BARRETOS EM 3ª PESSOA
Essa é uma obra sobre a cidade. Sobre o seu passado. Aqui, a cidade, Barretos, substantivo próprio, ganha novas roupagens, inclusive na gramática. Ela passa a ser o assunto em comum e a referência em quem todos os autores se debruçam; a 3ª pessoa – “ela”. Independente da natureza dos textos e da origem dos autores, a ideia é que os leitores, especialmente os barretenses, tenham a chance de visualizar a paisagem da cidade nos tempos idos, em diferentes décadas.
Essa é uma obra sobre a cidade. Sobre o seu passado. Aqui, a cidade, Barretos, substantivo próprio, ganha novas roupagens, inclusive na gramática. Ela passa a ser o assunto em comum e a referência em quem todos os autores se debruçam; a 3ª pessoa – “ela”.
Independente da natureza dos textos e da origem dos autores, a ideia é que os leitores, especialmente os barretenses, tenham a chance de visualizar a paisagem da cidade nos tempos idos, em diferentes décadas.
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RESENHA DE UM IMIGRANTE LIBANÊS EM BARRETOS
naquelas plagas. Eram, historicamente, os inimigos dos cristãos e, dizia-se,
comiam carne humana. Fruto da implacável propaganda orquestrada pela
Igreja Católica desde a Idade Média, aquelas pessoas que falavam uma língua
esquisita e cheia de “rala-rala” sofreriam a discriminação dos nativos. Afinal,
eles representavam a “verdadeira civilização”, a começar pelo “caráter cristão”
da vida que levavam. Esqueciam-se de que o próprio Cristo nasceu lá,
exatamente: naquela terra disputada à espada de ferro rijo, forjada nas terras
orientais e bem mais leve que a ocidental, que mais parecia um porrete.
Contam, até, que Ricardo Coração de Leão fez uma demonstração a Saladino
(Saleh Ud Dinn Ayoub), batendo sua espada, com forte pancada, sobre uma
madeira, quebrando o lenho. O muçulmano tomou da cabeça de uma jovem
o seu véu e soltou-o, do ar para o chão. No meio do caminho o aparou com a
espada e o fino véu se abriu em dois, com seu próprio peso.
A diferença é sutil e notável, fazendo boa leitura dos fatos.
Enfim, a barreira da língua foi vencida, embora as letras “p” e “v” continuassem
a ser pronunciadas como “b”, e o uso dos verbos dispensasse a
conjugação correta, a comunicação tornara-se possível. Cada um de per si, mas
unidos, ajudaram-se mutuamente e criaram famílias; estas famílias foram
crescendo e, pouco a pouco, eram assimiladas ou foram se assimilando.
Intensa troca de costumes: estranheza numa hora, boa receptividade
noutra. Mas, ganhavam, já, algum dinheiro. E a fome não estava à vista nem
amedrontava.
Neste clima e dessa forma, meu avô Zaiden (Isidoro) chegou ao Brasil,
em 1924, aos doze anos de idade, vindo com a mãe (bisavó Helena) e a irmã
gêmea Zehie (Maria), para descer em Santos. Seus demais irmãos eram Rosali,
Ayed (Abrão), Sultan, Abdo El Carim, Othman e Gaze (o famoso tio Rose
Abrão). Todos, menos os gêmeos Zaiden e Zehie, nasceram em Barretos.
Aqui, conheceu minha avó Nabia (Maria), cujos irmãos eram: Chafik,
Nadim (falecido quando criança), Nadime, Zuleika, Leila e Neuza, todos nascidos
em Barretos.
Uniram-se, portanto, as famílias Geraige e Thomé, todos de ascendência
libanesa cristã, mas mantinham excelente relacionamento com todos os libaneses
de outras religiões. Na verdade, tratavam-se como irmãos, talvez porque
tenham vivido de forma contemporânea a desgraça da fome e da guerra.
Aqui, uma curiosidade. Há 22 países considerados “árabes”. Mas o que
é ser árabe? É uma etnia? Antigamente, consideravam-se árabes os povos
localizados na extensa faixa de terras denominada Península Arábica. Hoje, a
definição mais aceita é a que conceitua como árabes todos aqueles povos que
têm como primeiro idioma a língua árabe, ou seja: não se trata de etnia. Por
exemplo, os libaneses descendem, etnicamente, dos Fenícios, antigos navegadores;
já os demais povos árabes, como sauditas, iraquianos, jordanianos