe a possibilidade<br />

do indivíduo se reformar antes desta idade,<br />

ou continuar a trabalhar: dados de 2014 mostram que<br />

20% das pessoas entre 65 e 69 anos continuavam no<br />

mercado de trabalho em Portugal 8 .Estas escolhas metodológicas<br />

levaram a uma subestimação dos dados.<br />

Este estudo mostra que, além da considerável pressão<br />

financeira direta que os internamentos impõem ao sistema<br />

de saúde, eles também representam um impacto<br />

económico considerável para a sociedade. Numa<br />

perspetiva meramente hospitalar, estes episódios não<br />

deverão ser encarados como fonte de receita pela<br />

produção realizada, mas como fonte global de custos<br />

em que todos incorremos. O contributo para a sua redução<br />

através do fortalecimento dos cuidados de saúde<br />

primários e de ambulatório são importantes passos<br />

para alcançar a redução no número de internamentos<br />

potencialmente evitáveis. Ã<br />

”<br />

ma de saúde e para os indivíduos. Esta situação merece<br />

atenção principalmente levando-se em consideração<br />

que estes eventos poderiam ser potencialmente evitados<br />

por cuidados prestados em ambulatório.<br />

Do nosso conhecimento, este é o primeiro estudo a<br />

estimar custos de perda de produtividade associados<br />

aos internamentos potencialmente evitáveis. Entretanto<br />

existem escolhas metodológicas que devem ser<br />

descritas acerca destes resultados. Os cursos diretos<br />

foram estimados de acordo com os preços, que não<br />

refletem os custos reais de um episódio. Os preços<br />

oficiais são úteis para gestores em saúde, pois representam<br />

os valores reembolsados; além disso apresentam<br />

os mesmos valores para pacientes atendidos em<br />

hospitais diferentes, mas com a mesma condição.<br />

Ao estimar os custos perdidos de produtividade, a<br />

abordagem do capital humano mediu a perda potencial<br />

de produtividade, em vez das perdas reais. Esta metodologia<br />

não leva em consideração o tempo necessário<br />

1. Souza DK de, Peixoto SV. Estudo descritivo da evolução dos gastos com<br />

internações hospitalares por condições sensíveis à atenção primária no Brasil,<br />

2000-2013. Epidemiol e Serviços Saúde. 2017 mar; 26(2):285-94.<br />

2. Weeks WB, Ventelou B, Paraponaris A. Rates of admission for ambulatory<br />

care sensitive conditions in France in 2009-2010: trends, geographic variation,<br />

costs, and an international comparison. Eur J Heal Econ. 2016;17(4):453-70.<br />

3. Sheridan A, Howell F, Bedford D. Hospitalisations and costs relating to ambulatory<br />

care sensitive conditions in Ireland. Ir J Med Sci. 2012;181(4):527-33.<br />

4. Purdy S, Griffin T, Salisbury C, Sharp D. Ambulatory care sensitive conditions:<br />

terminology and disease coding need to be more specific to aid policy<br />

makers and clinicians. Public Health. 2009;123(2):169-73.<br />

5. Soares-dos-Reis R, Freitas JA, Costa-Pereira A. Incidence, costs and outcomes<br />

of avoidable hospitalizations in a southern European country: is there<br />

room for improvement ? BMC Proc. 2012;6(Suppl 4):6561.<br />

6. Venancio MJS. Os internamentos devidos a Ambulatory Care Sensitive Conditions<br />

em Portugal: Caracterização e variabilidade espacial em 2013 e 2014.<br />

Universidade Nova de Lisboa; 2016.<br />

7. Agency for Healthcare Research and Quality. Prevention Quality Indicators<br />

v6.0 ICD-9-CM Benchmark Data Tables (Internet). 2016. Available from: https:<br />

//www.qualityindicators.ahrq.gov/Downloads/Modules/PQI/V60-ICD09/Version_60_Benchmark_Tables_PQI.pdf<br />

8. Organization for Economic Co-operation and Development. Pensions at a<br />

Glance 2015 (Internet). 2015. Available from: http://www.oecd-ilibrary.org/fi-<br />

nance-and-investmewww.oecd.org/about/publishing/Corrigendum-Pensions-<br />

-at-a-Glance2015.pdf.<br />

82


GH serviços de saúde<br />

MODELOS DE ACESSO<br />

AO SISTEMA DE SAÚDE<br />

EM SITUAÇÕES DE URGÊNCIA<br />

Carlos Alberto Silva<br />

Centro <strong>Hospitalar</strong> Universitário de São João<br />

A<br />

consagração da saúde como um direito<br />

implica que o acesso universal<br />

ao sistema de saúde seja indissociável<br />

da realização dos valores da<br />

justiça distributiva e da equidade no<br />

estado de saúde das populações.<br />

Sendo dimensão essencial para o desempenho do sistema<br />

de saúde o respetivo acesso é um fenómeno complexo<br />

e multifacetado, constituído por dimensões formais<br />

e informais, que incluem fatores culturais, económicos,<br />

sociais e organizacionais, que são condicionantes<br />

da perceção das necessidades e da utilização dos serviços<br />

de saúde.<br />

A complexidade do fenómeno do acesso ao sistema de<br />

saúde coloca um conjunto de dificuldades cuja clarificação<br />

é essencial à respetiva conceptualização. Dificuldades<br />

de índole etimológica, uma vez que conceitos como<br />

os de acessibilidade, disponibilidade ou acesso são usados,<br />

indiferentemente, para referir o mesmo fenómeno.<br />

A título de exemplo, o Discursive Dictionnaire of Health<br />

Care (1976) refere que, na prática, acesso, disponibilidade<br />

e aceitabilidade são muito difíceis de distinguir entre<br />

si. Dificuldades relacionadas com a ambiguidade em<br />

considerar o acesso como uma propriedade dos recursos<br />

de saúde, da população de potenciais utilizadores<br />

ou, ainda, como o resultado de uma combinação de ambos<br />

ou fator mediador entre a capacidade de produzir<br />

serviços e o seu real consumo.<br />

Dificuldades relacionadas com o âmbito a que se refere<br />

o fenómeno do acesso ao sistema de saúde. Muitas<br />

vezes usa-se uma conceção de âmbito restrito em que<br />

se assume a existência de certa necessidade de cuidados<br />

de saúde e a vontade de obtê-los, centrando-se<br />

a análise nos fatores que facilitam ou dificultam a sua<br />

procura e obtenção; outras vezes usa-se uma conceção<br />

de âmbito intermédio na qual, para além dos processos<br />

de procura e obtenção de cuidados de saúde,<br />

se inclui, também, a continuidade de cuidados.<br />

Finalmente usa-se uma conceção de acesso de âmbito<br />

alargado que inclui as causas das necessidades de obtenção<br />

de cuidados de saúde, englobando fenómenos<br />

tais como as crenças acerca da saúde e a confiança no<br />

sistema de prestação de cuidados de saúde ou a tolerância<br />

relativamente à dor e à incapacidade.<br />

Outra dificuldade, ainda, resulta do facto de entre a capacidade<br />

de produzir serviços de saúde e o seu uso existirem<br />

barreiras, obstáculos ou fenómenos intermédios,<br />

que fazem com que a disponibilidade efetiva dos recursos<br />

de saúde seja a disponibilidade corrigida pelos obstáculos<br />

subjacentes ao processo de procura e obtenção<br />

de cuidados de saúde. O acesso ao sistema de saúde é,<br />

em consequência, resultado da relação funcional entre<br />

o conjunto de obstáculos e a capacidade dos utilizadores<br />

em ultrapassá-los traduzida pelo conceito de poder<br />

de utilização que designa a habilidade de uma pessoa<br />

ou um grupo obter um bem ou serviço.<br />

Segundo Frank et al. (1993), os obstáculos ao acesso ao<br />

sistema de saúde resultam de fatores, tais como a localização<br />

das unidades de saúde, a organização dos serviços<br />

de saúde ou o seu custo. Numa formulação mais<br />

abrangente, Levesque et al. (2013) classificam-nos como<br />

obstáculos ecológicos, organizacionais e financeiros.<br />

Se o acesso ao sistema de saúde em função das necessidades<br />

dos cidadãos constitui um dos principais fatores<br />

de iniquidades em saúde e obstáculo à realização do direito<br />

à saúde, o modo de acesso não programado, em<br />

situações de doença aguda, pelo grau de complexidade<br />

e imprevisibilidade que o caracterizam, é um dos maiores<br />

desafios que os sistemas de saúde enfrentam.<br />

O estudo HealthCare for London, Quality Indicators to Support<br />

Commissioning of Unscheduled Care (2009) define<br />

o acesso não programado ao sistema de saúde como<br />

sendo qualquer contacto não planeado, feito por alguém<br />

procurando ajuda, cuidados de saúde ou aconselhamento<br />

e requerendo dos serviços prestadores disponibilidade<br />

permanente para os atender.<br />

Na literatura anglo-saxónica distingue-se o acesso não<br />

programado em situação de urgência (aquele em que<br />

acontece uma doença ou lesão inesperada, necessitando<br />

de rápida atenção médica, mas que não representa<br />

risco imediato para a vida ou saúde da pessoa) do<br />

acesso não programado em situação de emergência<br />

(aquele em que se verifica risco imediato para a vida ou<br />

saúde da pessoa). Na prática, o acesso não programado<br />

ao sistema de saúde, refere-se aos casos de doença aguda,<br />

muitas vezes súbita e inesperada, que requerem intervenção<br />

médica, podendo levar à morte ou à incapacidade,<br />

tendo o tempo como fator crítico.<br />

Em resultado da associação de fatores, tais como as necessidades<br />

e perceções individuais de saúde com fato-<br />

res socioeconómicos, tais como o envelhecimento da<br />

população e o apoio social precário, com fatores de ordem<br />

organizacional, tais como a localização e a disponibilidade<br />

das unidades prestadoras de cuidados de saúde<br />

e a cada vez maior gestão da doença em regime de ambulatório,<br />

o número de acessos ao sistema de saúde em<br />

situações de doença aguda tem aumentado significativamente,<br />

alterando o modo de acesso ao sistema de saúde:<br />

o acesso não programado tem substituído, muitas<br />

vezes, o modo de acesso programado com admissões<br />

eletivas enquadradas numa estrutura de saúde existente<br />

e com os procedimentos de priorização estabelecidos.<br />

O acesso ao sistema de prestação de cuidados de saúde<br />

tem sido, cada vez mais, não previsto ou planeado, podendo<br />

ocorrer a qualquer momento e requerer a intervenção<br />

dos serviços de saúde vinte e quatro horas por<br />

dia e sete dias por semana.<br />

Segundo Baier et al. (2019), a taxa de crescimento anual<br />

de acessos não programados ao sistema de saúde no<br />

Reino Unido é de 8,5%, na Bélgica de 5%, na Itália de 5%<br />

a 6% e na Irlanda de 3%.<br />

O relatório Emergency Care Services: Trends, Drivers and<br />

Interventions to Manage the Demand (OECD, 2015) refere<br />

que, entre 2001 e 2011, o crescimento médio anual<br />

de acessos, em situação de urgência, nos países da OCDE<br />

foi de 2,4%, tendo passado de 29,3 acessos por cada 100<br />

pessoas, em 2001, para 30,8 acessos por cada 100 pessoas,<br />

em 2011. Segundo o mesmo relatório, Portugal foi o<br />

país que apresentou o número de acessos mais elevado:<br />

mais de 70 acessos por cada 100 pessoas, em 2011. }<br />

84 85


GH serviços de saúde<br />

“<br />

NA DEFINIÇÃO DO MODO<br />

DE ACESSO AO SISTEMA DE SAÚDE,<br />

EM SITUAÇÕES DE URGÊNCIA,<br />

OS PAÍSES DA UNIÃO EUROPEIA<br />

TOMARAM OPÇÕES ESTRATÉGICAS<br />

QUE VÃO PARA ALÉM<br />

DA CATEGORIA EM QUE<br />

OS RESPETIVOS SISTEMAS<br />

DE SAÚDE SE INCLUEM.<br />

”<br />

Frequentemente apontado como importante fator para<br />

o aumento do número de acessos não programados é<br />

o designado acesso não urgente ou inadequado. Embora<br />

com diferentes critérios de definição, de acordo com o<br />

relatório da OCDE citado, situações de acesso inadequado<br />

têm sido reportadas, com preocupação, por países<br />

como Austrália (32,4% em 2013), Bélgica (56% em<br />

2011), Canadá (25% em 2011), França (19,4% em<br />

2014), Itália (19,6% em 2003), Portugal (31,3% em<br />

2001) e Reino Unido (11,7% em 2013).<br />

Nestas condições, o acesso ao sistema de saúde, em<br />

situações de urgência, não só pelas consequências económicas<br />

negativas que pode gerar, mas também pelo<br />

impacto na organização dos serviços de saúde, na qualidade<br />

dos cuidados prestados e na satisfação dos utilizadores,<br />

pode ser um determinante negativo da saúde das<br />

populações, constituindo-se num verdadeiro problema<br />

de saúde pública associando a resultados de saúde negativos<br />

com elevadas taxas de morbilidade e de mortalidade<br />

e ao peso e à configuração global da doença.<br />

A definição de um modelo de acesso ao sistema de saúde,<br />

em situações de urgência, afigura-se imprescindível e<br />

inadiável. Segundo Hirshon et al. (2013), um modelo de<br />

acesso ao sistema de saúde, em situações de urgência,<br />

deve incluir as ações de promoção, prevenção, tratamento<br />

e reabilitação ou paliativas, tanto as orientadas<br />

para os indivíduos como para as populações. Segundo<br />

Calvelo (2013), visando satisfazer necessidades de saúde<br />

com caráter imprevisível, a necessitar de atendimento<br />

rápido e sustentado num conjunto complexo de recursos,<br />

a definição de um modelo de acesso ao sistema de<br />

saúde, em situação de urgência, deverá ter em conta a<br />

resposta integrada de distintas estruturas do sistema de<br />

saúde, de modo que a respetiva eficácia dependerá das<br />

ligações fortes e oportunas que entre si possam estabelecer.<br />

Para Jéssica et al. (2013) a melhoria da capacidade<br />

de resposta dos sistemas de saúde ao fenómeno do<br />

aumento do acesso não programado passa pela otimização<br />

do doente com a sua adequação aos diferentes<br />

níveis de complexidade do sistema.<br />

Modelos de acesso, em situações de urgência,<br />

aos sistemas de saúde consolidados de países da<br />

União Europeia<br />

Pela Declaração 2006/C 146/01, o Conselho Europeu<br />

define os valores comuns - o acesso, a equidade, a solidariedade<br />

e a universalidade - aos sistemas de saúde dos<br />

países da União Europeia, como orientação para o modo<br />

como se configuram para responder às necessidades<br />

das populações a cujo serviço se encontram.<br />

São diversas as abordagens para traduzir esses valores<br />

na prática. Dependendo do modo como articulam as<br />

dimensões de financiamento, prestação de cuidados e<br />

de regulação, esses sistemas de saúde podem incluir-se<br />

na classificação tripartida clássica: os de tipo universalista,<br />

os mistos baseados na coexistência da medicina liberal<br />

e seguros de doença e os de livre iniciativa baseados na<br />

medicina liberal individualizada e organizada.<br />

Na definição do modo de acesso ao sistema de saúde,<br />

em situações de urgência, os países da União Europeia<br />

tomaram opções estratégicas que vão para além da categoria<br />

em que os respetivos sistemas de saúde se incluem.<br />

Segundo Baier et al. (2019), a análise e comparação<br />

sistemática dos vários modelos de acesso ao sistema<br />

de saúde, em situação de urgência, pode ser feito<br />

em função de quatro dimensões: o modo de acesso, a<br />

localização dos serviços, o tipo de cuidados prestados<br />

e os recursos humanos envolvidos.<br />

Em função destas quatro dimensões é possível agrupar<br />

o modo de acesso, em situações de urgência, aos sistemas<br />

de saúde consolidados dos países da União Europeia<br />

em três modelos diferentes:<br />

Modelos que privilegiam a estruturação dos cuidados<br />

de saúde primários e pré-hospitalares<br />

Enquadram-se neste modelo o modo de acesso, em<br />

situações de urgência, aos sistemas de saúde de países<br />

como a Dinamarca e Holanda.<br />

Tratando-se de sistemas de saúde com filosofias de base<br />

diferentes (especialmente no que respeita à universalidade<br />

no acesso e à compressividade de cuidados), o<br />

respetivo acesso, em situações de urgência, tem um conjunto<br />

de características comuns que permite inclui-los<br />

num mesmo modelo:<br />

• Clínicos gerais nos CSP, clínicos gerais móveis e clínicos<br />

gerais fora de horas;<br />

• Clínicos gerais pagos por capitação;<br />

• Serviços de emergência médica com boa capacidade<br />

resolutiva;<br />

• Centrais de atendimento telefónico e aconselhamento<br />

online operados por clínicos gerais;<br />

• Clínicas de prestação de cuidados de saúde urgentes<br />

localizadas junto aos hospitais;<br />

• Referenciação ou triagem de acesso aconselhada ou<br />

obrigatória;<br />

• Copagamentos aconselhados ou obrigatórios;<br />

• Triagem de priorização.<br />

O European Observatory on Health Systems and Policy Monitor<br />

(2015) refere que, no ano de 2014, os cuidados de<br />

saúde primários e pré-hospitalares holandeses solucionaram<br />

cerca 93% dos casos de acesso em situações de<br />

urgência e apenas 7% dos casos foram referenciados<br />

para os cuidados de saúde de especialidade. Segundo<br />

Baier et al., no ano de 2019, a Dinamarca registou, em<br />

média, 156 acessos às urgências hospitalares por cada<br />

1000 habitantes, a Alemanha 205, a Inglaterra 264 e a<br />

França 279.<br />

Modelos de acesso com estruturação moderada dos<br />

cuidados de saúde primários e pré-hospitalares e incremento<br />

da gestão interna dos SU hospitalares<br />

Cabem neste modelo o modo de acesso aos sistemas<br />

de saúde, em situações de urgência, de países como<br />

Portugal, Espanha, Reino Unido, Suécia e Itália, que têm<br />

as seguintes características comuns:<br />

• Liberdade de escolha (apenas a Suécia admite a possibilidade<br />

de redirecionar utilizadores das unidades especializadas<br />

para os CSP);<br />

• Clínicos gerais nos CSP (em períodos limitados do dia);<br />

• Centrais de atendimento telefónico, aconselhamento<br />

online e serviços de emergência médica 24 h por dia;<br />

• Referenciação ou triagem de acesso aconselhada;<br />

• Copagamentos limitados ou inexistentes;<br />

• Triagem de priorização;<br />

• <strong>Gestão</strong> dos SU hospitalares:<br />

ü Unidades de observação nos SU hospitalares;<br />

ü Divisão dos SU hospitalares em áreas por níveis de }<br />

86 87


GH serviços de saúde<br />

“<br />

O ACESSO AO SISTEMA<br />

DE SAÚDE NÃO SE REALIZA,<br />

APENAS, PELA DISPONIBILIZAÇÃO<br />

DE RECURSOS NEM PELA<br />

IMPOSIÇÃO DE REGRAS.<br />

”<br />

complexidade dos cuidados a prestar;<br />

ü Adoção de estratégias de gestão interna (“Ver e Tratar”;<br />

Filas Rápidas; <strong>Gestão</strong> de Camas; Separação dos doentes<br />

mais graves dos menos graves, etc.).<br />

Modelos de acesso com barreiras administrativas e<br />

financeiras<br />

Enquadram-se nestes modelos o modo de acesso, em<br />

situações de urgência, aos sistemas de saúde de países<br />

como a Alemanha e Finlândia:<br />

• Utilizadores afetos a clínicos gerais (que referenciam,<br />

no mesmo âmbito, para os cuidados de saúde de especialidade)<br />

em função do seguro social ou da divisão<br />

administrativa regional;<br />

• Ausência de liberdade de escolha;<br />

• Triagem de acesso obrigatória;<br />

• Possibilidade de reorientação de utilizadores aos CSP.<br />

Conclusão:<br />

A complexidade dos conceitos de saúde e de autoavaliação<br />

do estado de saúde leva a que o sistema de saúde<br />

e o subsistema de prestação de cuidados de saúde a eles<br />

se adaptem pela flexibilidade e conjugação de sinergias.<br />

O acesso ao sistema de saúde não se realiza, apenas,<br />

pela disponibilização de recursos nem pela imposição<br />

de regras. O acesso adequado realiza-se, especialmente,<br />

pela satisfação das necessidades (as percebidas ou não)<br />

dos utilizadores, independentemente da estrutura pela<br />

qual estabeleçam o contacto com o sistema de saúde.<br />

Nesta perspetiva sugerimos um conjunto de características<br />

e serviços que, na combinação apropriada, poderão<br />

proporcionar acesso adequado ao sistema de saúde,<br />

em situações de urgência:<br />

• Liberdade de escolha;<br />

• Serviços de atendimento telefónico para aconselhamento<br />

e referenciação. Segundo a OMS (2008), a função<br />

de referenciação para as unidades de prestação de cuidados<br />

de saúde adequadas faz dos serviços de atendimento<br />

telefónico um elemento importante para a prestação eficiente<br />

de cuidados de saúde;<br />

• Uso de outras tecnologias da informação e comunicação,<br />

tais como a internet ou a telemedicina para informação<br />

e aconselhamento, com acesso incentivado;<br />

• Organizações de clínicos gerais apoiados por equipas<br />

multidisciplinares com elevadas taxas de resolução (Pines<br />

et al., 2011), exercendo funções nas unidades de cuidados<br />

primários e nas comunidades, oferecendo serviços de<br />

saúde, de modo contínuo e centrados nos utentes, com<br />

especial foco na prevenção e na gestão de situações crónicas.<br />

A evidência empírica mostra que estas unidades<br />

são fator de redução do acesso ao sistema de saúde em<br />

situações de urgência;<br />

• Serviços de atendimento fora de horas abertos durante<br />

a semana e aos fins de semana. Muitos estudos<br />

demonstram uma relação negativa existente entre este<br />

tipo de serviços e o número de acessos ao sistema de<br />

saúde em situações de urgência;<br />

• Serviços de atendimento domiciliário, prestados por<br />

médicos clínicos gerais e enfermeiros, especialmente dirigidos<br />

a idosos, doentes crónicos e outros com dificuldades<br />

de transporte;<br />

• Unidades de atendimento urgente anexas aos hospitais,<br />

com cuidados prestados por clínicos gerais, visando<br />

referenciar e resolver situações de doença menos graves.<br />

Estas estruturas de prestação de cuidados pré-hospitalares<br />

constam da literatura internacional (Sjonell,<br />

1986; Piel et al., 2000; Lowe et al., 2005) como reduzindo<br />

significativamente a procura nas unidades especializadas<br />

de prestação de cuidados de saúde. Ã<br />

Baier, N.Geissler, A. Bech,M. Bernestein, D. Cowling, T. Jackson, T. Manen,<br />

Johan, M. Rudkjobink, A. Quentin, W. (2019) Emergency and urgent care sistems<br />

in Australia, Denmark, England, France, Germany and the Netherlands -<br />

Analising organization, payments and reforms, Published by Elsevier B.V.<br />

Frenk, J. et al. (1993), The concept of acessibility, Investigaciones sobre servicios<br />

de salut: una antologia, Salud Publica de México. Fonte: PubMed.<br />

HealthCare for London (2009) Quality Indicators to Support Commissioning of<br />

Unscheduled care. London: HealthCare for London.<br />

Hirshon J; Risko N; Emilie, B; Calvello, S; Ramirez, M; Narayan, C; Theodosisa & Joseph<br />

O’Neill (2013). Health systems and Services: the role of acute care, BullWorldHealthOrgan201;91:386<br />

- 38: http://dx.doi.org/10.2471/BLT.12.112664<br />

Jéssica D., Peter S., Cheryl Hunter, Alexandra Stenhoff, Elspeth uthrie and Carolyn<br />

Chew-Graham, British Journal of General Practice 2013; 63 (608): e192-<br />

e199. Acedido em https://doi.org/10.3399/bjgp13X664243.<br />

Levesque, J.F, Harris M.F, Russell G. (2013). Patient - centred access to health care:<br />

consetualizing access at the interface of health systems and populations, International<br />

Journal for Equity in Health, Acedido em https://doi.org/10.1186/1475-<br />

9276-12-18.<br />

OECD, 2015 Emergency Care Services: Trends, Drivers, and Interventions to<br />

Manage Demand, OECD Working Paper n<strong>º</strong> 83.<br />

88


GH Iniciativa APAH | Prémio Healthcare excellence<br />

7. A EDIÇÃO DO PRÉMIO<br />

VAI DISTINGUIR<br />

PROJETOS DESENVOLVIDOS<br />

NO ÂMBITO DA RESPOSTA<br />

À PANDEMIA<br />

A<br />

crise sanitária originada pela Covid-19 provocou mudanças ímpares na organização<br />

da nossa sociedade, incluindo as nossas rotinas pessoais e familiares. A consciência<br />

cívica dos cidadãos e as medidas de distanciamento social impostas pelo governo<br />

foram e são essenciais para controlar a propagação do vírus e a sobrecarga do<br />

Serviço Nacional de Saúde (SNS).<br />

Mais do que nunca, é evidente a importância do SNS e a urgência de termos um sistema de saúde<br />

forte, sustentável e acessível a todos os cidadãos. Não podemos continuar a ignorar a necessidade de<br />

melhor gestão, mais financiamento e valorização dos profissionais de saúde. Em paralelo devem ser<br />

asseguradas sinergias em estreita colaboração entre todos os setores fundamentais e da própria sociedade<br />

civil por forma a assegurar respostas de proximidade em saúde e o bem-estar das populações.<br />

De norte a sul do país, em plena pandemia, multiplicaram-se os projetos desenvolvidos pela academia,<br />

pelas autarquias e juntas de freguesia, organizações não governamentais, associações de doentes, instituições<br />

de solidariedade social… Projetos e boas práticas em saúde que não vieram substituir, mas<br />

sim complementar a resposta do SNS, oferecendo novas soluções para a melhoria da qualidade dos<br />

serviços prestados aos utentes. Muitos destes projetos têm mesmo o potencial de serem replicados<br />

e, sem dúvida alguma, merecem ser mantidos no futuro.<br />

Porque a resposta à pandemia começa na razão, na participação e na solidariedade, o combate temse<br />

feito em várias frentes. Estes esforços coletivos têm sido essenciais e, por essa razão, a Associação<br />

Portuguesa de Administradores <strong>Hospitalar</strong>es (APAH) promove, em parceria com a biofarmacêutica<br />

AbbVie, a 7ª. edição do Prémio Healthcare Excellence, que este ano pretende distinguir projetos<br />

nacionais desenvolvidos no âmbito da resposta à pandemia da Covid-19.<br />

O Prémio Healthcare Excellence - Edição Especial Covid-19 surge assim como forma de agradecimento<br />

e reconhecimento a todas as equipas que têm dado o seu melhor contra a pandemia, dando<br />

provas de uma enorme capacidade de resiliência e compromisso com todos. Pela primeira vez, a iniciativa<br />

esteve aberta não apenas a candidaturas de instituições prestadoras de cuidados de saúde, mas<br />

a todas as organizações do país, fossem elas públicas, sociais ou privadas, tendo as mesmas decorrido<br />

até 31 de julho.<br />

Todas as candidaturas serão agora avaliadas por um júri independente a quem cabe a seleção dos<br />

melhores projetos que passam à fase final. O júri da 7.ª edição da iniciativa é presidido por Margarida<br />

França, presidente do Conselho de Administração do Centro <strong>Hospitalar</strong> do Baixo Vouga, e integra<br />

também Ricardo Mestre, vogal da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS); Ricardo Mexia,<br />

presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública (ANMSP) e Dulce Salzedas,<br />

jornalista da Sociedade Independente de Comunicação (SIC).<br />

Nas palavras de Margarida França “A necessidade aguça o engenho, diz o ditado. De facto, ao longo<br />

dos últimos meses vimos nascer múltiplos projetos de elevado valor, de norte a sul do país, que têm<br />

sido fundamentais na luta contra a Covid-19. Projetos que merecem ser reconhecidos, replicados e<br />

que demonstram o profissionalismo e espírito combativo generalizado que se tem sentido durante<br />

a pandemia. Recebemos muitas candidaturas nesta edição especial do Healthcare Excellence, uma<br />

iniciativa que todos os anos tem sido uma montra do que de melhor se faz na Saúde”.<br />

Os projetos finalistas serão apresentados e defendidos pelos autores em sessão pública híbrida (presencial<br />

+ online) a realizar no dia <strong>21</strong> de outubro, no auditório do Hospital Júlio de Matos - Parque da<br />

Saúde de Lisboa. No decurso desta sessão será eleito o vencedor do Prémio Healthcare Excellence<br />

- Edição especial Covid-19, sendo-lhe atribuído um prémio no valor de 5.000 euros.<br />

Pode saber mais sobre a iniciativa e consultar o regulamento do Prémio Healthcare Excellence no<br />

website da APAH em www.apah.pt. Ã<br />

90<br />

91


GH Iniciativa APAH | webinar participação do cidadão na era covid 19<br />

PARTICIPAÇÃO DO CIDADÃO<br />

NA ERA DA COVID 19<br />

Em tempo de pandemia, e adequada ao<br />

novo contexto em que a troca de experiências<br />

e partilha de boas práticas insurgem<br />

a caminhos de mudança, a Associação<br />

Portuguesa de Administradores<br />

<strong>Hospitalar</strong>es (APAH), com o apoio da Sanofi, promoveu<br />

um Ciclo de Conferências online dedicado à “Participação<br />

do cidadão na era Covid-19” no Sistema de Saúde.<br />

A iniciativa, composta por 3 sessões, teve como objetivo<br />

discutir o impacto da Covid-19, através da auscultação<br />

dos utentes e seus representantes, visando a obtenção<br />

de contributos tendo ainda em vista promover uma<br />

coordenação de esforços, tendentes a assegurar soluções<br />

de continuidade da resposta de cuidados de saúde.<br />

A primeira sessão a 18 de maio dedicada ao tema “A<br />

resposta do sistema de saúde”, teve a moderação de<br />

Alexandre Lourenço, Presidente da APAH, e contou<br />

com a participação de Isabel Saraiva, Presidente da<br />

Associação Respira, José Manuel Boavida, Presidente<br />

da Associação Portuguesa dos Diabéticos de Portugal<br />

(APDP) e Alexandre Guedes da Silva, Presidente da<br />

Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla (SPEM).<br />

Na ocasião Isabel Saraiva recordou as dificuldades iniciais<br />

da pandemia, em que não havia “uma informação<br />

sistematizada sobre o que se está a passar nos hospitais.<br />

A surpresa, o desconhecimento e o medo eram<br />

ingredientes que ajudariam a que corresse muito mal,<br />

mas não correu.”<br />

Em termos gerais, considerou que o tratamento dos doentes<br />

com Covid-19 correu bem e que o acompanhamento<br />

dos serviços de saúde, permitiu conforto aos doentes,<br />

evitando que os mesmos se deslocassem, nomeadamente<br />

os doentes crónicos. Com a colaboração dos<br />

hospitais e farmácias hospitalares, foi possível que os medicamentos<br />

passassem a ser levantados nas farmácias comunitárias,<br />

evidenciando ainda que este cenário de disponibilização<br />

e nova rotina dos serviços farmacêuticos<br />

“é desejável que passe a fazer parte do quotidiano de<br />

quem tem de usar medicamentos hospitalares.”<br />

Também a renovação das receitas e as consultas não<br />

presenciais com o médico ou centro de saúde foram<br />

importantes, expressando a importância de colocar o<br />

doente no centro do sistema. E finalizou reforçando<br />

que “o serviço nacional de saúde foi resiliente, respondeu<br />

ao que foi pedido.”<br />

Já José Manuel Boavida, destacou que a APDP adaptou<br />

o seu plano de contingência para a Covid-19 com<br />

base no plano de contingência da gripe A e destacou<br />

a receção “absolutamente fantástica” às teleconsultas.<br />

Também a linha gratuita de apoio às pessoas com pé<br />

diabético foi “um sucesso”, com uma média de 100<br />

chamadas por dia, por vezes, 300 chamadas por dia.<br />

Os contactos presenciais foram deixados apenas para<br />

emergências e foram implementadas entregas ao<br />

domicílio de medicamentos em todo o país em 24h<br />

ou 48h. Na ocasião reforçou ainda que “a partir do<br />

momento em que se é infetado com o SARS-CoV-2,<br />

a diabetes descompensa e, na grande maioria das vezes,<br />

é preciso parar os medicamentos e iniciar insulina.<br />

A prevenção da infeção deve ser a prioridade assim<br />

como o acompanhamento clínico de proximidade nos<br />

casos em que ela exista”.<br />

Alexandre Guedes da Silva da SPEM ressalvou que “só<br />

conseguimos sair de uma situação difícil como esta se<br />

estivermos todos a remar para o mesmo lado” e “é<br />

impensável que os doentes crónicos não façam parte<br />

de uma solução que pretende ser a melhor possível<br />

nesta fase da pandemia.” A SPEM, nas suas várias delegações,<br />

conseguiu dar uma volta de 180 graus à sua<br />

abordagem analógica do cuidar, passando todos os serviços<br />

a funcionar de forma digital, à exceção do serviço<br />

de apoio domiciliário, permitindo assim assegurar uma<br />

normalidade no dia a dia das pessoas com esclerose<br />

múltipla mantendo-as informadas e confiantes.<br />

A 1 de junho teve lugar a segunda sessão da iniciativa<br />

com o tema “O regresso à normalidade” com moderação<br />

de Bárbara Carvalho, da direção da APAH, e<br />

que contou com o contributo da Associação Portuguesa<br />

da Doença Inflamatória do Intestino (APDI), do<br />

Grupo de Ativistas em Tratamentos (GAT) e da Liga<br />

Portuguesa Contra o Cancro (LPCC).<br />

Na ocasião Ana Sampaio, Presidente da APDI defendeu<br />

que “é preciso um plano de recuperação na área<br />

da saúde.” Neste tempo de pandemia, foi preciso encontrar<br />

soluções para processos que vinham a ser adiados<br />

e melhorar alguns procedimentos. E destacou a<br />

importância da dispensa de proximidade da terapêutica<br />

medicamentosa que permitiu um conforto e segurança<br />

adicionais aos doentes. Também as teleconsultas, muito<br />

necessitadas pelos doentes crónicos, foram disponibilizadas<br />

pelos hospitais, assim como a disponibilização<br />

de endereços de e-mails para remarcação de consultas<br />

e exames que permitiu uma melhoria da comunicação<br />

dos utentes com as instituições. Em suma, “começou<br />

a ser identificada a necessidade de o doente ter um<br />

papel central na área da saúde.”<br />

Na perspetiva de Vítor Rodrigues da LPCC, “houve um<br />

mês de susto, um outro de reorganização e ainda um<br />

seguinte de tentativa de retoma.” Segundo o especialista,<br />

as crises são péssimas, mas são alturas ótimas para<br />

se fazer algum tipo de reorganização, nomeadamente<br />

colocar o cidadão no centro do sistema do binómio<br />

“<br />

HÁ UM MANTO DE SILÊNCIO<br />

SOBRE QUESTÕES RELACIONADAS<br />

COM A PREVENÇÃO, TRATAMENTO,<br />

REABILITAÇÃO. É UMA SITUAÇÃO<br />

INTOLERÁVEL PORQUE AS PESSOAS<br />

COM DOENÇA SÃO OS<br />

DESTINATÁRIOS DO SNS. FAZ FALTA<br />

INFORMAÇÃO PARA A ERA PÓS-<br />

-COVID PARA AS PESSOAS<br />

PODEREM RETOMAR COM<br />

CONFIANÇA E SEGURANÇA<br />

OS TRATAMENTOS QUE PRECISAM<br />

DE DESENVOLVER.<br />

”<br />

Isabel Saraiva<br />

procura e oferta de cuidados de saúde e considera que<br />

“importa recuperar tudo o que se perdeu em termos<br />

de diagnóstico precoce, qualidade de tratamento e de<br />

acompanhamento.” Relativamente aos atestados médicos<br />

de incapacidade multiuso, referiu que os mesmos<br />

já estavam parados antes da pandemia e que não se vê<br />

grande possibilidade de eles recuperarem, o que remete<br />

a que seja um problema grande para os doentes oncológicos.<br />

Para Luís Mendão do GAT, a formalização<br />

da participação do cidadão na área da saúde é essencial<br />

assim como a participação organizada através de associações<br />

de doentes. Na sua perspetiva, as crises devem<br />

ser vistas como oportunidades para que possam<br />

acontecer as reformas há muito tempo adiadas e nessa<br />

ótica a pandemia “trouxe algumas novidades que devem<br />

ser mantidas no período pós-Covid.” Para o ativista<br />

é fundamental assegurar a prevenção e o diagnóstico<br />

precoces para que se evite o agravamento de al- }<br />

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GH Iniciativa APAH | webinar participação do cidadão na era covid 19<br />

“<br />

AS CRISES SÃO PÉSSIMAS MAS SÃO<br />

ALTURAS ÓTIMAS PARA SE FAZER<br />

ALGUM TIPO DE REORGANIZAÇÃO,<br />

NOMEADAMENTE COLOCAR<br />

O CIDADÃO NO CENTRO<br />

DO SISTEMA, NO BINÓMIO<br />

PROCURA E OFERTA DE<br />

CUIDADOS DE SAÚDE.<br />

”<br />

Vítor Rodrigues<br />

gumas situações de doença ativa e se assegure o acesso<br />

atempado aos cuidados de saúde.” Em paralelo deixou<br />

o repto para que os hospitais tenham, “cada vez mais”,<br />

cuidados de ambulatório e que os cuidados estejam<br />

cada vez mais próximos e inseridos na comunidade.<br />

A encerrar a iniciativa ocorreu, no dia 15 de junho, uma<br />

sessão dedicada às “Soluções para o futuro” que contou<br />

com a moderação de Eduardo Castela, Administrador<br />

<strong>Hospitalar</strong> e Tesoureiro da APAH. Foram convidados<br />

desta edição Joana Camilo, Presidente da ADERMAP,<br />

Miguel Crato, Presidente da Associação Portuguesa de<br />

Hemofilia (APH) e Joaquim Brites, Presidente da Associação<br />

Portuguesa de Neuromusculares (APN).<br />

Para Joana Camilo da ADERMAP, todos continuamos<br />

a ter muito a aprender nesta era pós-Covid e destaca<br />

que a resiliência será uma enorme valia para lidar com<br />

este desafio. Muitos dos resultados até agora atingidos<br />

mostram uma capacidade de adaptação e de resposta<br />

que pode e deve ser continuada a vários níveis, “para<br />

obter ganhos em saúde.” Na sua opinião algumas iniciativas,<br />

como a teleconsulta e apoio de proximidade<br />

ao doente permitiram uma menor descompensação e,<br />

projetos-piloto a decorrer em vários hospitais mostraram<br />

que, mesmo consultas de especialidade, podem<br />

ser realizadas à distância, havendo realmente soluções<br />

já implementadas na era pré-Covid e que podem ser<br />

implementadas num futuro pós-Covid. A especialista<br />

sublinhou que “há um potencial humano que não está<br />

a ser capitalizado no sentido de melhorar os resultados<br />

na própria pessoa e em quem o rodeia.” Defendeu<br />

ainda a necessidade de uma medicina preditiva, preventiva,<br />

personalizada e participada, em que cada pessoa<br />

é fundamental na gestão das suas doenças e deve<br />

ser um parceiro ativo do sistema.<br />

Já para Miguel Crato da APH, “o futuro deve passar por<br />

uma maior partilha da decisão clínica e o meio hospitalar<br />

tem de se adaptar a essa realidade.” O doente deve,<br />

de facto, ser o centro do Serviço Nacional de Saúde<br />

e as associações devem fomentar essa autonomia<br />

e ter um poder efetivo de colaboração e propõe a criação<br />

de comissões sobre patologias específicas, especialmente<br />

as crónicas. A Covid-19 que veio trazer-nos<br />

alguns ensinamentos, como também veio mostrar o<br />

que os doentes esperam das associações que os representam<br />

e que as mesmas precisam mudar, seja o<br />

método de gestão, filosofia, relação com o médico,<br />

com a tutela, com a comunidade, enfim - precisam ouvir<br />

os doentes e adaptar-se para que estes se apercebam<br />

que têm uma posição mais direta e estreita em<br />

relação ao sistema de saúde.<br />

Como contributo, Joaquim Brites da APN destaca três<br />

grandes áreas de debate no futuro próximo: Saúde,<br />

Economia e Setor Social. Na sua perspetiva na área da<br />

saúde, há que reaprender o que se passou nos últimos<br />

meses que “foram um grande desafio para que todos<br />

pudéssemos provar que somos capazes de mudar rapidamente<br />

e nos acomodar a coisas que não imaginaríamos.”<br />

Para o presidente da APN, é necessária a criação<br />

de novas formações de técnicos de saúde ou equiparados,<br />

como, por exemplo, os técnicos de geriatria<br />

nos lares. Além disso, é também essencial “profissionalizar<br />

e dar mais capacitação”, olhar para esta nova realidade<br />

“como uma necessidade dos doentes”, pois as<br />

doenças crónicas são um problema com o qual temos<br />

de conviver. Já os doentes “precisam de ser tratados,<br />

uns em ambiente hospitalar e outros em ambiente domiciliário”,<br />

e, por isso, alertou que é preciso apostar em<br />

serviços de enfermagem domiciliária.<br />

Na área económica há que pensar em modelos de financiamento<br />

mais orientados para o utente. “Há estudos<br />

que demonstram que isso pode representar uma<br />

economia de milhares de milhões no orçamento da<br />

saúde” e reclama-se uma avaliação do desempenho<br />

defendendo que um equilíbrio de gestão tem de passar<br />

pelo envolvimento de todos os stakeholders. Já no<br />

“<br />

A COVID-19 VEIO TRAZER-NOS<br />

ALGUNS ENSINAMENTOS,<br />

VEIO MOSTRAR O QUE O PACIENTE<br />

ESPERA DE NÓS ENQUANTO<br />

ASSOCIAÇÃO DE DOENTES.<br />

”<br />

Miguel Crato<br />

que concerne ao setor social, há um grande caminho a<br />

percorrer, pois precisamos obter o devido reconhecimento<br />

destas instituições que devem andar “de mãos<br />

dadas” com o serviço público e devem ser posicionadas<br />

como veículos promissores e efetivos de prestação<br />

de cuidados. Ã<br />

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GH Iniciativa APAH | APAH Go Digital<br />

APAH LANÇA ACADEMIA<br />

DE FORMAÇÃO<br />

EM FORMATO DIGITAL<br />

A<br />

Associação Portuguesa de Administradores<br />

<strong>Hospitalar</strong>es (APAH) decidiu<br />

reformular o seu Programa de<br />

Formação Contínua “Academia APAH”,<br />

para um novo modelo adaptado à<br />

presente realidade, reconvertendo-o num formato digital,<br />

de acesso universal e gratuito a todos os profissionais<br />

de saúde e restantes interessados em adquirir<br />

competências em matérias de gestão e melhoria da<br />

eficiência em saúde.<br />

A nova Academia Digital APAH tem como objetivo disponibilizar<br />

uma oferta formativa diversificada com Programas/Cursos<br />

em formato e-learning com conteúdos<br />

práticos e inspiradores, que visam o desenvolvimento<br />

e consolidação de competências que promovam a mudança<br />

e a continuidade na resposta do sistema de saúde.<br />

Este novo formato que prima pela atualidade e abrangência<br />

de conteúdos formativos, proporciona a todos<br />

os interessados uma flexibilidade de realização e concretização<br />

dos Programas/Cursos disponíveis de acordo<br />

com a disponibilidade individual, uma aposta num<br />

modelo assíncrono, com todos os Programas e cursos<br />

estruturados em áreas temáticas e suportados na partilha<br />

de casos de estudo e boas práticas.<br />

A Academia Digital APAH mantém o alinhamento para a<br />

realidade nacional com o Diretório de Competências para<br />

os Gestores de Saúde desenvolvido sob os auspícios do<br />

Global Healthcare Management Competency Directory, uma<br />

iniciativa da International Hospital Federation (IHF). O Diretório<br />

contempla os seguintes 5 domínios de competências:<br />

A realização dos e-cursos pressupõe uma inscrição<br />

prévia, através do acesso à plataforma, via website da<br />

APAH, e uma vez inscrito, o formando poderá optar<br />

por frequentar o(s) curso(s) que mais se adequar à sua<br />

área de interesse profissional.<br />

O lançamento oficial da Academia Digital APAH ocorreu<br />

a 22 de julho com o Programa “Business As Unusual”<br />

desenvolvido em parceria com a Nobox e com<br />

o apoio da Gilead Sciences.<br />

O Programa inaugural foi desenhado especificamente<br />

para responder aos desafios atuais de formação, promovendo<br />

processos de transformação com um enfoque<br />

especial na dimensão humana e na criação de novas<br />

lideranças.<br />

Constituído por 3 cursos, cada um com duração aproximada<br />

de 1 hora, independentes mas complementares,<br />

focados nos três processos fundamentais para a<br />

recuperação após o início da pandemia:<br />

1. Mudança, agora e sempre<br />

2. Equipas, da crise ao pós-crise<br />

3. Novos problemas, novos talentos Ã<br />

Subscreva a Academia Digital APAH<br />

Tenha acesso gratuito a Programas de desenvolvimento,<br />

num formato totalmente adaptado ao<br />

seu ritmo. Comece com o programa “Business<br />

as Unusual” e não perca as novidades que traremos<br />

em breve.<br />

www.apah.pt<br />

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INICIATIVAS<br />

A Associação Portuguesa de Administradores <strong>Hospitalar</strong>es (APAH) promove e apoia as seguintes iniciativas:<br />

Siga o nosso instagram<br />

#apahospitalares<br />

Canal APAH - <strong>Gestão</strong> em Saúde<br />

Este canal é gerido pela Associação Portuguesa de Administradores <strong>Hospitalar</strong>es (APAH)<br />

com o objetivo de promover conteúdos de excelência na área de gestão de serviços de saúde.<br />

Aqui pode encontrar conferências, cursos e webinars de peritos mundiais.<br />

Saiba mais em www.apah.pt<br />

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