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BARRETOS EM 3ª PESSOA

Essa é uma obra sobre a cidade. Sobre o seu passado. Aqui, a cidade, Barretos, substantivo próprio, ganha novas roupagens, inclusive na gramática. Ela passa a ser o assunto em comum e a referência em quem todos os autores se debruçam; a 3ª pessoa – “ela”. Independente da natureza dos textos e da origem dos autores, a ideia é que os leitores, especialmente os barretenses, tenham a chance de visualizar a paisagem da cidade nos tempos idos, em diferentes décadas.

Essa é uma obra sobre a cidade. Sobre o seu passado. Aqui, a cidade, Barretos, substantivo próprio, ganha novas roupagens, inclusive na gramática. Ela passa a ser o assunto em comum e a referência em quem todos os autores se debruçam; a 3ª pessoa – “ela”.

Independente da natureza dos textos e da origem dos autores, a ideia é que os leitores, especialmente os barretenses, tenham a chance de visualizar a paisagem da cidade nos tempos idos, em diferentes décadas.

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ADONIAS GARCIA

memória, já que, por parte de minha mãe, temos uma vocação artística: um

primo seu, Ozualdo Candeias, foi o criador do “Cinema Marginal” na década

de 1960; meu avô materno, Antônio Candeias, era sanfoneiro dos bons... o

que fizemos? O Alceu do Berrante participou como berranteiro do filme “Mágoa

de Boiadeiro” (1977) com o cantor Sérgio Reis e, com seu berrante, durante todos

esses anos, provoca ecos daqueles tempos passados. Eu me tornei diretor

teatral e dramaturgo e usei da linguagem teatral para refletir sobre essa realidade:

escrevi e dirigi o espetáculo “O Outro Lado da Moeda”, em 1990, um trabalho

que refletia sobre os efeitos humanos desse processo econômico e mostrava

a solidão do peão Sebastião e da sua esposa Tereza diante de um mundo que

os atropelou e tirou sua razão de viver. O Armando, meu irmão mais velho,

em 1979, produziu um filme chamado “Rodeio de Bravos” que contava a história

de um estudante da FEB (Fundação Educacional de Barretos, hoje UNIFEB) que queria

ser campeão em Barretos e, nos preparativos para o rodeio, ele viajava numa

comitiva boiadeira. O filme levou ao cinema um olhar das comitivas da forma

mais original, talvez única no audiovisual brasileiro, já que outras experiências

do cinema e da televisão falharam nesse sentido.

Boa parte do trabalho foi filmada em Barretos e, além do elenco vindo

de São Paulo, de atores como Santoni Santiago, Giselda Beneti, Henricão, Cecílio

Giglioti, entre outros, também participaram várias pessoas de Barretos

e alguns peões. A película foi exibida em centenas de cidades do Brasil, Argentina

e Paraguai. O foco desses trabalhos foi a história do povo da nossa

região, que me parece universal. Um outro irmão, Álvaro Garcia, mantém

viva a comitiva de nossa família, participando do concurso Queima do Alho da

festa de Barretos e outros eventos.

O tempo passou. O bairro onde vivi minha infância se transformou e

não sobrou muito espaço para o verde e para os sonhos. O antigo ponto de

pouso da Fazenda São Domingos também se foi; no lugar onde era o casarão, havia

uma paineira, a mesma da década de 1930 onde peões paravam à sua

sombra. Essa paineira assistiu a primeira conversa dos meus pais, quando

se conheceram por volta de 1941.

No ano 2000, meu pai deu entrevista para um programa de TV embaixo

dela, contando suas histórias e sua importância.

Depois que meus pais morreram, eu já passei dezenas de vezes na Via

das Comitivas; já fui até lá, com meu filho, contar a história de nossa família.

A paineira foi arrancada para se fazer um residencial no local, só que, na

minha imaginação, ela ainda está lá; sua ausência seria a destruição do último

símbolo da história de minha família e, talvez, a morte do último símbolo

da Barretos sertão.

Em 2008, depois de ter sofrido diversos AVCs, meu pai me disse, em

lágrimas, que a última coisa que queria fazer na vida (e que sentia mais sau-

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