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BONDE DA GAMBIARRA_RELATÓRIO

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PROJETO FINAL DE DESIGN DE PRODUTO

PUC-RIO - Departamento de Artes

e Design - 2020.1

Projeto de conclusão da graduação em design de produto

Aluna: Ilana Guilland

Orientação: Felipe Rangel

Co-orientação: Gamba Jr

Colaboração: Gabriela Vaccari

Palavras-chave: design social, mulheres negras, tecnologia, educação

Ilustrações: Juliana Barbosa e Ilana Guilland

Motion Graphics: Caio Laundos


SUMÁRIO

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DIVERSIDADE ÉTNICA &

REPRESENTAÇÃO FEMININA NEGRA

NA TECNOLOGIA

-Gerar metodologia de “Educação para o Século

XXI” por meio de vivências periféricas

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GAMBIARRA & GAMBIOLOGIA

-Política de enfrentamento e valorização

da cultura local

-Gambiologia e o Movimento Mão na Massa

-Arte e Tecnologia

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MULHERES NEGRAS NA TECNOLOGIA

-PRETALAB – Um outro olhar para a tecnologia

-Racismo Algoritmo

EDUCAÇÃO PARA O SÉCULO XXI

-A educação escolar e o processo de

mediação social

-A influência do afeto no processo educacional

-A pergunta como elemento-chave na dinâmica

de sala de aula

-Breve contexto histórico da educação no Brasil

-A tecnologia como ferramenta de

ensino-aprendizagem

DESIGN SOCIAL

-Rocinha, a maior da América Latina

-Luiz Paulo Horta, a escola fruto do sonho

da comunidade

-A parceira Bianca e a educação tecnológica

-Pesquisa-ação no campo

CULTURA HACKER

-O mercado de tecnologia educacional

-Educação tecnológica e

o pensamento computacional

-Hackear a sociedade e ressignificar os códigos

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BONDE DA GAMBIARRA

-O desenvolvimento do projeto no contexto

da pandemia

-A metodologia orientada pela experimentação

-Projeto de design gambiológico

-Percurso metodológico

-Lean Canvas

-Planos para o futuro

ENTREVISTAS

-Apresentação Sil Bahia

-Apresentação Ana Carolina da Hora

-Apresentação Hamilton Werneck

-Entrevista com Sil Bahia (2017)

-Entrevistas com Hamilton Werneck

e Ana Carolina da Hora (2018)

-Entrevistas com Ana Carolina da Hora

e Sil Bahia (2019)

APRESENTAÇÃO & AGRADECIMENTOS

-Muito prazer, sou uma designer periférica

-Não se faz nada sozinho...

Referências Bibliográficas


4

DIVERSIDADE ÉTNICA &

REPRESENTAÇÃO FEMININA

NEGRA NA TECNOLOGIA

A oportunidade trabalhada no projeto abrange o

contexto da “Diversidade Étnica e Representação

Feminina Negra na Tecnologia”, que partiu da

pesquisa realizada em 2017 para o desenvolvimento

do projeto “(In)Visibilidade da Mulher Negra na

sociedade“, em grupo com Juliana Barbosa, Vitória

Flores e Ricardo Ferreira, sob a orientação dos

professores Guilherme Toledo e Joana Pessoa, com a

colaboração de Sil Bahia. As conclusões sobre a falta de

oportunidades e, sobretudo, de representatividade de

mulheres negras no cenário da tecnologia é o que gera

limitação de perspectivas em crianças e jovens negras/

os, no que se referem às áreas profissionais voltadas

para tecnologia e inovação. Portanto, a necessidade

emergente de empretecer a tecnologia, traz, também,

a de estimular as crianças negras a experimentarem o

processo de construção da tecnologia desde cedo.

@juuhbp


5

Gerar metodologia de

“Educação para o Século XXI”

por meio de vivências periféricas

O objetivo de “gerar metodologia de ‘Educação

para o Século XXI’ por meio de vivências periféricas”

partiu da análise de campo da pesquisa de “Tendências

da Educação com ênfase no Ensino-Fundamental”,

realizada em 2018, sob a orientação do professor

Flávio Carvalho, com a colaboração de Ana Carolina

da Hora e Hamilton Werneck. A pesquisa de 2018

traz como questão central o fato de que a tecnologia

passa a se tornar requisito básico para o progresso e

evolução do cenário educacional, por meio da inserção

de recursos digitais e aparatos tecnológicos.

A pesquisa de campo, então, foi realizada a partir

da abordagem do design social, em parceria com

a professora Bianca Silva, nas aulas de educação

artística do 6º ano do ensino fundamental, na Escola

Municipal Luiz Paulo Horta, localizada na Rocinha,

sob a direção de Ana Maria Nogueira. A análise

do contexto diante dos resultados da pesquisa de

tendências demonstrou o quanto o movimento que

pensa a transformação das dinâmicas educacionais

para o contexto atual é excludente e afasta escolas

com poucos recursos e as crianças dos estratos sociais

desprivilegiados do universo tecnológico.

O projeto “Bonde da Gambiarra”, portanto, partiu

do processo de desconstrução da visão elitista da

tecnologia, por meio da valorização do contexto e da

vivência na favela, sob os parâmetros de utilização de

baixa tecnologia (low tech); reutilização de resíduos

para aproveitamento do potencial de recursos;

experimentação sobre os processos de construção da

tecnologia; com aplicação para todas alunas e alunos,

mas com ênfase no estímulo ao contato das meninas

negras com a atuação na tecnologia. A metodologia

projetada consiste em atividades envolvendo a

gambiologia, sob a forma de construção de gambiarras,

que posiciona as professoras e os professores como

mediadoras/es do processo de aprendizagem, e

estimula a autonomia das alunas/os.



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Perspectiva histórica da mulher

negra na sociedade

De acordo com dados do Censo de 2015 do IBGE

(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a

população brasileira corresponde a 54% de pessoas

autodeclaradas negras. As mulheres negras, por

sua vez, representam 28% da população, ou seja, mais

de ¼ do total, correspondendo a mais de 60 milhões

de pessoas. Sendo assim, o povo preto, sempre dito

como “minoria” representa a maioria demográfica real,

mas os mecanismos de racismo planejados mediante

projeto político promovem uma minorização desses

indivíduos nos mais diversos espaços sociais, tanto

de maneira violenta, quanto de maneira velada. Assim

como Lélia Gonzalez, pensadora brasileira das ciências

sociais, negra, feminista, defende, trata-se, na verdade,

das “maiorias silenciadas”.

É importante considerar que a pesquisa de dados do

IBGE referente à cor se dá por autodeclaração, o que

indica que os números consideram apenas aqueles

que se entendem e, portanto, se declaram negros. E,

sabendo que, devido a todo o contexto problemático

da negritude e sua memória negativa no Brasil, e à

questão do colorismo – também conhecido como

pigmentocracia, muito comum em países que sofreram

colonização europeia e em países pós-escravocratas,

e quer dizer, de maneira simplificada que, quanto mais

pigmentada uma pessoa, mais exclusão ela irá sofrer

- muitas pessoas negras não têm consciência de sua

cor ou mesmo preferem evitar o reconhecimento. Logo,

esse número deve ser, na realidade, muito maior.

60 milhões

IBGE (2015)

28%

O racismo se manifesta, principalmente, a partir

das relações interpessoais, mas é importante entender

que, muito além de artifícios que determinam a

supremacia da branquitude de determinado indivíduo

em detrimento da negritude de outro, há também a

manifestação coletiva do racismo nas estruturas de

organização da sociedade e das instituições.

O resultado do racismo estrutural e institucional na

vida de pessoas negras é a escassez generalizada de

recursos; a indisponibilidade e o acesso reduzido a

serviços e a políticas de qualidade; o menor acesso à

informação; e a menor participação e controle social.

No caso das mulheres negras, elas são alvo não

apenas do racismo, mas também do machismo,

e, ainda, do preconceito socioeconômico, porque,

por consequência, concentram-se nas camadas

economicamente mais baixas. Essa interseccionalidade

faz com que elas representem o grupo social mais

vulnerável e mais envolto por construções sociais

que limitam suas possibilidades de ascensão.


8

Lélia Gonzalez, nos anos 1970, abordou a

problemática da negação do racismo, por meio

do mito da democracia racial, um dos mais efetivos

mitos de dominação, criado a partir de estudos

sociológicos que construíram a crença da

miscigenação voluntária do país. A criação do mito

da inexistência do racismo buscou trazer uma

significação poética para a miscigenação, na tentativa

de apagar o legado histórico de que essa característica

se deu de maneira extremamente violenta, por meio de

estupros e, principalmente, com o objetivo de fortalecer

a supremacia branca. As questões levantadas por Lélia

ainda são muito atuais, pois ainda se dissemina muito

a ideia de que a riqueza brasileira reside no processo

de miscigenação e, além disso, o atual presidente e os

demais personagens que compactuam com suas ideias,

insistem em afirmar que “racismo é coisa rara no país”.

Lélia, que fazia parte do movimento feminista

hegemônico, percebeu, ainda, que não havia

problematização acerca do fato de que a emancipação

econômica e social das mulheres brancas se deu

às custas da exploração das mulheres negras sendo

muito mal pagas no trabalho doméstico, além de

não pautar as problemáticas da falta de direitos

trabalhistas, previdenciários e da exploração sexual

da mulher negra. Na época, as feministas brancas

acusaram Lélia de revanchismo e de ter discurso

emocional, ignorando que, como ela mesma dizia,

“ser mulher e negra (ou negra e mulher?) implica em

ser objeto de um duplo efeito de desigualdade muito

bem articulado e manipulado pelo sistema que aí está”.

Essa questão também continua muito atual e enfatiza

a importância do feminismo negro, interseccional.

Lelia Gonzalez, cientista social e feminista negra

Mulheres negras em posições subalternas faz parte

de um processo histórico da sociedade brasileira,

sustentado pela estrutura machista, racista, sobre

a qual foi construída desde o período escravagista.

Embora já se tenha passado mais de século do fim da

escravatura, e, portanto, falar de racismo e machismo

já pareça, às vezes, repetitivo demais, ainda hoje, a

realidade só mostra o quanto ainda é muito necessário

falar sobre isso. Afinal, muita coisa do século passado

está presa aqui no presente.

O racismo e o machismo são os pilares mais

enraizados da estrutura social, que permitem a

manutenção de valores deturpados, preconceituosos

e violentos a corpos negros. As mulheres negras,

portanto, são o grupo mais vulnerável da sociedade,

por estarem na interseção dessas duas maiores formas

de opressão históricas. Embora já se tenha conquistado

alguma coisa, ainda existe um longo caminho a ser

percorrido pela redução das desigualdades de gênero

e raça. E a chave para esse processo que já vem

acontecendo está, dentre outras coisas, na produção

de conhecimento.


9

Pensando em mulheres negras enquanto “minorias”,

pode-se fazer um recorte no cenário da tecnologia,

que faz parte de mais um pilar que já se fincou

também na estrutura social e, portanto, acaba por,

também, determinar as dinâmicas das relações sociais.

Representando o extremo oposto das posições em

trabalho doméstico, as mulheres negras encontramse

subrepresentadas nas profissões voltadas para as

áreas tecnológicas.

@juuhbp


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PRETALAB – Um outro olhar

para a tecnologia

De acordo com dados apresentados pelo IBGE

na pesquisa “Estatísticas de gênero”, apenas

10,4% das mulheres negras tem ensino

superior completo, enquanto o percentual de

mulheres brancas corresponde a 2,3 vezes mais.

Segundo levantamento do Grupo de Gênero da Escola

Politécnica da USP (Poligen), em 120 anos, a USP

formou apenas 10 mulheres negras. Além disso, na

lista de pioneira das ciências no Brasil, criada pelo

CNPq, nenhuma das mulheres citadas é negra.

Essa dificuldade no acesso à educação se reflete

no mercado de trabalho, porque, sem formação,

restam às mulheres negras as posições de menor

prestígio e menor remuneração, assim como aponta

o “Dossiê Mulheres Negras: retrato das condições

de vida das mulheres negras no Brasil”, do Ipea

(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada): elas

estão sobrerepresentadas no trabalho doméstico,

pois correspondem a 57,6% dos trabalhadores nesta

posição. Portanto, são as mulheres negras as que

mais sofrem durante as crises econômicas, o que

pode ser demonstrado pela estatística de que,

entre 2014 e 2017, a taxa de desemprego passou de

9,2% para 15,9%, entre o grupo citado,

de acordo com o IBGE.

Ilustração baseada em cena do filme “Histórias Cruzadas”, de Tate Taylor


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Desde que o mundo começou a ser invadido pela

cibercultura e a sociedade passou a sofrer impactos,

interferências e transformações impulsionadas

pela presença dos meios digitais, as desigualdades

ficaram ainda mais acirradas, porque aqueles com

maior poder aquisitivo têm também maior facilidade

de acesso, e os menos (ou nada) favorecidos acabam

ainda mais prejudicados e em defasagem. No que

se refere às questões econômicas, de acordo com

o site da PretaLab, os setores tecnológicos são os

que mais tendem a crescer nos próximos anos, além

de costumar ter salários atrativos, o que pode ser

interessante para as mulheres negras, apresentando

possibilidades de geração de renda e emancipação

econômica. Logo, é urgente o direcionamento de

recursos, políticas públicas e privadas, pesquisas e

esforços para a população negra em geral.

Referência e memória

Sil Bahia (2017)

@juuhbp

Para Silvana Bahia, a ausência de mulheres negras

e indígenas nos espaços voltados para a área de

tecnologia e inovação está ligada não apenas à falta de

acesso, mas também à falta de referência. Conforme

demonstra o estudo “Por que tão poucas? Mulheres

afro-americanas em Ciência, Tecnologia e Engenharia”,

apenas 10,7% dos diplomas concedidos a mulheres

nos EUA, naquela época, correspondiam a diplomas

de engenheiras ou cientistas, obtidos por mulheres

negras. E, ainda, elas correspondiam a menos de

1% do total de mulheres empregadas na indústria

tecnológica. Ou seja, mesmo em países em que o

acesso dessas mulheres ao ensino superior é melhor

do que no Brasil, o racismo e o machismo seguem

impedindo sua chegada no mercado de trabalho.

Daí a necessidade urgente de que a discussão sobre

a ocupação de profissões nas áreas de tecnologia e

inovação seja feita a partir de um recorte de raça,

mas também de gênero.


12

Foi a partir disso que o OLABI, organização social

que trabalha em prol da diversidade no mercado de

trabalho nos setores de tecnologia e inovação como

mecanismo de redução das desigualdades sociais,

lançou, com apoio da Fundação Ford, a iniciativa

PretaLab, que impulsiona a inclusão de mulheres

negras na inovação e tecnologia. Defendendo

o investimento no mercado de trabalho como

também um estímulo a empresas mais produtivas e

eficientes, a PretaLab trabalha em prol da geração de

representatividade, criação de rede de mulheres negras

da tecnologia e da inserção da pauta da negritude

feminina em espaços tecnológicos e de formação.

De acordo com dados apresentados por uma

pesquisa realizada pela Universidade Presbiteriana

Mackenzie sobre diversidade no mercado de trabalho,

concluiu-se que a diversidade representa uma inovação

muito positiva, porque torna mais criativo o espaço,

permitindo um processo de evolução coletiva, devido

à possibilidade de troca de experiências distintas e

variadas e, consequentemente, amplo aprendizado.

Por isso, o primeiro projeto realizado foi uma

série de vídeos de entrevistas (link na imagem a seguir)

dirigida por Yasmin Thayná, que apresentou a

história de Ana Carolina da Hora, Fernanda Lira

Monteiro, Gabriela Oliveira, Glória Celeste de Brito,

Maria Eloisa, Maria Rita Casagrande, Monique

Evelle, Silvana Bahia, Vitória Lourenço e Viviane

Rodrigues Gomes, mulheres negras que trabalham em

diversas áreas da tecnologia. O objetivo foi mostrar

que narrativas que possam servir como referência

para outras mulheres e meninas negras sobre a

possibilidade de fazer parte desse cenário.

A PretaLab, que trabalha sobre os pilares de

diversidade, tecnologia e inovação social, iniciou

seus trabalhos em 2017, sob a direção de Sil Bahia,

após sua inquietação diante da ausência de mulheres

negras no cenário de tecnologia e inovação. De acordo

com o posicionamento que ela defende, a PretaLab é

um “lugar de questionamentos, não de respostas,

porque, muitas vezes, o maior desafio é fazer boas

perguntas” e, sobretudo, um meio de inspiração.


13

Entre novembro de 2018 e março de 2019,

foi realizada uma pesquisa de mapeamento das

profissionais negras de tecnologia, por meio de um

questionário online contendo perguntas referentes

à coleta de dados qualitativos e quantitativos,

com divulgação em rede para todo o Brasil, obtendo

639 respostas válidas em 21 estados brasileiros.

Então, em parceria com a ThoughtWorks, consultoria

global de software, a PretaLab lançou em agosto

de 2019, a #QUEMCODABR e a plataforma com

um banco de dados contendo perfis de mulheres

negras que trabalham com tecnologia no Brasil

(link na imagem abaixo).

O principal objetivo da #QUEMCODABR foi entender

a relação entre a percepção e a realidade em relação

à diversidade nas equipes de trabalho em tecnologia

no Brasil. Questionamentos sobre o que é diversidade,

sobre a representação da população nas equipes

de trabalho em tecnologia, sobre os perfis dos

profissionais deste mercado, foram levantados para

mostrar o panorama do cenário e apontar direções para

um mercado mais inclusivo e diverso. Clique na imagem

abaixo para visualizar a pesquisa no site da PretaLab.


14

A atuação da mulher é limitada por construções

sociais desde o seu desenvolvimento na infância,

diante da disseminação de supostas aptidões

femininas restritas ao serviço doméstico, e isso se

agrava ainda mais no contexto da negritude feminina,

porque torna também limitados os sonhos das próprias

mães e pais para o futuro de suas filhas. Isso acontece,

principalmente, por esse processo se consolidar como

um projeto político histórico, que remonta centenas de

anos de uma estrutura racista e patriarcal, construída

sob ideias colonialistas e escravocratas.

Diante desses dados, o racismo algoritmo é

uma realidade, prova de que a neutralidade das

tecnologias é um mito. De acordo com o que Sil

Bahia afirma, “as tecnologias estão carregadas

com as visões políticas, econômicas e culturais

de quem as cria e esse poder está nas mãos de

homens, brancos, heterossexuais, classe média/

ricos”, que converte-se em um conjunto de resultados

de busca enviesados, que privilegiam a branquitude e

desfavorecem, principalmente, as mulheres negras.

A partir disso, Sil defende que a democratização do

acesso às tecnologias não deve se voltar apenas

para a ampliação do consumo, mas também para as

possibilidades de criação. Afinal, como ela aponta,

“tecnologia é a linguagem do século XXI. É política, é

poder, é direitos humanos, é cidadania. É fim e é meio.

Tem que andar em conjunto com todas as outras

causas e pautas, senão estaremos sempre um passo

atrás”. Por isso, é preciso pensar no movimento rumo

à diversidade étnica na tecnologia, por meio da

inserção de mulheres negras nesse cenário.

Sil Bahia defende que, para transformar a realidade

da supremacia branca no contexto da tecnologia

por meio da inserção de mulheres negras, “não se

pode vir uma, tem que vir de bonde”, para fomentar

o empretecimento do cenário. Ana Carolina da

Hora, relacionando-se a isso fala, também, sobre a

importância da formação de redes de apoio, como

grupos de estudo, que gerem conexões para troca

conhecimento e experiências. E, conforme Ana e

Sil apontam, é preciso que essa movimentação

aconteça para o hackeamento do sistema, e, então,

o entendimento e ressignificação dos códigos, para a

abertura de brechas.

Hackeamento do sistema

Sil Bahia (2017)/Ana da Hora (2019)


Portanto, de acordo com a ideia de que o

conhecimento é a chave para a tomada de consciência

das relações de poder, e que o processo de construção

da tecnologia deve ser apresentado desde cedo para

as meninas negras e outras crianças do contexto

periférico, existe a necessidade de pensar na inserção

da pauta na educação escolar.

15



Um resgate histórico do contexto educacional

brasileiro demonstra que a educação passou a ser

direito constitucional apenas a partir da Constituição

de 1988 e uma análise desse dado permite a conclusão

de que os atrasos geraram diversos problemas, como

a baixa qualidade do ensino, o baixo desempenho

dos estudantes e as altas taxas de evasão. Estes

problemas interferiram e ainda interferem na

formação de gerações de brasileiros e resulta num

contexto de permanente desigualdade. Principalmente

porque o sistema educacional vigente atualmente

ainda respeita aos moldes do século XIX, ligado a ideais

colonialistas e eurocêntricos.

A própria organização espacial da sala de aula,

que mantém os alunos sentados em fileiras, uns

atrás dos outros, sem contato visual com os colegas,

olhando apenas para o quadro e o professor, em pé,

a frente, denota uma hierarquização, que define o

professor como o ator principal e os alunos como

meros aprendizes, além de não possibilitar atividades

colaborativas. Essa organização foi pensada para

formar operários de indústrias, de acordo com o

contexto do século XIX, como aponta o educador

Hamilton Werneck, portanto, junto a todo o modelo

vigente, definitivamente, não cabe mais na sociedade

atual. É mais do que urgentemente necessário

repensar as dinâmicas educacionais para readaptar ao

contexto e às novas gerações.

17

De acordo com Hamilton Werneck, “se temos novos

alunos, precisamos de valores novos”, portanto, é

preciso readaptar a dinâmica escolar à dinâmica atual

da sociedade, defendendo que “a escola precisa ensinar

a conviver, precisa ter tecnologia – quanto mais tiver,

mais os alunos vão progredir -, mas não se pode, de

maneira alguma, deixar de lado a formação do caráter,

a formação do afeto”.

A “Educação para o século XXI” consiste no

pensamento relativo à educação como principal

mecanismo de redução das desigualdades históricas,

a partir do desenvolvimento do poder de criticidade

das/dos alunas/os, cujos valores resgatam a

Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire. Objetiva,

principalmente a educação baseada na utilização da

tecnologia como ferramenta educacional, além de

incluir a reflexão sobre os impactos da tecnologia na

sociedade. De acordo com o que afirma o educador

Hamilton Werneck, é preciso “ensinar com tecnologia

e educar com sensibilidade”, para a construção de

múltiplos estímulos e personalização do ensino, e,

portanto, adotar metodologias que coloquem as/os

alunas/os no centro do processo de aprendizagem e

o professor com mediador do processo de construção

de conhecimento, garantindo o protagonismo e a

autonomia dos alunos.

Tecnologias como aliadas

Sil Bahia (2019)


A educação escolar e o processo

de mediação social

“Ser humano:

ser de natureza

SOCIAL, que tudo o que

tem de HUMANO provém

de sua vida em

SOCIEDADE, no seio da

CULTURA desenvolvida

pela HUMANIDADE”

(Leontiv)

Baseado em estudos da Psicologia Histórico-

Cultural, o ser humano só pode ser definido como tal,

com base nas relações sociais, já que nelas residem

a própria essência humana. Essas relações sustentam

a transmissão de conhecimento e comunicação,

responsáveis pelo desenvolvimento histórico-cultural

da humanidade e, por consequência, pela continuidade

do processo histórico.

A Teoria Sociocultural, de Lev Vygotsky,

levanta que “só há desenvolvimento tipicamente

humano se a pessoa for exposta a uma cultura,

apropriando-se das crenças, valores, tradições

e habilidades do grupo social ao qual pertence”. A

formação do indivíduo e, portanto, a constituição

da subjetividade, tratam-se de um processo

educativo, que consiste nessa caminhada em

direção ao pertencimento, cujo elemento principal

é a mediação social.

Vygotsky define como andaime o processo

central do aprendizado, que diz respeito à

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“lacuna entre o que a criança sabe fazer com

independência e o que precisa aprender com

a ajuda de alguém mais experiente”. Esse processo

consiste no auxílio dos adultos significativos,

que são aqueles que fazem parte da direção e

organização do aprendizado até sua internalização.

Logo, professoras/es exercem o papel de

mediadoras/es sociais e estão na linha de frente

do processo de apropriação do mundo, pois

oferecem o aparato cultural, por meio do ensino

de instrumentos sociais.

A relação aluno-professor, portanto, é de

importância significativa, não apenas para o

processo de formação acadêmica, mas também

para o processo de formação do indivíduo e, por

isso, precisa de atenção daqueles que repensam

as dinâmicas. Logo, é imprescindível a adoção

de uma abordagem de aprendizagem ativa,

partindo da identificação do conhecimento que a

criança já possui, seja identificado para que,

a partir daí, seja possível avançar.

A família também é um contexto de

aprendizagem e exerce forte influência sobre

a criança em idade escolar. No entanto, no Brasil,

a predominância de famílias com baixa renda e,

consequentemente, baixa escolaridade, acaba por

afastar os familiares do processo educativo. Essa

situação coloca a escola numa posição ainda mais

preponderante no desenvolvimento da criança.

Mas, mesmo assim, é necessário estabelecer uma

boa interação entre os dois contextos para auxiliar

as famílias a desenvolverem, junto às crianças, o

interesse e a valorização pela escola.


19

O educador Hamilton Werneck aponta que

um dos desafios da relação entre professoras/

es e alunas/os está na distância geracional,

que implica em vivências em tempos

completamente diferentes e noções de tempo

também completamente distintas. A geração de

professoras/es foi educada a partir da “ordem”,

enquanto as novas gerações, que vieram após a

evolução acelerada da tecnologia, já nasceram sob

o estímulo de aparatos cuja relação com os seres

humanos ainda se apresenta como um assunto de

grandes mistérios para os estudiosos.

Devido a essa realidade, alunas/os de hoje

têm o que se pode chamar de maior elasticidade

da mente, o que significa que o pensamento se

comporta de maneira muito mais acelerada do

que as pessoas das gerações anteriores. Isso

resulta em uma noção de tempo desordenada,

que provoca embates em sala de aula entre

alunas/os e professoras/es, pela dificuldade de

diálogo e aproximação e, consequentemente,

o desinteresse dos alunos.

Estabelecendo um paralelo com o conceito de

Zigmunt Baumann, da cultura líquida, Hamilton

aponta ainda que as ações no mundo atual estão

se tornando cada vez mais líquidas, ou seja, elas

simplesmente “passam”. No contexto da sala

de aula, isso resulta no não estabelecimento de

grupos de amigos, e as crianças mantém-se num

exílio dentro das telas digitais e desenvolvem-se

em “outro mundo”, um “mundo virtual”.

O papel do/a professor/a, nesse sentido,

é, antes de mais nada, compreender cada

aluna/o, para que seja possível a construção

de relações mais sólidas. A escola deve ser um

espaço em que as crianças estabeleçam relações

afetivas e democráticas, e garanta a todos a

possibilidade de se expressar.

Para que isso seja possível, é preciso estimular

o protagonismo da/os alunas/os, valorizando

a cultura e a identidade de cada um, com isso,

abrindo as portas também para o processo de

conscientização. A prática de sala

de aula precisa desenvolver a criticidade dos

alunos e, de acordo com Paulo Freire, a educação

deve inquietar as/os alunas/os para

a transformação do mundo.

Paulo Freire, pensador e filósofo brasileiro, considerado um dos mais

importantes na pedagogia mundial


20

Portanto, o papel do professor vai muito

além de ensinar valores diferenciados, por meio do

oferecimento das ferramentas adequadas. Para

isso, é importante considerar os estudos voltados

para a idade escolar.

Jean Piaget define que o processo de

desenvolvimento cognitivo nessa fase, referente

ao processo de desenvolvimento mental,

está associado ao crescimento físico, já que a

inteligência se constrói a partir da interação

entre o indivíduo e o ambiente. Neste projeto, os

estágios abordados correspondem ao operatório

concreto, que abrange dos 7 anos 11 anos; e ao

operatório formal, que abrange dos 12 em diante.

No entanto, é importante enfatizar que, embora os

estágios do desenvolvimento cognitivo sigam uma

ordem fixa, as pessoas passam por elas

em velocidades diferentes.

O que há em comum em todos eles é

que a criança em idade escolar apresenta

capacidade de raciocínio lógico sobre o mundo,

mas depende dos elementos concretos para

realização das operações, por meios visuais,

táteis e de experimentação, preferencialmente

a partir da utilização da interdisciplinaridade

como estratégia.

Ainda de acordo com a proposta de educação

com sensibilidade, citada por Hamilton,

pode-se abordar os estudos voltados para o

desenvolvimento emocional e social, já que,

junto do ambiente familiar, o ambiente escolar é

fundamental para o desenvolvimento do controle

da emoção e da autoestima. A emoção, definida

pela psicologia como a resposta interna produzida

a partir de uma informação proveniente do

mundo externo; permite entender a importância

da inteligência emocional, que se desenvolve

a partir da tomada de consciência das reações

emocionais e, por sua vez, gera a experimentação

de sentimentos que as crianças precisam aprender

a reconhecer e lidar.

A inteligência emocional, definida como

a capacidade de autoconhecimento, de

solidariedade, de convivência, de saber ouvir, de

colocar a si próprio no lugar do outro (Bisquerra,

2012), está associada ao desenvolvimento de

comportamentos pró-sociais que, por sua vez,

ajudam as crianças a se tornarem mais empáticas

em situações sociais e competentes para

enfrentar problemas de maneira mais construtiva.

Entretanto, os aspectos familiares também

geram interferências no desenvolvimento

do comportamento psicossocial e, por isso,

relacionar-se com pares da mesma idade é um

excelente aprendizado desses comportamentos

pró-sociais, porque adquirem senso de identidade,

habilidades de liderança e de comunicação.


21

Os estudantes de hoje estão cercados de

tecnologia, o que transformou a relação entre

eles e o mundo e, consequentemente, com a

escola. Afinal, possuem acesso rápido e fácil aos

mais diversos tipos de conteúdo e informações

e, portanto, é também fora das aulas que as/os

alunas/os percebem e desenvolvem interesses.

Uma das grandes defasagens do sistema

educacional brasileiro é a falta da abordagem

de atividades extracurriculares, que resulta na

dificuldade de adequação enfrentada por diversas

crianças e adolescentes.

A escola precisa ser uma instituição muito além

do ensino, que também acolha e valorize as/os

alunas/os, oferecendo possibilidades diversas

de aprendizado, inclusive, voltadas para outros

tipos de inteligência, como atividades culturais e

esportivas, o que pode contribuir a encontrar o

melhor modo das/os alunas/os se desenvolverem.

Além disso, as atividades extracurriculares são

de extrema importância para que professores

e pais conheçam melhor os alunos e contribuam

na identificação de preferências que influenciarão

na escolha profissional e outras decisões ao

longo da vida.


A influência do afeto no

processo educacional

De acordo com o artigo de Janete Piva, na

Revista de Educação da IDEAU (Faculdade

de Caxias do Sul), que discute a influência da

afetividade no processo de ensino-aprendizagem

sob a ótica da psicopedagogia, o afeto tem

importância, principalmente, na motivação. A

motivação corresponde ao “processo que mobiliza

o organismo para a ação, a partir de uma relação

estabelecida entre o ambiente, a necessidade e o

objeto de satisfação”. Já que o organismo é movido

por necessidades, ou seja, intenção, interesse,

o ambiente deve ser composto por estímulos e

possibilidades de satisfação dessas necessidades.

No entanto, esse objeto de satisfação é

componente da dimensão afetiva, cabendo a

professoras/es adotarem “atitude de acolhimento

nos aspectos didáticos e na relação interpessoal”.

A afetividade entre professoras/es e alunas/

os, portanto, está submetida à composição do

ambiente escolar, por meio da organização dos

tempos e espaços da escola. Portanto, é preciso

pensar a partir da proposta político-pedagógica,

que considera a concepção pedagógica

direcionada para o coletivo, por meio das práticas

aliadas ao discurso. Isso acontece diante da

abordagem da educação integral, que visa os

aspectos sociais, intelectuais e afetivos, pois a

transição entre a etapa orgânica do ser e sua etapa

cognitiva, racional, só pode ser atingida por meio

da mediação sociocultural.

22

“A consciência afetiva é a primeira manifestação

do psiquismo, por conta do vínculo com o

ambiente social, que garante o acesso ao

universo simbólico da cultura; e, assim, permite

a apropriação dos instrumentos com os quais

trabalha a atividade cognitiva”. Neste contexto,

o catalisador do processo de construção

do conhecimento é a “temperatura afetiva”

(Vasconcellos, 1995), estabelecida por meio das

formas de comunicação, que correspondem à

adequação das tarefas às possibilidades da/o

aluna/o, ao fornecimento de meios que realizem

as atividades com confiança e à demonstração de

atenção às dificuldades e problemas.

Logo, o suporte afetivo é o elemento central

no processo de aprendizagem, já que as emoções

fazem parte do cotidiano escolar. Diante disso,

o papel das/os professoras/es é a gestão do

controle das aulas, com a criação de ambiente

que facilite a espontaneidade, a comunicação

por meio do diálogo entre experiências diversas

e enriquecedoras para o fortalecimento

da autoestima e da capacidade. E, além

disso, também por meio do diálogo e da ação

colaborativa é preciso provocar oportunidades

de descobertas.


23

Relacionadas ao contexto da afetividade na

escola estão as questões relativas ao racismo

no cotidiano escolar, assunto explorado por

Azoilda Trindade, que problematiza “a distância

entre a escola e as classes populares e entre

a vida na escola e ‘a escola da vida’”, que, por

sua vez, gera, muitas vezes, o silêncio da escola

diante do preconceito racial. De acordo com a

autora, a escola é um dos palcos sociais onde,

cotidianamente, são vividas e exercidas as mais

diversas práticas de produção e reprodução

do racismo e afirma que, se os formuladores

do ensino no Brasil são, em sua maioria,

pertencentes a uma elite intelectual eurocêntrica,

é lógico que o ensino está centrado em valores

culturais europeus.

Assim, as narrativas apresentadas nas

escolas sobre os povos negros que compõem a

sociedade brasileira são incompletas, lacunares,

estereotipadas, quando não omitidas e negadas.

Diante disso, alunas/os pretas/os tendem

a incorporar a inferioridade que a escola e a

sociedade impõem em relação ao povo negro.

Portanto, é preciso transformar o ambiente

escolar num espaço de luta contra qualquer

ideologia de dominação, como machismo,

lbtqfobia e, principalmente, contra o racismo,

porque, de acordo com Azoilda, sem uma

transformação radical da escola em contínua

articulação com as transformações sociais

mais amplas, dificilmente haverá lugar para

a instituição de uma educação multiétnica,

multicultural, multirracial.

Um dos caminhos para quebrar o padrão

estabelecido desde o século XIX é descentralizar a

abordagem escolar da perspectiva eurocêntrica

e descolonizar o olhar sobre as dinâmicas

educacionais. Isso não significa anular a história

europeia no processo escolar, mas sim, não

privilegiar uma história única.

Azoilda Trindade, pedagoga e figura muito importante no movimento negro


A pergunta como elemento-chave

na dinâmica na sala de aula

De acordo com artigo especial, de autoria de

Edith Rubstein, mestre em psicologia educacional,

na Edição de 2019 da Revista de Psicopedagogia,

que apresenta uma reflexão sobre teoria e prática

no uso da pergunta como “disparadora de

situação de aprendizagem”. A autora defende

que aprender num contexto em que a pergunta

circule faz toda a diferença e adotar um estilo

interrogatório como mediador consiste em

questionar, validar ou reestruturar processos

e estratégias. Partindo da ideia de que, em sua

essência, o ser humano nasce para aprender,

a pergunta é mediadora, na medida em que

corresponde aos anseios e desafios da vida

e, por isso, está diretamente relacionado

ao processo afetivo.

Na relação professoras(es)/alunas(os),

professoras/es têm a chave, que corresponde

à capacidade de ambos fazerem perguntas. A

relação professoras(es)/alunas(os) com o saber,

que diz respeito a como ambos se permitem

questionar, e vai sustentar a técnica da/o

professor/a e a reciprocidade da/o aluna/o.

O ato de perguntar é uma manifestação singular

do sujeito, mas está submetida ao discurso

social. Entretanto, há certo preconceito social

ao redor da pergunta, porque “quem pergunta

em público, ‘paga’ mico”, e a “pergunta é própria

de quem não sabe”. Considerando que, de acordo

com os estudos relativos à idade escolar, um dos

problemas cotidianos do estágio psicossocial,

24

a faixa etária dos 6 aos 12 anos compreende

conflitos entre produtividade e inferioridade,

em que o desenvolvimento do domínio das

habilidades escolares sociais e sua falha levam aos

sentimentos de inferioridade e baixa autoestima.

A autora coloca a pergunta como “alavanca

e mola propulsora movida pela necessidade,

desejo e coragem de saber”, que permite o

desenvolvimento da autonomia de pensamento,

por meio do desencadeamento da construção do

saber resultado da aceitação e do fomento dessa

análise singular do conhecimento.

A valorização da pergunta também está

associada à desconstrução do sistema

metodológico ultrapassado e atualização das

dinâmicas para ‘Educação para o Século XXI’, já

que foi instalada na prática educacional que cabe

às/aos professoras/es perguntarem e às/aos

alunas/os responderem. Logo, partindo do fato de

que a sociedade vive em tempos de informação

e conhecimento, é importante estabelecer uma

relação entre eles, por meio do pensamento

crítico que, por sua vez, envolve problematização

e, portanto, a capacidade de elaborar perguntas.


25

Portanto, é preciso que haja um deslocamento

das posições de quem ensina e de quem aprende,

cabendo a professoras/es abandonarem o lugar

de quem apenas avalia e mede competências e

habilidades e gerar perguntas a partir do objetivo

de problematizar para que alunas/os abandonem

o estereótipo do questionamento enquanto

exposição da ignorância.

A adoção de estilo interrogatório no processo

de mediação provoca ‘desequilíbrios’ e, então,

favorece aprendizado mais reflexivo e tem

como objetivos “promover a independência na

interpretação da realidade interna e externa e

desencadear o desenvolvimento do domínio de

si decorrente de autoconhecimento, autonomia,

autocontrole e autoestima”.


Breve contexto histórico da

educação no Brasil

Baseado na pesquisa de tendências na

educação básica, com ênfase no ensino

fundamental, realizada em 2018, sob a orientação

do professor Flávio Carvalho, na disciplina de

Tendências em Design de Produto, foi possível

destacar como principal movimento com forte

potencial de ampliação cada vez maior no cenário

educacional, a inserção da tecnologia como

ferramenta no ensino.

A educação básica, regulamentada e organizada

por meio da LDB (Leis de Diretrizes e Bases da

Educação), cuja promulgação mais recente data

de 1996, corresponde ao ensino infantil, ensino

fundamental e ensino médio. A escolha do ensino

fundamental como recorte de pesquisa tem

justificativa nos dados do Censo Escolar de 2013,

que demonstram que 51,3% das matrículas na

educação básica correspondem a essa etapa,

sendo a rede municipal a que apresenta o maior

volume destas matrículas. Além disso, é a fase

escolar que oferece a base para as etapas futuras

e, portanto, as defasagens apresentadas à

frente estão diretamente relacionadas à falta de

qualidade do ensino no fundamental.

De acordo com as determinações da Lei de

Diretrizes Básicas, os anos iniciais do ensino

fundamental são a etapa base, abrangem do 1º

ao 5º ano, que correspondem a crianças entre 6

aos 10 anos. Na rede pública, as escolas do ensino

fundamental fazem parte da rede municipal e os

26

anos iniciais representam 68,3% das matrículas

(Censo 2013). Essa etapa da educação básica

deve desenvolver a capacidade de aprendizado,

por meio do domínio da leitura, da escrita e do

cálculo. Após a conclusão do ciclo, os alunos

devem ser capazes de compreender o ambiente

natural e social, o sistema político, a tecnologia,

as artes e os valores básicos da sociedade e da

família (LDB, 1996).

Atualmente, a realidade do cenário educacional

brasileiro é extremamente problemática,

principalmente no contexto da rede pública, e sofre

com o descaso e a falta de incentivos, embora

as estatísticas pareçam apontar melhorias em

alguns tópicos. O que se observa no cotidiano das

escolas públicas, entretanto, não corresponde a

esses números.

O ensino fundamental de 9 anos foi

estabelecido por lei em 2005, com prazo para

implementação até 2010, que garante tempo mais

longo de convívio escolar e mais oportunidades

de aprender. No entanto, de acordo com relatos

dos especialistas entrevistados, a realidade

que se apresenta é a de que essa medida não

funciona de maneira positiva, porque aumentar

um ano letivo não reduziu os problemas, já que

não foram feitos ajustes e adequações para a

efetivação dessa medida. As/os alunas/os estão

cada vez mais defasados e pobres de conteúdo,

porque o que se ensina, muitas vezes, está além

do desenvolvimento psicológico da criança,

impedindo que ela compreenda o conteúdo. Além

disso, falta material, estrutura, professoras/es e,

isso compromete o rendimento das/os alunas/


os e gera a falta de interesse. Portanto, dois

grandes desafios dentro dessa realidade são o

baixo desempenho nos índices de qualidade e as

elevadas taxas de evasão.

Dentro desse contexto, uma medida tomada

pelo Ministério da Educação foi a elaboração do

PNE (Plano Nacional da Educação), estando o atual

em vigor desde 2014 até 2024. Ele conta com

20 metas que se direcionam ao objetivo de reduzir

as desigualdades históricas. Dentro delas,

estão destacadas aqui aquelas que estão direta

ou indiretamente ligadas especificamente ao

ensino fundamental:

I) Conclusão do ensino fundamental de 95% dos

alunos na idade recomendada. Números como

a diminuição de 1% das matrículas na educação

básica, o aumento do número de aprovações e

promoções às séries subsequentes, o aumento

de alunas/os com idade adequada para a série

e a ampliação das demandas para as etapas

finais de ensino, apontadas pelo Censo Escolar

de 2013, apesar de parecerem, não se tratam

de um avanço positivo relacionado a essa meta.

Esses números são resultados da adoção de um

sistema alternativo ao tradicional, concebido

pela LDB, que corresponde a uma flexibilização

do currículo e do tempo de ensino, e conta

também com a aprovação automática dos alunos.

Isso, na verdade, gerou acomodação, perda de

responsabilidade e motivação com estudos, já que

os alunos não precisam de esforço algum para

passar de série. Ou seja, os números fazem parte

de uma “maquiagem” da realidade e só reforçam a

falta de qualidade do ensino.

27

II) Inclusão de deficientes e portadores de

necessidades especiais. Essa questão está

ligada tanto à acessibilidade, no que se refere

às estruturas físicas das escolas, quanto ao

processo de socialização das crianças com

necessidades especiais. De acordo com os

especialistas, as novas unidades escolares

já estão sendo construídas para atender ao

público portador de necessidades especiais,

mas é muito difícil realizar adaptações nas escolas

antigas. Entretanto, observa-se um melhor

resultado com relação à socialização desses

alunos que encontra obstáculos na falta de

preparo das/os professores, embora haja muito

esforço por partes delas/es e das crianças.

III) Alfabetização até o 3º ano do ensino

fundamental. 1 em cada 5 brasileiros é

analfabeto funcional, problema cuja raiz está

nas séries iniciais do ensino fundamental. Por

isso, é importante atentar para esse fato nos

anos iniciais, para que as/os alunas/os cheguem

devidamente preparadas/os às séries seguintes.

IV) Educação em tempo integral para 25%

dos estudantes. Aqui existem dois conceitos,

como apontou o educador Hamilton Werneck

em entrevista: educação em tempo integral e

educação integral. Educação em tempo integral

diz respeito à permanência por 8 horas na escola;

educação integral é a formação ampla da pessoa.

A meta do PNE consiste na coexistência de ambos

os sentidos. No entanto, segundo a diretora

Angela, entrevistada nessa pesquisa, o plano

atual da educação integral pode provocar a perda

de vínculo familiar, devido ao pouco convívio com


28

a família, em função de passar a maior parte do

tempo na escola, o que pode gerar crianças com

pouca afetividade. É preciso, portanto, que haja a

formulação de um plano de educação integral com

equilíbrio, o que demanda verba, espaço físico e

educação dos docentes.

V) O Ideb é o Índice de Desenvolvimento da

Educação Básica e, por meio de uma prova que

avalia conhecimentos de português e matemática

dos alunos da rede pública e privada, mede a

qualidade da educação. Apesar desse índice

apresentar avanços, é preciso ainda mais esforço

em direção à melhoria da qualidade, o elemento de

maior desafio no cenário educacional brasileiro. A

meta é aumentar a média de 5,2 dos anos iniciais

para 6, e de 4,1 para 5,5 dos anos finais.

VI) E como metas centrais estão as voltadas

para professoras/es, já que, por estarem na

“linha de frente” da educação, representam as

peças chaves para a melhoria no cenário. As

metas estão ligadas à garantia de formação

em nível superior; garantia à pós-graduação e

valorização, por meio da melhoria das condições

de trabalho e remuneração, além da instituição

de plano de carreira e piso salarial, garantindo,

por consequência, a valorização e a atratividade

da profissão. Hoje, o que se encontra, são salários

altamente defasados, péssimas condições de

trabalho, formação insuficiente, e torna-se cada

vez mais emergente a mudança desse cenário.

Considerando que a infraestrutura é de

importância fundamental no processo de

aprendizagem, deve-se dar profunda atenção

a ela, porque apenas padrões adequados

de infraestrutura serão capazes de facilitar

o aprendizado, melhorar o rendimento e

estimular a permanência na escola. Por isso, é

importante apontar, também dentro do âmbito

das estatísticas, que as escolas tanto públicas

quanto privadas, em sua maioria, possuem

bibliotecas, laboratórios de informática, acesso

à internet, quadras e estruturas que consideram

a acessibilidade. No entanto, o que se apresenta

é a falta de manutenção desses espaços, que se

encontram em condições extremamente precárias

e, em muitas vezes, impossibilitados de uso.

Relacionando-se com isso, portanto, está

a abordagem de questões sobre atividades

extracurriculares nas escolas. Existe uma falta de

incentivo por parte da escola com os alunos, no

que se refere às atividades culturais, esportivas,

que estão fora do currículo acadêmico. Unido

a isso, está a falta de incentivo também por

parte das famílias, o que, por diversas vezes,

pode acabar gerando uma impossibilidade de

descoberta do interesse da criança/adolescente.


29

Por isso, é preciso, antes de qualquer coisa, que

a escola seja um espaço onde as crianças possam

desenvolver a criatividade e se expressar, para

que possam desenvolver suas próprias histórias

de vida, compartilhar seus interesses e relacionarse

com os interesses dos colegas. Para isso, é

importante estimular a participação de todos os

alunos, abordando os interesses de cada um. A

empatia e a solidariedade são alguns resultados

pontuais dessa dinâmica.

No entanto, a perspectiva para o futuro da

educação no país, de acordo com especialistas

da área, não é nada positiva. Mesmo assim, é

necessário pensar a educação como principal

mecanismo de redução das desigualdades

históricas e produzir uma sociedade mais justa,

partindo do objetivo de conscientizar os alunos,

desenvolvendo seus poderes de criticidade.

Considerando que, de acordo com o que

podemos observar no que se refere aos incentivos

governamentais ao longo dos últimos anos, não

se pode mais esperar que haja interesse por

parte do Estado de desenvolver políticas que

irão transformar a realidade caótica do contexto

educacional brasileiro – embora seja seu dever

e obrigação. Portanto, é preciso que, dentro das

mínimas condições existentes nas instituições de

ensino, sejam feitas mobilizações internas, que

integrem professores, alunos, pais, professores e a

comunidade como um todo. É preciso, de uma vez

por todas, que a “revolução” parta de dentro.


A tecnologia como ferramenta

de ensino-aprendizagem

Partindo da ideia da tecnologia como

“facilitadora” da tarefa de professoras/es e

educadoras/es, os resultados da pesquisa

apontam para melhorias como: a promoção da

equidade, por meio da ampliação do acesso à

informação; a possibilidade de personalização do

ensino, por meio do acompanhamento de acordo

com o perfil de aprendizagem; e do fomento à

qualidade, por meio de recursos interativos, que

promovem a autonomia das alunas e dos alunos.

As tecnologias digitais podem colaborar com a

aplicação de novas práticas pedagógicas e novas

estratégias de ensino, a partir da incorporação

dos recursos tecnológicos à rotina escolar.

As crianças e adolescentes gostam das

novas tecnologias e têm afinidade com essas

ferramentas, ou, pelo menos, facilidade para

aprender. As/os alunas/os podem tornarse

mais receptivos com a utilização dessas

ferramentas, pois oferecem múltiplos estímulos,

e contribuem fortemente com a concentração

principalmente de alunas/os com deficiência e/

ou necessidades especiais, a partir da utilização

de recursos que estimulem vários de seus

sentidos de forma adequada. Tudo o que foge ao

modelo convencional e tradicional, na realidade,

já pode conquistar a atenção dos alunos. Diante

disso, a tecnologia deve ser entendida como

“empoderadora dos educadores”.

A internet e a ampliação do conhecimento

Ana da Hora (2019)

30

Portanto, as tendências apontam para uma

inserção cada vez maior de objetos digitais

de aprendizagem, como jogos, animações,

videoaulas; ambientes virtuais imersivos, por meio

de recursos como realidade aumentada, realidade

virtual, museus virtuais e laboratórios virtuais;

ferramentas de experimentação, com o intuito

de explorar capacidades em autoria e produção

audiovisual, fabricação digital, plataformas de

programação. Algumas escolas já estão iniciando o

movimento de implementação de transformações,

no entanto, é preciso compreender que nem todas

as escolas, nem todos as alunas/os possuem os

recursos necessários para se inserir na onda do

progresso do cenário educacional.


31

No Brasil, ainda predomina a ideia de que

tecnologia está associada a aparatos digitais

de alta tecnologia ou a redes sociais. Devido

ao recente início do processo do desenvolvimento

tecnológico, o próprio estudo do impacto da

tecnologia na sociedade ainda é defasado, logo,

o processo de formação de professoras/es

ainda se apresenta de forma muito embrionária.

Então, é preciso oferecer condições propícias,na

formação de professoras/es, para desenvolverem

conhecimento sobre as possibilidades de recursos

tecnológicos. Para, assim, conseguirem gerar

um planejamento de novas estratégias de

educação tecnológica na sala de aula. É

importante sempre considerar as dinâmicas

colocando o aluno no centro do processo de

aprendizado e professoras/es como mediadoras/

es da construção do conhecimento.

As estratégias de educação tecnológica devem

possibilitar o ensino personalizado; direcionar o

foco para o desenvolvimento de competências e

habilidades; incentivar alunas/os a pesquisarem,

indicarem referências bibliográficas e gerar

discussões sobre os temas pesquisados;

estimular a produção de textos; motivar projetos

colaborativos; e dar espaço ao desenvolvimento

da criatividade. Isso depende, então, que os

professores entendam as Etapas da Educação

Tecnológica, que correspondem ao eixo da

Tecnologia Digital, relativo à representação de

dados, hardware e software e comunicação de

redes; ao Pensamento Computacional, que será

detalhado mais a frente; e, principalmente o eixo

da Cultura Digital, que, segundo Ana Carolina da

Hora, envolve muito a nova forma de ação no que

se refere à educação e tecnologia.

A desconstrução do conceito de tecnologia

Sil Bahia (2017)/Ana da Hora (2019)


32

“A Cultura Digital remete às relações humanas

fortemente mediadas por tecnologias e

comunicação por meio digital, aproximando-se de

outros conceitos como sociedade da informação,

cibercultura e revolução digital”, de acordo com

definição de Ana da Hora. Os conceitos que fazem

parte são tecnologia e sociedade, cidadania digital

e, principalmente, o letramento digital, que se

faz muito necessário no século XXI. Ele está

ligado à “capacidade do indivíduo compreender as

informações obtidas na internet e utilizá-las de

forma crítica. O letrado digital não é aquele que

apenas lê, mas que sabe usar sua competência

estrategicamente – especialmente para criar

algum tipo de impacto, como gerar influência ou

aplicações práticas relevantes”, segundo Ana.

SE QUISER APRENDER MAIS

SOBRE ESSES CONCEITOS,

CLIQUE NOS LINKS A SEGUIR e

acompanhe os conteúdos!

Portanto, este processo pode representar

o primeiro passo para a inserção de professora/es

no universo tecnológico, e possibilitar a aplicação

das novas dinâmicas educacionais em sala de aula.



34

O desenvolvimento do projeto partiu da

abordagem do design social, com a finalidade de

entender a aplicação de tendências observadas

a partir da realização da pesquisa em 2018.

Portanto, iniciou-se a pesquisa-ação no campo,

em parceria com a professora Bianca Silva, nas

aulas de educação artística do 6º ano do ensino

fundamental, da Escola Municipal Luiz Paulo

Horta, localizada na Rocinha.

No meio acadêmico, a definição do design

como social normalmente se refere à melhoria

de qualidade de vida da parcela pobre da

população brasileira. O viés social neste projeto

está relacionado, em referência ao artigo “Os

sentidos do design social”, de Viviane Zertolini,

à emancipação política e às possibilidades de

superação da vulnerabilidade socioeconômica

e civil; a partir da compreensão desta

vulnerabilidade não apenas pelo viés econômico,

mas também pelo acesso desigual do grupo social

aos direitos fundamentais.

Afinal, a desigualdade social advém dos

mecanismos para a permanência das relações

de dominação, conforme já foi descrito aqui.

Portanto, o desenvolvimento da solução não

parte da noção quantitativa, que determina a

pobreza como material, mas da noção qualitativa,

de entendimento da pobreza enquanto política:

escassez de poder e recursos.

O design social apresenta-se aqui enquanto

abordagem crítica, que pretende valorizar os

espaços políticos conformados segundo as

práticas do cotidiano, pela atuação dos indivíduos

sociais na determinação da vida comunitária.

O potencial da ideia do design social crítico está

na possibilidade de gerar autonomia individual e

coletiva, além da libertação de relações sociais de

dominação e construção de relações sociais de

cooperação, ou seja, o direito de autogoverno e a

capacidade de criação de normas próprias.

Portanto, o conceito do design social a partir

de sua compreensão crítica busca oferecer

instrumentos para a sociedade sob o objetivo

de transformação social, não por meio do

desenvolvimento de produtos, mas da produção

de meios, a serviço do grupo social.


Rocinha, a maior da América Latina

Na década de 1930, a área do Alto da Gávea,

hoje ocupada pela favela da Rocinha, compreendia

uma região de horta e criação de animais, que

eram vendidos na feira onde hoje está localizada

a Praça Santos Dumont, no Baixo Gávea, e

abastecia toda a Zona Sul da cidade. De acordo

com o que conta o historiador Milton Teixeira,

os consumidores, ao perguntarem a origem

dos produtos de alta qualidade, obtinham dos

vendedores a resposta: “Vem lá da rocinha”. Daí

surgiu o nome do local.

Devido à atratividade de oportunidades

de trabalho nas terras, em 1950, a região foi

maciçamente ocupada por grupos de nordestinos,

que trabalhavam com agricultura e pecuária e

passou um processo de expansão acelerada,

configurando o caráter de “cidade dentro da

cidade”, inclusive com “bairros” próprios.

35

Durante as décadas de 1970 e 1980,

registrou-se um novo surto de expansão, devido

principalmente à construção do túnel Dois Irmãos,

que liga Gávea e São Conrado.

Um fato importante de mencionar, conforme

dados do Memória Rocinha, é que, em 1977, um

grupo de mulheres assumiu a diretoria da União

Pró-Melhoramentos dos Moradores da Rocinha

(UPMMR) – órgão ativo até hoje -, fundada em

1961, mas que teve as atividades encerradas

durante o período da ditadura militar. Na época,

mulheres passaram a liderar importantes

movimentos locais, como os mutirões para

limpeza de valas e campanha pela construção

de uma passarela na autoestrada Lagoa-Barra,

conquistada em 1978.

Apenas em 1993, a Rocinha atingiu o status de

bairro e passou a ter uma região administrativa

própria, também de acordo com os dados do

Memória Rocinha. Entretanto, esse novo status

não foi acompanhado de obras para melhorias

de infraestrutura e saneamento básico, iniciando

um processo de profundo descaso e abandono do

Estado. Foram direcionadas políticas e atividades

assistencialistas e desenvolvidos serviços sociais,

que pretendiam segregar a região, em vez de gerar

seu desenvolvimento.

No ano de 2003, por meio do lançamento do

livro “Pensando as Favelas do Rio de Janeiro:

1906 - 2000”, de Licia do Prado Valladares e Lidia

Medeiros, revelou-se que a Rocinha era a favela

mais pesquisada do Rio ao longo do século XX.


Em 2008, aconteceu a criação do Pró-Museu,

grupo dedicado ao direito às memórias e histórias

da região, que consolidou organizações como o

Museu Sankofa e Memória e História da Rocinha.

Conforme demonstra o Censo do IBGE

de 2010, a Rocinha foi indicada como a

maior favela do Brasil e a maior da América

Latina, com população superior à de 70% dos

municípios brasileiros, correspondente a cerca

de 70 mil pessoas. Mas, mesmo assim, os dados

apresentados são contraditórios, de acordo

com o que defende o presidente da União Pró-

Melhoramentos dos Moradores da Rocinha

(UPMMR), Leonardo Lima, pois acredita-se que

o número esteja em torno dos 200 mil habitantes.

A história da Rocinha remonta uma trajetória

de muita resistência e luta e, de acordo com

um dos coordenadores do Museu Sankofa,

Antônio Firmino, a apresentação dos documentos

históricos, que demonstram esse processo,

permite o entendimento de que “o que você tem

hoje é fruto dessa luta passada”, estabelecendo

uma conexão entre a história e o presente, a partir

de uma ideia da memória viva e não nostálgica.

Por isso, o nome “Sankofa”, palavra da língua

Akan, originária das nações africanas de Gana

e da Costa do Marfim, que significa: “devemos

olhar para trás e recuperar nosso passado,

assim podemos nos mover para frente. Assim,

compreendemos por que e como viemos a ser

quem somos nós, hoje”. Sua representação

simbólica é um pássaro com os pés virados para

frente e a cabeça olhando para trás.

Símbolo da palavra Sankofa

36

A comunidade pode ser considerada o símbolo

da desigualdade do país, porque, localizada

entre os bairros da Gávea e São Conrado, possui

residências de classe baixa muito próximas às

de classe alta e, assim, marcam um profundo

contraste urbano. Além disso, a própria população

de dentro da Rocinha corresponde, ao mesmo

tempo, a pessoas de classe média e pessoas em

situação de extrema pobreza.

O constante descaso e abandono do governo

diante da falta de infraestrutura, da degradação

das áreas verdes, do crescimento desordenado,

dos problemas de distribuição de água, entre

diversos outros problemas, levaram a população a

se engajar na realização de inúmeras mobilizações

e reivindicações em prol da comunidade.


37

Até hoje, a maioria dos problemas são

solucionados por meio de ações dos próprios

moradores, além de projetos sociais desenvolvidos

por outros grupos. No entanto, por se tratar de

uma área muito extensa, em que muitos locais são

de difícil acesso, muitas áreas continuam sem a

atenção de diversas dessas soluções. Geralmente,

as partes mais baixas acabam sendo os alvos mais

frequentes de ações e mobilizações externas,

muito também por representar a área de maior

fluxo turístico, em que se faz as coisas “para

gringo ver”. Por outro lado, as ações e mobilizações

internas, realizadas por líderes locais, embora

sejam feitas com muito esforço para atender a

maior parte possível da população, sofrem com

esses problemas de logística, pela falta de apoio

estatal e, portanto, infelizmente, não conseguem

ser tão efetivos quanto objetivam.

O Tamo junto rocinha é

uma iniciativa de ações

humanitárias. acompanhe

clicando nos ícones:

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38

Luiz Paulo Horta, a escola fruto

do sonho da comunidade

A Escola Municipal Luiz Paulo Horta foi

inaugurada pela Prefeitura do Rio em novembro

de 2016, construída no pátio do CIEP Rubião

Bento – que estava inutilizado -, após pedidos e

movimentações da comunidade da parte baixa da

Rocinha, para a construção de mais uma escola,

já que as existentes não atendiam a demanda da

quantidade de crianças da população do bairro, de

acordo com o que relatou a professora Bianca.

A Luiz Paulo Horta, que fica localizada na área

da famosa “curva do S”, abrange do 1º ao 6º ano do

Ensino Fundamental e funciona em turno único, de

7h30 às 14h30. De acordo com o posicionamento

da própria Escola, a educação acontece pelo viés

afetivo e lúdico, a partir do fazer mobilizado pelas

artes e ciências, buscando excelência acadêmica

por meio do fomento à autonomia e solidariedade.

No que se refere à infraestrutura, a Luiz Paulo

Horta possui cozinha e oferece alimentação para

os alunos, além de sala de leitura e área externa

para realização de atividades de educação física.

Por outro lado, não possui biblioteca, laboratório

de informática e laboratório de ciências. Além

disso, não há conexão de internet, e as salas de

aula não possuem retroprojetor. Embora seja

uma escola relativamente nova, já se apresentam

algumas questões problemáticas relacionadas

à infraestrutura, devido à falta de manutenção,

problema recorrente nas escolas da rede pública,

que interfere gravemente na qualidade do ensino.

No entanto, a escola é composta por uma

equipe muito empenhada em reunir o máximo

de forças para construir um ambiente escolar de

educação plena do indivíduo, diante da realidade

caótica do contexto educacional brasileiro,

principalmente no contexto da favela, e conta com

o engajamento da comunidade para a realização

de mutirões e outras ações.


39

A parceira Bianca e a

educação tecnológica

Bianca Silva, parceira do projeto, graduada

em Artes Visuais pela UERJ, “cotista com muito

orgulho”, segundo ela mesma afirma, é nascida

e criada na Rocinha e seus avós foram morar

lá “quando era tudo mato”. Mulher negra, em

processo de descoberta de sua negritude, entende

como as referências são importantes para a

autoestima e busca trazer a pauta, tanto em sua

atuação como professora, quanto como cosplayer.

Ela representa a classe de professoras/es

que estão na linha de frente da luta diária para

uma educação de qualidade no Brasil, diante do

descaso do governo, e enfrentam desafios para

trabalhar com os mínimos recursos. Além disso,

Bia é moradora da parte alta da Rocinha, onde

as dificuldades relativas à infraestrutura

e à logística são ainda maiores. Por isso,

é importante considerar que, além das

possibilidades de recursos das/os alunas/os,

o que as/os professoras/es têm disponível para

trabalhar é um ponto fundamental do pensamento

sobre as dinâmicas de aulas. Dentro disso, sobre

recursos pode-se entender tanto aquilo que se

refere aos materiais, quanto ao conhecimento.

Bia e seus cosplays de Uchiha Obito (à esquerda) e Miss Bianca à direita

Como já foi dito anteriormente, a continuação

da pesquisa deste projeto tem como foco o

processo de educação tecnológica de professoras/

es, a partir da abordagem de design gambiológico,

e depende, primeiramente, do letramento digital.

Esse conceito está ligado à “interpretação dos

códigos do conteúdo digital”, de acordo com

definição de Ana Carolina da Hora.

Partindo do ponto de vista de que é necessário

um aprendizado sobre os códigos para dar novos

significados a eles, é importante que professoras/

es adquiram conhecimentos sobre tais códigos,

para hackearem o sistema que determina

dinâmicas educacionais. Assim, será possível

gerar transformações nas aulas.


40

O letramento digital

Sil Bahia (2017)

Clique na imagem abaixo

para assistir ao vídeo

da ana carolina da hora

sobre letramento digital

Os códigos dizem respeito às plataformas das

redes sociais, que podem ser aliadas no processo

de educação tecnológica, por corresponder a um

canal de interesse das/os alunas/os. Estão ligados

ao entendimento da linguagem das redes sociais,

para que professoras/es assumam uma posição

de “facilitadoras/es” do letramento digital das/

os alunas/os, por meio de formas criativas de

apresentação do conteúdo de educação digital e

do estímulo da reflexão crítica sobre a tecnologia.

A escolha da aula de artes para o pensamento

sobre esse contexto está relacionada ao potencial

da disciplina de possibilidades de reflexão,

interdisciplinaridade e experimentação.


Pesquisa-ação no campo

41

O grupo selecionado para a pesquisa no campo

corresponde ao 6º ano, para compreender as

questões apresentadas no primeiro ano da fase

final do ensino fundamental. As tendências que

direcionam a pesquisa no campo fazem parte

do movimento em prol da transformação das

dinâmicas do sistema educacional para os moldes

da sociedade do século XXI.

essenciais para os alunos como criatividade,

imaginação e inovação; pensamento crítico

e resolução de problemas; comunicação e

colaboração; flexibilidade e adaptabilidade;

habilidades sociais e culturais; e capacidade

de lidar com diferentes situações.

METODOLOGIA STEAM

A Metodologia STEAM diz respeito ao ensino

de Ciência (S), Tecnologia (T), Engenharia (E),

Artes (A) e Matemática (M), cuja ênfase neste

projeto está voltada para uma abordagem

artístico-tecnológica, consiste numa metodologia

integrada e baseada na realização de projetos e

tem o objetivo de formar pessoas com diversos

conhecimentos, desenvolver valores, além dos

conteúdos abordados e preparar alunos e cidadãos

para os desafios do futuro.

A educação artística melhora o desempenho

acadêmico e auxilia os alunos a interpretarem

melhor o mundo, a partir da investigação,

da descoberta, da conexão, da criação e da

reflexão. Os alunos experimentam e vivenciam o

pensamento científico de maneira interpretativa

e reflexiva, e se beneficiam de um aprendizado

interdisciplinar. Essa metodologia está alinhada

com a “Educação para o século XXI”, no que se

refere ao foco no desenvolvimento de habilidades

MOVIMENTO MÃO NA MASSA (MAKER)

A segunda tendência é o Movimento Mão

na Massa, cuja inserção na dinâmica escolar é

um objetivo da diretora Ana Maria, e consiste,

de acordo com definição do Oi Futuro, numa

“cultura de resolução de problemas em que o

protagonismo do desenvolvimento das soluções é

de responsabilidade dos próprios alunos; estimula

que os estudantes transfigurem soluções de forma

colaborativa, podendo usufruir do conhecimento

da comunidade “maker” e contribuir com ela; o

estudante torna-se capaz de desenvolver soluções

para novos problemas, de forma autônoma. De

acordo com a diretora Ana Maria, essa é uma

forma da educação preparar alunas/os para

serem transformadoras/es da sociedade, em

concordância com a pedagogia de Paulo Freire.


OBSERVAÇÕES NAS AULAS

A pesquisa de campo está sendo realizada com

fundamento em estudos de antropologia, filosofia,

psicologia, pedagogia e psicopedagogia, aplicados

por meio de observação participante nas aulas,

propostas de atividades, questionários, sondas

culturais, participação em atividades.

As aulas de artes acontecem em um laboratório,

que contém duas bancadas, com quatro pias cada

uma, em que ficam posicionadas várias banquetas

altas. Além disso, há uma mesa compartilhada

com cadeiras ao redor, que fica posicionada mais

próxima ao quadro branco.

A turma do 6º ano tem 35 alunos, com idades

entre 11 e 14 anos sendo que os dados numéricos

utilizados durante essa fase do desenvolvimento

do projeto, são resultados de um questionário

aplicado, que gerou 29 respostas válidas.

Com base nesse questionário, 17 alunas são

meninas, sendo 8 delas de 11 anos, 5 de 12 anos

e 4 de 13 anos.

A professora Bia relatou que a escola não

tem laboratório com computadores, conta com

apenas um notebook, e, por isso, nem sempre está

disponível para uso. Além disso, na sala da aula de

artes, não há projetor. De acordo com a professora,

o perfil da turma está muito mais voltado para

atividades práticas e colaborativas do que

atividades individuais ou conteúdos expositivos.

42

Os materiais como lápis, canetas e papeis

utilizados nas atividades são disponibilizados pela

escola, que os recebe por meio de doação, embora

algumas crianças tenham estojos próprios. Bia

disponibiliza apenas uma parte dos materiais para

os alunos e mantém o restante armazenado numa

pequena sala anexada ao laboratório, que funciona

como uma espécie de “estoque”.

As atividades são quase sempre voltadas à

produção de desenhos, muito por conta da falta

de recursos. Bianca utiliza-se do seu próprio

celular para mostrar imagens de referência da

internet para alunas/os desenharem. A dinâmica

que a professora adota consiste em discutir

sobre um tema - seja utilizando como suporte

o livro didático de artes, seja fazendo anotações

no quadro - e realizar um trabalho prático sobre

ele. De acordo com depoimento, ela acredita

ser extremamente necessário entender que

“arte é pensamento” e, portanto, é importante

que se faça arte a partir de algum tipo de

questionamento, estabelecendo um paralelo

com ideais construtivistas, da produção de uma

arte engajada, que dá valor ao compromisso

social. O ponto alto da turma, segundo apontou a

professora Bia, é o senso de coletividade.

Ela também trabalha muito com músicas, seja

cantando com as crianças ou reproduzindo numa

caixa de som. Em diversas aulas, Bia começa a

atividade utilizando-se de uma música que tenha

relação com o tema a ser trabalhado no dia, para

uma contextualização. Às vezes, ela usa uma caixa

de som para reproduzir a música e, em outras

vezes, canta a música com as alunas/os.


43

A escolha de músicas atuais, que, muitas vezes

já fazem parte do universo da turma, facilita

a geração de maior interesse. E, também, Bia

costuma indicar sugestões de redes sociais como

referências artísticas, o que também contribui para

o engajamento das alunas/os, por estar associado

a seus interesses.

A professora Bianca explora, além disso, a

leitura em voz alta intercalada por debates,

discussões e reflexões sobre o texto, estimulando

a exploração de questões pessoais e emocionais;

além de sempre pautar a valorização da cultura

local popular do Rio de Janeiro, a valorização da

cultura afrodescendente e apresentar referências

de artistas negros. Um dos pontos altos é que os

temas discutidos permitem, na maioria das vezes,

a possibilidade de conexão com outras disciplinas

e estimula a pesquisa na internet.

Diante da dinâmica que a escola adota, a aula

de artes divide o tempo com a aula de música e

as alunas/os são livres para frequentar as aulas

de acordo com suas escolhas. Alguns, decidem

por participar apenas da aula de música, outros,

apenas da aula de artes. Mas, uma boa parte

da turma, fica entre as duas e, diversas vezes, o

fluxo de entrada e saída o tempo todo atrapalha

o andamento da aula. Bia sempre utiliza artifícios

para manter o foco das crianças, e o momento da

atividade prática, geralmente, é o que concentra o

maior número de alunas/os na sala, confirmando

o que a professora havia afirmado sobre a

preferência da turma.

Diante das conclusões sobre as observações,

algumas das propostas a serem trabalhadas

correspondem, principalmente, à melhor

conexão entre o comportamento e o estímulo e a

motivação das/os alunas/os. Logo quando chegam

à sala, as/os alunas/os estão agitadas/os demais,

o que pode ser solucionado por meio da realização

de atividades que iniciem de forma mais dinâmica,

permitindo que a turma gaste energia e, depois, vá

desacelerando o ritmo. Além disso, as/os alunas/

os que sentam nas bancadas, geralmente, ficam

mais dispersas/os do que aquelas/es que sentam

na mesa compartilhada, embora Bia percorra pela

sala tentando manter todas/os em foco. Então,

uma das soluções pode ser o planejamento de

atividades que permitam o maior aproveitamento

do espaço de sala de aula. Por fim, essas

melhorias podem garantir o engajamento das/

os alunas/os, e, assim, o movimento excessivo

de “entra e sai” poderá reduzir e, portanto, a aula

poderá, assim ser mais produtiva.



45

O mercado de tecnologia educacional

Diante do que demonstram as tendências para

o futuro da educação no país, que, na verdade,

já tem começado a se desenhar no presente,

os recursos digitais e aparatos tecnológicos

apresentam-se como requisito básico para o

progresso do cenário educacional. No entanto,

essa ideia da inserção da tecnologia apenas por

meios digitais no cotidiano escolar, é excludente

partindo do pressuposto que muitas escolas,

professoras/es e alunas/os, não têm acesso aos

recursos necessários.

Uma análise do mercado de tecnologia

educacional permite perceber que as edtechs,

como são chamadas as tecnologias voltadas para

educação, passam por um momento de evidência

no contexto brasileiro, devido ao potencial de

expansão mercadológica e impacto social. No

entanto, este mercado apresenta desafios que,

segundo apontam os dados do CIEB (Centro de

Inovação para a Educação Brasileira), precisam

ser superados: primeiro, porque trata-se de um

mercado em que mais de 80% das escolas de

ensino básico são públicas e, portanto, a aquisição

de tecnologia nesta rede ainda é muito baixa,

burocrática e pouco estruturada; segundo, porque

as educadoras/es ainda precisam transformar sua

visão sobre o processo de inserção de tecnologia

em suas dinâmicas escolares e de aula.

Os desafios e o ciclo longo de desenvolvimento

do mercado resultam em falta de investimentos,

e, por isso, a geração de soluções ocorre por meio

de processos desconectados da realidade.

No Brasil, o mercado das tecnologias

educacionais é fragmentado e, por isso, as

soluções são pouco diversas e ainda estão

muito concentradas em alguns nichos. Dados do

“Mapeamento das EDTECHS (2018)”, realizado

pelo CIEB, a partir de 364 edtechs, demonstram

que 48% delas estão direcionadas ao ensino

básico, na produção e na distribuição de conteúdo,

em sua maioria, por meio de iniciativas de venda

direta ao usuário final de plataformas de videoaula

ou cursos, seja para alunas/os ou professoras/es;

e soluções associadas à gestão para as escolas.


46

Os destaques do Mapeamento demonstram

que 49% das tecnologias educacionais

trabalham com soluções de Sistema Gerenciador

de Conteúdo, para suprir a necessidade de

transformação do sistema educacional, porque

conforme as dinâmicas atuais, gera pouco

engajamento e interação em sala de aula. Então,

61% dos produtos mais oferecidos em tecnologia

educacional estão direcionados para a produção

de conteúdo. Em sua maioria, são plataformas

adaptativas, que oferecem orientação e auxílio

para o desenvolvimento de habilidades sociais ou

técnicas por meio de tecnologias e ferramentas

digitais, que correspondem ao “pensamento

maker”, devido à utilização de métodos para os

usuários realizarem de maneira autônoma as

atividades propostas. Mas, partindo da perspectiva

de uma análise crítica dos dados, percebe-se que

as soluções não atendem às demandas reais do

campo, porque desconsideram as verdadeiras

condições do público ao qual se direcionam.

49%

Sistema gerenciador

de conteúdo

61%

Plataformas de

geração de conteúdo


47

A desconexão entre as soluções e demandas

do contexto educacional

Ana da Hora (2019)

Para o desenvolvimento de um produto

de tecnologia educacional mais efetivo, é

necessário considerar que as soluções precisam,

além de gerar engajamento e interação, também

facilitar o cotidiano, a didática e aprimorar o

sistema de aprendizagem. Como atributos,

é necessário que esteja direcionado para o

pensamento da “Educação para o Século XXI”;

que habilite o desenvolvimento de competências

socioemocionais e permita a personalização.

A mentoria deve ser considerada como atributochave

para a solução, devido ao processo

“andaime”, já descrito anteriormente. Sil Bahia

acredita que o caminho está na geração

de metodologias.


Educação tecnológica e

o pensamento computacional

48

O processo de construção das tecnologias

como abordagem da educação tecnológica

Ana da Hora (2019)

Ana Carolina da Hora aponta que a educação

tecnológica no Brasil é extremamente defasada,

pela predominância de soluções paliativas

que, como ela diz, pretendem apenas “tapar

buracos”. Segundo ela, isso acontece devido ao

pensamento de que a tecnologia está associada

estritamente à robótica e aparatos digitais,

quando, na verdade, ela corresponde a uma

ferramenta. Ana defende, então, que o conceito

da tecnologia precisa passar por um processo de

desconstrução, para que professoras/es possam

compreender as possibilidades para inserção de

tecnologia nas aulas. Conforme ela diz, quando

o professor entende, por exemplo, que, para o

desenvolvimento de um aplicativo, é necessário,

em seu princípio, apenas papel e caneta, ele

é capaz de inserir atividades relacionadas à

aplicativos em suas aulas. Ou seja, a educação

tecnológica precisa, na verdade, direcionar-se

aos processos de construção da tecnologia, do

pensamento computacional, que corresponde ao

reconhecimento de padrões, à decomposição, aos

algoritmos e à abstração.

O pensamento computacional é o processo de

criação das tecnologias, cuja base é o algoritmo

que, embora pareça um conceito distante, nada

mais é do que o passo-a-passo para a criação

das soluções. De acordo com o que Ana da Hora

defende, “todo mundo tem capacidade de

raciocínio do algoritmo, principalmente quem

tá no corre”, porque, diferentemente do que se

acredita normalmente, programação não está

relacionada apenas a computadores, mas a

projetar, planejar.


49

Diante disso, Sil Bahia defende que o primeiro

passo é aproximar a tecnologia de alunas/

os e professoras/es, por meio da utilização de

processos analógicos para o entendimento da

tecnologia, porque, para ela, não é necessário

estar no meio digital para entender sobre

tecnologia e, para isso, é necessário pensar de

maneira mais criativa para o desenvolvimento

das soluções.

O pensamento das tecnologias não é digital

Sil Bahia (2019)


50

Hackear a sociedade e

ressignificar os códigos

A Cultura Hacker é uma estratégia de ensinoaprendizagem

baseada no conceito de hackear

a sociedade. Hackear, segundo definição do

NAVE, Escola do Oi Futuro, “significa conhecer

e modificar os aspectos mais internos de

dispositivos e programas e redes”, a fim de

modificá-los, com intuito de melhorá-los. O

conceito de hackeamento se refere à liberdade

e compartilhamento de informações e

descentralização do controle, que consiste em

hackear o sistema educacional, adaptando as

dinâmicas às realidades da periferia, valorizando

as potencialidades da cultura local, como a

criatividade, o fazer e a coletividade.

Por isso, a metodologia está sendo abordada

neste projeto a partir do recorte da ensinoaprendizagem

no território, em que o processo

educativo se estende para além dos muros

da escola e estimula a observação e reflexão

sobre o ambiente ao redor, além de colaborar

com a personalização do ensino e permitir a

experimentação, que colocam alunas/os como

protagonistas.

Esse conjunto de conceitos, além de

garantir outros jeitos de aprender, estimula o

conhecimento e o reconhecimento, a construção

de sentido, a vivência da cidadania, o direito

à cidade e a transformação social. Além disso,

sob essa abordagem pedagógica, cada aluno

é visto a partir da unidade de seus interesses,

necessidades, potências, tempos, desafios e

limitações. E, também, estimula o pensamento

crítico e criativo, além de uma postura mais ativa

e independente nas/nos alunas/os, diante das

grandes questões da sociedade, preparando-as/os

para intervir positiva e criativamente no mundo.

E, então, por meio da cultura da favela, fomenta

a vivência periférica como força motriz para

elaboração de soluções e criação de repertório,

porque pensar favela é pensar tecnologia.



Política de enfrentamento e

valorização da cultura local

Na favela, uma prática muito comum é a

construção de gambiarras, por meio da utilização

de recursos disponíveis, a partir da rejeição

dos aspectos preexistentes nestes recursos,

transformando-os, subvertendo-os de seu

contexto original. A gambiarra, elemento presente

no cotidiano brasileiro e, principalmente da favela,

é a materialização do improviso, a inventividade

que nasce da necessidade, que, por sua vez,

corresponde à habilidade de resolver os problemas

com os recursos limitados ao redor. A gambiarra é

um componente de subversão à lógica do design

industrial, porque promove a transformação dos

aspectos de design dos objetos industrializados, a

partir da transformação da relação forma-função.

Por representar uma das expressões mais

sensíveis e criativas do ser humano, a gambiarra é

altamente potente no sentido de estimular o afeto

na dinâmica escolar, já que, de acordo com o que

aponta Vitória Flores, designer, nascida e criada na

Rocinha, a criatividade é o eco das emoções.

No contexto da abordagem hi-tech, existe uma

negação da gambiarra como tecnologia, mas,

partindo de uma definição mais formal, como

aponta Sil Bahia, tecnologia, nada mais é do que

um conhecimento técnico aplicado e, por isso, este

conhecimento pode estar em vários âmbitos. E,

também, o preconceito da sociedade voltado para

a gambiarra está totalmente relacionado ao fato

de ser um elemento cultural proveniente de um

52

estrato altamente desprivilegiado da sociedade.

Portanto, diante dessa visão do ‘jeitinho

brasileiro’ enquanto primitivo, é muito comum

que sejam importadas soluções estrangeiras

e desconsideradas as sabedorias brasileiras. É

extremamente importante considerar o contexto

local e valorizar os saberes periféricos.

Além disso, diante da sedução incessante

do consumo, a gambiarra enquanto

‘recontextualização’ criativa de materiais,

apresenta-se como uma política de enfrentamento

e fuga da afetação da contemporaneidade.

A favela como celeiro criativo e a gambiarra

como tecnologia

Sil Bahia (2019)


Gambiologia e o Movimento

“Mão na Massa”

Gambiologia é a ciência das gambiarras, que

propõe a pesquisa e a prática de improvisação,

criação, combinação, adaptação entre elementos

variados, com objetivo de encontrar soluções para

problemas do cotidiano, além de possibilitar novas

formas de arte e tecnologia. O conceito e a prática

da gambiologia estão vinculados ao design, à

experimentação, à tecnologia e à arte.

53

a gambiologia é movida pela importância do

aprendizado sobre a construção da tecnologia e,

portanto, oferece a possibilidade de explorar a

curiosidade, a imaginação e a geração de ideias.

A inserção das crianças no universo da construção

traz engajamento, prazer e diversão.

A gambiologia corresponde a uma abordagem

de sustentabilidade, por meio do resgate, da

reciclagem e do reaproveitamento de materiais,

essencial nos tempos em que a tecnologia lança

inovações fugazes, que estimulam o consumo

desenfreado e o descarte do que é programado

para rapidamente se tornar obsoleto. A

possibilidade proporcionada pela gambiologia, por

meio do estímulo à multiplicidade do olhar, que

permite enxergar novas possibilidades e, portanto,

inventar novas utilidades para objetos inutilizados,

leva ao questionamento do desperdício e da

relação limitada com os objetos gerada pelas

novas práticas de consumo.

A utilização da gambiologia como abordagem

na educação oferece fortes contribuições para

o processo de apropriação do mundo, porque

enriquecer o ambiente com artefatos de

produção própria leva as crianças à percepção da

possibilidade de interferência em seu contexto,

de impacto no espaço e isso, portanto, impulsiona

o processo de empoderamento. Além disso,


54

Em 2013, o CEO da Techshop, Mark Match,

organizou o “The Maker Movement Manifesto:

rules for innovation in the new world of crafters,

hackers and tinkerers”, com os princípios que

devem estar por trás de todo produto, projeto ou

ideia desenvolvida por criadores e pessoas que

pautam inovações. O manifesto foi traduzido e

interpretado pela plataforma Gato Mídia, a partir

da realidade do contexto periférico.

Dentre os princípios, estão: fazer, criar, como

ato de expressão para se sentir completo;

compartilhar, cujo gesto completa o significado

da criação; dar sua criação, como forma de dar

um pouco de si mesmo, e de adotar a cultura

de que o código aberto é fundamental para

a produção de impacto social; aprender, que

compreende um processo constante; ter as

ferramentas certas, sendo que, hoje, estão muito

mais acessíveis, ou, quando não estão, é possível

hackear e adaptar; brincar e experimentar, que

corresponde à capacidade de emocionar pelo

que foi criado; participar, pois é preciso criar

rede e mecanismos para que as pessoas estejam

cada vez mais conectados ao movimento maker;

apoiar, seja financeira ou intelectualmente para a

expansão dessa cultura; mudar, e não ter receio

de transformar o contexto. Por último, pode ser

acrescentado ao manifesto, a gambiarra como

ferramenta e estética; e a gambiologia, o estudo

das gambiarras como ciência maker, porque é

fundamental considerar o low tech neste contexto.

“Assim como para o movimento maker

tradicional, a impressora 3D é uma das

principais ferramentas de criação, a gambiarra

é a essência da cultura maker no Brasil. Todas

as criações populares, em favelas e periferias

do Brasil, inventadas para resolver problemas

cotidianos, a escassez ou a presença seletiva

do Estado, tem mostrado a potência criativa

nesses territórios. O mototáxi resolvendo

o problema de mobilidade, os “gatos”

resolvendo a falta de abastecimento contínuo

de água e luz, o puxadinho solucionando

a moradia. O modo de vida diverso e em

comunidade ensina que é preciso olhar sobre

o que é inovação no Brasil. A gambiarra como

estética, a ‘sevirologia’ [a arte de ‘se virar’]

como modo de vida, a ‘mecnologia’ [relativa à

gíria ‘tá mec’] como a ciência da tranquilidade

favelada e a criatividade popular vai nos

apontar o futuro”. (Gato Mídia)


55

Arte e Tecnologia

A Poética da Gambiarra está relacionada ao

processo, ao modo de fazer, que representa um

gesto estético-político e, enquanto manifestação

artística engajada, está ligada à coletividade e

ao ativismo. Corresponde à abordagem estéticafilosófica

que entende a arte como ferramenta

de reflexão e experimentação. A Poética da

Gambiarra está ligada à transformação da relação

forma-função, que interferem no campo funcional

e simbólico e, portanto, permitem apropriar-se,

interferir e reinventar.

das escolhas e das trocas econômicas e culturais.

Isso resulta na subjugação de determinados

grupos socias, já que aqueles que não têm

acesso às possibilidades de alterar consensos e

programas mais abrangentes, bem como o núcleo

de geração dos mesmos, terminam por servir

como operadores para o teste de aprimoramento

de rotinas pré-determinadas (Flusser, 2002).

A união de arte com tecnologia oferece

articulação política entre três ordens de

ecossistemas: ambiental, social e subjetividade

(Guattari, 1995). Afinal, as artes oferecem

oportunidades de abordagens múltiplas e

complexas para a reflexão sobre as implicações

socioculturais do desenvolvimento dos

dispositivos de produção e, consequentemente,

dos conhecimentos e poderes codificados e

difundidos a partir deles.

A contínua expansão do ambiente mundial

de informação e comunicação digital aumenta

as camadas de informação que circundam os

indivíduos em um mundo codificado, de natureza

secundária, construído de símbolos (Flusser,

2007), com os quais temos que lidar no cotidiano



57

A solução desenvolvida neste projeto é o

“Bonde da Gambiarra”, que, inicialmente, é um

movimento de inserção da metodologia de projeto

de design para a construção de gambiarras como

dinâmica de educação tecnológica. Futuramente,

pretende-se que o “Bonde” se torne um coletivo

que realizará ações em diversas escolas e outros

espaços de formação. Além disso, pretende-se

a continuação da pesquisa no mestrado, que se

voltará mais profundamente para a atuação de

professoras/es, buscando o entendimento das

possibilidades de inserção delas/es no universo

da educação tecnológica, por meio do dinâmica de

projetos de design-gambiologia.

O conceito de ‘bonde’ contempla a ideia

das relações colaborativas e do senso de

coletividade, fortemente características da cultura

de favela, além de representar o estímulo do

empretecimento do cenário da tecnologia.

Não se pode gerar uma mudança no contexto

apenas a partir da inserção esporádica de meninas

e mulheres negras nas áreas de estudo

e profissionais relacionadas à inovação e

tecnologia. É necessário que essa inserção seja

feita em “bonde”.

“Vir de bonde é muito melhor”

Sil Bahia (2019)


O desenvolvimento do projeto

no contexto da pandemia

A fase de desenvolvimento efetivo do projeto,

após a fase de pesquisa e conceituação, teve

início em março de 2020, com a previsão de dar

continuidade à parceria com a professora Bianca,

a partir da realização de experimentações com

as crianças na Escola Municipal Luiz Paulo Horta,

dessa vez, nas aulas de educação artística da

turma do 5º ano do ensino fundamental.

Entretanto, no dia 17 de março, data

correspondente à segunda semana de retorno às

aulas da PUC-Rio, após as férias, foram suspensas

as atividades de escolas, universidades e outros

espaços e serviços por conta da pandemia do

COVID-19. Portanto, foi necessária a suspensão

das experimentações na escola e a adaptação da

dinâmica de desenvolvimento do projeto.

Desta forma, a pesquisa de campo precisou

passar por uma série de transformações para

uma transição para o mundo digital. A dificuldade

de comunicação com as crianças limitou o

processo de desenvolvimento da metodologia

apoiada pela construção de gambiarras, diante da

impossibilidade de realização das dinâmicas

com elas. Portanto, foi necessário focar no

refinamento da metodologia, para a realização

da aplicação em sala de aula assim que o retorno

às aulas for possível, resguardando a necessidade

de adaptação para respeitar às orientações que

forem necessárias.

58

Um material que será analisado e aprofundado

nas pesquisas futuras é o conteúdo de narrativas

geradas pela comunidade da Escola Luiz Paulo

Horta durante o período de isolamento social,

frequentemente compartilhadas na página de

Facebook da Escola. Os resultados de alunas/os

das atividades propostas pelas/os professoras/

es estão registrados na rede social e podem servir

como objeto de estudo para o entendimento das

possibilidades de utilização das redes sociais a

favor da educação tecnológica.

Clique no ícone abaixo

para acessar à página

da luiz paulo horta e

ver os resultados das

atividades propostas:


A metodologia orientada

pela experimentação

A solução do projeto, para atendimento do

objetivo de “gerar metodologia de ‘Educação para

o Século XXI’ por meio de vivências periféricas”

é o desenvolvimento da metodologia baseada

em projeto de design, a partir da abordagem da

gambiologia. A utilização de dinâmica de projeto

está sendo utilizada com a finalidade de permitir

o pensamento não-convencional das crianças,

além de corresponder a uma abordagem do

design como impacto positivo para o futuro.

A dinâmica de experimentação, por meio da

construção de gambiarras, tem como propósito

a aproximação da linguagem da tecnologia ao

cotidiano da favela.

De acordo com Cass Holman, designer de

brinquedos “educativos e construtivistas”, a

experimentação permite o aprendizado e

o crescimento, além de fornecer respostas

e resultados a professoras/es, que são

observadoras/es desse processo, e podem

aprimorar cada vez mais as dinâmicas a partir da

análise dessas respostas e resultados. Ela acredita

que oferecendo às crianças as ferramentas para

serem confiantes e poderem entender como

podem ser criativas, empáticas e boas pessoas,

elas serão capazes de criar um futuro melhor para

si e para a sociedade como um todo.

O intuito da metodologia, em que a mediação

deve ser feita por professoras/es e o total

protagonismo deve ser das crianças, é levá-las

59

a entenderem, participarem e amadurecerem

nelas o processo tecnológico, o pensamento

computacional, com base no algoritmo

enquanto planejamento; o processo de projeto,

o desenvolvimento processual: estabelecer

onde se quer chegar, reunião de materiais,

pensamento criativo, encontrar soluções.

Mesmo que, talvez, o resultado não seja como

o esperado e planejado, a importância está

no processo e, portanto, ainda assim, será possível

que as/os alunas/os se transformem

em indivíduos criativos, com alto nível de

percepção do ambiente.

O principal sentido é capacitar as crianças;

gerar pessoas críticas, reflexivas, pensantes;

que vão ser capazes de projetar, resolver e ter

acesso a conhecimentos que, provavelmente não

teriam. Afinal, a partir do momento em que elas

não usufruem das possibilidades que o universo

tecnológico pode oferecer, porque as soluções do

mercado se resumem a uma ideia de tecnologia

desconectada da realidade periférica, elas acabam

ficando defasadas em relação aos contextos

privilegiados. Então, elas desenvolverem seus

projetos com os recursos aos quais têm acesso,

aproveitando-se de características de sua vivência

na favela para hackear a sociedade, pode levá-las

a um processo de “empoderamento” e maiores

possibilidades de perspectivas de futuro, por se

tornarem capazes de construir tecnologia.


De acordo com o que Ana Carolina da Hora

defende, o “bonde” também é um conceito

importante para que as crianças da favela possam

aproveitar suas vivências para a formação de

conexões, redes de apoio e troca de experiências

e conhecimento sobre tecnologia. Além disso, Cris

dos Prazeres, ativista e feminista, coordenadora

do “Vai na Web”, “Reciclação” e “Grupo Proa”,

defende que as/os alunas/os precisam ser

“escultores da tecnologia”, com os professores

sendo instruídos pelas/os alunas/os, o que poderia

proporcionar um encontro de gerações, sendo

assim, um “lugar de paz” do conflito de gerações,

por meio do compartilhamento de informações e

conhecimentos sobre a tecnologia. A condução de

professoras/es do aprendizado sobre tecnologia

de forma lúdica, deve permitir as possibilidades de

criação, além de considerar as potencialidades e

os interesses das/os alunas/os, para garantir um

aprendizado mais prazeroso.

60


61

Projeto de design gambiológico

As etapas da dinâmica metodológica

desenvolvida neste projeto serão exemplificadas

aqui por meio da construção da SOMBIARRA,

que representa apenas uma das possibilidades

de gambiarra que a metodologia permite gerar.

Afinal, as crianças é quem devem assumir todo o

protagonismo, observar o ambiente, perceber as

necessidades, identificar o que precisam construir,

quais materiais estão disponíveis e desenvolverem

suas próprias gambiarras.

O estilo interrogatório citado anteriormente

como abordagem para a mediação das/os

professoras/es se aplica na metodologia de

projeto de design gambiológico a partir do viés da

problematização, que aparece essencialmente na

etapa de reflexão após a construção da gambiarra.


62

Percurso metodológico

A metodologia parte da etapa de OBSERVAÇÃO, cujos

dados coletados serão analisados na etapa de REFLEXÃO.

Esses dados permitem a IDENTIFICAÇÃO da necessidade do

ambiente. A partir disso, inicia-se a etapa de PLANEJAMENTO,

para a CONSTRUÇÃO da gambiarra. Nesta etapa, é necessário

retornar à REFLEXÃO, por meio da problematização dos

resultados da construção e, em seguida, ao PLANEJAMENTO.

Então, inicia-se a nova fase de CONSTRUÇÃO e, após a

finalização, o COMPARTILHAMENTO dos resultados.


63

Observação do ambiente e registros

textuais, fotográficos, audiovisuais

para identificação de necessidades

Um dia, sentada na cozinha enquanto minha

mãe preparava o almoço, reparei que ela estava

ouvindo música no celular, mas o som estava

muito baixo. Sugeri que ela usasse um fone de

ouvido, para que pudesse ouvir melhor, mas ela

recusou a ideia, dizendo que além de atrapalhar

sua movimentação por causa do fio, e se sentir

incomodada pelo “isolamento” de sua audição

durante as tarefas na cozinha.

Então comecei a observar o cenário e buscar as

necessidades, possibilidades e potencialidades

existentes, a fim de pensar uma solução para o

som do celular.


64

Análise dos dados coletados a partir

da observação

Após realizar o registro da observação, comecei a

levantar reflexões sobre os elementos envolvidos

no cenário da tarefa da minha mãe na cozinha:

-o som do celular precisa se propagar por todo

o ambiente

-o celular precisa ficar apoiado na mureta

-a tela do celular precisa ficar visível e acessível


65

Identificação da necessidade do

ambiente e definição do objeto a

ser construído para cumprir uma

função, ou da função para gerar um

objeto, a partir de análise da função

e pesquisa de similares

De acordo com a observação da situação, é

possível perceber a necessidade de um objeto

que cumpra a função de ampliar o som do celular.

Por isso, parti da função para chegar ao objeto e,

então, pesquisei alguns exemplos de objetos que

amplificam o som, que já existem, para pensar o

formato da gambiarra do som.


66

Planejamento da construção da

gambiarra: desenhos de princípio,

listagem de materiais, desenhos

de construção

Desenho do princípio

da função:

AMPLIAR SOM


67

Para desenvolver a forma,

parti do desenho da

função para pensar no

material que poderia ser

utilizado e cheguei à parte

de cima da garrafa PET

Para compor a forma,

escolhi o rolo de papel

absorvente para

desenvolver a parte

do apoio para o celular


68

DESENHO DE CONSTRUÇÃO

MATERIAIS

- Garrafa PET 600 ml

- Rolo de papel absorvente

- Círculo de papelão

FERRAMENTAS

- Tesoura

- Estilete

- Fita adesiva


69

Construção da gambiarra acompanhada

por registros

01

PROBLEMATIZAÇÃO

O cone foi posicionado do lado de fora

do rolo do papel, o que não garantiu a passagem

canalizada do som


70

02

PROBLEMATIZAÇÃO

Primeiro, o cone foi colado no rolo com a boca da garrafa

na parte interna, no entanto, a boca foi retirada após

teste que mostrou que o som ficou abafado; e o cone foi

novamente colado na parte interna, dessa vez, sem a boca

A caixa de som do celular fica em cima, na parte de trás

e, construída dessa forma, a gambiarra exige que o

celular seja encaixado de cabeça para baixo, dificultanto

sua manipulação

O formato de joelho provoca uma “quebra” no caminho

feito pelo som, fazendo com que ele perca sua intensidade,

de acordo com o trajeto que precisa percorrer


71

03

PROBLEMATIZAÇÃO

A amplitude do som ainda não atingiu

o necessário

O celular precisa ficar “deitado” apoiado

na mureta e, por isso, ainda fica difícil o

acesso à tela


72

Problematização da forma das primeiras

versões construídas e geração de novas

ideias de composição

Para construir a versão 04 da Sombiarra resolvi

voltar ao desenho da ampliação de som, que levou

à escolha da garrafa como material. Então, pensei

em criar uma composição em que a garrafa estivesse

posicionada diretamente na saída de som do celular

e, assim, pudesse captar melhor as ondas sonoras

para a ampliação.


73

Planejamento da construção das

novas versões da gambiarra, a partir

das problematizações da construção

Para selecionar o material que funcionará como apoio

para o celular na composição da Sombiarra, pensei

em algo que tenha um formato que permita ser

encaixado na garrafa e cheguei até a caixa de suco


74

Construção da gambiarra acompanhada

por registros

04

VISTA FRONTAL VISTA LATERAL VISTA SUPERIOR

PROBLEMATIZAÇÃO

É preciso deixar uma borda para criar

dupla espessura

A lateral muito aberta deixa o celular

solto dentro da Sombiarra e, por isso,

quando manipulado, ele sai do lugar e

atrapalha o acesso à tela

A garrafa foi colada na caixa, o que

não garantiu uma fixação tão eficaz


05

75

VISTA FRONTAL VISTA LATERAL VISTA SUPERIOR

PROBLEMATIZAÇÃO

A borda da frente junto com a dobra

lateral deram maior sustentação às

faces da Sombiarra

A maior largura na parte de baixo da

borda permitiu o melhor encaixe do

celular dentro da Sombiarra, mas

a borda na parte de cima impede a

manipulação dos botões de volume

e bloqueio de tela

Utilizei a tampa da garrafa para fixar

a boca na caixa, o que permitiu uma

melhor fixação e firmeza


06

76

VISTA FRONTAL VISTA LATERAL VISTA SUPERIOR

PROBLEMATIZAÇÃO

Abertura na parte da frente para melhor

visualização do celular

Abertura na lateral permite o acesso aos

botões de volume e de bloqueio de tela,

mas fragiliza a parte em que o celular

fica apoiado

A abertura no fundo permite o acesso

do cabo do carregador, mas quando

a Sombiarra está apoiada, o cabo

atrapalha a estabilidade do apoio


07

77

VISTA FRONTAL VISTA LATERAL VISTA SUPERIOR

PROBLEMATIZAÇÃO

A borda da parte da frente fica só a partir

da altura onde fica o celular, e foi inserida

uma base por dentro, que faz o celular

ficar mais para cima e, portanto, mais

fácil de manipular a tela

Além da borda, as aberturas nas laterais

permitem o acesso aos botões de

volume e bloqueio de tela, mas nesta

versão, a posição da abertura ainda não

facilita esse acesso

A abertura para acesso do cabo do

carregador fica na base para o celular

e também no fundo da caixa. O espaço

entre a base e o fundo permite que o

cabo não atrapalhe o apoio da Sombiarra

na superfície


Nesta versão, existe também um

suporte para que a Sombiarra fique em

pé também e, assim, possa ser utilizado

em outra posição, além da demonstrada

anteriormente. Para voltar a essa

posição, basta virar a aba para frente

78


08 - VERSÃO FINAL

79

VISTA FRONTAL VISTA LATERAL (E) VISTA LATERAL (D)


80


81

Compartilhamento do conteúdo

produzido a partir dos registros do

processo de construção, associada

à ideia de hackeamento por meio

da lógica de disseminação de

conhecimento e informação


82

Lean Canvas

Parcerias Chave

Bianca Silva

E. M. Luiz Paulo Horta

Alunas e alunos da escola

Ana Maria Quintela

(diretora)

Famílias das crianças

PretaLab

Olabi

Atividades chave

Sistema de metodologia

de educação tecnológica

baseado em educação

para o século XXI,

que utiliza-se de vivência

periférica por meio

do estudo gambiológico

como abordagem

educacional

Recursos Chave

Conteúdos informacionais

em redes sociais

Proposta de valor

Fomento da formação

tecnológica das crianças

da favela, a partir

da valorização da

cultura local

Iniciação de meninas

negras nos estudos

voltados para inovação e

tecnologia, como caminho

para a ampliação de

perspectivas de futuro

Relacionamento

com clientes

Mediação conjunta

com os professores de

atividades de estudos

gambiológicos com as

alunas e os alunos

Troca de experiências

com alunos e

professores sobre

estudos gambiológicos

Canais

Segmento de clientes

Alunas e alunos da rede

pública de ensino

Professores e educadores

Escolas da rede pública

Ana Carolina da Hora

Sil Bahia

Estrutura de Custos

Profissionais da

tecnologia para ministrar

palestras e oficinas

Materiais para construção

de gambiarras

Palestrantes

Mediadoras/es de oficinas

Espaço para depósito e preparação de materiais

Fontes de receita

Financiamento

Patrocínios

Instagram

Facebook

Oficinas em escolas

Palestras em eventos


83

Planos para o futuro

A linguagem utilizada no desenvolvimento da

metodologia está voltada par o universo das

crianças. Nos próximos passos, será aprofundada

uma linguagem intermediária que contemple

o universo das crianças ao mesmo tempo

que apresente o universo técnico do design,

principalmente por meio de desenhos.

O desenvolvimento do projeto neste período teve

foco na experimentação da metodologia a partir

da construção de gambiarras sem a intermediação

da experimentação com as crianças na escola.

Um dos próximos passos é a alimentação do

Instagram como plataforma de conteúdo para

experimentação com as crianças, a partir da

reformulação e produção de conteúdos.

A linguagem estética que será aprofundada

está ligada ao afrofuturismo, a partir de uma

abordagem gambiológica. Portanto, dentro dos

próximos passos, está também o aprofundamento

da pesquisa e problematização do conceito de

afrofuturismo, além da produção de ilustrações

com linguagem de “afrofuturismo gambiológico”.



85

Silvana Bahia é comunicadora social, mestre

em Territorialidades na UFF, comunicadora do

KBELA (filme dirigido por Yasmin Thayná) e do

AFROFLIX, canal de produção audiovisual, feito

por pretas e pretos, trabalhou no Observatório de

Favelas, na Maré, e, hoje, atua como coordenadora

no Olabi Makerspace. Embora tenha se formado

em jornalismo, ela nunca se viu atuando como

jornalista, diante das realidades do mercado,

por nunca ter se visto representada e não se

encaixar no perfil normalmente procurado nas

vagas. Foi a partir daí que entrou em contato com

o jornalismo ativista, social e, então, se encontrou

dentro da profissão. Sil é curiosa, trabalhadora

e apaixonada por histórias, narrativas e pessoas.

Após se inserir no universo da tecnologia e circular

em diversos espaços voltados para este contexto,

movida pelo incômodo de ser a única pessoa

negra na maioria desses lugares, criou como uma

das iniciativas do Olabi, a PretaLab, projeto

de estímulo às mulheres negras nas áreas de

tecnologia e inovação.


86

Ana Carolina da Hora é cria de Duque de

Caxias, Baixada Fluminense, e cientista da

computação em construção pela PUC-Rio,

apaixonada por robótica e sempre na busca da

democratização do entendimento da ciência da

computação no Brasil. Motivada pela vontade de

explicar para a avó sobre como é o trabalho de

uma cientista da computação, criou o canal no

YouTube, Computação da Hora. Em seus vídeos,

ela busca explicar os conceitos relativos

à programação por meio de lingaguem mais

simples e acessível, estabelecendo analogias

com o cotidiano. Pesquisadora de novas

possibilidades, como ela mesma se intitula,

é também criadora do Ogunhê, plataforma que

tem como objetivo apresentar os cientistas

do continente africano, por meio de jogos e

narrativas interativas. Ana pensa as ciências

exatas a partir de uma abordagem humanizada,

representando uma vertente ainda muito pouco

explorada nesse contexto, partindo do princípio

que as tecnologias se relacionam com os seres

humanos e, por isso, não podem ser pensadas

sem considerar as ciências sociais.


87

Hamilton Werneck é doutorando,

pós-graduado em educação, pedagogo e

professor do ensino superior reconhecido

pelo CFE. Autor de 26 livros publicados,

alguns já traduzidos para o espanhol

e inglês, e com 9 DVDs educativos,

Hamilton Werneck já realizou mais de

1.950 conferências em todo o Brasil

envolvendo colégios, secretarias de

educação, sindicatos patronais e de

classe e universidades. Com experiência

em educação desde as classes

multisseriadas do interior até a pósgraduação,

vem participando ativamente

da vida educacional do país através de

programas de TV e congressos nacionais

e internacionais de educação. Pertenceu,

como conselheiro, de conselhos municipais

e do Conselho Estadual de Educação do

Estado do Rio de Janeiro e atualmente

é Membro da Academia de Letras de

Nova Friburgo. Foi também Secretário de

educação do município de Nova Friburgo

- RJ, e escreve para sites educacionais,

revistas e jornais especializados, como a

revista Profissão Mestre, fazendo parte

também de seu respectivo Conselho

Editorial. Atualmente trabalha na

Universidade Candido Mendes.


Entrevista com Sil Bahia (2017)

88


89

PESQUISA DO PROJETO “(IN)VISIBILIDADE

DA MULHER NEGRA NA SOCIEDADE

Entrevista realizada por Vitória Flores,

com registro em vídeo realizado por Ricardo Godot

e registro textual realizado por Ilana Guilland,

com perguntas elaboradas pelo grupo, também

composto por Juliana Barbosa

Eu queria que você falasse um pouquinho sobre

você primeiro, quem é você, no geral, sem ter

muito a ver com o Olabi...

SIL: Quem sou eu? (risos). Eu sou a Silvana...

Silvana Bahia, eu me formei em jornalismo.

Durante o tempo que eu fiquei na universidade

fiquei pensando o que eu ia fazer com aquilo

ali, porque eu não me via atuando como uma

jornalista, como a minha universidade preparava

os alunos pro mercado de trabalho, que era um

padrão que eu nunca consegui me encaixar. Então,

eu passei muito tempo da faculdade fazendo

processo seletivo pra fazer estágio, eu passava

nas provas, mas quando chegava na entrevista,

eu não ficava. E eu não sabia muito bem por que

eu não ficava, porque acho que também é um

processo você se entender no mundo e eu já não

era uma novinha, eu já tinha uns 23, eu acho,

quando entrei na faculdade... Ou 22... Mas, enfim,

suportei, e fui até o fim da universidade e o que

eu mais gostava, na verdade, eram as matérias

teóricas, mais ligadas à teoria, e nem tanto às

práticas, porque eu não me via muito naquele

lugar. Tinha toda essa atmosfera de pensar: “Cara,

eu tô ferrada, porque eu tô aqui investindo uma

grana, minha mãe podia, sei lá, ter dado entrada

numa casa com essa grana que ela tá gastando

aqui, e eu não sei se vou ter retorno mínimo disso”.

E aí eu caio pra fazer um estágio de cultura digital

num projeto que era novo, na época, em 2011,

chamado “Agência de Redes para Juventude”. E ali

na Agência minha vida começa a mudar, porque

eu descubro que existia todo um lado social,

que era o que eu me identificava, e que eu podia

trabalhar com comunicação dentro dessa área.

Ainda na Agência, comecei a fazer um estágio

no Observatório de Favelas, onde eu conheci a

Raika Julie e o Thiago Ansell, que foram duas

pessoas fundamentais na minha vida profissional,

primeiro, porque são duas pessoas negras. E,

quando eu chego na comunicação do Observatório,

eu falo: “Gente, que comunicação mais negra,

nunca vi uma comunicação dessas!” E dali nasceu

uma amizade e uma parceria que dura até hoje.

Então, fiquei uns 5 anos, quase, trabalhando no

Observatório, entrei como estagiária, virei trainee,

saí de lá jornalista sênior e vim trabalhar no Olabi...

Quem é a Silvana? Silvana é uma jornalista, que

terminou o mestrado muito suado em Cultura

e Territorialidades na UFF, sou filha de uma

empregada doméstica, neta de uma empregada

doméstica, tenho um irmão... Enfim, sou uma

pessoa interessada pelas pessoas, sobretudo. Eu

gosto de gente! E muito focada em tentar fazer

uma transformação nesse mundo tão cruel muitas

vezes, né? Essa sou eu.


E como você chegou até aqui, no Olabi?

SIL: Então, o Olabi... É muito engraçado, porque,

desde 2012, existe um projeto chamado “Rodada

Hacker”, que é uma oficina de programação

com foco em mulheres. Esse projeto foi criado

pela Daniela Silva, que é uma pesquisadora em

tecnologia também, e eu já conhecia o projeto,

mas eu nunca tinha tido grana pra ir até São Paulo

e participar. E aí, em 2014, eu já tinha escutado

falar da Gabriela Agustini, que é muita amiga

de vários amigos meus, que trabalharam junto

na Casa de Cultura Digital, em São Paulo, e ela

tava vindo pro Rio, e tava abrindo o Olabi. Então,

sempre ouvi falar da Gabi, queria muito conhecer

a Gabi, todo mundo falava: “Nossa, você tem que

conhecer a Gabi!”

No dia que eu conheci a Gabi, realmente, eu me

apaixonei por ela, assim... E aí, ela tava abrindo

o Olabi, isso era 2014, e ela falou: “Sil, vamos

fazer uma edição da Rodada em parceria, Olabi e

Observatório?” Eu trabalhava no Observatório, na

época. Aí eu fiquei maluca, falei: “Claro, vamos!” E,

na época, eu tinha ideia de fazer o site do Kbela,

que era um projeto que a gente tava começando

a tocar... E até hoje o site não tá pronto, eu morro

de vergonha disso, mas é a realidade! (risos) E a

gente fez a Rodada, na Arena Carioca Dicró, que

é lá na Penha, porque a ideia era descentralizar,

sair desse lugar Centro-Zona Sul, né? Pra mim,

foi um sucesso, porque foi a primeira vez que eu

entendi que eu podia trabalhar com tecnologia,

de alguma forma. Aprender a programar, aquilo

me empoderou muito. Também teve uma pessoa

muito fundamental nesse processo, que foi a

90

Steffania Paola, que foi minha tutora, porque

eu fiquei num grupo que queria fazer site no

wordpress... E a Steffania pirou com o projeto

do Kbela e ela falou: “Sil, se você quiser, posso

continuar te acompanhando, te ensinando,

construindo o site”. Aí eu falei: “Pô, claro que

eu quero aprender!” E aí, depois disso, a gente

teve inúmeros encontros, eu fui começar a

entender o que era programação e tal, um pouco

dessa linguagem. O site não ficou pronto até

hoje, eu também não sou uma “programadora

desenvolvedorona”, mas foi importante conhecer

esses mecanismos. E aí conheço ali o Olabi e é

nossa primeira ação juntas, né, Gabi e eu.

Aí 2015 foi o ano que eu tava muito focada no

Kbela, foi o ano que a gente filmou, que a gente

estreou, que a gente tinha que fazer várias coisas

e eu tava a fim de fazer outras coisas da minha

vida também, porque eu já tava há um tempo

trabalhando ali na Maré, né... O Observatório

de Favelas fica na Maré, que é um complexo de

favelas aqui na Zona Norte. E eu queria fazer

outros caminhos na cidade. Eu tava muito a fim

de dar uma volta, de pegar outro ônibus e seguir

outra direção... E aí a Gabi me chamou pra produzir

um ciclo de Rodadas Hacker, em São Paulo, porque

o Olabi tinha ganhado um Prêmio Tech Sampa,

que é um prêmio da Prefeitura de São Paulo, que

reconhece atividades na área da tecnologia, que

têm esse recorte de gênero. Nossa ideia sempre

foi descentralizar, né?

A gente fez seis rodadas e eu não queria fazer

só em Pinheiros e na Vida Madalena, porque eu

achava que ali já tem muita coisa. Eu morei um


período da minha vida no Capão Redondo, onde

minha família que migrou do Pará, por parte de

mãe, vive até hoje, e eu queria fazer alguma coisa

com as minhas amigas no Capão. Essa maratona,

é importante dizer também, que foi feita com

vários parceiros, vários coletivos de mulheres,

Minas Programam, PrograMaria... Não vou

lembrar de todos, mas RedBull também cedeu

espaço... Casa de Lua... E a gente também queria

levar pra fora desses espaços mais tradicionais,

onde essa discussão já acontece, então a gente

fez no Capão Redondo, com as meninas do

Coletivo “Fala Guerreira”, que são mulheres que

atuam ali na região do Jardim São Luiz e também

no Céu Parelheiros, que é extremo sul da Zona Sul.

Parelheiros é uma periferia grande de São Paulo.

Esse encontro com as meninas do Coletivo

“Fala Guerreira” foi muito legal, porque eu pude

perceber, de fato, não só pro discurso, mas a

concretização do que é diversidade na produção

de novas tecnologias, né? Porque elas tiveram

duas ideias super interessantes que só poderiam

partir delas. Uma era mapear os lugares mais

perigosos, onde as mulheres estão mais

vulneráveis ali, naquela região, que, hoje, tem

vários aplicativos assim, mas ali em 2015,

ainda, não era tão popular e eu também acho

que não seja tanto hoje em dia, mas aquela

ideia vindo delas, sabe? E outra era de coletar

histórias positivas sobre aquela região e deixar

isso disponível em QR Code pela cidade, enfim,

trabalhar com essa coisa de pertencimento e

também de uma memória mais positiva sobre

aquele espaço. Eu sempre me perguntava: o que

pode ser diferente quando outros tipos de pessoas

91

trabalham pra produzir essas tecnologias que a

gente usa e que cada vez mais permeiam a nossa

vida? Isso foi acho que em outubro, novembro...

Quando foi dezembro de 2015, a Gabriela me

chamou pra trabalhar no Olabi. Na época, eu era

coordenadora de comunicação, meio produção

também e, na verdade, a gente é muito pequeno,

né, a gente sempre foi uma equipe muito pequena.

Naquela época, a gente tinha, sei lá, seis ou sete

pessoas... Hoje, a gente tem isso também... Só

que aí eu comecei a entender mais o que eram

esses processos, o que era cultura maker, o que

eram essas máquinas, o que elas podiam fazer...

Impressão 3D, pra que isso serve, né? E o Olabi

sempre teve essa pegada, a nossa missão é

trabalhar pela diversidade na produção de novas

tecnologias. Aí, pra isso, a gente tem algumas

estratégias, porque a gente acha que é isso: não

dá pra tá só num lugar, sabe? Não pode ser só

os homens brancos do Norte que pensam essas

aplicações, né? Como é quando as mulheres

negras do Sul também podem pensar essas

aplicações? Ou quando outros tipos de pessoas

têm esse acesso?


Então, já entra, basicamente, no que eu ia

perguntar, que é o que é o PretaLab e como foi

essa aceitação do Olabi?

SIL: Então, eu chego no Olabi, e eu sei que o

espaço que eu ocupava já, no Olabi, que eu já

entro numa coordenação... Ele, também, além

de tudo, era um espaço político, né? E eu sempre

tive muita abertura pra pensar e pra propor, por

ser uma equipe pequena, mas porque também

tem um afeto entre a gente, a gente se respeita, a

gente se admira. O Olabi é o lugar, não é só porque

eu tô aqui agora, mas é o lugar que eu mais me

identifiquei no meu trabalho. Observatório foi a

grande escola, uma grande casa, eu amo tudo que

eu vivi ali, todas as pessoas que eu encontrei, mas

chegar no Olabi foi um outro momento da minha

vida, né, que ainda tá sendo.

E aí, como eu te disse, eu comecei a circular

muito. Eu tive que correr um pouco na frente,

pra entender esses processos, porque eu sou

jornalista, né? Eu não sacava muito! Então,

entender essa linguagem, entender essa

linguagem mais técnica, entender o que é essa

cultura maker, o que isso tem a ver com educação,

como a gente pode fazer links que tirem essa

impressão da cultura digital e da tecnologia

restrita ao conhecimento técnico, sabe? O que

esse empoderamento, essa apropriação pode

levar pra transformação social. E isso sempre

foi uma preocupação do Olabi, e muito minha

também. Quando comecei a circular muito,

participar de eventos e representar o Olabi,

uma das minhas missões, na época, era ser

tipo uma porta-voz do Olabi, então, todos os

convites quem pegava era eu.

92

Quando foi no ano passado, eu fui chamada pra ir

pro Latinidades e eu sempre quis ir no Latinidades,

a vida inteira, só que eu nunca tive grana pra ir

até Brasília, pra ir assistir um seminário tão rico

como é o Latinidades. E eles me chamaram pra

participar, pra ser uma das palestrantes. Eu fiquei

super honrada! Por conta do trabalho que eu tinha

feito no Kbela, que, depois, culmina na Afroflix, que

também não é um trabalho só meu, é um trabalho

em parceria. Tem o Bruno F. Duarte, que também é

um grande parceiro nessa comunicação aí.

Naquela época, fiquei pensando que eu tinha que

ter alguma coisa... Já tinha 6 meses, 7 meses, que

eu tava trabalhando no Olabi, era importante falar

do Kbela, de toda essa trajetória, mas eu queria

falar um pouco do que eu tava fazendo agora, que

lugar era esse que eu tava inventando pra mim.

E aí eu já tava com uma ideia de fazer algo

relacionado a mulheres negras e tecnologia,

mas eu não sabia muito bem o que fazer...Se

eu chamava um coletivo... E aí, nem pensando

tanto no âmbito institucional, quando essa ideia

tava dentro de mim, eu ficava pensando, sei lá,

será que eu chamo um coletivo? Será que eu me

encontro com outras mulheres negras que estão

interessadas nesse assunto, e a gente começa a

formar grupos e discutir e tal? Aí eu trago essa

ideia pra Gabi, e eu já tinha o nome, né, que era

PretaLab. Eu queria fazer alguma coisa com

o nome PretaLab! E aí ela falou: “Cara, vamos

investir nessa ideia aí! O que a gente pode fazer?”

Num primeiro momento, eu queria que fosse um

espaço de formação. Um espaço de troca entre

mulheres negras sobre tecnologia. Só que quando


eu comecei a contar as mulheres negras que eu

conhecia nesse campo, da tecnologia, no Rio, eu

não conseguia contar mais de 6 na minha mão.

Óbvio que minha timeline é muito limitada, né, é

uma bolha, eu sei disso, mas eu não tava dentro

dessa rede ou eu não sabia onde essas meninas

estavam. E aí só tinha as meninas de São Paulo,

que vinham à minha cabeça, que são meninas

também que me inspiram muito. Esses coletivos:

Minas Programam, PrograMaria, Infopreta... E essa

cena, que tem lá, queria que acontecesse aqui.

E aí a gente pensou: vamos mudar a estratégia,

talvez agora não seja o melhor momento pra

essa formação; por que a gente não começa uma

iniciativa pra mapear quem são essas mulheres

negras no campo da tecnologia?

E aí a gente começa a pesquisar se tinha esses

dados sobre mulheres negras. Se tinha algum

dado que dissesse a relação de mulheres na

tecnologia, com recorte de raça também. Hoje, a

gente vê que tem uma produção grande de dados,

essa discussão tá muito em pauta, a discussão de

gênero e tecnologia. Mas eu nunca tinha visto uma

discussão que fosse focada mais nessa questão

interseccional, que eu acho que uma coisa não dá

pra separar da outra no Brasil que a gente vive.

E aí, circulando muito, eu percebi que nós éramos

poucas as mulheres nesses espaços de tecnologia.

E eu sempre olhava pro lado e eu era a única

negra, e aí eu tô falando de homens negros e

mulheres negras também. Aí eu falei: cara, não

é possível! Eu não acredito que não tenham

mulheres negras na tecnologia, sabe? E isso

parte também de uma metodologia que foi muito

93

provocativa pra gente na época do Kbela, que

era uma pesquisa que tinha saído do Gema,

dizendo que, de 2002 a 2012, só 4% dos filmes

de maiores bilheterias do Brasil tinha a presença

de mulheres negras, tanto na técnica, quanto na

frente das câmeras.

Esse mesmo pensamento me fez buscar essas

mulheres, aí a PretaLab nasce, enquanto um

projeto apoiado pela Fundação Ford, é uma

iniciativa do Olabi. Eu sempre tenho esse cuidado,

porque, às vezes parece que são duas coisas, mas,

na verdade, é uma coisa só. Esse é um braço das

atividades que o Olabi faz e ele é protagonizado

por mulheres negras, mas ele tem mulheres

brancas também, trabalhando nesse projeto, como

a equipe do Olabi, mas todo o protagonismo é de

mulheres negras. Toda a linguagem que é pensada,

é pensada por mulheres negras.

Então, hoje, a PretaLab é um mapeamento

colaborativo que tá rolando na rede e que a gente

tem feito um esforço muito grande pra mobilizar

outros espaços; e também pra sair desse eixo

Sudeste, porque a gente tá aqui é tá também num

lugar de privilégio geográfico. E eu acredito que

existam outras meninas pelo Norte, Nordeste,

região Centro-Oeste, enfim, Sul, que também

estão nessa pegada, mas que também não estão

ainda nessa rede, talvez, ou que não estejam

nesse mainstream.


94

E, nesse primeiro momento, a gente quer fazer

esse mapeamento. Desse mapeamento, a gente

quer fazer alguns vídeos com essas meninas que

a gente vai encontrar, pra inspirar outras meninas.

Basicamente, hoje, o nosso projeto é um projeto

de mobilização, inspiração e comunicação.

O que a gente pretende fazer num segundo

momento do Preta, quando a gente entender

esses dados, né... Porque ali, no formulário, é

importante dizer que a gente não tá em busca só

de mulheres negras ou indígenas que trabalham

na área técnica da tecnologia, que tem um

conhecimento técnico, mas também as mulheres

produtoras de conteúdo. Então, as fotógrafas, as

youtubers, as blogueiras...

Porque é isso, a tecnologia, ela permeia toda nossa

vida hoje, né? Então, eu acho que a gente faz um

esforço também de ampliar o que é tecnologia.

A gente, aqui no Olabi, sempre fala que a gente

tem uma pegada de entender tecnologia de uma

forma muito ampla, que vai desde o crochê à

impressão 3D, né? O que é tecnologia, afinal? É um

conhecimento técnico aplicado. É importante dizer

que gambiólogas, makers, meninas que aprendem

coisas com tutoriais na internet são bem-vindas a

responder esse formulário.

A gente quer gerar dados sobre essas mulheres

e a situação delas, entender um pouco qual é a

demanda delas e, talvez, conectar as meninas

que têm interesse numa área formativa ou

profissional a esses espaços, porque a gente

entende que existem muitos espaços formativos,

que trabalham com a questão da tecnologia. Como

a gente força essa pauta dentro desses espaços e,

talvez, quem sabe, criar um espaço de formação.


95

Qual é a importância do recorte pra mulher?

Porque poderia ser PretosLab, PretesLab,

mas não, é esse recorte pro feminino... E qual

a importância de ter a mulher hackeando

esse sistema?

SIL: Eu entendo hackear como se apropriar,

entendeu? Se apropriar, entender aquele código

ali, pra você poder ressignificar... Pra mim,

hackeamento é isso. Mas só que isso só acontece

se você consegue significar a coisa, se você

consegue entender a coisa. E aí acho que hackear

serve pra várias caixinhas que existem no mundo,

não só no campo das tecnologias, embora seja

um termo que vem daí. Mas a minha ideia sempre

foi, quando eu penso em hackeamento é abrir

brecha. Como é que eu crio brecha? Não pode ser

só a Sil falando de mulheres negras na tecnologia,

tem que ter outras meninas também falando. E

eu tenho certeza que essas meninas existem!

E, penso, mais ainda, que, onde elas estão, elas

fazem a diferença. Então, assim, cadê elas? Hoje,

a minha missão é meio que dar uma hackeada

e dar uma empretecida nesse cenário. Por que

mulheres? Cara, porque a gente é um grupo,

infelizmente, muito vulnerável na sociedade. E

aí que entra também essa questão do por que

mapeamento, né? Por que gerar dados? A gente

vive hoje uma guerra de informações, de dados...

E quem produz esses dados? Também acho que

é uma coisa que a gente sempre tem que se

perguntar... E sem dado, sem informação, não tem

política. Nem pública, nem privada. Então, nosso

primeiro momento é esse esforço de gerar dados,

pra poder falar: olha, a gente sabe que somos

poucas mulheres negras e indígenas nesse campo,

mas a gente existe e tem uma noção. A gente sabe

que não vai ter a completude desses números,

mas que a gente tenha, pelo menos, uma amostra,

pra gente poder pensar o que a gente pode fazer

com isso, quais são as demandas das mulheres.

E aí, por que mulher e por que negra? Porque,

dentro dessa pirâmide, as mulheres negras são as

mais vulneráveis e são as que mais precisam de

políticas que fortaleçam o seu fazer e que possam

criar outras possibilidades pra gente nesse mundo,

né? Então, o Preta nasce muito de uma ideia de

que a falta de mulheres negras nesse campo

se dá muito por conta do acesso e pela falta de

referência. E aí, dentro desse “guarda-chuva”


acesso, tá tudo: dinheiro; questão econômica; os

lugares que você frequenta; onde você circula na

cidade; a própria questão do inglês, que é uma

barreira. E a questão da referência, é essa coisa

que tá muito ligada à memória, né?

A gente tem um país que é racista, que é machista,

e toda a memória que a gente tem do povo negro

aqui é uma memória da pessoa subalterna, é

do escravizado. Isso faz parte muito da minha

trajetória, porque eu também não queria ser negra

durante muitos anos da minha vida. Eu queria ser

tudo, menos negra. E, por ser filha de índio com

negro, o meu cabelo sempre foi o que me salvou

da negritude. Tipo assim: você não é negra! Você

é morena, você é índia, você é morena cor-dejambo...

Então, até essa coisa de tornar-se negro

é um processo mesmo. Você não nasce já com...

Não gosto da palavra “consciência” negra, porque

a consciência você pode bater a cabeça e perder

a consciência, entendeu? (risos) Não sei se é uma

consciência, não sei se é essa a palavra, mas

essa coisa de se entender enquanto esse sujeito

político. Porque você é um sujeito político, o seu

corpo é político.

96

vai vir só eu, porque aqui não tá só a Sil falando.

Tem toda uma ancestralidade que me acompanha

e que não é uma ancestralidade que eu tô falando

de pessoas que viveram há 500 anos atrás, tô

falando também da minha mãe, da minha avó,

que são minhas ancestrais diretas e que estão

aqui sempre comigo. Então, eu acho que não dá

pra ser só eu, entendeu? Se eu puder levar 2 ou

3 pretinhas, pra mim, já valeu a pena ter vindo

até aqui. E aí o fato de criar referência é também

inspirar outras mulheres, né? Tá tão dado pra

gente, que a gente tem que seguir determinados

caminhos, e eu não acredito que isso seja natural,

isso é uma construção, isso é cultural, que a gente

só vai conseguir romper isso quando a gente

hackear esses caras. Entender os códigos deles

e ressignificar isso, mas só que, pra ressignificar,

você tem que entender.

E é assim que eu fui me descobrindo também e,

por gostar muito de estudar memória, história,

eu sempre fui muito fascinada por essas histórias

que contam e quem conta a história... Eu falei:

cara, a gente tem uma possibilidade muito grande

hoje, que, óbvio que a gente tem mais acesso às

tecnologias, mas isso não serviu pra diminuir a

desigualdade, muito pelo contrário, isso acirra

desigualdades. Só que eu acho que um dos

caminhos é fazer, é abrir brecha. É, tipo assim, não


E aí eu acho que parte de uma coisa que é questão

de estudar, sabe? Eu tenho cada vez mais falado

dessa importância do estudo e aí eu não tô

falando de estudo na universidade, eu acho que

estudar não se restringe apenas à academia. Hoje,

com essa cultura digital, toda essa revolução da

comunicação, a gente pode aprender muito no

YouTube, sabe? Eu acho que o caminho também

pode ser esse.

Eu fico pensando que, cada vez mais, a gente

precisa entender a nossa história enquanto negros

e entender o que a gente vai fazer agora com

isso. E entender, mais ainda, que a gente vive na

diferença. Então, eu não tô no mundo pra criar

muro, sabe? Eu quero criar ponte.

E, isso, eu tô passível, inclusive, de ser criticada

por isso, mas eu não acho que vá existir um

mundo onde ficam os negros e um mundo onde

ficam os brancos. Eu acho que a gente vai ter quer

continuar negociando, só que essa negociação

ainda acontece de forma muito desigual. Então,

como a gente pode conseguir uma equidade maior

dentro desse campo? Que a gente é diferente,

isso já tá dado, isso eu já entendi. E até se você

for pensar mulheres negras, não são todas iguais,

existem vários tipos de mulheres negras.

Mulher é um guarda-chuva, mulher negra é outro

guarda-chuva. Mas o que a gente tem de comum?

Onde a gente pode se conectar? O que a gente

pode ter de comum, pra caminhar em prol de, pelo

menos, ter uma pauta em comum? Enfim, eu acho

que isso é uma questão hoje, no país, também, em

diversos grupos, mas eu tenho perguntado muito

97

sobre essa coisa de como é que a gente avança,

sabe? Como a gente cria algo que seja comum,

dentro dessa nossa diferença?

O que eu senti no dia da inauguração do PretaLab

foi que... Sim, eu tô muito acostumada a me

reunir com outras mulheres negras e discutir

muitos assuntos negativos, vamos dizer assim:

solidão da mulher negra, as dificuldades de ser

mulher negra, a falta de acesso. E era sempre

uma coisa do ruim, e até é importante pra

entender onde a gente tá, mas é pouco olhar pra

frente. No dia, aqui, foi totalmente falar do que

tá sendo feito, do que tá indo pra frente, então, é

muito importante!

SIL: Nossa, é muito bom ouvir isso de você, o

encontro foi pensado pra isso. E eu acho que

espaços de cuidado, né, porque, pra mim, isso é

cuidado, de você poder falar das mazelas, eles

têm que existir. Mas tem que existir também um

espaço de inspiração. Naquele dia, o que foi brifado

ali com as meninas, nossas convidadas foi: a gente

quer inspirar! A gente quer que as meninas que

vierem aqui saiam daqui pensando assim: cara,

eu posso fazer o que eu quiser! Sabe? Dentro das

minhas limitações, eu posso fazer muita coisa!

E, assim, isso também tem a ver muito com

esse papo, que a gente fala muito hoje em

dia, de empoderamento, né? E que eu acho

importante dizer que empoderamento não é algo

que você chegou, ah, me empoderei, agora, não

“desempodero” mais, sabe? Empoderamento,

tem uma manutenção daquilo ali... Você não acha


que... Cheguei num lugar e nunca mais vou sofrer!

Tipo, nunca mais vou sofrer racismo... Enfim...

Meu trabalho é uma das camadas da minha vida,

existem várias outras, minha família, enfim...

E tudo isso precisa tá, de alguma forma, em

comunhão, pra que a gente consiga caminhar.

Então, eu acho que tem que ter, sim, espaços onde

a gente vai falar das mazelas, de como é difícil

ser mulher negra, porque não é fácil! E eu acho

que a gente ainda tá aprendendo sobre isso, acho

que isso ainda é novo pra gente... A gente cuidou

muito do filho dos outros a vida inteira, a gente

cuidou da família dos outros. Agora, a gente tá

num momento que a gente tá podendo cuidar da

gente. Então, eu acho que esse cuidado, quando

ele é coletivo, eu fico arrepiada de falar, porque

isso me emociona! Isso transformou a minha vida!

Ser cuidada! Desde pequena, foi uma coisa que

sempre me fez ser a mulher que eu sou.

Eu nasci no centro da cidade, que hoje é cool, né,

mas, naquela época, anos 80, anos 90, não era

esse bairro gentrificado que é hoje... E, ali, no

Centro, minha mãe sempre foi vendedora, não

tinha muita grana, meu pai, músico. Mas uma

coisa que, na minha casa nunca faltou foi amor!

Eu nunca vi meus pais brigarem, entendeu? Então,

tinha toda uma relação ali muito forte e isso

sempre me tocou muito, essa coisa do cuidado.

Então, hoje, eu vejo que a gente consegue fazer

isso de uma forma muito mais coletiva e isso é

muito legal. E aí, beleza, essa é uma etapa. Uma

outra é: como a gente gera referências positivas

sobre a gente? E aí eu acho que a internet, ela tem

98

uma função muito central, da gente conseguir

se conectar mais. Embora, assim, a internet, ela

não é um lugar neutro, né, ela é um lugar que

reflete o comportamento da sociedade, então, ela

é machista, ela é homofóbica, ela é racista. E a

gente tem que aprender a lidar com isso também,

porque é um mundo novo. Só que ela também

possibilitou que a gente conseguisse falar mais e

ter um alcance muito maior a nossa voz. Ou seja,

a gente tá falando pra lugares que, antes, a gente

não conseguia falar. E eu acho que isso é muito

importante, entendeu?

Eu gosto de olhar pra frente, mas nunca deixar

de olhar pra trás! É bem sankofa mesmo, de você

olhar pra trás, pra poder projetar esse futuro,

mas o que a gente pode fazer hoje, sabe? Acho

que a gente precisa tá mais unido, o que é muito

difícil! Acho que o maior desafio do povo negro

é tá junto, mas assim... A gente tem que fazer

as coisas, sabe? E se a gente fica nessa inércia

também, de que tudo é difícil, porque é mesmo...

Eu não sei! Então, eu adotei pra minha vida modus

trator (risos), tipo, vamo fazendo, vamo passando,

porque senão, sei lá, se ficar parado... E é como já

dizia o Chico Science: “um passo a frente e você

já não tá no mesmo lugar”. Então, isso aconteceu

comigo e acredito que possa acontecer com outras

meninas também.


Entrevistas com Hamilton

Werneck e Ana Carolina

da Hora (2018)

PESQUISA DE TENDÊNCIAS

Entrevista realizada por Ilana Guilland, por

meio de áudios, sob o contexto da tecnologia

como ferramenta de ensino-aprendizagem no

ensino fundamental

Fase I

O estabelecimento do ensino fundamental de

nove anos trouxe uma melhoria significativa

no que se refere ao histórico de retenção

e rendimento. Na prática, os alunos estão

realmente saindo mais preparados do último ano

do ensino fundamental após essa mudança?

HAMILTON: A minha resposta é, em princípio,

não, por uma razão simples: aumentaram um

ano letivo, mas não fizeram os ajustes que

deveriam ser feitos em relação aos programas.

Os programas ainda continuam defasados; o

que se ensina está muito além, às vezes, do

desenvolvimento psicológico da criança, então

a criança não entende o que o professor está

explicando. Com mais um ano, era pra haver uma

adequação do conteúdo anterior, com mudanças

significativas, adequando-os aos vários anos

letivos. De fato, isso não foi feito. Antecipou-se,

em alguns casos, conteúdo do ensino médio, o que

é um dano para quem está estudando.

99

A maior parte das matrículas dos anos iniciais

do ensino fundamental está no âmbito da rede

pública municipal, correspondendo a cerca

de 68,3%, de acordo com o Censo Escolar

de 2013. Considerando os tempos de crise

financeira que temos vivido hoje, em que os

municípios, por sua vez, sofrem em larga escala,

como se sustenta a situação do investimento nas

instituições de ensino?

HAMILTON: Há uma dificuldade bastante grande

por parte dos municípios, mas, apesar das verbas

terem sido cortadas do Ministério da Educação,

existem muitos programas ainda em vigor. O

que acontece na prática das escolas públicas

municipais é uma questão marcadamente política.

Os prefeitos enchem de apadrinhados a Secretaria

Municipal de Educação. Com isso, ele atende os

desejos da maioria dos vereadores e consegue

ter sempre a Câmara de Vereadores apoiando

seu próprio governo, de modo que as Secretarias

estão inchadas, tem gente demais, gasta-se

dinheiro demais, quando, na verdade, deveriam

ser aplicados no desenvolvimento da educação

fundamental. Mas há municípios que podemos

citar e pinçar, que não são municípios ricos e que

têm um resultado excelente, como o de Caculé, na

Bahia, que é um município pobre, pequeno, e teve

um Ideb de 6,4 na última prova.


Os maiores desafios do contexto da educação

brasileira estão voltados para a equidade, a

inclusão e a qualidade. Algumas medidas estão

sendo tomadas, como a elaboração do PNE.

Considerando o cotidiano nas escolas, essas

transformações provenientes do cumprimento

de metas do plano da educação vêm sendo

sentidas? Se sim, de que maneira?

HAMILTON: Não se sente ainda uma equidade,

nem uma inclusão verdadeira, e, muito menos, a

qualidade, porque é necessário, primeiro, adequar

o conteúdo ao desenvolvimento psicológico da

criança; criar condições dignas de trabalho para

o professor; melhorar o salário do professor e

que a criança tenha mais tempo na escola,

para poder ter acompanhamento, para fazer

os exercícios, resolver os problemas e, assim,

completar o entendimento que teve na aula que

o professor ministrou.

Qual é o papel da tecnologia no processo

de ensino e aprendizagem? Quais são suas

vantagens e desvantagens?

HAMILTON: Costumo falar, nas minhas palestras,

que nós temos duas grandes vertentes da

educação: precisamos ensinar com tecnologia,

e precisamos educar com sensibilidade. Só a

tecnologia poderá promover o “monstrinho

treinado”, ou seja, aquele que é capaz de ter

um diploma debaixo do braço, e jogar um filho

ou filha do sexto andar de um prédio. Temos

que pensar nos dois aspectos. A escola precisa

ensinar a conviver, precisa ter tecnologia – quanto

100

mais tiver, mais os alunos vão progredir -, mas

não se pode, de maneira alguma, deixar de lado

a formação do caráter, a formação do afeto,

senão não teremos um cidadão, teremos um

“monstrinho treinado”.

“(...) precisamos ensinar com

tecnologia, e precisamos educar

com sensibilidade. A escola precisa

ensinar a conviver, precisa ter

tecnologia – quanto mais tiver, mais

os alunos vão progredir -, mas não

se pode, de maneira alguma, deixar

de lado a formação do caráter, a

formação do afeto (...)”

Qual é a sua opinião e percepção a respeito da

queda das matrículas na rede pública em face do

aumento das matrículas na rede privada?

HAMILTON: Bom, no ensino fundamental, não é

isso que ocorre. Pelo contrário. As pessoas, com a

crise econômica, não podendo fazer o pagamento

de mensalidades em muitas escolas estão

procurando a rede pública, de modo que a rede

pública que já tem muita gente, no total da rede

pública, do ensino municipal, estadual e tudo mais,

representa já 95% do alunado brasileiro. 5% nessa

faixa está na escola particular. O que acontece é

que as pessoas estão buscando ainda mais a rede

pública e ela vai se “inchando” cada vez mais.


Baseado no panorama oferecido pelos

resultados do Censo Escolar de 2013, em

relação à infraestrutura na rede pública,

75,7% das escolas possuem biblioteca, 80,6%

possuem laboratório de informática (índice,

inclusive, acima da média da rede privada),

82,3% possuem acesso à internet, 61,4%

possuem quadra. Em que condições realmente

estão essas estruturas?

HAMILTON: Essas estruturas estão melhores

no ambiente da escola urbana, e estão bastante

carentes na escola rural. A rede rural carece de

biblioteca, carece de computador, muitas vezes

não possui internet, e, muito menos, quadra

esportiva. Então, na realidade, há, ainda, uma

diferença, no Brasil, que reporta um dos livros

do Gilberto Freire, “Sobrados e Mocambos”,

sobrados na cidade e mocambos na zona rural,

que é aquela ideia de 100 anos atrás; que se

construía uma escola rural, com um termo

péssimo, que era “escola pra desasnar criança”.

Isso era uma coisa caótica. Mas, muitas vezes,

essas escolas rurais não conseguem atender

àquilo que deveriam, porque tem eletricidade,

mas, por relaxamento de governos e falta

de atuação das famílias junto à escola, da

comunidade educativa junto à escola, elas não

têm o progresso que deveriam ter.

Ainda relacionado à infraestrutura, apenas

36,8% possuem preocupações voltadas para

acessibilidade. Como um dos princípios

direcionados à melhoria do ensino, como você

vê a tentativa de inclusão na rede pública de

101

ensino? Que tipo de esforços estão realmente

voltados para esse ponto?

HAMILTON: Fala-se muito em inclusão, mas

não se concretiza muito esta inclusão. Primeiro,

porque as universidades não estão preparando

professores para atender crianças com deficiência

visual, crianças com deficiência auditiva... E as

escolas que, nem biblioteca, nem quadra e nem

computadores possuem, relegam ao último dos

últimos interesses colocar uma rampa ou colocar

uma inclinação, tirando o meio fio da calçada, para

que um cadeirante possa chegar à escola. Então,

esse tipo de esforço precisa quebrar todos os

paradigmas que formaram a nossa mentalidade,

desde o paradigma do mundo dos Hebreus,

quando se pensava que um defeito físico era

proveniente de um pecado cometido seja pelo

próprio indivíduo, seja por um antecessor seu, até

as demais atitudes de relegar essas pessoas a um

plano secundário, o que hoje é inadmissível.

Uma das tendências no contexto educacional

da atualidade é a educação em tempo integral.

Qual a sua opinião em relação a esse sistema?

De que a maneira a rede pública pode comportar

essa estrutura?

HAMILTON: Há dois conceitos aqui: educação em

tempo integral e educação integral. Educação

em tempo integral, a criança tem oito horas na

escola. Isso está expresso na Emenda 20, feita à

Constituição de 1988. Nenhuma criança deve estar

entregue a outro tipo de atividade, até mesmo

degradante, porque não está na escola. Agora,


educação integral é a educação da formação ampla

da pessoa humana. Ela deve existir, portanto, nos

dois sentidos, e o Plano Nacional de Educação tem

essa meta, embora tenha sido mitigada. Pensavase

que até 2024 deveríamos ter a metade das

escolas de tempo integral, mas na verdade, nós

passamos isso pra 25%, vamos atingir. O que é

necessário pra que isso ocorra? Primeiro, que o

município tenha dinheiro. Com as últimas emendas

feitas para ajustar a economia brasileira nós

não temos este dinheiro. Segundo, precisamos

de espaço físico. E, terceiro, precisamos educar

os docentes pra eles entendam o que é uma

educação em tempo integral e uma educação

integral da pessoa.

Dentro das metas do Plano Nacional estão

iniciativas que visam a atratividade da carreira

do professor. Você acredita que, nesse sentido,

poderiam e/ou deveriam ser combinadas ações

dos próprios professores, como forma de tirar

alguns estigmas da profissão?

HAMILTON: Sim, inclusive, nesta última semana,

participei de um evento, em Minas, na cidade

de Lagoa Santa, promovido pelo Sindicato dos

Professores das Escolas Particulares. Mas, no

mês passado, participei de um grande congresso

na cidade de Redenção, no Pará, onde houve

a participação de 1200 professores. Então, os

próprios sindicatos da área pública e da área

particular podem e devem organizar atividades

para que o professor possa manter a sua

formação continuada. O mesmo deve acontecer

com os municípios, porque, sem a formação

continuada seria impossível que o professor

atenda às necessidades de uma clientela

altamente antenada e ligada aos meios

de comunicação social.

102

Considerando o cenário político atual, qual a

perspectiva pro segmento educacional do ensino

fundamental?

HAMILTON: Enquanto persistirem e se persistir

por vinte anos toda esta trava com os gastos na

educação, nós não temos uma boa perspectiva.

Tudo vai depender se o próximo governo federal

vai flexibilizar, antes de 10 anos, essa questão.

Se isso não for flexibilizado, nós não vamos ter

progressos educacionais e, sem progressos

educacionais, nós não teremos progresso. E,

se nós não tivermos progresso, o governo não

vai resolver a sua situação fiscal. Hoje, um país,

para ser potência, geralmente são observados

cinco aspectos: espaço territorial, o Brasil tem;

grande quantidade de água, o Brasil tem; grande

quantidade de matéria-prima diversificada, de

commodities, o Brasil tem. Quais são as outras

duas, que são falhas no Brasil? Educação e saúde.

Enquanto nós não investirmos além do que é

especificado pelo valor da inflação anual, nós

não sairemos deste atoleiro, que atrapalha a

vida do país, o desempenho das empresas, uma

mão de obra qualificada e, consequentemente,

o progresso, a distribuição de renda e a melhoria

da vida das pessoas, nos aspectos sociais e nos

aspectos econômicos.


Fase II

“Hoje, um país, para ser potência,

geralmente são observados cinco

aspectos: espaço territorial, o Brasil

tem; grande quantidade de água,

o Brasil tem; grande quantidade

de matéria-prima diversificada, de

commodities, o Brasil tem. Quais

são as outras duas, que são falhas

no Brasil? Educação e saúde.”

Um dos maiores desafios da educação, hoje,

é geracional: alunos e professores vivem

em “tempos diferentes”, portanto, possuem

compreensões distintas do tempo. Enquanto os

professores foram educados com base numa

lógica ordenada, as crianças de hoje estão se

desenvolvendo a partir de um conceito de “non

order”. De acordo com as teorias estruturadas

por Zygmunt Baumann sobre a “modernidade

líquida”, pode-se perceber que o “exílio” nas

telas dos computadores, tablets, smartphones,

que levam as crianças a outro mundo, resultam

em ações líquidas e, por consequência, gera o

não estabelecimento de grupos de amigos na

escola. De que maneira o professor pode exercer

o papel de estimular e construir relações mais

sólidas com e entre os alunos?

ANA CAROLINA: Vivemos na era da tecnologia e

seu avanço trouxe um conflito mais direto entre

gerações. Conflito entre gerações sempre existiu

mas, agora, com o desenvolvimento desenfreado

da tecnologia este conflito está mais evidente.

O professor não irá perder seu papel na sala de

“O professor não irá perder seu

papel na sala de aula como muitos

pensam, mas ele precisará assumir

uma outra postura (...) Jovens

querem ser protagonistas de

suas histórias e, mais do que

isso, querem ser “facilitadores”

do conhecimento assim como os

professores sempre foram.”

103

aula como muitos pensam, mas ele precisará

assumir uma outra postura, uma postura mais

de facilitar o entendimento da informação do que

uma postura de compartilhar a informação, digo,

o professor não é mais o único canal que o aluno

tem para estudar ou aprender sobre determinado

assunto. Para o professor entender o seu novo

papel na sociedade, talvez ele tenha que aprender

mais sobre esse novo mundo. Jovens querem ser

protagonistas de suas histórias e, mais do que

isso, querem ser “facilitadores” do conhecimento

assim como os professores sempre foram.

HAMILTON: Vou me basear no livro “Culturas

Extremas”, do Máximo Canivacci. Este autor tem

feito muitas palestras no Brasil, já há mais de

20 anos, ele é italiano e, neste livro, ele aborda

muito essas questões relativas a uma lógica

diferente que os alunos, sobretudo, adolescentes

e jovens têm hoje, muito diferente da lógica

dos professores. Os professores vivem num

tempo diferente. Nós temos que tomar cuidado,

porque fomos educados no século passado e os

programas, muitas vezes, são do século XIX, e

isso é um perigo muito grande, porque há uma


distância enorme em relação à linguagem e a tudo

que o aluno tem necessidade e admiração. Por

exemplo, a ‘‘non order’’: não existe por parte dos

alunos uma ordem, por exemplo, de leitura. Eles,

às vezes, leem a história do final para o começo.

Eu conheço um livro de avaliação da professora

Jussara Hoffmann, de Porto Alegre, que ele

começa, aparentemente, do começo até o meio

e depois, você lê do final até o meio. Você vira o

livro de cabeça para baixo e faz a leitura. Este tipo

de leitura atende a esta ‘‘non order’’. Eu aproveitei

e fiz experiência comigo mesmo quando li o livro

“Código da Vinci”. Eu percebi que Dan Brown tinha

uma grande capacidade de escrever, só que ele

não completava a história. Ele caminhava por um

pedaço de história e pulava pra outra. Então, eu

fazia o seguinte: procurava no livro onde a primeira

história continuava e, assim, ia até o fim e acabava

a última história, e tinha certeza de não ter

chegado a lugar algum, mas ele havia prendido a

minha atenção. Assim, fiz com a segunda história,

com a terceira história e cheguei a essa conclusão

final: você procura, procura e nada acha, mas ele te

prende o tempo todo. O livro pode ser lido por uma

‘‘non order’’, não pela lógica normal, mas por uma

falta de lógica. É uma outra lógica. É, portanto,

uma maneira de certa aporia, que o Máximo

Caravacci trabalha muito bem no livro dele.

Outra questão é a questão do exílio. ‘Exilado’,

antigamente, para nós, através da história, era

uma pessoa que era mandada pra fora do seu

país, não podia voltar, poderia ficar livre, mas em

outra terra, outra cultura, tendo que aprender

uma outra língua. Hoje, o exílio, este “escape”, que

também é abordado por Canivacci, é exatamente

104

o exílio diante da tela do computador. Vamos a

um exemplo: na linguagem html, que já tem uns

20 anos, aproximadamente, o aluno encontra

um texto e, em letra vermelha e destacada, está

lá ‘delta’. Ele deveria pesquisar sobre o ‘Delta do

Parnaíba’, no entanto, ele resolve clicar na palavra

‘delta’ e acaba no ‘Delta do Nilo’. No ‘Delta do Nilo’,

ele vê a palavra ‘pirâmides’, ele clica em ‘pirâmides’.

Quando está dentro da leitura sobre pirâmides,

aparecem ‘múmias’ e ‘sarcófagos’, ele clica. Então,

ele começa numa pesquisa sobre o ‘Delta do

Parnaíba’ e, minutos depois, ele está de frente

para uma múmia, dentro do sarcófago, do Delta

do Nilo e, se alguém o chamar, é provável que ele

não ouça e não atenda o chamado. Não por falta

de educação, mas porque ele está completamente

exilado na tela de cristal líquido do computador.

“Os professores vivem num tempo

diferente. Nós temos que tomar

cuidado, porque fomos educados

no século passado e os programas,

muitas vezes, são do século XIX,

e isso é um perigo muito grande,

porque há uma distância enorme

em relação à linguagem e a tudo

que o aluno tem necessidade

e admiração.”

O professor deve se inteirar de como orientar seus

alunos numa pesquisa através da internet. Precisa

fazer esta experiência. Por exemplo, quando

um professor for fazer uma leitura de um livro

qualquer, leia em outra lógica. Eu, por exemplo,

encontrei um livro chamado ‘‘O Capelão do Diabo”.

Resolvi ler o livro completamente fora de ordem,


estava lendo conforme a garotada costuma ler.

O que aconteceu ao final? Consegui fazer uma

síntese do que o autor disse naquele livro. O que é

importante notar é o seguinte: os alunos, muitas

vezes, não têm a capacidade de síntese que a

gente tem, então a gente não pode incentivar,

sem mais, que eles façam sempre assim. É preciso

ir aos poucos e nós também irmos aos poucos,

para conseguirmos compreender este novo

modelo de pensar.

A diferença geracional dos professores em

relação aos alunos afeta diretamente a

implementação da tecnologia como ferramenta

no processo de ensino-aprendizagem. Falta

conhecimento, domínio dos recursos e, em certa

medida, ainda existe preconceito. O que pode ser

feito para que os professores entendam como os

recursos tecnológicos podem ser incorporados

à rotina escolar e, dessa forma, colaborar com

a promoção de novas práticas pedagógicas?

Como fazer com que os professores conheçam

as possibilidades das tecnologias digitais e se

apropriem de algumas dessas ferramentas?

ANA CAROLINA: Como disse acima, por conta dos

conflitos diretos entre as gerações, a comunicação

acaba sendo prejudicada e com isso a troca de

conhecimento entre os mesmos também. Nós

jovens temos o papel de tentar ajudar os adultos

nessa transição da sociedade. Nascemos na

era da tecnologia e por conta disso temos mais

facilidade para lidar com ela. Quando o aluno

dá abertura para o professor entender o seu

mundo, o professor acaba se sentindo mais à

105

vontade com as ferramentas e percebe como dito

anteriormente que a postura autoritária de “eu

tenho o conhecimento total e você deve somente

me ouvir” não cabe mais neste novo modelo

educacional que está surgindo. Então, acredito

nisso numa forma de fazer com que comunicação

entre jovens e professores seja mais de troca.

“(...) a postura autoritária de ‘eu

tenho o conhecimento total e

você deve somente me ouvir’ não

cabe mais neste novo modelo

educacional que está surgindo.”

HAMILTON: O professor precisa estar muito

antenado em todo o processo digital. Isso faz

parte, inclusive, hoje, da proposta da base nacional

comum curricular. Eu tenho que construir e

reconstruir, por exemplo, um fato histórico sobre

as bases físicas, culturais e digitais. Então, nós,

professores, temos que dominar isto. Nós, por

exemplo, entramos num carro, ligamos o Google

Maps e ele manda a gente virar à esquerda,

direita, seguir em frente e a gente obedece. O

que é isto? Ele está mandando na gente e a gente

obedecendo. Nós estamos acreditando que o

algoritmo que o robô está utilizando nos serve e

seguimos. Isso é uso de inteligência artificial, que

vai muito além daquele comando pela internet

para ligar o forno de micro-ondas, aquecer a

banheira da sua casa, acender as luzes do jardim

etc. Então, em plena aplicação da inteligência

artificial, o professor não pode deixar de estudar

todo o processo de trabalho com o uso de


computadores, para poder gerenciar uma aula,

orientando pesquisas dos alunos, para que eles

possam utilizar esses meios adequados que, na

realidade, fornecem-nos mais tempo, propiciamnos

mais tempo, até para lazer, além da pesquisa.

A organização tradicional das salas de aula

estabelece uma hierarquia, que, de certa forma,

distancia o professor do aluno. Entretanto,

justamente devido à importância da construção

de relações sólidas, o professor deve se manter

próximo dos alunos, estabelecendo diálogos. Por

quais mudanças deveria passar a organização do

ambiente de sala de aula, para reduzir possíveis

“barreiras” existentes?

ANA CAROLINA: Promover espaços de discussões

dando abertura para os alunos compartilharem

as suas ideias para os professores conhecer e

tentar adaptar para suas aulas. Acredito que uma

das coisas que faltam é o aluno se reconhecer nas

salas de aula. Digo, eles verem um pouco do seu

dia-a-dia sendo representado nas aulas, formas

que eles possam fazer analogias com as suas

vidas. Fazendo com que o conhecimento adquirido

não seja perdido.

“(...) uma das coisas que faltam é

o aluno se reconhecer nas salas de

aula (...), eles verem um pouco do

seu dia-a-dia sendo representado

nas aulas, formas que eles possam

fazer analogias com as suas vidas.”

106

HAMILTON: Em 50 minutos, com 50 alunos,

um atrás do outro, eu desenvolvo um conteúdo,

controlo a disciplina e os aprovo com nota 50,

num espaço de 50 metros quadrados. Essa era

a ideia do Henry Ford, passando da indústria

automobilística para a sala de aula, para você

trabalhar numa escola. Um industrial pensou uma

escola, a escola não evoluiu, continuou assim,

como se fosse uma linha de montagem, quando,

na realidade, a sociedade mudou. Uma sala de aula

disposta dessa maneira, não facilita a interação.

Trabalhos de grupo facilitam a interação, círculos

facilitam a interação, grupo de verbalização e

grupo de observação facilita a interação.

“Um industrial pensou uma escola,

a escola não evoluiu, continuou

assim, como se fosse uma linha de

montagem, quando, na realidade, a

sociedade mudou.”

É preciso que as pessoas se enxerguem na sala

de aula, uns aos outros; que enxerguem o

professor e que o professor os veja, para poder

trocar ideia. Isso facilita. Um atrás do outro só

proporciona estudo de ‘‘nucologia’’, um olha e

vê a nuca do outro, então, é necessário mudar a

estrutura física da sala de aula. Se são carteiras

ainda antigas, nem que o aluno vire pra trás, nem

que as carteiras sejam mudadas um pouco, para

que eles possam trocar ideias, mas alguma coisa

precisa ser feita.


Eu me lembro que, na década de 60, em Nova

Friburgo, existiam escolas que entendiam a

disciplina escolar de tal maneira que as carteiras

eram parafusadas no chão, para que não houvesse

mobilidade! Então, era muito curioso, que se

falava em participação, falava-se em democracia,

mas, na realidade, a sala de aula não permitia

democracia. Permitia apenas que um mandasse

e os outros obedecessem! Não havia processo

participativo! Processo participativo começa,

portanto, no momento em que você muda a sala

de aula, no momento em que você permite que o

aluno pesquise e ele traga subsídios para a sala de

aula. E, evidentemente, tudo isso usando também

redes sociais, grupos de trabalho, você pode

interagir com os alunos de modo muito positivo.

107

O plano de educação integral voltado para o

ensino fundamental, sob a forma do Programa

Novo Mais Educação, promovido pelo

Ministério da Educação, apresenta-se como

um desafio, porque trata-se de um divisor

de opiniões. Considerando a importância

do acompanhamento pedagógico e da

formação humana, da realização de atividades

extracurriculares, no âmbito cultural, social ou

esportivo, é importante que as crianças passem

mais tempo no colégio. No entanto, de acordo

com a dinâmica atual dessa proposta, isso pode,

além de provocar um afastamento do convívio

familiar, o que, por sua vez, pode gerar crianças

com pouca afetividade, frias e calculistas,

pode também retirar a responsabilidade dos

pais sobre a educação dos filhos. Como podese

chegar a um equilíbrio entre uma formação

completa na escola e a formação de valores no

ambiente doméstico, por meio da tecnologia?

ANA CAROLINA: Percebo uma falta de interação

entre familia e ambiente escolar e isso poderia

ser melhor explorado. Vivemos uma época de

muitos estímulos nas crianças, o que tem gerado

muita ansiedade nelas. Acho que a tecnologia

pode intermediar, tentar colocar um equilíbro

entre estes estímulos. Tem criança que faz mais

de 6 atividades diferentes no mesmo dia. Isso é

muita coisa. Ao mesmo tempo que é necessário

diferentes atividades, torna-se um peso para

elas viver ativas o tempo todo. Espaços que

promovam meditação ou atividades que sejam de

interesse do jovem e que não necessariamente

seja importante para o seu futuro - essa palavra

tem um peso enorme quando pronunciada por

pais ou escola. A tecnologia pode melhorar a

comunicação entre família e escola, até fazendo

uma aproximação para que sejam promovidas

atividades familiares.

HAMILTON: Bom, existe uma diferença entre

educação integral e educação em tempo integral.

Educação em tempo integral você tem sete horas

da criança na escola mais uma hora para ela

fazer uma refeição, oito horas. Isso está previsto,

inclusive, na Emenda 20 da Constituição Federal

de 1988. Como que uma escola de um município

pode ter tempo integral? Ela precisa de alguns prérequisitos.

Primeiro: ela precisa ter espaço físico

para acomodar os alunos; segundo: ela precisa

adequar todos os conteúdos a este novo tempo;

terceiro: ela precisa preparar os professores para


trabalhar com os alunos em dois turnos e quarto:

o município precisa fazer um equacionamento

econômico para saber se tem verba para esse fim.

Educação integral você vai trabalhar, muitas vezes,

só a parte conteudista e de recuperação durante o

dobro do tempo.

Mas a ideia básica é de uma educação integral em

tempo integral. Ou seja, um trabalho para atingir

toda a pessoa humana, nos seus aspectos de

socialização, nos aspectos culturais, para que ele

possa realmente atingir aqueles quatro pontos

propostos pelo mesmo no relatório Ford de 1971,

de Edgar Ford, Abduja Sacadura, Felipe Herrera,

Arthur Petrovski, que propuseram aprender a

conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e

aprender a ser: assim forma-se o cidadão. Mas,

para você ter uma escola de tempo integral,

é necessária uma vontade política realmente

muito forte. Eu posso citar a partir de municípios

pequenos, e que não têm tantos recursos, que

aplicam a educação em tempo integral: por

exemplo, município de Andaraí na região do

interior da Bahia, Chapada Diamantina; Brumado,

na Bahia, já no sertão, tem tempo integral

funcionando muito bem; a educação de Caculé no

oeste da Bahia ainda não tem tempo integral em

todas as turmas, mas tem um dos maiores Idebs

do Brasil: 6.4; 25% dos alunos do município de

Salvador, na Bahia, já estão estudando em tempo

integral; muitas escolas também no Rio de Janeiro.

Enfim, as coisas vão caminhando conforme a

vontade política do administrador público.

108

Sabe-se que um dos maiores problemas do

contexto educacional brasileiro está voltado para

a inclusão. Além da falta de preparo e formação

dos professores para lidar com crianças com

dificuldade de socialização e/ou deficientes,

portadoras de necessidades especiais, uma

questão que afeta tanto o aprendizado, quanto

o desenvolvimento socioemocional da criança é

a exclusão desses alunos por parte dos colegas.

Como sensibilizar os alunos a respeito da

importância da incorporação dessas crianças?

ANA CAROLINA: Atividades que possam tirar as

crianças das suas zonas de conforto. Uma troca.

Nesta idade é importante a empatia, pois é uma

idade em que as crianças são egoístas, mas

quando colocadas em uma realidade ou ambiente

diferente tentam entender aquele ambiente .

Acredito que atividades que promovam essa troca

de papeis. Por exemplo, uma criança que mora na

zona sul conhecer o dia-a-dia de um amigo que

more na Maré e entender como aquela criança

sobrevive, mesmo sem o melhor brinquedo.

Existem filmes muito legais que tratam disso.

HAMILTON: Conheço uma experiência muito

boa, na cidade do Recife, numa escola particular,

chamada Escola Apoio. Esta escola incluiu muitas

crianças com necessidades especiais, crianças

com deficiência e proporcionou aos alunos que

não tinham deficiência melhoria da convivência

entre uns e outros. O que depende, em primeiro

lugar, é que o professor tenha conhecimento

para trabalhar com alunos que tenham estas

dificuldades. As faculdades precisam preparar

professores para esse fim. Entregar crianças com


deficiência para professores despreparados, que

não tiveram a oportunidade de se preparar, é um

crime contra o professor e contra a criança, de

modo que não se pode pensar que, de uma hora

para outra, eu possa incluir todo mundo.

Aí talvez alguém diga: mas a mãe, que não fez

curso algum, quando nasceu uma criança com

deficiência, ela se adaptou. Mas a criança chegou

‘‘de colo’’, pequenininha e houve um tempo de

um ano ou dois para ela ir aprendendo e muitas

continuam aprendendo pelo resto da vida. Conheci

há um mês uma mãe de um deficiente, que cuida

deste filho, que tem mentalidade de criança,

mas tem vinte e oito anos de idade. Ela continua

aprendendo, continua estudando, mas o professor,

ele tem que chegar à sala de aula, saber que vai ter

um auxiliar lá dentro para que ele possa trocar de

atividade com esse auxiliar, para cuidado dos que

não têm deficiência e dos que têm deficiência.

Então, é um problema complexo. Eu não posso

colocar gente demais numa sala. Outra questão

que, sobretudo, a escola particular reclama, é que

você não pode cobrar taxa extra dessas crianças.

Bom, a solução que o colégio Apoio apresentou

para não cobrar taxa extra é justamente aumentar

o número de crianças com deficiência. Você não ter

um auxiliar para uma criança, terá um auxiliar para

cinco, seis crianças. E distribui a despesas.

A educação, no Brasil, passou a ser um direito

que deve ser garantido pelo Estado apenas a

partir da Constituição de 1988. Essa medida

tardia aponta para as dificuldades que o sistema

109

enfrenta desde então: baixo desempenho

nos índices de qualidade, elevadas taxas

de evasão, sistema de ciclos e aprovação

automática, perda de interesse e motivação

dos alunos, falta de inclusão e acessibilidade,

qualidade das condições de trabalho dos

professores, falta de manutenção das estruturas

das escolas públicas, falta de material didático,

falta de acesso à internet, entre muitos outros.

Considerando o contexto governamental atual e

as perspectivas políticas, pode-se concluir que

não haverá tantos esforços em direção à solução

desses problemas. Que alternativas poderiam ser

tomadas para que a tecnologia possa ser levada

para as salas de aulas?

ANA CAROLINA: Acredito que, antes de ser

colocada na sala de aula, precisamos entender

que tecnologia é essa. Como ela vai nos

ajudar? Acredito em uma educação pautada no

entendimento desta tecnologia e depois no seu

uso para algum fim. Nesta etapa acredito na teoria

e no poder de relacionar a tecnologia com o nosso

dia-a-dia . Fica muito mais fácil a aplicação dela

quando entendemos seu uso em vários contextos

do dia-a-dia.

“Acredito em uma educação

pautada no entendimento desta

tecnologia e depois no seu uso

para algum fim. (...) Fica muito

mais fácil a aplicação dela quando

entendemos seu uso em vários

contextos do dia-a-dia.”


HAMILTON: Há muita confusão quanto a essas

questões aqui apresentadas. Muita gente fez

uma leitura deficiente da proposta de progressão

continuada. Quando uma criança é reprovada, das

duas uma: ou não se ensinou a esta criança ou

não se deu suporte para que ela pudesse se

recuperar. Ela não precisaria repetir o ano todo.

Ela pode ir adiante no ciclo ou dentro da

progressão continuada.

110

Agora, nunca houve, no Brasil, na área estadual

ou federal, municipal, nem num projeto do Cesar

Maia, no Rio de Janeiro, que se tenha falado em

aprovação automática. Foi uma distorção que

muitos cometeram, afirmando que era automática,

quando a proposta era de progressão continuada.

Para você ter progressão continuada, você precisa

preparar o corpo docente, senão ela se transforma

em aprovação automática. Essa que é a diferença.

Existe ensino que pode ser feito por ciclo, e que

funciona, mas a mentalidade de quem ensina

precisa mudar. É como se o ano escolar tivesse,

em vez de 800 horas, 1600 ou 2400. O fato é que

simplesmente reprovar um aluno não significa que

a escola é boa. Ela é incompetente, ela não sabe

ensinar e ela não tem compromisso com o avanço

do aluno. Mas quando a escola aprova sem que ele

saiba, ela falta com a ética. Então você pergunta:

‘‘Meu Deus, como é que eu vou sair desta situação,

desta sinuca?’’ Meu caro, não há saída fácil. É

preciso estudar muito, é preciso ter mais tempo

da criança na escola, é preciso adequar os

conteúdos ao desenvolvimento psicológico da

criança, para que ela possa assimilar os conteúdos

que são apresentados.


Entrevistas com Ana Carolina

da Hora e Sil Bahia (2019)

111

PESQUISA DO PROJETO

“BONDE DA GAMBIARRA”

Entrevistas realizadas por Ilana Guilland, com

registros em vídeo realizados por Ricardo Godot

Ilana e Ricardo


Entrevista com Ana

112


Em que colégio você estudou no ensino

fundamental?

ANA: No ensino fundamental, estudei em dois

colégios. Primeiro, estudei no Educandário Maria

Tenório, que era no Pantanal, que é um bairro lá

de Duque de Caxias. Depois, estudei ali na Itatiaia,

no Colégio Flama. O Maria Tenório, na época,

eu estudava, porque minha mãe trabalhava no

colégio. Minha mãe é professora. O colégio era

público, aí fiquei até o quinto ano. No quinto ano,

fiz uma prova pro Flama, que era um colégio

particular, aí passei pro Flama, estudei da sexta

série até o nono ano.

E como era sua relação com o colégio

nessa época?

ANA: (Risos) No ensino fundamental? Cara, então,

no primeiro colégio, era muito engraçado, porque

eu só tinha aula com a minha mãe, né? E eu não

podia chamar ela de ‘mãe’ na sala. Eu nunca tive

problemas, assim, com nota. Minha mãe brinca

que, na real, eu era muito independente desde

criança. Então, eu não tinha aquela coisa de só

porque minha mãe era professora eu pedia a ela

pra fazer as coisas. Pelo contrário, eu virava pra ela

e falava: “Mãe, já fiz o dever de casa!”. Então, não

deixava minha mãe botar a mão no meu caderno.

Minha mãe chegava e falava assim: “Filha, tem

um trabalho, né, que fulana comentou na sala de

professores?” Eu falava assim: “É, mãe, já fiz!”

Então, eu não deixava... Eu tinha essa questão de...

Não era porque minha mãe era professora que eu

113

ia ficar me aproveitando disso. Então, eu tentava

muito fugir desse esquema, no primeiro colégio.

Eu gostava muito desse colégio, por conta dos

laboratórios que tinham. Eles não davam acesso

pra gente, do fundamental, mas aí eu conseguia

uns acessos, porque eu fazia amizade com os

alunos da minha mãe, que eram mais velhos. Aí

eles deixavam eu entrar nos laboratórios.

Esse colégio tinha um sistema de recompensa

pros alunos, que eram medalhas, né? E aí entra

numa coisa que eu não curtia muito, porque era

muito legal receber o certificado e a medalha

de melhor aluno todo final de bimestre, só

que eu sentia que, já lá no fundamental, afetava

muito a galera em torno de mim... Porque é

uma coisa assim: ao mesmo tempo que você tá

se destacando, as outras pessoas estão, de

alguma forma, ficando mal com isso, e estão te

tratando diferente.

E, tipo, eu já sou uma mina negra, então, ficar num

ambiente onde você já vai meio que enfrentar uma

hostilidade, querendo ou não... E, depois, você

ter esse destaque, se as pessoas não souberem

lidar muito bem com isso, vira um problema.

Apesar de que lá eu tive poucos problemas

com relação a isso, porque era um colégio bem

misturado. Então, como ficava no Pantanal, que é

um bairro de Duque de Caxias que tem bastante

pessoas negras, eu não sentia tanto isso. Quando

cheguei no Flama, que continuou esse sistema

de recompensa, e, em colégio particular, que até

aumenta... Tipo, em outubro eu já tava de férias,

porque os alunos que tirava as médias 10 no

primeiro [bimestre], no quarto, já tava liberado...


Mas, eu continuava indo pra escola, porque eu

gostava. Então, no Flama, a hostilidade já era

diferente: “Pô, por que você continua vindo se

você não precisa? Gosta de se mostrar!” Não,

era porque eu gostava do ambiente da escola,

eu gostava de estudar. Era um lugar onde eu

tinha internet, que eu não tinha em casa, tinha o

laboratório de informática, que eu não tinha em

casa... Então, eu passava muito mais tempo lá, por

conta dessas coisas.

“(...) eu gostava do ambiente da

escola, eu gostava de estudar. Era

um lugar onde eu tinha internet,

que eu não tinha em casa, tinha o

laboratório de informática, que eu

não tinha em casa...”

E aí, no Flama, é onde eu comecei a praticar

esportes. Teve um ano que Caxias tava passando

por uma dificuldade e, nas escolas particulares,

teve alguma coisa de queda de bolsa, aí eu corri

pro esporte, pra poder continuar com a bolsa, né?

Eu joguei futsal e basquete, porque vôlei eu era

péssima... E handebol também, eu joguei. Quando

cheguei no oitavo, nono ano, eu já tava muito

preocupada, com o terceiro ano do ensino médio.

O fundamental, pra mim, foi muito maneiro disso,

de experimentar várias coisas e tal. Mas também

eu vejo que me gerava muito ansiedade, porque

eu era uma pessoa que, como eu tava estudando

sempre, eu já tava pensando, tipo, lá na frente!

Então, eu parei de praticar esportes no oitavo

ano... Até educação física (risos)! Não sei nem se

114

eu posso falar isso aqui, mas eu deletei educação

física da minha mente e só fazia relatório, pra

poder ter mais tempo estudando. Tempo de

educação física, pra mim, era pra ficar estudando!

Eu vejo essa diferença do Flama pro Maria Tenório,

mais de forma de tratamento das pessoas. Por

mais que eu tivesse destaque no Maria Tenório, eu

não era tão hostilizada... Hostilizada, no sentido,

assim, tipo, “destacada”... Ou as pessoas me

pressionavam muito esperando de mim. E, no

Flama, sim, porque eu era uma das poucas negras

na sala, e na escola, por mais que meu irmão

estudasse lá também.

Então, rolava aquela coisa do tipo, ah, aula de...

Ai, era ridículo (risos)... Aula de história, né, e tal, o

professor tinha que usar o exemplo, então: “não

sei o que, não sei o que, né, Ana?” Aí eu ficava tipo

assim: eu não tô a fim, sabe? (risos) Hoje, eu não tô

a fim, eu só quero ficar aqui assistindo à aula, não

quero ficar militando! Não é toda hora que a gente

tem que ficar: “Êêê!!!!” Então, eu só não tava a fim,

rolava essas coisas!

Mas também foi um colégio que gostei muito de

estudar, fiz muitos amigos lá, são amigos que eu

tenho até hoje. Meu melhor amigo saiu do Flama.

Então, quando finalizou o Flama, e eu tive que

ir pra outra escola, por mais que eu estivesse

estudando só em Caxias, a gente escreveu uma

carta, cada um do grupo de amigos, dizendo o que

cada um queria pros 10 anos seguintes. Perdemos

amigos no meio desse caminho, um amigo nosso,

muito querido, morreu. E, então, a gente tentou

manter a amizade e tenta manter esse reencontro.


Por mais que seja difícil, a gente tenta manter um

dia ou um dos aniversários, a gente tem que todo

mundo tá reunido. Então, foi uma escola que eu

gostei muito de estudar!

Você falou que gostava muito de laboratórios e

tal... Quando você era criança, você já tinha essa

tendência pras exatas, imaginava que quando

crescesse iria pra área de exatas?

ANA: Sim, eu tinha, mas eu não sabia muito bem

qual a área e exatas, né? O que eu falo é que o

importante mesmo foi o incentivo de dentro de

casa, porque eram as referências que eu tinha.

Por mais que elas não entendessem de ciências

exatas, elas incentivavam dando presente e tal.

Quando viam algum programa, falavam assim:

“Carol, vi alguma coisa de robô!” Não sabia o que

era, às vezes, não era o robô, não era falando

sobre robô, mas elas viram a palavra robô, elas já

me indicavam o programa!

Então, eu ficava assistindo muito Telecurso 2000,

porque eu tinha que acordar muito cedo, pra ir pra

aula, e eles tinham uma parte da matemática, que

era “explicando a matemática com cenas do diaa-dia”,

então era aqueles diálogos super robóticos,

né (risos)? Tipo: “Oi, fulano, eu tenho que preparar

uma vitamina hoje! Mas eu não sei a quantidade

água que eu tenho que colocar!” Aí eles simulavam

isso e eu gostava dessa brincadeira, achava muito

engraçada! Eu chegava na aula, queria

dar o exemplo disso, o professor tipo assim:

“Por que você assiste Telecurso 2000? Ninguém

mais assiste isso! Passa 5 horas da manhã, e

115

ninguém para pra assistir!” (risos) Então, os

professores ficavam meio que zoando. E, sábado,

também tinha o Globo Universidade. Então, eu

aproveitava muito a televisão, os programas que

tinham na televisão, pra poder chegar na aula

e tentar associar.

No laboratório, a gente não tinha muito foco,

assim, em programação, era mais mexer no

computador, fazer trabalho... Às vezes, a gente

jogava aquele jogo de cartas, que não tem mais,

do baralho do Windows... Tinha vezes que a gente

usava a calculadora, na aula de ciências, pra fazer

um experimento... Mas, eu lembro que, na aula de

ciências, que era ciência geral, tinha uma Feira de

Ciência, que era junto com a gincana.

Outra coisa que eu amava no Flama! Nunca

ganhamos uma gincana, teve um ano que a

gente foi roubado. Era uma gincana que envolvia

esporte, envolvia a parte de dança, e envolvia a

parte das ciências. O último dia que era a Feira

de Ciência. Então, era aquela coisa que gerava

competição, mas eu tava ali pra zoar. Tanto que

a gente sempre era colocado em equipes, que a

gente já sabia que não ia ganhar, mas a gente tava

ali pela participação.

Num dos anos, que foi o oitavo ano, a Feira, no

final dessa gincana, foi dividida... Eram dados os

países, sorteados os países e aí você teria que

fazer uma pesquisa desses países, pra saber

que tipo de catástrofe, que tipo de problema

da natureza tinha nesse país, que causava, sei

lá, furacão... Se ele tava no meio das placas

tectônicas ou não... Então, você misturava ciência


natural e geografia. E a gente tinha que fazer toda

a pesquisa da história desse país, aí depois ver a

parte geográfica dele, se ele tava entre as placas

tectônicas ou não... E, se ele estivesse, o que isso

gerava. Aí eu lembro que a gente foi pro vulcão.

Todo mundo já fez um vulcão na vida, em algum

momento! (risos)

E aí, eu lembro que eu não quis ficar fazendo

o vulcão. Eu quis explicar... Porque você tinha

três posições dentro do grupo: ou você fazia o

experimento, ou você era o cara que pesquisava,

ou você era o cara que, depois, apresentava. Aí eu

queria apresentar, poque eu, esperta, vi que, pra

apresentar, eu tinha que tá entre fazer o vulcão e

pesquisar, então, tipo, “melhor dos dois mundos”,

ia tá um pouco dos dois lados, porque eu não

conseguia decidir.

E aí foi um projeto super legal. A gente não levou

10, porque tiveram vários problemas com o vulcão.

Na execução, a galera brigou. A galera que tava

fazendo a parada do vulcão brigou. Aí eu falei:

“Gente, isso tá atrapalhando todo o projeto!”

Mas, assim, a gente conseguiu levar um oito, por

conta da pesquisa que o outro grupo tinha feito.

O legal do Flama é que ele me deu muito essa

noção de trabalho em equipe, porque aconteceram

muitos problemas lá. Eram brigas de grupos por

tudo! Pelo ar-condicionado! (risos) Então, toda

vez que eu vejo alguma coisa do tipo na faculdade

ou na vida, eu só lembro do Flama e falo assim:

cara, meu Deus, parece até que eu tô na minha

sala de aula de novo, do oitavo ano, onde a gente

brigava por ar-condicionado ou trabalho em grupo.

116

Então, eu tive essas experiências que não eram só

computação, mas, de alguma forma, era ciência.

Diante dessa realidade que a gente sabe,

que existe uma defasagem tanto no processo

de formação dos professores, quanto nos

recursos tecnológicos que existem dentro das

escolas públicas, como você acredita que, hoje,

os professores podem aprender mais sobre

tecnologia e inserir mais tecnologia em sala

de aula?

ANA: É uma pergunta complicada, justamente

pelo problema que o Brasil enfrenta, estrutural, na

educação. Mas eu vejo também que é pela falta

de uma melhor comunicação entre a galera que

entende de tecnologia e os professores. Porque o

que eu vejo de problemática é que os professores

acham que a tecnologia vai substituir eles em sala

de aula. E eu não vejo dessa forma. Eu vejo que

o papel do professor, hoje, é um papel muito de

direcionar o aluno, né?

E o direcionar não impede a troca do professor

e aluno. Então, não temos porque ter mais

essa visão de que o professor tem todo o

conhecimento. Se o professor não conseguir

dar toda a aula dele, a gente não vai conseguir

achar aquilo em lugar nenhum. A internet veio,

justamente, pra expandir esse conhecimento que,

antes, parecia estar só no professor, só na pessoa

que tinha se formado e ido à faculdade.


117

Eu vejo que nós precisamos desconstruir essa

palavra: tecnologia. Porque, hoje, tecnologia

tá muito atrelada a ter tablet, iPad, celular,

computador... E não é isso! Nós temos que

entender que a tecnologia é uma ferramenta.

Os conceitos por trás da tecnologia, nós que

temos esse acesso. Então, eu acho que esse

processo de entender esse pensamento das

tecnologias tem que estar acessível para os

professores. Porque se eles entenderem que

um aplicativo, o final dele é que vai necessitar

de um computador, mas pra pessoa pensar um

aplicativo, pensar as funcionalidades dele, a gente

só precisa ter papel e caneta, e ir pra rua, ir a

campo pesquisar, o professor vai conseguir inserir

na aula dele uma solução que envolva aplicativo,

se for de um colégio público e não tiver acesso a

computador. Porque ele precisa ter acesso a esse

tipo de informação.

E não é o que eu vejo nos cursos que formam...

“Ah, vamos fazer um curso daqui de dois meses,

três meses, com professores, pra ensinar pra

elas uma ferramenta pra usar em sala de aula...”

Mas, cara, como você vai ensinar essa ferramenta

pro professor... Dizer assim: “Ah, professor, usa

aqui o moodle”... Mas não sabe se o aluno tem

computador em casa, pra acessar o moodle,

pra acessar os materiais que o professor colocou

lá. Então, assim... Não sabe se tem celular, se

tem internet!

Então, o que eu vejo é uma desconexão muito

grande entre a galera que cria as tecnologias,

os professores que vão usar, e a galera que tá

recebendo. E tá todo mundo batendo palma,

e achando assim: “pô, ai, que maravilhoso!”

Mas eu fico vendo, assim: gente, tá totalmente

desconectado! Porque, a partir do momento que

a pessoa não tem acesso a isso em casa, não

tem como o professor ser ensinado a usar isso. E

também vai ensinar o professor uma ferramenta

que ele vai achar que aquela ferramenta vai mudar

a aula dele e não é isso!

Então, eu vejo que o que acontece é que estão

tentando tapar buracos na educação tecnológica,

que é defasada no Brasil. Ponto. A educação

tecnológica, as pessoas resumem a aprender a

programar, aprender robô com Lego... Tipo assim,

todas essas coisas são muito legais, mas tem

o processo de aprendizado disso e o processo

pra ensinar isso. Então, acho que o processo é

que precisa ser ensinado. Não as ferramentas,

não pegar o professor e fazer ele ir todo sábado

durante três meses aprender a mexer com Lego!

Esse não é o intuito! Isso vai ser usado como parte

do processo. Agora, esse processo de formação

precisa tá muito mais nessa construção dos

conceitos de tecnologia do que a tecnologia em si.


Dentro dessa ideia de representatividade

feminina negra, como você acha que as mulheres

que já trabalham com tecnologia podem

contribuir, tanto nessa ideia de se conectar com

os professores/educadores, quanto também com

o estímulo em relação às meninas negras, que

estão no ensino fundamental?

ANA: Em relação ao estímulo, eu vejo que,

primeiro, partir dos professores apresentarem

essas mulheres, porque hoje nós temos acesso

a essas informações. Tá toda hora passando no

jornal, uma professora, uma diretora ou que, sei

lá, a USP, a UFRJ, pela primeira vez, tem reitoras

mulheres nos institutos de tecnologia, ou de

ciências exatas, ou de engenharia... E essas

informações estão nos jornais, estão no rádio,

onde os professores mais acessam informação,

não só na internet.

Então, acredito que apresentar isso pros alunos é

o primeiro passo. E, depois, se possível, fazer uma

roda de conversa, fazer trabalhos que envolvam

isso. Então, assim, pra galera que dá aula de

história... Poxa, passa uma pesquisa: pesquisa

aí três mulheres – vou puxar sardinha – três

mulheres negras da computação do ano 2000...

Sabe? Já que a gente estuda muito temporalidade,

muito o tempo na história, tudo cronologicamente,

faz uma linha do tempo e faz cada grupo de aluno

pesquisar de um ano diferente, sabe? São coisas

que dá pra serem feitas, porque a gente faz muita

pesquisa na escola. Então, isso dá pra ser feito.

118

E apresentar de uma forma diferente. Pode ser

assim: os alunos simularem um podcast, gravar

áudio, sabe? Os alunos fingirem que eles estão

num jornal e que eles estão apresentando essas

mulheres... Assim, eu vejo que essas coisas são

possíveis de serem feitas em todos os espaços,

com materiais muito simples.

E vejo que as mulheres que já estão trabalhando

com tecnologia... Normalmente... Tem pesquisas

que falam que as mulheres são mais observadoras

e mais detalhistas. Então, é por isso que,

normalmente, a gente acaba criando projetos

e softwares muito mais pontuais e que sejam

melhores direcionados... E que, de fato, vai

impactar a sociedade. Ponto.

Tem um problema, porque a gente tá muito

nesse mercado tecnológico, a gente tem que ficar

brigando muito pra gente ficar provando que a

gente é muito boa, então, é um trabalho muito

cansativo. E, às vezes, não sobra tempo, dentro

desse trabalho técnico, da gente conseguir pensar

em como ajudar uma escola, como ajudar um

professor, como ajudar um grupo de alunos... E

isso passa pela nossa cabeça, o problema todo é

o tempo, né? Então, eu acredito que aproveitar,

já que nós não temos muito tempo, às vezes,

de se juntar a grupos de mulheres da área já de

tecnologia, que existe muito hoje, por exemplo,

Pyladies, de meninas que programam Python...

A gente impulsionando, pode ser investindo com

recursos financeiros, porque não é barato, se

você for fazer um projeto, estar perto de escolas,

porque envolve transporte, alimentação... Você


não sabe imprevistos que podem acontecer nesse

meio do caminho... Então, assim, pessoas que

já estejam estabilizadas na tecnologia, que tem

dinheiro, ajudar esses projetos que estão surgindo.

A gente vê que tá se destacando muito as

meninas nas Olimpíadas de Matemática, Física,

Astronomia... Tipo, ano passado, uma menina

da Escola Parque, a Laura, foi a primeira menina

da Escola Parque a ganhar uma Olimpíada de

Astronomia. Conheci a Laura, e conheci a Maria

Clara, que foi uma das cinco meninas agora, em

maio [2019], que ganharam a Olimpíada Mundial

de Meninas da Matemática, que foi o primeiro

grupo que o IMPA [Instituto de Matemática Pura

e Aplicada] investiu. Então, assim... Pô, pega

esse exemplo do IMPA, o IMPA tem várias áreas

de pesquisa, tem muito recurso. Ele viu e falou

assim: “Putz, eu já tô estabilizado no mercado, o

meu nome já é conhecido, então eu vou dar uma

ajuda nesse movimento de ter mais meninas

na matemática, ter mais meninas nas ciências

exatas”, investiu nesse grupo de meninas e o

resultado foi super positivo.

Então, eu acredito que o papel que essas mulheres

e essas instituições que já estão estabilizadas

têm é, justamente, desse investimento. Agora, se

você não é uma mulher ainda estabilizada na área

de tecnologia, mas tem muita vontade de ajudar,

é meio que pensar como um trabalho voluntário

mesmo! Eu sei que é horrível, às vezes, falar isso,

no momento que a gente vive no Brasil, só que

as pessoas que mais fazem trabalho voluntário,

são as que mais necessitam de recursos. Então,

infelizmente, é essa a cultura do Brasil, porque

119

quem mais tem recurso é quem menos faz

trabalho voluntário, ou nem faz, na real. Tipo,

nem passa pela cabeça deles fazer uma coisa

dessas. Então, infelizmente, a gente tem que

ter um tempo pra fazer isso, porque se nós não

fizermos, ninguém vai fazer. Então, é pensar que,

infelizmente, a gente não pode ficar contando com

a ajuda do governo, ou com a ajuda de grandes

empresas. Quando a gente tem a noção de que

não podemos contar com a ajuda desses grandes

pilares, a gente começa a hackear o sistema.

Assim... Tem a Geisa, que ela é do interior de

Salvador... Eu sou muito fã dela! A Geisa Santos.

Ela faz um trabalho incrível, com um grupo de

indígenas e também com um grupo de alunos da

periferia de Salvador. E aí a gente se encontrou

num evento, em Recife, de programação, e ela

veio falar comigo uma coisa que eu não sabia.

Ela tinha contado pra Sil, só que a Sil falou: “Vou

deixar você falar pra ela!” Que ela baixa os vídeos

do Computação sem Caô e passa pra esses

alunos, porque ela falou que é a linguagem mais

acessível pra eles e que eles ficaram felizes e


falaram assim: “Tia, ela usa gíria, ela fala de uma

forma que a gente entende, ela não fala como

se a gente fosse burro! Então, ela usa exemplos

que estão aqui no meu dia-a-dia! Eu pego trem,

eu pego metrô, eu pego ônibus”. Então, assim, eu

fiquei extremamente emocionada, porque, cara,

olha só! Ela poderia ter falado sabe o que pra

mim? “Ah, Ana, seu projeto não serve, porque lá

não tem acesso à internet!” Mas ela falou: “Não,

peraí, eu tenho acesso à internet em casa”, ela

tem o trabalho de baixar esses vídeos e passar

pros alunos. Aí ela brincou: “Pô, eu não tô te

dando view”, eu falei: “Cara, você tá me dando

uma coisa muito melhor, que é, tipo, espalhando

nos lugares que eu não tenho acesso!” Eu não

tenho como ir pra periferia de Salvador todo dia,

gravar o Computação sem Caô e dar aula pra eles.

Então, pra mim, é o exemplo de uma pessoa que já

entendeu que ela não vai conseguir ajuda desses

pilares e ela tá hackeando o sistema com o que ela

tem. Então, pra ensinar programação, ela ensina

com crochê, que são as ferramentas que ela tem

naquele momento.

Então, é pensar que você não precisa de... “Ah,

meu Deus, eu preciso de um super computador pra

poder ensinar isso pras crianças, então, eu não vou

fazer o projeto!” Porque quando você pensa assim,

você já tá limitando, aí quando você vê, você não

vai fazer nada mesmo. Então, a Geisa é um ótimo

exemplo de como você ensina esse processo

de aprender a programar, esse processo sobre

a computação, sem usar grandes ferramentas.

E, com isso, ela tá conquistando super o espaço

dela, porque tá dando resultado pra essa galera!

Eles fazem Pipa com LED! Eu falei: como assim?

120

(risos) Eu não tinha visto isso! Eu fiquei super

curiosa de entender mais como surgem essas

soluções. Então, eles pensam soluções assim...

Criar uma rede de internet pra comunidade deles!

Que tem como você fazer isso com softwares com

licença gratuita. Então, os alunos estão vendo

essa possibilidade de fazer uma rede que consiga

comportar a comunidade deles, pra eles terem

acesso à internet!

Olha o pensamento dessa galera, que é da

periferia, que tem acesso a um pouco de

tecnologia, porque eles têm acesso ao processo,

e não à tecnologia em si... O pensamento deles

é coletivo. A galera que tem o acesso desde

criança, o pensamento deles é, tipo, “vou criar

um aplicativo de 1 milhão de dólares”, assim,

sabe? “Quem é que vai usar o meu aplicativo?

Não importa! Eu só quero ganhar 1 milhão de

dólares!” Por isso, que é importante você ensinar

o processo. Pra galera entender que soluções

realmente são eficazes para a sociedade e não fica

delirando, criando soluções que não vão impactar

em nada a sociedade, mas vai deixar a pessoa

muito rica. É muito bizarro ver essa distância!


Entrevista com Sil

121


Quais suas expectativas e quais vão ser os

próximos passos depois do lançamento da

plataforma do PretaLab?

SIL: Bom, a nossa expectativa depois do

lançamento da plataforma é de conseguir chegar

em mais mulheres negras na área de tecnologia.

A gente entende que vir de bonde é muito melhor.

Então quando a gente fala que quer mostrar a

cara dessas meninas, mostrar que tem mulher

negra em tecnologia, a gente sabe que não adianta

ter só uma, duas, três, quatro ou cinco... Que é

importante vir de bonde, com muita gente.

E nossos planos pro futuro é conseguir furar

essas bolhas, chegar em mais meninas e entender

também como se faz esse diálogo, essa ponte,

entre um mercado de trabalho, que quer se

entender mais diverso, que quer trabalhar por

mais diversidade, e mulheres negras que querem

trabalhar. Porque a gente entendeu, ao longo do

PretaLab, desde que a gente lançou o projeto,

que a gente vai ter que falar sobre essa questão

da empregabilidade. Que não é só fazer pesquisa,

não é só fazer curso, mas se a gente quer, de fato,

mover alguma estrutura, a gente precisa também

trabalhar pra que mulheres negras, que são

27% da população, que lideram os piores índices

de desemprego, tenham trabalho. Não existe

empoderamento sem você ter seu dinheiro, pagar

suas contas, seu aluguel, criar seus filhos...

122

Você acredita que o movimento de trazer essas

mulheres, essas meninas, para se apropriarem

desse universo tecnológico pode ser a pauta

comum desse contexto?

SIL: Quando a gente fala de questões raciais, de

mulheres negras, a gente tem um recorte muito

específico, só que a gente também entende que,

dentro desse mundo “mulheres negras”, que já

tem dois recortes bem grandes, também tem um

mar de pluralidades. Eu sou uma mulher negra,

mas eu posso pensar diferente de outras mulheres

negras! Enfim... A gente não pensa igual, e o

racismo faz muito isso, de botar todo mundo numa

mesma caixa e achar que todo negro é igual, que

toda mulher é igual... A gente entende que existem

diferenças, e a diferença, eu acho que é a grande

riqueza, que faz a diversidade ser tão rica.

Acho que pensar, hoje, a sociedade numa pauta

comum é um grande desafio em qualquer questão

que a gente queira lidar. Quando a gente fala de

tecnologia, é outro guarda-chuva super amplo. De

que tecnologia você está falando? Qual área da

tecnologia? O que se entende como tecnologia?

Mas a gente entende que a tecnologia é um lugar,

seja você desenvolvedor, cientista de dados, uma

menina que trabalha com inteligência artificial,

física, engenheira... Mas, existe esse mote, esse

campo da tecnologia.

Eu acho que sim, pode ser um caminho pra uma

pauta comum. Mas quando eu penso em pautas

comuns eu também gosto de pensar: como a

gente caminha junto olhando para as nossas

diferenças? Porque eu acho que esse é o grande


desafio, não só na tecnologia, não só quando se

fala em diversidade, mas sim, quando a gente fala

de sociedade. A gente é diferente, mas precisamos

criar caminhos e pontos que sejam comuns, que

façam tanto sentido pra mim, quanto pra uma

mulher negra de porto alegre, e como a gente

pode caminhar juntas. Então, eu acho que é, sim,

um caminho, mas talvez existam muitos outros.

E sempre olhando... A gente vai caminhar por

aqui, mas a gente vai caminhar de mãos dadas, e

olhando pras diferenças que a gente tem!

123

E aí a segunda coisa é estimular. Eu acho que, no

geral, meninos e meninas, quando a gente vai

crescendo e sendo criado pelos nossos pais, a

gente ganha panela, boneca... Os meninos ganham

ferramentas... E isso já é um estímulo a ser uma

dona de casa, a ser uma mulher que vai cuidar.

Porque é muito nesse lugar que, socialmente, as

mulheres sempre estiveram. Eu acho que tem um

caminho inverso que dá pra ser feito e que pode

ser muito interessante, que é de estimular essas

meninas, ainda crianças, a experimentarem esses

aparatos tecnológicos.

Aí eu acho que, nesse sentido a gente tem um

ganho, que é que hoje todo mundo consome

tecnologia, as crianças querem consumir

tecnologia desde pequenas. Meu afilhado tem

quatro, cinco anos, e ele já quer ter o celular

dele, então tem essa perspectiva muito grande

de consumo, mas uma perspectiva muito pequena

de produção. E acho que não vão ser todas

as meninas que vão ser tecnicistas, mas é

importante poder experimentar, até pra falar:

não, isso eu não gosto.

De que maneira você acredita que é possível

fazer com que dentro do contexto nacional

do ensino fundamental, as meninas negras

entendam esses códigos, para poder ressignificar

esses códigos, essa ideia da tecnologia?

SIL: A primeira coisa é aproximar a tecnologia

dessas pessoas, porque acho que quando a

gente fala de tecnologia, geralmente, é uma coisa

que você olha e pensa: cara, tecnologia, robô...

Primeiro, significa o que é tecnologia.

Então, acho que tem uma coisa, principalmente

nas escolas, que é um desafio muito grande hoje:

como é que a gente ensina, educa se o garoto não

sai do Whatsapp, ou então, se a menina não sai

do Facebook? Então, vamos pegar essas redes

sociais e usar ao nosso favor! Como a gente pode

fazer isso? E aí, tem que criar metodologia, porque

esse estímulo passa por criar metodologias

de aproximação, de trazer essas meninas pra

perto... Vamos fazer alguma atividade, então,

no Whatsapp, ou então, vamos criar alguma


coisa no Facebook... Que são tecnologias muito

populares, que todo mundo quer tá lá, todo mundo

quer estar no Facebook, todo mundo quer estar

no Instagram, todo mundo quer usar o Twitter,

enfim... Como que a gente usa isso?

Acho que o educador, ele tem um grande desafio

na mão dele hoje, que é de se munir desses

conhecimentos e entender como ele traduz isso

pras crianças. Mas, o primeiro desafio acho que,

talvez, seja olhar pra essas ferramentas e pensar

que elas podem ser aliadas, né? E não: “Sai do

Facebook, garoto, deixa o celular! Olha, todo

mundo deixa o celular!” Porque isso já... A escola

já é um ambiente muito hostil, muitas vezes, né?

E quando você é todo tempo punido, ou podado

por alguma coisa, você fica... Você já não quer

tá ali! Então, fico pensando que, por mais que

existe esse desafio, também existe... A gente tá

num momento que a gente tem ferramentas pra

transformar isso, né? Então, a gente fala muito,

aqui no Olabi, de uma ‘Educação pro Século XXI’...

Os nossos modelos de educação ainda são século

XIX, entendeu? Então, assim... O mundo mudou,

as coisas mudaram, e a educação, ela precisa,

também se atualizar nesse sentido, né?

124

A gente sabe que os avanços tecnológicos

acabaram provocando, também, um acirramento,

né, das desigualdades, porque o acesso

dessas meninas à tecnologia tanto nesse

ambiente acadêmico, quanto em casa, ainda

é muito uma dificuldade. De que forma você

acredita que é possível colocar essas meninas

em contato com essas tecnologias, tentar

introduzir esses processos tecnológicos dentro

da realidade delas?

SIL: Acho que, talvez, encontrar pares certos.

Não sei. Eu parto, também, de um lugar

muito mais de questionamentos do que de

respostas, assim... Mas, pelo que a gente vem

pesquisando, entendendo, geralmente, quando

tem pessoas parecidas com você... Parecida,

não necessariamente fisicamente, mas parecida

territorialmente, ou vir do mesmo lugar que você...

Existe uma empatia, né? E aí você pode trabalhar

com outros conteúdos, que, às vezes, são muito

mais distantes. Esse é um caminho... Eu acho

que... Assim... O maior de todos é o interesse!

Existe interesse realmente em estimular essas

meninas a pensar essas coisas? Porque existem

mil oficinas, formas de aprender usando materiais

de baixo custo... Aqui, a gente fez muita oficina pra

criança, por exemplo, visualizar o DNA das frutas,

oficina de fotografia usando lata de sardinha!

Tem muitos projetos abertos na internet, que

dão conta de mostrar que a gente não precisa,

necessariamente, tá no hi-tech, do hi-tech, do

hi-tech... Que a gente pode explicar processos

que são, às vezes, muito densos e que usam

linguagens que a gente não tá acostumado a usar,

por outros caminhos.


Então, dá pra você fazer robô de papelão,

dá pra você visualizar DNA das frutas com sabão

em pó... Que são coisas que, normalmente,

a gente tem em casa!

Então, pra gente, aqui no Olabi, sempre teve essa

coisa de olhar pra esse mundo e falar: cara, não

adianta eu chegar com Arduino, e falar “gente,

isso aqui é um Arduino, um microcomputador

controlador, que eu posso fazer piscar a luz lá de

baixo, acender a luz lá de cima...” “Tá, Sil, mas pra

mexer o Arduino tem que entender um pouco de

programação...” Minimamente, você tem que saber

programar aquilo ali! Então, vamos um passo

atrás? Como que a gente pode entender um pouco

disso sem ter que meter a mão no computador,

ou que seja uma tecnologia muito hi-tech? Eu

acho que o pensamento, a forma de pensar, ela

não é digital, entendeu? E ela é na madeira, ela

é no papelão, ela é no sabão... Ela pode ser mil

formas de pensar! Não necessariamente você tem

que tá no digital pra que alguém entenda sobre

tecnologia, entendeu? Então, acho que a gente

tem que ser um pouco mais criativo!

125

Dentro do contexto da favela, existe muito essa

cultura da coletividade, do colaborativo, de

gambiarras, tentar fazer as coisas com o que

a gente tem na mão. Então, como você acha

que essa cultura pode contribuir na inserção da

tecnologia dentro dessa realidade das crianças

da favela, dentro dos espaços que elas circulam,

diante da escassez de recursos?

SIL: Acho que, primeiro, talvez, seja reconhecer

que a favela é um lugar extremamente criativo,

onde as pessoas criam soluções pra mil

problemas, que o Estado não dá conta de resolver.

Em 2015, criamos um curso chamado “Gambiarra

Favela Tech”, lá no Observatório [de Favelas]. Eu

nem trabalhava no Olabi, na época, eu trabalhava

no Observatório. E o Olabi e o Observatório

criaram esse curso, e foi um curso muito

interessante, porque a gente não tava focado em

criar um produto, a gente tava focado em criar um

projeto que tivesse um foco especial no processo.

Então, a gente foi criando traquitanas com coisas

que a gente coletava no ferro velho na Maré.

Como que a gente podia criar a partir dali, com

um pouquinho de tecnologia, sei lá, trazer um

“ledzinho”, uma coisinha, mas pegar essas coisas

do ferro velho e dar uma outra cara praquilo,

recriar aquilo, né? E esse processo, que era uma

imersão de, sei lá, não lembro agora, mas um mês,

um pouco menos, 12 dias...

A gente foi conhecendo outros espaços também

fora da Maré, que trabalhavam com ferro velho,

essas coisas... E a gente pôde perceber, uma

coisa que a gente já sabia, o quanto as pessoas


na favela, estão inventando a todo tempo coisas

novas, e é, sei lá, desde costurar uma chaleira com

arame, entendeu?

Só que a gente olha pra isso... E, assim, a gente,

quando eu falo, sociedade tanto dentro da favela,

quanto fora da favela... Não olha isso como uma

inovação! A gente não olha isso como uma forma

criativa! Se as pessoas no Leblon estivessem

fazendo isso, seria: “Carácolis! Que inovação! Os

caras são perfeitos!” Só que por vir de um estrato

da sociedade que não é tão privilegiado, aliás,

que não tem privilégio nenhum, isso é visto como

’jeitinho brasileiro’... Ai, gambiarra... Hum... Tem

uma disputa enorme na tecnologia também, de

falar que gambiarra não é tecnologia! A galera

que é mais tech, ‘high Society’, vai falar: “Isso

não é tecnologia!” Mas isso é tecnologia! O que é

tecnologia, então?

Se a gente for olhar ali num dicionário, numa

definição um pouco mais formal, a gente vai

ver: tecnologia é um conhecimento técnico

aplicado. Basicamente, né? Então, isso, não

necessariamente, é no digital e, o conhecimento

técnico aplicado, ele tá em várias áreas. Então,

acho que tem uma coisa que é de entender que

esses espaços criam soluções pra problemas!

Eu, particularmente, acho que tecnologia

tinha que servir pra isso. A gente tem um

monte de problema, hoje, na sociedade... A

gente tem um monte de problema real! E um

monte de tecnologia, também, funcional e que

poderia mudar a vida das pessoas, que podiam

transformar a vida das pessoas, que podiam

126

melhorar a vida das pessoas. Só que a gente não

vê isso acontecer, né? Então, sei lá, em 2010,

2011, quando eu comecei a pensar um pouco mais

em tecnologia, eu achava que a tecnologia ia salvar

a humanidade! Eu achava: “Cara, a gente, tá, tipo,

encontramos! Eureca! Algo que vai mudar, né, a

nossa realidade!” Só que não! Hoje, 2019, quase

10 anos depois, a gente olha e fala: “Carácolis,

o quanto que isso pode acirrar desigualdades,

quanto que isso aumenta um abismo social...”

Essa coisa do reconhecimento facial, essas coisas

de biometria... A gente sabe qual o estereótipo que

é visto como bandido, como uma pessoa que não

merece ter dignidade, por exemplo. Então, eu acho

que tudo isso tá muito junto, muito imbricado,

sabe? Tanto quanto pensar quanto tecnologia

tem a ver com direitos humanos, por exemplo.

Parecem pautas muito distantes, mas elas são

completamente complementares, porque, cara,

porque todos impactos disso tudo é na vida da

gente! E a gente não sabe ainda mensurar quais

são os impactos disso! Daqui a 10 anos, 20 anos,

talvez a gente consiga entender melhor o que


127

foi que aconteceu em 2017/18, sabe? Agora, a

gente ainda não tem essas respostas. Então, por

isso, que eu acho, também, que a gente vive um

momento na sociedade de... Tipo assim, mano, a

gente só tem pergunta agora, porque a resposta,

ainda, a gente vai entender! Então, acho que

passa, sim, por esse lugar de ver a favela como

um celeiro criativo, de inovação! Não olhar isso

como, ai, “jeitinho brasileiro”, porque esse “jeitinho

brasileiro” sempre esteve num lugar pejorativo,

num lugar menor.

Eu fiquei três meses na Finlândia, que é um país

super top em tecnologia, os caras são os reis da

educação, da metodologia, os caras são muito

bons de verdade! Só que eu não acho que eles

sejam inovadores, porque eles têm os processos

deles muito engessados. Se tirar uma peça do

lugar, a pessoa não sabe mais. E aí é o que eu acho

que é o grande mote. Brasil é um lugar que tem

tanta sabedoria! A gente tem tanto conhecimento

em tantas áreas, em tantas coisas, só que a gente

não olha pra isso como uma coisa boa. A gente

fica olhando pra gente como primitivos, como

qualquer outra coisa, colonizados, mas não como

pessoas potentes de fato, que criam soluções pra

problemas, e a gente fica o tempo todo tentando

importar modelos de fora. E não entende que, o

contexto local, ele é fundamental, tem que ser

considerado! Você tá falando de um lugar que tem

mais de 200 milhões de pessoas, e que o Norte

é totalmente diferente do Sul, que Laranjeiras já

é diferente de Honório Gurgel, entendeu? Não

precisa ir tão longe, mas, sabe?

E aí, é obvio... Quando você pensa em criar políticas

públicas, você tem que ter alguma unidade. Não

vai dar pra, de repente, contemplar todos os

estratos, mas como a gente pode fazer algo que

seja menos excludente? Eu acho que na tecnologia

é assim. Na favela, também é assim!

Eu não me sinto muito à vontade desse lugar da

favela, porque eu não sou de lá, né? Eu trabalhei

muito tempo na Maré, a gente faz projetos na

favela, a gente realiza as coisas, mas tem um

monte de gente aí também, que também tá

fazendo, que tá criando... E que já entendeu

que esse é um lugar que precisa ser ocupado, e

ocupado de uma forma segura, por pessoas que

estão propondo outras experiências também,

outras vivências, a partir desses aparatos

tecnológicos que estão mais disponíveis, hoje,

sim! Então, como a gente faz pra pegar isso tudo e

ressignificar isso, sabe?


Eu sempre lembro dessa coisa de quando a

internet que chegou pra gente ali... Pra gente

pobre... Nos nossos celulares! Sabe? Sei lá,

demorei muitos anos pra ter computador na

minha casa. Eu já tava na universidade quando

fui ter computador em casa. Mas tinha essa coisa

do smartphone, produzir conteúdo, rede social e

tudo mais... E, cara, isso já é uma coisa que mudou

as pessoas. Mudou a minha geração e mudam

as pessoas que vieram depois de mim. Porque é

isso... É tanto de criar uma referência, de eu falar:

“Caramba! Tem uma mina do Amapá que é negra

também e, durante a vida dela toda, ela sempre

usou o cabelo dela esticado...” Eu me reconheço

nisso, entendeu?

Eu fui ser essa Silvana, quando eu já tinha 28 anos,

sei lá, 29, quase 30, então, demorou um pouco

pra isso acontecer. Já não é uma coisa que vai

acontecer com essas gerações que já vêm muito

mais empoderadas, etc.

Só que eu acho que tem tudo isso: tem desde a

estética, tem desde o emprego, tem o estudo, mas

tem, assim... Tem que ter um desejo, dentro dessa

pluralidade nossa entre ser negro, ser pobre... E aí

todas as nossas diferenças... De tentar caminhar

junto, que é a pergunta que você colocou no início!

Qual é a pauta comum, né? Tem que ter uma! E

que seja, sei lá, a vivência, não a sobrevivência!

Que seja a transformação da gente pra ter uma

vida mais confortável, pra não sofrer tanto! Enfim,

eu acho que são várias camadas...

128

A gente precisa meio que olhar pra isso e

reconhecer, também, os nossos saberes, os

nossos valores enquanto sociedade favelada,

negra, periférica, pobre... E olhar e falar: não, peraí,

isso aqui tem um valor! Né?

Porque uma coisa que eu tenho falado muito

com uma amiga nos últimos tempos, é que,

talvez, o maior valor do mundo, hoje, seja o axé, a

energia, entendeu? Às vezes, você não sabe fazer

determinada coisa, mas, a tua energia, ela é tão

boa, que você chega num lugar, e aí você pode se

aliar com quem sabe fazer, entendeu? “Eu não

sei filmar, mas eu vou me juntar com meu amigo

que sabe filmar” Então, esse axé essa energia, eu

acho que é uma coisa também... Não querendo ser

‘poliana’ e nem holística demais, mas é uma coisa

que, cara, faz a diferença, entendeu? Porque tá

difícil! Tá difícil ser gente... Esse mundo tá... Sabe?

A gente tem mil motivos pra não levantar todo

dia de manhã... Mas eu acho que a gente tem que

encontrar outros mil, pra gente levantar! Como

tem um poema do Sergio Vaz, que eu amo que é:

“Enfia o dedo na cara do seu dia e diz que você vai

ser feliz hoje e que nada vai te impedir!”

Então, assim... Acho que, a esperança, ela é

coletiva. Não tem como, a gente não faz nada

sozinho, a gente não é sozinho, a gente não foi

feito pra ficar sozinho, mas também entendo que

a gente pode ter pautas diferentes, caminhos

diferentes. Mas eu sempre acho que quando a

barragem estoura, a gente tá do mesmo lado da

barragem, então, acho que a gente não precisa

todo mundo se amar e passar por cima de várias

coisas, mas acho que todo mundo precisa se


respeitar pra caminhar junto, pra algum lugar que

não é esse que a gente tá hoje! Porque tá difícil

e a gente sabe muito bem que, quando tá difícil

pra uma parcela da população, pra outra, tá muito

mais difícil, né? Então, como a gente soma nesse

processo e não diminui, sabe?

Como você acredita que os professores do ensino

fundamental do contexto da rede pública, diante

da falta de recursos, podem trazer a tecnologia

pra dentro da sala de aula?

SIL: Cara, eu acho que a situação dos professores

é bem desafiadora! Por tudo, né? Pelas políticas

públicas, porque ser professor no Brasil é uma

coisa que você tem que tá amando muito a sua

causa, o seu trabalho. Quando eu penso nos

professores, acho que tem dois lugares, né? Um,

que é o estímulo do professor. Como que o cara

se motiva? Como que a professora se motiva, pra

fazer o que ela faz? E como que ela, enquanto

uma educadora, estimula, motiva seus alunos,

seus estudantes, né? São perguntas difíceis de

responder e que, de fato, têm um impacto em

toda uma sociedade, em todo o ecossistema

129

educacional. Mas eu acho que, talvez, um dos

caminhos seja buscar esses conhecimentos...

Que seja pelo YouTube... Tem tanto canal de

informação, sabe? Tem tanto projeto aberto na

internet... Infelizmente, no Brasil, as pessoas

tem muito uma visão de que a internet é o

Facebook, ou Instagram, ou rede social, mas não

é, entendeu? Então, assim... Aí eu acho que passa

por esse letramento digital mesmo, que é: como

que a gente aprende a pesquisar na internet, por

exemplo? Porque, às vezes, é isso: “Tá bom, mas

eu não sei como pesquisar na internet! O que eu

vou procurar lá? Nem sei o que eu tô procurando!”

Mas assim... Se desafiar, né? É isso!

Quando eu falo da motivação dos professores,

também, é um pouco olhar pra esse lugar de

“vou continuar acreditando na minha causa, vou

continuar acreditando no que eu tô fazendo... E aí,

quais caminhos eu busco pra isso”, que eu acho

que pode ser, desde se juntar com pessoas... Ou se

você quer um processo mais autodidata, solitário,

vai no YouTube, porque o YouTube é um canal

que tem muita coisa, né? Tipo, eu, por exemplo,

sou uma pessoa que, quando não sei fazer

algo, eu pergunto pro Google, ou pro YouTube,

e tem tutoriais, sabe? E, assim... Tem muitas

metodologias abertas, que estão disponibilizadas

na internet, só que eu acho também que,

enquanto o sistema educacional não estimula os

profissionais a isso também, eu acho que não é só

os professores estimularem os alunos. Como os

professores também são estimulados a isso, né?

Quais brechas os professores enxergam, pra poder

criar outras coisas? Talvez não sejam muitas.


130

E aí é que tá um dos grandes gargalos também

de tudo isso, né? Não é porque o cara não quer!

Tem uma estrutura, que ela é estruturante

e é estruturada. O sujeito faz a estrutura e é

estruturado por ela também. Então, tem que ter

muito amor no coração! Eu acho que a verdade é

essa, sabe? Porque não é fácil tá nesses espaços,

não é fácil ser um professor no Brasil, não é fácil tá

na escola. Pros estudantes também a escola é um

lugar que tá muito engessado, que já é hostil, que

você não quer ir... Sabe? “Pra que que eu tenho que

vir pra cá? Isso não vai me servir de nada!”

Porque eu acho que esse modelo de educação

que a gente tem hoje tá fadado ao fracasso! Não

é um lugar, que estimula a gente a tá, mas precisa

ser! Quando eu falo isso, eu não quero dizer: ah,

então, vamos acabar com as escolas! Não! Óbvio

que não! A escola é fundamental, mas como a

gente pode repensar a escola? Como a gente pode

pensar que esse sistema que a gente usa, hoje,

do século XIX, não cabe mais no século XXI? Se eu

consigo perceber uma mudança gigante de 2017

pra cá, quando a gente lançou o PretaLab, pros

dias de hoje, por exemplo, ver o quanto as pessoas

estão falando mais dessa coisa de raça, gênero e

tecnologia... Eu não via isso antes! Não tô dizendo

que a gente foi o primeiro a falar disso, mas tô

dizendo que, de dois anos pra cá, muita coisa já

mudou... Imagina século XIX pro XXI! Então, não

dá pra ser esses métodos. A gente tem que pegar

essas ferramentas que estão disponíveis nesse

tempo agora e tentar usar de uma forma que seja

a favor da gente, a favor das nossas causas.

Então, é um desafio gigante, mas eu acredito que

tenha uma possibilidade ali, sabe? Talvez a gente

não vá ver essa transformação, mas eu acredito

que a árvore que a gente quer ver, a gente tem

que plantar a semente agora, né? A gente fala

muito de futuro, e de pautar o futuro, construir

um futuro mais inclusivo. Mas esse futuro mais

inclusivo, ele começa a ser desenhado agora no

presente. O que a gente tá fazendo pra isso ser

diferente, sabe? Então, é agora! É o presente que

determina o futuro!


APRESENTAÇÃO &

AGRADECIMENTOS


Muito prazer, sou uma

designer periférica

Eu sou Ilana Guilland, tenho 23 anos, nasci em

Nova Friburgo, região serrana do estado do Rio

e me mudei sozinha para a cidade do Rio de

Janeiro para cursar a graduação em Design na

PUC-Rio. Sou de origem pobre, vim da periferia,

onde até hoje minha família mora, mas meus

pais sempre fizeram questão de colocar em

primeiro lugar meus estudos, por isso, investiram

o pouco que tinham para que eu pudesse estudar

em bons colégios.

Embora eu reconheça meu privilégio de jamais

ter sofrido qualquer tipo de preconceito por causa

da minha cor, toda uma ancestralidade negra

e indígena me acompanha. Pela maior parte

da minha família ser negra, sempre tive muito

próximos de mim os exemplos de como o racismo

opera em vários níveis, mesmo que só tenha sido

capaz de analisar e refletir sobre depois que me

tornei pesquisadora. Por isso, quando comecei a

me entender na área do design, não conseguia não

sentir um incômodo com a abordagem sempre

pautada pela lógica do consumo.

132

Eu queria utilizar do meu potencial de

transformação social enquanto designer, para

contribuir com contextos que o design que pensa

soluções meramente lucrativas e comerciais,

geralmente, não costuma olhar. Minha perspectiva

e visão de mundo não me permitiam ignorar o

fato de que o poder do conhecimento que eu

tinha poderia ser útil para gerar transformações

positivas. Foi assim que me voltei para a área de

pesquisa, pensada sob a abordagem do design

social, com o objetivo de questionar dinâmicas e

desenvolver projetos que possam oferecer novas

perspectivas para o público ao qual me direciono.

O projeto apresentado aqui representa o princípio

da minha atuação enquanto pesquisadora em

design que busca questionar as relações sociais

e, principalmente, impulsionar ações que possam

gerar transformações na vida de pessoas que

vieram de realidades parecidas com a minha ou

ainda mais precárias e desprivilegiadas.

A escolha do tema tem a ver com a minha visão

sobre o mundo, que está muito voltada para a

ideia de que é a partir do cuidado com a maneira

como a educação opera no país, principalmente

nas camadas periféricas, que será possível

construir um futuro melhor. E, por isso, precisamos

pensar nisso e plantar a semente agora.

Fé nas crianças da favela!


Não se faz nada sozinho...

133

Este projeto não teria sido possível sem a

participação de pessoas queridas que me

acompanharam. Por isso, deixo aqui meus

agradecimentos:

Ao meu orientador Felipe Rangel, que acreditou

em mim e defendeu o meu trabalho desde o início;

Ao meu co-orientador Gamba Jr, que me guiou a

destravar processos;

À professora Bianca Silva, que foi extremamente

receptiva ao abrir as portas de sua sala de

aula para mim e permitiu que eu interferisse

em suas dinâmicas;

À diretora Ana Maria Nogueira e toda a

equipe, por terem me recebido tão bem na

Luiz Paulo Horta;

À Sil Bahia por toda sua contribuição desde

sempre e principalmente, por ser inspiração para

tantas mulheres;

À Ana Carolina da Hora por me ajudar a entender

melhor o universo da tecnologia e oferecer

seus relatos pessoais para o desenvolvimento

do projeto;

À Juliana Barbosa, pela parceria e por aceitar

meu convite para desenvolver ilustrações

para o projeto;

Ao Caio Laundos, por me incentivar, por sempre

colaborar, por acompanhar todo o processo passoa-passo

e sempre me ajudar a pensar além;

Aos meus pais, Girlan e Rosi, que sempre me

apoiaram e me deram forças;

Ao meu irmão, Ílan, que levantou questões

durante a pesquisa de tendências que foram

disparadoras para o desenvolvimento do projeto;

Ao Ricardo Godot por me acompanhar para

filmar as entrevistas, por me apoiar sempre

e por tecer críticas que contribuíram com

o desenvolvimento do projeto e com

minha formação;

Ao professor Jorge Langone, por ter intermediado

meu contato com a Bia e por exercer sua

profissão de educador com tanto afeto,

contribuindo intensamente na minha

formação como designer;

Ao professor Flávio Carvalho, pela orientação

da pesquisa de tendências, que ofereceu

fundamento para o desenvolvimento do projeto;

À professora Gabriela Vaccari, por suas

orientações ao longo da fase de desenvolvimento;

Ao professor Hamilton Werneck pelas disposição

às entrevistas que muito bem embasaram os

aspectosteóricos educacionais;

À Maria Julia Ferreira, que fez indicações

preciosas para a pesquisa;

À Vitória Flores, à Mariana Oliveira, ao Ívanno

José e ao Henrique Almeida, que colaboraram

fortemente no processo de ideação.


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