BONDE DA GAMBIARRA_RELATÓRIO
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
PROJETO FINAL DE DESIGN DE PRODUTO
PUC-RIO - Departamento de Artes
e Design - 2020.1
Projeto de conclusão da graduação em design de produto
Aluna: Ilana Guilland
Orientação: Felipe Rangel
Co-orientação: Gamba Jr
Colaboração: Gabriela Vaccari
Palavras-chave: design social, mulheres negras, tecnologia, educação
Ilustrações: Juliana Barbosa e Ilana Guilland
Motion Graphics: Caio Laundos
SUMÁRIO
4
5
DIVERSIDADE ÉTNICA &
REPRESENTAÇÃO FEMININA NEGRA
NA TECNOLOGIA
-Gerar metodologia de “Educação para o Século
XXI” por meio de vivências periféricas
51
52
53
55
GAMBIARRA & GAMBIOLOGIA
-Política de enfrentamento e valorização
da cultura local
-Gambiologia e o Movimento Mão na Massa
-Arte e Tecnologia
6
10
14
16
18
22
24
26
30
33
35
38
39
41
44
45
48
50
MULHERES NEGRAS NA TECNOLOGIA
-PRETALAB – Um outro olhar para a tecnologia
-Racismo Algoritmo
EDUCAÇÃO PARA O SÉCULO XXI
-A educação escolar e o processo de
mediação social
-A influência do afeto no processo educacional
-A pergunta como elemento-chave na dinâmica
de sala de aula
-Breve contexto histórico da educação no Brasil
-A tecnologia como ferramenta de
ensino-aprendizagem
DESIGN SOCIAL
-Rocinha, a maior da América Latina
-Luiz Paulo Horta, a escola fruto do sonho
da comunidade
-A parceira Bianca e a educação tecnológica
-Pesquisa-ação no campo
CULTURA HACKER
-O mercado de tecnologia educacional
-Educação tecnológica e
o pensamento computacional
-Hackear a sociedade e ressignificar os códigos
56
57
59
61
62
82
83
84
85
86
87
88
99
111
131
132
133
134
BONDE DA GAMBIARRA
-O desenvolvimento do projeto no contexto
da pandemia
-A metodologia orientada pela experimentação
-Projeto de design gambiológico
-Percurso metodológico
-Lean Canvas
-Planos para o futuro
ENTREVISTAS
-Apresentação Sil Bahia
-Apresentação Ana Carolina da Hora
-Apresentação Hamilton Werneck
-Entrevista com Sil Bahia (2017)
-Entrevistas com Hamilton Werneck
e Ana Carolina da Hora (2018)
-Entrevistas com Ana Carolina da Hora
e Sil Bahia (2019)
APRESENTAÇÃO & AGRADECIMENTOS
-Muito prazer, sou uma designer periférica
-Não se faz nada sozinho...
Referências Bibliográficas
4
DIVERSIDADE ÉTNICA &
REPRESENTAÇÃO FEMININA
NEGRA NA TECNOLOGIA
A oportunidade trabalhada no projeto abrange o
contexto da “Diversidade Étnica e Representação
Feminina Negra na Tecnologia”, que partiu da
pesquisa realizada em 2017 para o desenvolvimento
do projeto “(In)Visibilidade da Mulher Negra na
sociedade“, em grupo com Juliana Barbosa, Vitória
Flores e Ricardo Ferreira, sob a orientação dos
professores Guilherme Toledo e Joana Pessoa, com a
colaboração de Sil Bahia. As conclusões sobre a falta de
oportunidades e, sobretudo, de representatividade de
mulheres negras no cenário da tecnologia é o que gera
limitação de perspectivas em crianças e jovens negras/
os, no que se referem às áreas profissionais voltadas
para tecnologia e inovação. Portanto, a necessidade
emergente de empretecer a tecnologia, traz, também,
a de estimular as crianças negras a experimentarem o
processo de construção da tecnologia desde cedo.
@juuhbp
5
Gerar metodologia de
“Educação para o Século XXI”
por meio de vivências periféricas
O objetivo de “gerar metodologia de ‘Educação
para o Século XXI’ por meio de vivências periféricas”
partiu da análise de campo da pesquisa de “Tendências
da Educação com ênfase no Ensino-Fundamental”,
realizada em 2018, sob a orientação do professor
Flávio Carvalho, com a colaboração de Ana Carolina
da Hora e Hamilton Werneck. A pesquisa de 2018
traz como questão central o fato de que a tecnologia
passa a se tornar requisito básico para o progresso e
evolução do cenário educacional, por meio da inserção
de recursos digitais e aparatos tecnológicos.
A pesquisa de campo, então, foi realizada a partir
da abordagem do design social, em parceria com
a professora Bianca Silva, nas aulas de educação
artística do 6º ano do ensino fundamental, na Escola
Municipal Luiz Paulo Horta, localizada na Rocinha,
sob a direção de Ana Maria Nogueira. A análise
do contexto diante dos resultados da pesquisa de
tendências demonstrou o quanto o movimento que
pensa a transformação das dinâmicas educacionais
para o contexto atual é excludente e afasta escolas
com poucos recursos e as crianças dos estratos sociais
desprivilegiados do universo tecnológico.
O projeto “Bonde da Gambiarra”, portanto, partiu
do processo de desconstrução da visão elitista da
tecnologia, por meio da valorização do contexto e da
vivência na favela, sob os parâmetros de utilização de
baixa tecnologia (low tech); reutilização de resíduos
para aproveitamento do potencial de recursos;
experimentação sobre os processos de construção da
tecnologia; com aplicação para todas alunas e alunos,
mas com ênfase no estímulo ao contato das meninas
negras com a atuação na tecnologia. A metodologia
projetada consiste em atividades envolvendo a
gambiologia, sob a forma de construção de gambiarras,
que posiciona as professoras e os professores como
mediadoras/es do processo de aprendizagem, e
estimula a autonomia das alunas/os.
7
Perspectiva histórica da mulher
negra na sociedade
De acordo com dados do Censo de 2015 do IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a
população brasileira corresponde a 54% de pessoas
autodeclaradas negras. As mulheres negras, por
sua vez, representam 28% da população, ou seja, mais
de ¼ do total, correspondendo a mais de 60 milhões
de pessoas. Sendo assim, o povo preto, sempre dito
como “minoria” representa a maioria demográfica real,
mas os mecanismos de racismo planejados mediante
projeto político promovem uma minorização desses
indivíduos nos mais diversos espaços sociais, tanto
de maneira violenta, quanto de maneira velada. Assim
como Lélia Gonzalez, pensadora brasileira das ciências
sociais, negra, feminista, defende, trata-se, na verdade,
das “maiorias silenciadas”.
É importante considerar que a pesquisa de dados do
IBGE referente à cor se dá por autodeclaração, o que
indica que os números consideram apenas aqueles
que se entendem e, portanto, se declaram negros. E,
sabendo que, devido a todo o contexto problemático
da negritude e sua memória negativa no Brasil, e à
questão do colorismo – também conhecido como
pigmentocracia, muito comum em países que sofreram
colonização europeia e em países pós-escravocratas,
e quer dizer, de maneira simplificada que, quanto mais
pigmentada uma pessoa, mais exclusão ela irá sofrer
- muitas pessoas negras não têm consciência de sua
cor ou mesmo preferem evitar o reconhecimento. Logo,
esse número deve ser, na realidade, muito maior.
60 milhões
IBGE (2015)
28%
O racismo se manifesta, principalmente, a partir
das relações interpessoais, mas é importante entender
que, muito além de artifícios que determinam a
supremacia da branquitude de determinado indivíduo
em detrimento da negritude de outro, há também a
manifestação coletiva do racismo nas estruturas de
organização da sociedade e das instituições.
O resultado do racismo estrutural e institucional na
vida de pessoas negras é a escassez generalizada de
recursos; a indisponibilidade e o acesso reduzido a
serviços e a políticas de qualidade; o menor acesso à
informação; e a menor participação e controle social.
No caso das mulheres negras, elas são alvo não
apenas do racismo, mas também do machismo,
e, ainda, do preconceito socioeconômico, porque,
por consequência, concentram-se nas camadas
economicamente mais baixas. Essa interseccionalidade
faz com que elas representem o grupo social mais
vulnerável e mais envolto por construções sociais
que limitam suas possibilidades de ascensão.
8
Lélia Gonzalez, nos anos 1970, abordou a
problemática da negação do racismo, por meio
do mito da democracia racial, um dos mais efetivos
mitos de dominação, criado a partir de estudos
sociológicos que construíram a crença da
miscigenação voluntária do país. A criação do mito
da inexistência do racismo buscou trazer uma
significação poética para a miscigenação, na tentativa
de apagar o legado histórico de que essa característica
se deu de maneira extremamente violenta, por meio de
estupros e, principalmente, com o objetivo de fortalecer
a supremacia branca. As questões levantadas por Lélia
ainda são muito atuais, pois ainda se dissemina muito
a ideia de que a riqueza brasileira reside no processo
de miscigenação e, além disso, o atual presidente e os
demais personagens que compactuam com suas ideias,
insistem em afirmar que “racismo é coisa rara no país”.
Lélia, que fazia parte do movimento feminista
hegemônico, percebeu, ainda, que não havia
problematização acerca do fato de que a emancipação
econômica e social das mulheres brancas se deu
às custas da exploração das mulheres negras sendo
muito mal pagas no trabalho doméstico, além de
não pautar as problemáticas da falta de direitos
trabalhistas, previdenciários e da exploração sexual
da mulher negra. Na época, as feministas brancas
acusaram Lélia de revanchismo e de ter discurso
emocional, ignorando que, como ela mesma dizia,
“ser mulher e negra (ou negra e mulher?) implica em
ser objeto de um duplo efeito de desigualdade muito
bem articulado e manipulado pelo sistema que aí está”.
Essa questão também continua muito atual e enfatiza
a importância do feminismo negro, interseccional.
Lelia Gonzalez, cientista social e feminista negra
Mulheres negras em posições subalternas faz parte
de um processo histórico da sociedade brasileira,
sustentado pela estrutura machista, racista, sobre
a qual foi construída desde o período escravagista.
Embora já se tenha passado mais de século do fim da
escravatura, e, portanto, falar de racismo e machismo
já pareça, às vezes, repetitivo demais, ainda hoje, a
realidade só mostra o quanto ainda é muito necessário
falar sobre isso. Afinal, muita coisa do século passado
está presa aqui no presente.
O racismo e o machismo são os pilares mais
enraizados da estrutura social, que permitem a
manutenção de valores deturpados, preconceituosos
e violentos a corpos negros. As mulheres negras,
portanto, são o grupo mais vulnerável da sociedade,
por estarem na interseção dessas duas maiores formas
de opressão históricas. Embora já se tenha conquistado
alguma coisa, ainda existe um longo caminho a ser
percorrido pela redução das desigualdades de gênero
e raça. E a chave para esse processo que já vem
acontecendo está, dentre outras coisas, na produção
de conhecimento.
9
Pensando em mulheres negras enquanto “minorias”,
pode-se fazer um recorte no cenário da tecnologia,
que faz parte de mais um pilar que já se fincou
também na estrutura social e, portanto, acaba por,
também, determinar as dinâmicas das relações sociais.
Representando o extremo oposto das posições em
trabalho doméstico, as mulheres negras encontramse
subrepresentadas nas profissões voltadas para as
áreas tecnológicas.
@juuhbp
10
PRETALAB – Um outro olhar
para a tecnologia
De acordo com dados apresentados pelo IBGE
na pesquisa “Estatísticas de gênero”, apenas
10,4% das mulheres negras tem ensino
superior completo, enquanto o percentual de
mulheres brancas corresponde a 2,3 vezes mais.
Segundo levantamento do Grupo de Gênero da Escola
Politécnica da USP (Poligen), em 120 anos, a USP
formou apenas 10 mulheres negras. Além disso, na
lista de pioneira das ciências no Brasil, criada pelo
CNPq, nenhuma das mulheres citadas é negra.
Essa dificuldade no acesso à educação se reflete
no mercado de trabalho, porque, sem formação,
restam às mulheres negras as posições de menor
prestígio e menor remuneração, assim como aponta
o “Dossiê Mulheres Negras: retrato das condições
de vida das mulheres negras no Brasil”, do Ipea
(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada): elas
estão sobrerepresentadas no trabalho doméstico,
pois correspondem a 57,6% dos trabalhadores nesta
posição. Portanto, são as mulheres negras as que
mais sofrem durante as crises econômicas, o que
pode ser demonstrado pela estatística de que,
entre 2014 e 2017, a taxa de desemprego passou de
9,2% para 15,9%, entre o grupo citado,
de acordo com o IBGE.
Ilustração baseada em cena do filme “Histórias Cruzadas”, de Tate Taylor
11
Desde que o mundo começou a ser invadido pela
cibercultura e a sociedade passou a sofrer impactos,
interferências e transformações impulsionadas
pela presença dos meios digitais, as desigualdades
ficaram ainda mais acirradas, porque aqueles com
maior poder aquisitivo têm também maior facilidade
de acesso, e os menos (ou nada) favorecidos acabam
ainda mais prejudicados e em defasagem. No que
se refere às questões econômicas, de acordo com
o site da PretaLab, os setores tecnológicos são os
que mais tendem a crescer nos próximos anos, além
de costumar ter salários atrativos, o que pode ser
interessante para as mulheres negras, apresentando
possibilidades de geração de renda e emancipação
econômica. Logo, é urgente o direcionamento de
recursos, políticas públicas e privadas, pesquisas e
esforços para a população negra em geral.
Referência e memória
Sil Bahia (2017)
@juuhbp
Para Silvana Bahia, a ausência de mulheres negras
e indígenas nos espaços voltados para a área de
tecnologia e inovação está ligada não apenas à falta de
acesso, mas também à falta de referência. Conforme
demonstra o estudo “Por que tão poucas? Mulheres
afro-americanas em Ciência, Tecnologia e Engenharia”,
apenas 10,7% dos diplomas concedidos a mulheres
nos EUA, naquela época, correspondiam a diplomas
de engenheiras ou cientistas, obtidos por mulheres
negras. E, ainda, elas correspondiam a menos de
1% do total de mulheres empregadas na indústria
tecnológica. Ou seja, mesmo em países em que o
acesso dessas mulheres ao ensino superior é melhor
do que no Brasil, o racismo e o machismo seguem
impedindo sua chegada no mercado de trabalho.
Daí a necessidade urgente de que a discussão sobre
a ocupação de profissões nas áreas de tecnologia e
inovação seja feita a partir de um recorte de raça,
mas também de gênero.
12
Foi a partir disso que o OLABI, organização social
que trabalha em prol da diversidade no mercado de
trabalho nos setores de tecnologia e inovação como
mecanismo de redução das desigualdades sociais,
lançou, com apoio da Fundação Ford, a iniciativa
PretaLab, que impulsiona a inclusão de mulheres
negras na inovação e tecnologia. Defendendo
o investimento no mercado de trabalho como
também um estímulo a empresas mais produtivas e
eficientes, a PretaLab trabalha em prol da geração de
representatividade, criação de rede de mulheres negras
da tecnologia e da inserção da pauta da negritude
feminina em espaços tecnológicos e de formação.
De acordo com dados apresentados por uma
pesquisa realizada pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie sobre diversidade no mercado de trabalho,
concluiu-se que a diversidade representa uma inovação
muito positiva, porque torna mais criativo o espaço,
permitindo um processo de evolução coletiva, devido
à possibilidade de troca de experiências distintas e
variadas e, consequentemente, amplo aprendizado.
Por isso, o primeiro projeto realizado foi uma
série de vídeos de entrevistas (link na imagem a seguir)
dirigida por Yasmin Thayná, que apresentou a
história de Ana Carolina da Hora, Fernanda Lira
Monteiro, Gabriela Oliveira, Glória Celeste de Brito,
Maria Eloisa, Maria Rita Casagrande, Monique
Evelle, Silvana Bahia, Vitória Lourenço e Viviane
Rodrigues Gomes, mulheres negras que trabalham em
diversas áreas da tecnologia. O objetivo foi mostrar
que narrativas que possam servir como referência
para outras mulheres e meninas negras sobre a
possibilidade de fazer parte desse cenário.
A PretaLab, que trabalha sobre os pilares de
diversidade, tecnologia e inovação social, iniciou
seus trabalhos em 2017, sob a direção de Sil Bahia,
após sua inquietação diante da ausência de mulheres
negras no cenário de tecnologia e inovação. De acordo
com o posicionamento que ela defende, a PretaLab é
um “lugar de questionamentos, não de respostas,
porque, muitas vezes, o maior desafio é fazer boas
perguntas” e, sobretudo, um meio de inspiração.
13
Entre novembro de 2018 e março de 2019,
foi realizada uma pesquisa de mapeamento das
profissionais negras de tecnologia, por meio de um
questionário online contendo perguntas referentes
à coleta de dados qualitativos e quantitativos,
com divulgação em rede para todo o Brasil, obtendo
639 respostas válidas em 21 estados brasileiros.
Então, em parceria com a ThoughtWorks, consultoria
global de software, a PretaLab lançou em agosto
de 2019, a #QUEMCODABR e a plataforma com
um banco de dados contendo perfis de mulheres
negras que trabalham com tecnologia no Brasil
(link na imagem abaixo).
O principal objetivo da #QUEMCODABR foi entender
a relação entre a percepção e a realidade em relação
à diversidade nas equipes de trabalho em tecnologia
no Brasil. Questionamentos sobre o que é diversidade,
sobre a representação da população nas equipes
de trabalho em tecnologia, sobre os perfis dos
profissionais deste mercado, foram levantados para
mostrar o panorama do cenário e apontar direções para
um mercado mais inclusivo e diverso. Clique na imagem
abaixo para visualizar a pesquisa no site da PretaLab.
14
A atuação da mulher é limitada por construções
sociais desde o seu desenvolvimento na infância,
diante da disseminação de supostas aptidões
femininas restritas ao serviço doméstico, e isso se
agrava ainda mais no contexto da negritude feminina,
porque torna também limitados os sonhos das próprias
mães e pais para o futuro de suas filhas. Isso acontece,
principalmente, por esse processo se consolidar como
um projeto político histórico, que remonta centenas de
anos de uma estrutura racista e patriarcal, construída
sob ideias colonialistas e escravocratas.
Diante desses dados, o racismo algoritmo é
uma realidade, prova de que a neutralidade das
tecnologias é um mito. De acordo com o que Sil
Bahia afirma, “as tecnologias estão carregadas
com as visões políticas, econômicas e culturais
de quem as cria e esse poder está nas mãos de
homens, brancos, heterossexuais, classe média/
ricos”, que converte-se em um conjunto de resultados
de busca enviesados, que privilegiam a branquitude e
desfavorecem, principalmente, as mulheres negras.
A partir disso, Sil defende que a democratização do
acesso às tecnologias não deve se voltar apenas
para a ampliação do consumo, mas também para as
possibilidades de criação. Afinal, como ela aponta,
“tecnologia é a linguagem do século XXI. É política, é
poder, é direitos humanos, é cidadania. É fim e é meio.
Tem que andar em conjunto com todas as outras
causas e pautas, senão estaremos sempre um passo
atrás”. Por isso, é preciso pensar no movimento rumo
à diversidade étnica na tecnologia, por meio da
inserção de mulheres negras nesse cenário.
Sil Bahia defende que, para transformar a realidade
da supremacia branca no contexto da tecnologia
por meio da inserção de mulheres negras, “não se
pode vir uma, tem que vir de bonde”, para fomentar
o empretecimento do cenário. Ana Carolina da
Hora, relacionando-se a isso fala, também, sobre a
importância da formação de redes de apoio, como
grupos de estudo, que gerem conexões para troca
conhecimento e experiências. E, conforme Ana e
Sil apontam, é preciso que essa movimentação
aconteça para o hackeamento do sistema, e, então,
o entendimento e ressignificação dos códigos, para a
abertura de brechas.
Hackeamento do sistema
Sil Bahia (2017)/Ana da Hora (2019)
Portanto, de acordo com a ideia de que o
conhecimento é a chave para a tomada de consciência
das relações de poder, e que o processo de construção
da tecnologia deve ser apresentado desde cedo para
as meninas negras e outras crianças do contexto
periférico, existe a necessidade de pensar na inserção
da pauta na educação escolar.
15
Um resgate histórico do contexto educacional
brasileiro demonstra que a educação passou a ser
direito constitucional apenas a partir da Constituição
de 1988 e uma análise desse dado permite a conclusão
de que os atrasos geraram diversos problemas, como
a baixa qualidade do ensino, o baixo desempenho
dos estudantes e as altas taxas de evasão. Estes
problemas interferiram e ainda interferem na
formação de gerações de brasileiros e resulta num
contexto de permanente desigualdade. Principalmente
porque o sistema educacional vigente atualmente
ainda respeita aos moldes do século XIX, ligado a ideais
colonialistas e eurocêntricos.
A própria organização espacial da sala de aula,
que mantém os alunos sentados em fileiras, uns
atrás dos outros, sem contato visual com os colegas,
olhando apenas para o quadro e o professor, em pé,
a frente, denota uma hierarquização, que define o
professor como o ator principal e os alunos como
meros aprendizes, além de não possibilitar atividades
colaborativas. Essa organização foi pensada para
formar operários de indústrias, de acordo com o
contexto do século XIX, como aponta o educador
Hamilton Werneck, portanto, junto a todo o modelo
vigente, definitivamente, não cabe mais na sociedade
atual. É mais do que urgentemente necessário
repensar as dinâmicas educacionais para readaptar ao
contexto e às novas gerações.
17
De acordo com Hamilton Werneck, “se temos novos
alunos, precisamos de valores novos”, portanto, é
preciso readaptar a dinâmica escolar à dinâmica atual
da sociedade, defendendo que “a escola precisa ensinar
a conviver, precisa ter tecnologia – quanto mais tiver,
mais os alunos vão progredir -, mas não se pode, de
maneira alguma, deixar de lado a formação do caráter,
a formação do afeto”.
A “Educação para o século XXI” consiste no
pensamento relativo à educação como principal
mecanismo de redução das desigualdades históricas,
a partir do desenvolvimento do poder de criticidade
das/dos alunas/os, cujos valores resgatam a
Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire. Objetiva,
principalmente a educação baseada na utilização da
tecnologia como ferramenta educacional, além de
incluir a reflexão sobre os impactos da tecnologia na
sociedade. De acordo com o que afirma o educador
Hamilton Werneck, é preciso “ensinar com tecnologia
e educar com sensibilidade”, para a construção de
múltiplos estímulos e personalização do ensino, e,
portanto, adotar metodologias que coloquem as/os
alunas/os no centro do processo de aprendizagem e
o professor com mediador do processo de construção
de conhecimento, garantindo o protagonismo e a
autonomia dos alunos.
Tecnologias como aliadas
Sil Bahia (2019)
A educação escolar e o processo
de mediação social
“Ser humano:
ser de natureza
SOCIAL, que tudo o que
tem de HUMANO provém
de sua vida em
SOCIEDADE, no seio da
CULTURA desenvolvida
pela HUMANIDADE”
(Leontiv)
Baseado em estudos da Psicologia Histórico-
Cultural, o ser humano só pode ser definido como tal,
com base nas relações sociais, já que nelas residem
a própria essência humana. Essas relações sustentam
a transmissão de conhecimento e comunicação,
responsáveis pelo desenvolvimento histórico-cultural
da humanidade e, por consequência, pela continuidade
do processo histórico.
A Teoria Sociocultural, de Lev Vygotsky,
levanta que “só há desenvolvimento tipicamente
humano se a pessoa for exposta a uma cultura,
apropriando-se das crenças, valores, tradições
e habilidades do grupo social ao qual pertence”. A
formação do indivíduo e, portanto, a constituição
da subjetividade, tratam-se de um processo
educativo, que consiste nessa caminhada em
direção ao pertencimento, cujo elemento principal
é a mediação social.
Vygotsky define como andaime o processo
central do aprendizado, que diz respeito à
18
“lacuna entre o que a criança sabe fazer com
independência e o que precisa aprender com
a ajuda de alguém mais experiente”. Esse processo
consiste no auxílio dos adultos significativos,
que são aqueles que fazem parte da direção e
organização do aprendizado até sua internalização.
Logo, professoras/es exercem o papel de
mediadoras/es sociais e estão na linha de frente
do processo de apropriação do mundo, pois
oferecem o aparato cultural, por meio do ensino
de instrumentos sociais.
A relação aluno-professor, portanto, é de
importância significativa, não apenas para o
processo de formação acadêmica, mas também
para o processo de formação do indivíduo e, por
isso, precisa de atenção daqueles que repensam
as dinâmicas. Logo, é imprescindível a adoção
de uma abordagem de aprendizagem ativa,
partindo da identificação do conhecimento que a
criança já possui, seja identificado para que,
a partir daí, seja possível avançar.
A família também é um contexto de
aprendizagem e exerce forte influência sobre
a criança em idade escolar. No entanto, no Brasil,
a predominância de famílias com baixa renda e,
consequentemente, baixa escolaridade, acaba por
afastar os familiares do processo educativo. Essa
situação coloca a escola numa posição ainda mais
preponderante no desenvolvimento da criança.
Mas, mesmo assim, é necessário estabelecer uma
boa interação entre os dois contextos para auxiliar
as famílias a desenvolverem, junto às crianças, o
interesse e a valorização pela escola.
19
O educador Hamilton Werneck aponta que
um dos desafios da relação entre professoras/
es e alunas/os está na distância geracional,
que implica em vivências em tempos
completamente diferentes e noções de tempo
também completamente distintas. A geração de
professoras/es foi educada a partir da “ordem”,
enquanto as novas gerações, que vieram após a
evolução acelerada da tecnologia, já nasceram sob
o estímulo de aparatos cuja relação com os seres
humanos ainda se apresenta como um assunto de
grandes mistérios para os estudiosos.
Devido a essa realidade, alunas/os de hoje
têm o que se pode chamar de maior elasticidade
da mente, o que significa que o pensamento se
comporta de maneira muito mais acelerada do
que as pessoas das gerações anteriores. Isso
resulta em uma noção de tempo desordenada,
que provoca embates em sala de aula entre
alunas/os e professoras/es, pela dificuldade de
diálogo e aproximação e, consequentemente,
o desinteresse dos alunos.
Estabelecendo um paralelo com o conceito de
Zigmunt Baumann, da cultura líquida, Hamilton
aponta ainda que as ações no mundo atual estão
se tornando cada vez mais líquidas, ou seja, elas
simplesmente “passam”. No contexto da sala
de aula, isso resulta no não estabelecimento de
grupos de amigos, e as crianças mantém-se num
exílio dentro das telas digitais e desenvolvem-se
em “outro mundo”, um “mundo virtual”.
O papel do/a professor/a, nesse sentido,
é, antes de mais nada, compreender cada
aluna/o, para que seja possível a construção
de relações mais sólidas. A escola deve ser um
espaço em que as crianças estabeleçam relações
afetivas e democráticas, e garanta a todos a
possibilidade de se expressar.
Para que isso seja possível, é preciso estimular
o protagonismo da/os alunas/os, valorizando
a cultura e a identidade de cada um, com isso,
abrindo as portas também para o processo de
conscientização. A prática de sala
de aula precisa desenvolver a criticidade dos
alunos e, de acordo com Paulo Freire, a educação
deve inquietar as/os alunas/os para
a transformação do mundo.
Paulo Freire, pensador e filósofo brasileiro, considerado um dos mais
importantes na pedagogia mundial
20
Portanto, o papel do professor vai muito
além de ensinar valores diferenciados, por meio do
oferecimento das ferramentas adequadas. Para
isso, é importante considerar os estudos voltados
para a idade escolar.
Jean Piaget define que o processo de
desenvolvimento cognitivo nessa fase, referente
ao processo de desenvolvimento mental,
está associado ao crescimento físico, já que a
inteligência se constrói a partir da interação
entre o indivíduo e o ambiente. Neste projeto, os
estágios abordados correspondem ao operatório
concreto, que abrange dos 7 anos 11 anos; e ao
operatório formal, que abrange dos 12 em diante.
No entanto, é importante enfatizar que, embora os
estágios do desenvolvimento cognitivo sigam uma
ordem fixa, as pessoas passam por elas
em velocidades diferentes.
O que há em comum em todos eles é
que a criança em idade escolar apresenta
capacidade de raciocínio lógico sobre o mundo,
mas depende dos elementos concretos para
realização das operações, por meios visuais,
táteis e de experimentação, preferencialmente
a partir da utilização da interdisciplinaridade
como estratégia.
Ainda de acordo com a proposta de educação
com sensibilidade, citada por Hamilton,
pode-se abordar os estudos voltados para o
desenvolvimento emocional e social, já que,
junto do ambiente familiar, o ambiente escolar é
fundamental para o desenvolvimento do controle
da emoção e da autoestima. A emoção, definida
pela psicologia como a resposta interna produzida
a partir de uma informação proveniente do
mundo externo; permite entender a importância
da inteligência emocional, que se desenvolve
a partir da tomada de consciência das reações
emocionais e, por sua vez, gera a experimentação
de sentimentos que as crianças precisam aprender
a reconhecer e lidar.
A inteligência emocional, definida como
a capacidade de autoconhecimento, de
solidariedade, de convivência, de saber ouvir, de
colocar a si próprio no lugar do outro (Bisquerra,
2012), está associada ao desenvolvimento de
comportamentos pró-sociais que, por sua vez,
ajudam as crianças a se tornarem mais empáticas
em situações sociais e competentes para
enfrentar problemas de maneira mais construtiva.
Entretanto, os aspectos familiares também
geram interferências no desenvolvimento
do comportamento psicossocial e, por isso,
relacionar-se com pares da mesma idade é um
excelente aprendizado desses comportamentos
pró-sociais, porque adquirem senso de identidade,
habilidades de liderança e de comunicação.
21
Os estudantes de hoje estão cercados de
tecnologia, o que transformou a relação entre
eles e o mundo e, consequentemente, com a
escola. Afinal, possuem acesso rápido e fácil aos
mais diversos tipos de conteúdo e informações
e, portanto, é também fora das aulas que as/os
alunas/os percebem e desenvolvem interesses.
Uma das grandes defasagens do sistema
educacional brasileiro é a falta da abordagem
de atividades extracurriculares, que resulta na
dificuldade de adequação enfrentada por diversas
crianças e adolescentes.
A escola precisa ser uma instituição muito além
do ensino, que também acolha e valorize as/os
alunas/os, oferecendo possibilidades diversas
de aprendizado, inclusive, voltadas para outros
tipos de inteligência, como atividades culturais e
esportivas, o que pode contribuir a encontrar o
melhor modo das/os alunas/os se desenvolverem.
Além disso, as atividades extracurriculares são
de extrema importância para que professores
e pais conheçam melhor os alunos e contribuam
na identificação de preferências que influenciarão
na escolha profissional e outras decisões ao
longo da vida.
A influência do afeto no
processo educacional
De acordo com o artigo de Janete Piva, na
Revista de Educação da IDEAU (Faculdade
de Caxias do Sul), que discute a influência da
afetividade no processo de ensino-aprendizagem
sob a ótica da psicopedagogia, o afeto tem
importância, principalmente, na motivação. A
motivação corresponde ao “processo que mobiliza
o organismo para a ação, a partir de uma relação
estabelecida entre o ambiente, a necessidade e o
objeto de satisfação”. Já que o organismo é movido
por necessidades, ou seja, intenção, interesse,
o ambiente deve ser composto por estímulos e
possibilidades de satisfação dessas necessidades.
No entanto, esse objeto de satisfação é
componente da dimensão afetiva, cabendo a
professoras/es adotarem “atitude de acolhimento
nos aspectos didáticos e na relação interpessoal”.
A afetividade entre professoras/es e alunas/
os, portanto, está submetida à composição do
ambiente escolar, por meio da organização dos
tempos e espaços da escola. Portanto, é preciso
pensar a partir da proposta político-pedagógica,
que considera a concepção pedagógica
direcionada para o coletivo, por meio das práticas
aliadas ao discurso. Isso acontece diante da
abordagem da educação integral, que visa os
aspectos sociais, intelectuais e afetivos, pois a
transição entre a etapa orgânica do ser e sua etapa
cognitiva, racional, só pode ser atingida por meio
da mediação sociocultural.
22
“A consciência afetiva é a primeira manifestação
do psiquismo, por conta do vínculo com o
ambiente social, que garante o acesso ao
universo simbólico da cultura; e, assim, permite
a apropriação dos instrumentos com os quais
trabalha a atividade cognitiva”. Neste contexto,
o catalisador do processo de construção
do conhecimento é a “temperatura afetiva”
(Vasconcellos, 1995), estabelecida por meio das
formas de comunicação, que correspondem à
adequação das tarefas às possibilidades da/o
aluna/o, ao fornecimento de meios que realizem
as atividades com confiança e à demonstração de
atenção às dificuldades e problemas.
Logo, o suporte afetivo é o elemento central
no processo de aprendizagem, já que as emoções
fazem parte do cotidiano escolar. Diante disso,
o papel das/os professoras/es é a gestão do
controle das aulas, com a criação de ambiente
que facilite a espontaneidade, a comunicação
por meio do diálogo entre experiências diversas
e enriquecedoras para o fortalecimento
da autoestima e da capacidade. E, além
disso, também por meio do diálogo e da ação
colaborativa é preciso provocar oportunidades
de descobertas.
23
Relacionadas ao contexto da afetividade na
escola estão as questões relativas ao racismo
no cotidiano escolar, assunto explorado por
Azoilda Trindade, que problematiza “a distância
entre a escola e as classes populares e entre
a vida na escola e ‘a escola da vida’”, que, por
sua vez, gera, muitas vezes, o silêncio da escola
diante do preconceito racial. De acordo com a
autora, a escola é um dos palcos sociais onde,
cotidianamente, são vividas e exercidas as mais
diversas práticas de produção e reprodução
do racismo e afirma que, se os formuladores
do ensino no Brasil são, em sua maioria,
pertencentes a uma elite intelectual eurocêntrica,
é lógico que o ensino está centrado em valores
culturais europeus.
Assim, as narrativas apresentadas nas
escolas sobre os povos negros que compõem a
sociedade brasileira são incompletas, lacunares,
estereotipadas, quando não omitidas e negadas.
Diante disso, alunas/os pretas/os tendem
a incorporar a inferioridade que a escola e a
sociedade impõem em relação ao povo negro.
Portanto, é preciso transformar o ambiente
escolar num espaço de luta contra qualquer
ideologia de dominação, como machismo,
lbtqfobia e, principalmente, contra o racismo,
porque, de acordo com Azoilda, sem uma
transformação radical da escola em contínua
articulação com as transformações sociais
mais amplas, dificilmente haverá lugar para
a instituição de uma educação multiétnica,
multicultural, multirracial.
Um dos caminhos para quebrar o padrão
estabelecido desde o século XIX é descentralizar a
abordagem escolar da perspectiva eurocêntrica
e descolonizar o olhar sobre as dinâmicas
educacionais. Isso não significa anular a história
europeia no processo escolar, mas sim, não
privilegiar uma história única.
Azoilda Trindade, pedagoga e figura muito importante no movimento negro
A pergunta como elemento-chave
na dinâmica na sala de aula
De acordo com artigo especial, de autoria de
Edith Rubstein, mestre em psicologia educacional,
na Edição de 2019 da Revista de Psicopedagogia,
que apresenta uma reflexão sobre teoria e prática
no uso da pergunta como “disparadora de
situação de aprendizagem”. A autora defende
que aprender num contexto em que a pergunta
circule faz toda a diferença e adotar um estilo
interrogatório como mediador consiste em
questionar, validar ou reestruturar processos
e estratégias. Partindo da ideia de que, em sua
essência, o ser humano nasce para aprender,
a pergunta é mediadora, na medida em que
corresponde aos anseios e desafios da vida
e, por isso, está diretamente relacionado
ao processo afetivo.
Na relação professoras(es)/alunas(os),
professoras/es têm a chave, que corresponde
à capacidade de ambos fazerem perguntas. A
relação professoras(es)/alunas(os) com o saber,
que diz respeito a como ambos se permitem
questionar, e vai sustentar a técnica da/o
professor/a e a reciprocidade da/o aluna/o.
O ato de perguntar é uma manifestação singular
do sujeito, mas está submetida ao discurso
social. Entretanto, há certo preconceito social
ao redor da pergunta, porque “quem pergunta
em público, ‘paga’ mico”, e a “pergunta é própria
de quem não sabe”. Considerando que, de acordo
com os estudos relativos à idade escolar, um dos
problemas cotidianos do estágio psicossocial,
24
a faixa etária dos 6 aos 12 anos compreende
conflitos entre produtividade e inferioridade,
em que o desenvolvimento do domínio das
habilidades escolares sociais e sua falha levam aos
sentimentos de inferioridade e baixa autoestima.
A autora coloca a pergunta como “alavanca
e mola propulsora movida pela necessidade,
desejo e coragem de saber”, que permite o
desenvolvimento da autonomia de pensamento,
por meio do desencadeamento da construção do
saber resultado da aceitação e do fomento dessa
análise singular do conhecimento.
A valorização da pergunta também está
associada à desconstrução do sistema
metodológico ultrapassado e atualização das
dinâmicas para ‘Educação para o Século XXI’, já
que foi instalada na prática educacional que cabe
às/aos professoras/es perguntarem e às/aos
alunas/os responderem. Logo, partindo do fato de
que a sociedade vive em tempos de informação
e conhecimento, é importante estabelecer uma
relação entre eles, por meio do pensamento
crítico que, por sua vez, envolve problematização
e, portanto, a capacidade de elaborar perguntas.
25
Portanto, é preciso que haja um deslocamento
das posições de quem ensina e de quem aprende,
cabendo a professoras/es abandonarem o lugar
de quem apenas avalia e mede competências e
habilidades e gerar perguntas a partir do objetivo
de problematizar para que alunas/os abandonem
o estereótipo do questionamento enquanto
exposição da ignorância.
A adoção de estilo interrogatório no processo
de mediação provoca ‘desequilíbrios’ e, então,
favorece aprendizado mais reflexivo e tem
como objetivos “promover a independência na
interpretação da realidade interna e externa e
desencadear o desenvolvimento do domínio de
si decorrente de autoconhecimento, autonomia,
autocontrole e autoestima”.
Breve contexto histórico da
educação no Brasil
Baseado na pesquisa de tendências na
educação básica, com ênfase no ensino
fundamental, realizada em 2018, sob a orientação
do professor Flávio Carvalho, na disciplina de
Tendências em Design de Produto, foi possível
destacar como principal movimento com forte
potencial de ampliação cada vez maior no cenário
educacional, a inserção da tecnologia como
ferramenta no ensino.
A educação básica, regulamentada e organizada
por meio da LDB (Leis de Diretrizes e Bases da
Educação), cuja promulgação mais recente data
de 1996, corresponde ao ensino infantil, ensino
fundamental e ensino médio. A escolha do ensino
fundamental como recorte de pesquisa tem
justificativa nos dados do Censo Escolar de 2013,
que demonstram que 51,3% das matrículas na
educação básica correspondem a essa etapa,
sendo a rede municipal a que apresenta o maior
volume destas matrículas. Além disso, é a fase
escolar que oferece a base para as etapas futuras
e, portanto, as defasagens apresentadas à
frente estão diretamente relacionadas à falta de
qualidade do ensino no fundamental.
De acordo com as determinações da Lei de
Diretrizes Básicas, os anos iniciais do ensino
fundamental são a etapa base, abrangem do 1º
ao 5º ano, que correspondem a crianças entre 6
aos 10 anos. Na rede pública, as escolas do ensino
fundamental fazem parte da rede municipal e os
26
anos iniciais representam 68,3% das matrículas
(Censo 2013). Essa etapa da educação básica
deve desenvolver a capacidade de aprendizado,
por meio do domínio da leitura, da escrita e do
cálculo. Após a conclusão do ciclo, os alunos
devem ser capazes de compreender o ambiente
natural e social, o sistema político, a tecnologia,
as artes e os valores básicos da sociedade e da
família (LDB, 1996).
Atualmente, a realidade do cenário educacional
brasileiro é extremamente problemática,
principalmente no contexto da rede pública, e sofre
com o descaso e a falta de incentivos, embora
as estatísticas pareçam apontar melhorias em
alguns tópicos. O que se observa no cotidiano das
escolas públicas, entretanto, não corresponde a
esses números.
O ensino fundamental de 9 anos foi
estabelecido por lei em 2005, com prazo para
implementação até 2010, que garante tempo mais
longo de convívio escolar e mais oportunidades
de aprender. No entanto, de acordo com relatos
dos especialistas entrevistados, a realidade
que se apresenta é a de que essa medida não
funciona de maneira positiva, porque aumentar
um ano letivo não reduziu os problemas, já que
não foram feitos ajustes e adequações para a
efetivação dessa medida. As/os alunas/os estão
cada vez mais defasados e pobres de conteúdo,
porque o que se ensina, muitas vezes, está além
do desenvolvimento psicológico da criança,
impedindo que ela compreenda o conteúdo. Além
disso, falta material, estrutura, professoras/es e,
isso compromete o rendimento das/os alunas/
os e gera a falta de interesse. Portanto, dois
grandes desafios dentro dessa realidade são o
baixo desempenho nos índices de qualidade e as
elevadas taxas de evasão.
Dentro desse contexto, uma medida tomada
pelo Ministério da Educação foi a elaboração do
PNE (Plano Nacional da Educação), estando o atual
em vigor desde 2014 até 2024. Ele conta com
20 metas que se direcionam ao objetivo de reduzir
as desigualdades históricas. Dentro delas,
estão destacadas aqui aquelas que estão direta
ou indiretamente ligadas especificamente ao
ensino fundamental:
I) Conclusão do ensino fundamental de 95% dos
alunos na idade recomendada. Números como
a diminuição de 1% das matrículas na educação
básica, o aumento do número de aprovações e
promoções às séries subsequentes, o aumento
de alunas/os com idade adequada para a série
e a ampliação das demandas para as etapas
finais de ensino, apontadas pelo Censo Escolar
de 2013, apesar de parecerem, não se tratam
de um avanço positivo relacionado a essa meta.
Esses números são resultados da adoção de um
sistema alternativo ao tradicional, concebido
pela LDB, que corresponde a uma flexibilização
do currículo e do tempo de ensino, e conta
também com a aprovação automática dos alunos.
Isso, na verdade, gerou acomodação, perda de
responsabilidade e motivação com estudos, já que
os alunos não precisam de esforço algum para
passar de série. Ou seja, os números fazem parte
de uma “maquiagem” da realidade e só reforçam a
falta de qualidade do ensino.
27
II) Inclusão de deficientes e portadores de
necessidades especiais. Essa questão está
ligada tanto à acessibilidade, no que se refere
às estruturas físicas das escolas, quanto ao
processo de socialização das crianças com
necessidades especiais. De acordo com os
especialistas, as novas unidades escolares
já estão sendo construídas para atender ao
público portador de necessidades especiais,
mas é muito difícil realizar adaptações nas escolas
antigas. Entretanto, observa-se um melhor
resultado com relação à socialização desses
alunos que encontra obstáculos na falta de
preparo das/os professores, embora haja muito
esforço por partes delas/es e das crianças.
III) Alfabetização até o 3º ano do ensino
fundamental. 1 em cada 5 brasileiros é
analfabeto funcional, problema cuja raiz está
nas séries iniciais do ensino fundamental. Por
isso, é importante atentar para esse fato nos
anos iniciais, para que as/os alunas/os cheguem
devidamente preparadas/os às séries seguintes.
IV) Educação em tempo integral para 25%
dos estudantes. Aqui existem dois conceitos,
como apontou o educador Hamilton Werneck
em entrevista: educação em tempo integral e
educação integral. Educação em tempo integral
diz respeito à permanência por 8 horas na escola;
educação integral é a formação ampla da pessoa.
A meta do PNE consiste na coexistência de ambos
os sentidos. No entanto, segundo a diretora
Angela, entrevistada nessa pesquisa, o plano
atual da educação integral pode provocar a perda
de vínculo familiar, devido ao pouco convívio com
28
a família, em função de passar a maior parte do
tempo na escola, o que pode gerar crianças com
pouca afetividade. É preciso, portanto, que haja a
formulação de um plano de educação integral com
equilíbrio, o que demanda verba, espaço físico e
educação dos docentes.
V) O Ideb é o Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica e, por meio de uma prova que
avalia conhecimentos de português e matemática
dos alunos da rede pública e privada, mede a
qualidade da educação. Apesar desse índice
apresentar avanços, é preciso ainda mais esforço
em direção à melhoria da qualidade, o elemento de
maior desafio no cenário educacional brasileiro. A
meta é aumentar a média de 5,2 dos anos iniciais
para 6, e de 4,1 para 5,5 dos anos finais.
VI) E como metas centrais estão as voltadas
para professoras/es, já que, por estarem na
“linha de frente” da educação, representam as
peças chaves para a melhoria no cenário. As
metas estão ligadas à garantia de formação
em nível superior; garantia à pós-graduação e
valorização, por meio da melhoria das condições
de trabalho e remuneração, além da instituição
de plano de carreira e piso salarial, garantindo,
por consequência, a valorização e a atratividade
da profissão. Hoje, o que se encontra, são salários
altamente defasados, péssimas condições de
trabalho, formação insuficiente, e torna-se cada
vez mais emergente a mudança desse cenário.
Considerando que a infraestrutura é de
importância fundamental no processo de
aprendizagem, deve-se dar profunda atenção
a ela, porque apenas padrões adequados
de infraestrutura serão capazes de facilitar
o aprendizado, melhorar o rendimento e
estimular a permanência na escola. Por isso, é
importante apontar, também dentro do âmbito
das estatísticas, que as escolas tanto públicas
quanto privadas, em sua maioria, possuem
bibliotecas, laboratórios de informática, acesso
à internet, quadras e estruturas que consideram
a acessibilidade. No entanto, o que se apresenta
é a falta de manutenção desses espaços, que se
encontram em condições extremamente precárias
e, em muitas vezes, impossibilitados de uso.
Relacionando-se com isso, portanto, está
a abordagem de questões sobre atividades
extracurriculares nas escolas. Existe uma falta de
incentivo por parte da escola com os alunos, no
que se refere às atividades culturais, esportivas,
que estão fora do currículo acadêmico. Unido
a isso, está a falta de incentivo também por
parte das famílias, o que, por diversas vezes,
pode acabar gerando uma impossibilidade de
descoberta do interesse da criança/adolescente.
29
Por isso, é preciso, antes de qualquer coisa, que
a escola seja um espaço onde as crianças possam
desenvolver a criatividade e se expressar, para
que possam desenvolver suas próprias histórias
de vida, compartilhar seus interesses e relacionarse
com os interesses dos colegas. Para isso, é
importante estimular a participação de todos os
alunos, abordando os interesses de cada um. A
empatia e a solidariedade são alguns resultados
pontuais dessa dinâmica.
No entanto, a perspectiva para o futuro da
educação no país, de acordo com especialistas
da área, não é nada positiva. Mesmo assim, é
necessário pensar a educação como principal
mecanismo de redução das desigualdades
históricas e produzir uma sociedade mais justa,
partindo do objetivo de conscientizar os alunos,
desenvolvendo seus poderes de criticidade.
Considerando que, de acordo com o que
podemos observar no que se refere aos incentivos
governamentais ao longo dos últimos anos, não
se pode mais esperar que haja interesse por
parte do Estado de desenvolver políticas que
irão transformar a realidade caótica do contexto
educacional brasileiro – embora seja seu dever
e obrigação. Portanto, é preciso que, dentro das
mínimas condições existentes nas instituições de
ensino, sejam feitas mobilizações internas, que
integrem professores, alunos, pais, professores e a
comunidade como um todo. É preciso, de uma vez
por todas, que a “revolução” parta de dentro.
A tecnologia como ferramenta
de ensino-aprendizagem
Partindo da ideia da tecnologia como
“facilitadora” da tarefa de professoras/es e
educadoras/es, os resultados da pesquisa
apontam para melhorias como: a promoção da
equidade, por meio da ampliação do acesso à
informação; a possibilidade de personalização do
ensino, por meio do acompanhamento de acordo
com o perfil de aprendizagem; e do fomento à
qualidade, por meio de recursos interativos, que
promovem a autonomia das alunas e dos alunos.
As tecnologias digitais podem colaborar com a
aplicação de novas práticas pedagógicas e novas
estratégias de ensino, a partir da incorporação
dos recursos tecnológicos à rotina escolar.
As crianças e adolescentes gostam das
novas tecnologias e têm afinidade com essas
ferramentas, ou, pelo menos, facilidade para
aprender. As/os alunas/os podem tornarse
mais receptivos com a utilização dessas
ferramentas, pois oferecem múltiplos estímulos,
e contribuem fortemente com a concentração
principalmente de alunas/os com deficiência e/
ou necessidades especiais, a partir da utilização
de recursos que estimulem vários de seus
sentidos de forma adequada. Tudo o que foge ao
modelo convencional e tradicional, na realidade,
já pode conquistar a atenção dos alunos. Diante
disso, a tecnologia deve ser entendida como
“empoderadora dos educadores”.
A internet e a ampliação do conhecimento
Ana da Hora (2019)
30
Portanto, as tendências apontam para uma
inserção cada vez maior de objetos digitais
de aprendizagem, como jogos, animações,
videoaulas; ambientes virtuais imersivos, por meio
de recursos como realidade aumentada, realidade
virtual, museus virtuais e laboratórios virtuais;
ferramentas de experimentação, com o intuito
de explorar capacidades em autoria e produção
audiovisual, fabricação digital, plataformas de
programação. Algumas escolas já estão iniciando o
movimento de implementação de transformações,
no entanto, é preciso compreender que nem todas
as escolas, nem todos as alunas/os possuem os
recursos necessários para se inserir na onda do
progresso do cenário educacional.
31
No Brasil, ainda predomina a ideia de que
tecnologia está associada a aparatos digitais
de alta tecnologia ou a redes sociais. Devido
ao recente início do processo do desenvolvimento
tecnológico, o próprio estudo do impacto da
tecnologia na sociedade ainda é defasado, logo,
o processo de formação de professoras/es
ainda se apresenta de forma muito embrionária.
Então, é preciso oferecer condições propícias,na
formação de professoras/es, para desenvolverem
conhecimento sobre as possibilidades de recursos
tecnológicos. Para, assim, conseguirem gerar
um planejamento de novas estratégias de
educação tecnológica na sala de aula. É
importante sempre considerar as dinâmicas
colocando o aluno no centro do processo de
aprendizado e professoras/es como mediadoras/
es da construção do conhecimento.
As estratégias de educação tecnológica devem
possibilitar o ensino personalizado; direcionar o
foco para o desenvolvimento de competências e
habilidades; incentivar alunas/os a pesquisarem,
indicarem referências bibliográficas e gerar
discussões sobre os temas pesquisados;
estimular a produção de textos; motivar projetos
colaborativos; e dar espaço ao desenvolvimento
da criatividade. Isso depende, então, que os
professores entendam as Etapas da Educação
Tecnológica, que correspondem ao eixo da
Tecnologia Digital, relativo à representação de
dados, hardware e software e comunicação de
redes; ao Pensamento Computacional, que será
detalhado mais a frente; e, principalmente o eixo
da Cultura Digital, que, segundo Ana Carolina da
Hora, envolve muito a nova forma de ação no que
se refere à educação e tecnologia.
A desconstrução do conceito de tecnologia
Sil Bahia (2017)/Ana da Hora (2019)
32
“A Cultura Digital remete às relações humanas
fortemente mediadas por tecnologias e
comunicação por meio digital, aproximando-se de
outros conceitos como sociedade da informação,
cibercultura e revolução digital”, de acordo com
definição de Ana da Hora. Os conceitos que fazem
parte são tecnologia e sociedade, cidadania digital
e, principalmente, o letramento digital, que se
faz muito necessário no século XXI. Ele está
ligado à “capacidade do indivíduo compreender as
informações obtidas na internet e utilizá-las de
forma crítica. O letrado digital não é aquele que
apenas lê, mas que sabe usar sua competência
estrategicamente – especialmente para criar
algum tipo de impacto, como gerar influência ou
aplicações práticas relevantes”, segundo Ana.
SE QUISER APRENDER MAIS
SOBRE ESSES CONCEITOS,
CLIQUE NOS LINKS A SEGUIR e
acompanhe os conteúdos!
Portanto, este processo pode representar
o primeiro passo para a inserção de professora/es
no universo tecnológico, e possibilitar a aplicação
das novas dinâmicas educacionais em sala de aula.
34
O desenvolvimento do projeto partiu da
abordagem do design social, com a finalidade de
entender a aplicação de tendências observadas
a partir da realização da pesquisa em 2018.
Portanto, iniciou-se a pesquisa-ação no campo,
em parceria com a professora Bianca Silva, nas
aulas de educação artística do 6º ano do ensino
fundamental, da Escola Municipal Luiz Paulo
Horta, localizada na Rocinha.
No meio acadêmico, a definição do design
como social normalmente se refere à melhoria
de qualidade de vida da parcela pobre da
população brasileira. O viés social neste projeto
está relacionado, em referência ao artigo “Os
sentidos do design social”, de Viviane Zertolini,
à emancipação política e às possibilidades de
superação da vulnerabilidade socioeconômica
e civil; a partir da compreensão desta
vulnerabilidade não apenas pelo viés econômico,
mas também pelo acesso desigual do grupo social
aos direitos fundamentais.
Afinal, a desigualdade social advém dos
mecanismos para a permanência das relações
de dominação, conforme já foi descrito aqui.
Portanto, o desenvolvimento da solução não
parte da noção quantitativa, que determina a
pobreza como material, mas da noção qualitativa,
de entendimento da pobreza enquanto política:
escassez de poder e recursos.
O design social apresenta-se aqui enquanto
abordagem crítica, que pretende valorizar os
espaços políticos conformados segundo as
práticas do cotidiano, pela atuação dos indivíduos
sociais na determinação da vida comunitária.
O potencial da ideia do design social crítico está
na possibilidade de gerar autonomia individual e
coletiva, além da libertação de relações sociais de
dominação e construção de relações sociais de
cooperação, ou seja, o direito de autogoverno e a
capacidade de criação de normas próprias.
Portanto, o conceito do design social a partir
de sua compreensão crítica busca oferecer
instrumentos para a sociedade sob o objetivo
de transformação social, não por meio do
desenvolvimento de produtos, mas da produção
de meios, a serviço do grupo social.
Rocinha, a maior da América Latina
Na década de 1930, a área do Alto da Gávea,
hoje ocupada pela favela da Rocinha, compreendia
uma região de horta e criação de animais, que
eram vendidos na feira onde hoje está localizada
a Praça Santos Dumont, no Baixo Gávea, e
abastecia toda a Zona Sul da cidade. De acordo
com o que conta o historiador Milton Teixeira,
os consumidores, ao perguntarem a origem
dos produtos de alta qualidade, obtinham dos
vendedores a resposta: “Vem lá da rocinha”. Daí
surgiu o nome do local.
Devido à atratividade de oportunidades
de trabalho nas terras, em 1950, a região foi
maciçamente ocupada por grupos de nordestinos,
que trabalhavam com agricultura e pecuária e
passou um processo de expansão acelerada,
configurando o caráter de “cidade dentro da
cidade”, inclusive com “bairros” próprios.
35
Durante as décadas de 1970 e 1980,
registrou-se um novo surto de expansão, devido
principalmente à construção do túnel Dois Irmãos,
que liga Gávea e São Conrado.
Um fato importante de mencionar, conforme
dados do Memória Rocinha, é que, em 1977, um
grupo de mulheres assumiu a diretoria da União
Pró-Melhoramentos dos Moradores da Rocinha
(UPMMR) – órgão ativo até hoje -, fundada em
1961, mas que teve as atividades encerradas
durante o período da ditadura militar. Na época,
mulheres passaram a liderar importantes
movimentos locais, como os mutirões para
limpeza de valas e campanha pela construção
de uma passarela na autoestrada Lagoa-Barra,
conquistada em 1978.
Apenas em 1993, a Rocinha atingiu o status de
bairro e passou a ter uma região administrativa
própria, também de acordo com os dados do
Memória Rocinha. Entretanto, esse novo status
não foi acompanhado de obras para melhorias
de infraestrutura e saneamento básico, iniciando
um processo de profundo descaso e abandono do
Estado. Foram direcionadas políticas e atividades
assistencialistas e desenvolvidos serviços sociais,
que pretendiam segregar a região, em vez de gerar
seu desenvolvimento.
No ano de 2003, por meio do lançamento do
livro “Pensando as Favelas do Rio de Janeiro:
1906 - 2000”, de Licia do Prado Valladares e Lidia
Medeiros, revelou-se que a Rocinha era a favela
mais pesquisada do Rio ao longo do século XX.
Em 2008, aconteceu a criação do Pró-Museu,
grupo dedicado ao direito às memórias e histórias
da região, que consolidou organizações como o
Museu Sankofa e Memória e História da Rocinha.
Conforme demonstra o Censo do IBGE
de 2010, a Rocinha foi indicada como a
maior favela do Brasil e a maior da América
Latina, com população superior à de 70% dos
municípios brasileiros, correspondente a cerca
de 70 mil pessoas. Mas, mesmo assim, os dados
apresentados são contraditórios, de acordo
com o que defende o presidente da União Pró-
Melhoramentos dos Moradores da Rocinha
(UPMMR), Leonardo Lima, pois acredita-se que
o número esteja em torno dos 200 mil habitantes.
A história da Rocinha remonta uma trajetória
de muita resistência e luta e, de acordo com
um dos coordenadores do Museu Sankofa,
Antônio Firmino, a apresentação dos documentos
históricos, que demonstram esse processo,
permite o entendimento de que “o que você tem
hoje é fruto dessa luta passada”, estabelecendo
uma conexão entre a história e o presente, a partir
de uma ideia da memória viva e não nostálgica.
Por isso, o nome “Sankofa”, palavra da língua
Akan, originária das nações africanas de Gana
e da Costa do Marfim, que significa: “devemos
olhar para trás e recuperar nosso passado,
assim podemos nos mover para frente. Assim,
compreendemos por que e como viemos a ser
quem somos nós, hoje”. Sua representação
simbólica é um pássaro com os pés virados para
frente e a cabeça olhando para trás.
Símbolo da palavra Sankofa
36
A comunidade pode ser considerada o símbolo
da desigualdade do país, porque, localizada
entre os bairros da Gávea e São Conrado, possui
residências de classe baixa muito próximas às
de classe alta e, assim, marcam um profundo
contraste urbano. Além disso, a própria população
de dentro da Rocinha corresponde, ao mesmo
tempo, a pessoas de classe média e pessoas em
situação de extrema pobreza.
O constante descaso e abandono do governo
diante da falta de infraestrutura, da degradação
das áreas verdes, do crescimento desordenado,
dos problemas de distribuição de água, entre
diversos outros problemas, levaram a população a
se engajar na realização de inúmeras mobilizações
e reivindicações em prol da comunidade.
37
Até hoje, a maioria dos problemas são
solucionados por meio de ações dos próprios
moradores, além de projetos sociais desenvolvidos
por outros grupos. No entanto, por se tratar de
uma área muito extensa, em que muitos locais são
de difícil acesso, muitas áreas continuam sem a
atenção de diversas dessas soluções. Geralmente,
as partes mais baixas acabam sendo os alvos mais
frequentes de ações e mobilizações externas,
muito também por representar a área de maior
fluxo turístico, em que se faz as coisas “para
gringo ver”. Por outro lado, as ações e mobilizações
internas, realizadas por líderes locais, embora
sejam feitas com muito esforço para atender a
maior parte possível da população, sofrem com
esses problemas de logística, pela falta de apoio
estatal e, portanto, infelizmente, não conseguem
ser tão efetivos quanto objetivam.
O Tamo junto rocinha é
uma iniciativa de ações
humanitárias. acompanhe
clicando nos ícones:
INSTAGRAM FACEBOOK
38
Luiz Paulo Horta, a escola fruto
do sonho da comunidade
A Escola Municipal Luiz Paulo Horta foi
inaugurada pela Prefeitura do Rio em novembro
de 2016, construída no pátio do CIEP Rubião
Bento – que estava inutilizado -, após pedidos e
movimentações da comunidade da parte baixa da
Rocinha, para a construção de mais uma escola,
já que as existentes não atendiam a demanda da
quantidade de crianças da população do bairro, de
acordo com o que relatou a professora Bianca.
A Luiz Paulo Horta, que fica localizada na área
da famosa “curva do S”, abrange do 1º ao 6º ano do
Ensino Fundamental e funciona em turno único, de
7h30 às 14h30. De acordo com o posicionamento
da própria Escola, a educação acontece pelo viés
afetivo e lúdico, a partir do fazer mobilizado pelas
artes e ciências, buscando excelência acadêmica
por meio do fomento à autonomia e solidariedade.
No que se refere à infraestrutura, a Luiz Paulo
Horta possui cozinha e oferece alimentação para
os alunos, além de sala de leitura e área externa
para realização de atividades de educação física.
Por outro lado, não possui biblioteca, laboratório
de informática e laboratório de ciências. Além
disso, não há conexão de internet, e as salas de
aula não possuem retroprojetor. Embora seja
uma escola relativamente nova, já se apresentam
algumas questões problemáticas relacionadas
à infraestrutura, devido à falta de manutenção,
problema recorrente nas escolas da rede pública,
que interfere gravemente na qualidade do ensino.
No entanto, a escola é composta por uma
equipe muito empenhada em reunir o máximo
de forças para construir um ambiente escolar de
educação plena do indivíduo, diante da realidade
caótica do contexto educacional brasileiro,
principalmente no contexto da favela, e conta com
o engajamento da comunidade para a realização
de mutirões e outras ações.
39
A parceira Bianca e a
educação tecnológica
Bianca Silva, parceira do projeto, graduada
em Artes Visuais pela UERJ, “cotista com muito
orgulho”, segundo ela mesma afirma, é nascida
e criada na Rocinha e seus avós foram morar
lá “quando era tudo mato”. Mulher negra, em
processo de descoberta de sua negritude, entende
como as referências são importantes para a
autoestima e busca trazer a pauta, tanto em sua
atuação como professora, quanto como cosplayer.
Ela representa a classe de professoras/es
que estão na linha de frente da luta diária para
uma educação de qualidade no Brasil, diante do
descaso do governo, e enfrentam desafios para
trabalhar com os mínimos recursos. Além disso,
Bia é moradora da parte alta da Rocinha, onde
as dificuldades relativas à infraestrutura
e à logística são ainda maiores. Por isso,
é importante considerar que, além das
possibilidades de recursos das/os alunas/os,
o que as/os professoras/es têm disponível para
trabalhar é um ponto fundamental do pensamento
sobre as dinâmicas de aulas. Dentro disso, sobre
recursos pode-se entender tanto aquilo que se
refere aos materiais, quanto ao conhecimento.
Bia e seus cosplays de Uchiha Obito (à esquerda) e Miss Bianca à direita
Como já foi dito anteriormente, a continuação
da pesquisa deste projeto tem como foco o
processo de educação tecnológica de professoras/
es, a partir da abordagem de design gambiológico,
e depende, primeiramente, do letramento digital.
Esse conceito está ligado à “interpretação dos
códigos do conteúdo digital”, de acordo com
definição de Ana Carolina da Hora.
Partindo do ponto de vista de que é necessário
um aprendizado sobre os códigos para dar novos
significados a eles, é importante que professoras/
es adquiram conhecimentos sobre tais códigos,
para hackearem o sistema que determina
dinâmicas educacionais. Assim, será possível
gerar transformações nas aulas.
40
O letramento digital
Sil Bahia (2017)
Clique na imagem abaixo
para assistir ao vídeo
da ana carolina da hora
sobre letramento digital
Os códigos dizem respeito às plataformas das
redes sociais, que podem ser aliadas no processo
de educação tecnológica, por corresponder a um
canal de interesse das/os alunas/os. Estão ligados
ao entendimento da linguagem das redes sociais,
para que professoras/es assumam uma posição
de “facilitadoras/es” do letramento digital das/
os alunas/os, por meio de formas criativas de
apresentação do conteúdo de educação digital e
do estímulo da reflexão crítica sobre a tecnologia.
A escolha da aula de artes para o pensamento
sobre esse contexto está relacionada ao potencial
da disciplina de possibilidades de reflexão,
interdisciplinaridade e experimentação.
Pesquisa-ação no campo
41
O grupo selecionado para a pesquisa no campo
corresponde ao 6º ano, para compreender as
questões apresentadas no primeiro ano da fase
final do ensino fundamental. As tendências que
direcionam a pesquisa no campo fazem parte
do movimento em prol da transformação das
dinâmicas do sistema educacional para os moldes
da sociedade do século XXI.
essenciais para os alunos como criatividade,
imaginação e inovação; pensamento crítico
e resolução de problemas; comunicação e
colaboração; flexibilidade e adaptabilidade;
habilidades sociais e culturais; e capacidade
de lidar com diferentes situações.
METODOLOGIA STEAM
A Metodologia STEAM diz respeito ao ensino
de Ciência (S), Tecnologia (T), Engenharia (E),
Artes (A) e Matemática (M), cuja ênfase neste
projeto está voltada para uma abordagem
artístico-tecnológica, consiste numa metodologia
integrada e baseada na realização de projetos e
tem o objetivo de formar pessoas com diversos
conhecimentos, desenvolver valores, além dos
conteúdos abordados e preparar alunos e cidadãos
para os desafios do futuro.
A educação artística melhora o desempenho
acadêmico e auxilia os alunos a interpretarem
melhor o mundo, a partir da investigação,
da descoberta, da conexão, da criação e da
reflexão. Os alunos experimentam e vivenciam o
pensamento científico de maneira interpretativa
e reflexiva, e se beneficiam de um aprendizado
interdisciplinar. Essa metodologia está alinhada
com a “Educação para o século XXI”, no que se
refere ao foco no desenvolvimento de habilidades
MOVIMENTO MÃO NA MASSA (MAKER)
A segunda tendência é o Movimento Mão
na Massa, cuja inserção na dinâmica escolar é
um objetivo da diretora Ana Maria, e consiste,
de acordo com definição do Oi Futuro, numa
“cultura de resolução de problemas em que o
protagonismo do desenvolvimento das soluções é
de responsabilidade dos próprios alunos; estimula
que os estudantes transfigurem soluções de forma
colaborativa, podendo usufruir do conhecimento
da comunidade “maker” e contribuir com ela; o
estudante torna-se capaz de desenvolver soluções
para novos problemas, de forma autônoma. De
acordo com a diretora Ana Maria, essa é uma
forma da educação preparar alunas/os para
serem transformadoras/es da sociedade, em
concordância com a pedagogia de Paulo Freire.
OBSERVAÇÕES NAS AULAS
A pesquisa de campo está sendo realizada com
fundamento em estudos de antropologia, filosofia,
psicologia, pedagogia e psicopedagogia, aplicados
por meio de observação participante nas aulas,
propostas de atividades, questionários, sondas
culturais, participação em atividades.
As aulas de artes acontecem em um laboratório,
que contém duas bancadas, com quatro pias cada
uma, em que ficam posicionadas várias banquetas
altas. Além disso, há uma mesa compartilhada
com cadeiras ao redor, que fica posicionada mais
próxima ao quadro branco.
A turma do 6º ano tem 35 alunos, com idades
entre 11 e 14 anos sendo que os dados numéricos
utilizados durante essa fase do desenvolvimento
do projeto, são resultados de um questionário
aplicado, que gerou 29 respostas válidas.
Com base nesse questionário, 17 alunas são
meninas, sendo 8 delas de 11 anos, 5 de 12 anos
e 4 de 13 anos.
A professora Bia relatou que a escola não
tem laboratório com computadores, conta com
apenas um notebook, e, por isso, nem sempre está
disponível para uso. Além disso, na sala da aula de
artes, não há projetor. De acordo com a professora,
o perfil da turma está muito mais voltado para
atividades práticas e colaborativas do que
atividades individuais ou conteúdos expositivos.
42
Os materiais como lápis, canetas e papeis
utilizados nas atividades são disponibilizados pela
escola, que os recebe por meio de doação, embora
algumas crianças tenham estojos próprios. Bia
disponibiliza apenas uma parte dos materiais para
os alunos e mantém o restante armazenado numa
pequena sala anexada ao laboratório, que funciona
como uma espécie de “estoque”.
As atividades são quase sempre voltadas à
produção de desenhos, muito por conta da falta
de recursos. Bianca utiliza-se do seu próprio
celular para mostrar imagens de referência da
internet para alunas/os desenharem. A dinâmica
que a professora adota consiste em discutir
sobre um tema - seja utilizando como suporte
o livro didático de artes, seja fazendo anotações
no quadro - e realizar um trabalho prático sobre
ele. De acordo com depoimento, ela acredita
ser extremamente necessário entender que
“arte é pensamento” e, portanto, é importante
que se faça arte a partir de algum tipo de
questionamento, estabelecendo um paralelo
com ideais construtivistas, da produção de uma
arte engajada, que dá valor ao compromisso
social. O ponto alto da turma, segundo apontou a
professora Bia, é o senso de coletividade.
Ela também trabalha muito com músicas, seja
cantando com as crianças ou reproduzindo numa
caixa de som. Em diversas aulas, Bia começa a
atividade utilizando-se de uma música que tenha
relação com o tema a ser trabalhado no dia, para
uma contextualização. Às vezes, ela usa uma caixa
de som para reproduzir a música e, em outras
vezes, canta a música com as alunas/os.
43
A escolha de músicas atuais, que, muitas vezes
já fazem parte do universo da turma, facilita
a geração de maior interesse. E, também, Bia
costuma indicar sugestões de redes sociais como
referências artísticas, o que também contribui para
o engajamento das alunas/os, por estar associado
a seus interesses.
A professora Bianca explora, além disso, a
leitura em voz alta intercalada por debates,
discussões e reflexões sobre o texto, estimulando
a exploração de questões pessoais e emocionais;
além de sempre pautar a valorização da cultura
local popular do Rio de Janeiro, a valorização da
cultura afrodescendente e apresentar referências
de artistas negros. Um dos pontos altos é que os
temas discutidos permitem, na maioria das vezes,
a possibilidade de conexão com outras disciplinas
e estimula a pesquisa na internet.
Diante da dinâmica que a escola adota, a aula
de artes divide o tempo com a aula de música e
as alunas/os são livres para frequentar as aulas
de acordo com suas escolhas. Alguns, decidem
por participar apenas da aula de música, outros,
apenas da aula de artes. Mas, uma boa parte
da turma, fica entre as duas e, diversas vezes, o
fluxo de entrada e saída o tempo todo atrapalha
o andamento da aula. Bia sempre utiliza artifícios
para manter o foco das crianças, e o momento da
atividade prática, geralmente, é o que concentra o
maior número de alunas/os na sala, confirmando
o que a professora havia afirmado sobre a
preferência da turma.
Diante das conclusões sobre as observações,
algumas das propostas a serem trabalhadas
correspondem, principalmente, à melhor
conexão entre o comportamento e o estímulo e a
motivação das/os alunas/os. Logo quando chegam
à sala, as/os alunas/os estão agitadas/os demais,
o que pode ser solucionado por meio da realização
de atividades que iniciem de forma mais dinâmica,
permitindo que a turma gaste energia e, depois, vá
desacelerando o ritmo. Além disso, as/os alunas/
os que sentam nas bancadas, geralmente, ficam
mais dispersas/os do que aquelas/es que sentam
na mesa compartilhada, embora Bia percorra pela
sala tentando manter todas/os em foco. Então,
uma das soluções pode ser o planejamento de
atividades que permitam o maior aproveitamento
do espaço de sala de aula. Por fim, essas
melhorias podem garantir o engajamento das/
os alunas/os, e, assim, o movimento excessivo
de “entra e sai” poderá reduzir e, portanto, a aula
poderá, assim ser mais produtiva.
45
O mercado de tecnologia educacional
Diante do que demonstram as tendências para
o futuro da educação no país, que, na verdade,
já tem começado a se desenhar no presente,
os recursos digitais e aparatos tecnológicos
apresentam-se como requisito básico para o
progresso do cenário educacional. No entanto,
essa ideia da inserção da tecnologia apenas por
meios digitais no cotidiano escolar, é excludente
partindo do pressuposto que muitas escolas,
professoras/es e alunas/os, não têm acesso aos
recursos necessários.
Uma análise do mercado de tecnologia
educacional permite perceber que as edtechs,
como são chamadas as tecnologias voltadas para
educação, passam por um momento de evidência
no contexto brasileiro, devido ao potencial de
expansão mercadológica e impacto social. No
entanto, este mercado apresenta desafios que,
segundo apontam os dados do CIEB (Centro de
Inovação para a Educação Brasileira), precisam
ser superados: primeiro, porque trata-se de um
mercado em que mais de 80% das escolas de
ensino básico são públicas e, portanto, a aquisição
de tecnologia nesta rede ainda é muito baixa,
burocrática e pouco estruturada; segundo, porque
as educadoras/es ainda precisam transformar sua
visão sobre o processo de inserção de tecnologia
em suas dinâmicas escolares e de aula.
Os desafios e o ciclo longo de desenvolvimento
do mercado resultam em falta de investimentos,
e, por isso, a geração de soluções ocorre por meio
de processos desconectados da realidade.
No Brasil, o mercado das tecnologias
educacionais é fragmentado e, por isso, as
soluções são pouco diversas e ainda estão
muito concentradas em alguns nichos. Dados do
“Mapeamento das EDTECHS (2018)”, realizado
pelo CIEB, a partir de 364 edtechs, demonstram
que 48% delas estão direcionadas ao ensino
básico, na produção e na distribuição de conteúdo,
em sua maioria, por meio de iniciativas de venda
direta ao usuário final de plataformas de videoaula
ou cursos, seja para alunas/os ou professoras/es;
e soluções associadas à gestão para as escolas.
46
Os destaques do Mapeamento demonstram
que 49% das tecnologias educacionais
trabalham com soluções de Sistema Gerenciador
de Conteúdo, para suprir a necessidade de
transformação do sistema educacional, porque
conforme as dinâmicas atuais, gera pouco
engajamento e interação em sala de aula. Então,
61% dos produtos mais oferecidos em tecnologia
educacional estão direcionados para a produção
de conteúdo. Em sua maioria, são plataformas
adaptativas, que oferecem orientação e auxílio
para o desenvolvimento de habilidades sociais ou
técnicas por meio de tecnologias e ferramentas
digitais, que correspondem ao “pensamento
maker”, devido à utilização de métodos para os
usuários realizarem de maneira autônoma as
atividades propostas. Mas, partindo da perspectiva
de uma análise crítica dos dados, percebe-se que
as soluções não atendem às demandas reais do
campo, porque desconsideram as verdadeiras
condições do público ao qual se direcionam.
49%
Sistema gerenciador
de conteúdo
61%
Plataformas de
geração de conteúdo
47
A desconexão entre as soluções e demandas
do contexto educacional
Ana da Hora (2019)
Para o desenvolvimento de um produto
de tecnologia educacional mais efetivo, é
necessário considerar que as soluções precisam,
além de gerar engajamento e interação, também
facilitar o cotidiano, a didática e aprimorar o
sistema de aprendizagem. Como atributos,
é necessário que esteja direcionado para o
pensamento da “Educação para o Século XXI”;
que habilite o desenvolvimento de competências
socioemocionais e permita a personalização.
A mentoria deve ser considerada como atributochave
para a solução, devido ao processo
“andaime”, já descrito anteriormente. Sil Bahia
acredita que o caminho está na geração
de metodologias.
Educação tecnológica e
o pensamento computacional
48
O processo de construção das tecnologias
como abordagem da educação tecnológica
Ana da Hora (2019)
Ana Carolina da Hora aponta que a educação
tecnológica no Brasil é extremamente defasada,
pela predominância de soluções paliativas
que, como ela diz, pretendem apenas “tapar
buracos”. Segundo ela, isso acontece devido ao
pensamento de que a tecnologia está associada
estritamente à robótica e aparatos digitais,
quando, na verdade, ela corresponde a uma
ferramenta. Ana defende, então, que o conceito
da tecnologia precisa passar por um processo de
desconstrução, para que professoras/es possam
compreender as possibilidades para inserção de
tecnologia nas aulas. Conforme ela diz, quando
o professor entende, por exemplo, que, para o
desenvolvimento de um aplicativo, é necessário,
em seu princípio, apenas papel e caneta, ele
é capaz de inserir atividades relacionadas à
aplicativos em suas aulas. Ou seja, a educação
tecnológica precisa, na verdade, direcionar-se
aos processos de construção da tecnologia, do
pensamento computacional, que corresponde ao
reconhecimento de padrões, à decomposição, aos
algoritmos e à abstração.
O pensamento computacional é o processo de
criação das tecnologias, cuja base é o algoritmo
que, embora pareça um conceito distante, nada
mais é do que o passo-a-passo para a criação
das soluções. De acordo com o que Ana da Hora
defende, “todo mundo tem capacidade de
raciocínio do algoritmo, principalmente quem
tá no corre”, porque, diferentemente do que se
acredita normalmente, programação não está
relacionada apenas a computadores, mas a
projetar, planejar.
49
Diante disso, Sil Bahia defende que o primeiro
passo é aproximar a tecnologia de alunas/
os e professoras/es, por meio da utilização de
processos analógicos para o entendimento da
tecnologia, porque, para ela, não é necessário
estar no meio digital para entender sobre
tecnologia e, para isso, é necessário pensar de
maneira mais criativa para o desenvolvimento
das soluções.
O pensamento das tecnologias não é digital
Sil Bahia (2019)
50
Hackear a sociedade e
ressignificar os códigos
A Cultura Hacker é uma estratégia de ensinoaprendizagem
baseada no conceito de hackear
a sociedade. Hackear, segundo definição do
NAVE, Escola do Oi Futuro, “significa conhecer
e modificar os aspectos mais internos de
dispositivos e programas e redes”, a fim de
modificá-los, com intuito de melhorá-los. O
conceito de hackeamento se refere à liberdade
e compartilhamento de informações e
descentralização do controle, que consiste em
hackear o sistema educacional, adaptando as
dinâmicas às realidades da periferia, valorizando
as potencialidades da cultura local, como a
criatividade, o fazer e a coletividade.
Por isso, a metodologia está sendo abordada
neste projeto a partir do recorte da ensinoaprendizagem
no território, em que o processo
educativo se estende para além dos muros
da escola e estimula a observação e reflexão
sobre o ambiente ao redor, além de colaborar
com a personalização do ensino e permitir a
experimentação, que colocam alunas/os como
protagonistas.
Esse conjunto de conceitos, além de
garantir outros jeitos de aprender, estimula o
conhecimento e o reconhecimento, a construção
de sentido, a vivência da cidadania, o direito
à cidade e a transformação social. Além disso,
sob essa abordagem pedagógica, cada aluno
é visto a partir da unidade de seus interesses,
necessidades, potências, tempos, desafios e
limitações. E, também, estimula o pensamento
crítico e criativo, além de uma postura mais ativa
e independente nas/nos alunas/os, diante das
grandes questões da sociedade, preparando-as/os
para intervir positiva e criativamente no mundo.
E, então, por meio da cultura da favela, fomenta
a vivência periférica como força motriz para
elaboração de soluções e criação de repertório,
porque pensar favela é pensar tecnologia.
Política de enfrentamento e
valorização da cultura local
Na favela, uma prática muito comum é a
construção de gambiarras, por meio da utilização
de recursos disponíveis, a partir da rejeição
dos aspectos preexistentes nestes recursos,
transformando-os, subvertendo-os de seu
contexto original. A gambiarra, elemento presente
no cotidiano brasileiro e, principalmente da favela,
é a materialização do improviso, a inventividade
que nasce da necessidade, que, por sua vez,
corresponde à habilidade de resolver os problemas
com os recursos limitados ao redor. A gambiarra é
um componente de subversão à lógica do design
industrial, porque promove a transformação dos
aspectos de design dos objetos industrializados, a
partir da transformação da relação forma-função.
Por representar uma das expressões mais
sensíveis e criativas do ser humano, a gambiarra é
altamente potente no sentido de estimular o afeto
na dinâmica escolar, já que, de acordo com o que
aponta Vitória Flores, designer, nascida e criada na
Rocinha, a criatividade é o eco das emoções.
No contexto da abordagem hi-tech, existe uma
negação da gambiarra como tecnologia, mas,
partindo de uma definição mais formal, como
aponta Sil Bahia, tecnologia, nada mais é do que
um conhecimento técnico aplicado e, por isso, este
conhecimento pode estar em vários âmbitos. E,
também, o preconceito da sociedade voltado para
a gambiarra está totalmente relacionado ao fato
de ser um elemento cultural proveniente de um
52
estrato altamente desprivilegiado da sociedade.
Portanto, diante dessa visão do ‘jeitinho
brasileiro’ enquanto primitivo, é muito comum
que sejam importadas soluções estrangeiras
e desconsideradas as sabedorias brasileiras. É
extremamente importante considerar o contexto
local e valorizar os saberes periféricos.
Além disso, diante da sedução incessante
do consumo, a gambiarra enquanto
‘recontextualização’ criativa de materiais,
apresenta-se como uma política de enfrentamento
e fuga da afetação da contemporaneidade.
A favela como celeiro criativo e a gambiarra
como tecnologia
Sil Bahia (2019)
Gambiologia e o Movimento
“Mão na Massa”
Gambiologia é a ciência das gambiarras, que
propõe a pesquisa e a prática de improvisação,
criação, combinação, adaptação entre elementos
variados, com objetivo de encontrar soluções para
problemas do cotidiano, além de possibilitar novas
formas de arte e tecnologia. O conceito e a prática
da gambiologia estão vinculados ao design, à
experimentação, à tecnologia e à arte.
53
a gambiologia é movida pela importância do
aprendizado sobre a construção da tecnologia e,
portanto, oferece a possibilidade de explorar a
curiosidade, a imaginação e a geração de ideias.
A inserção das crianças no universo da construção
traz engajamento, prazer e diversão.
A gambiologia corresponde a uma abordagem
de sustentabilidade, por meio do resgate, da
reciclagem e do reaproveitamento de materiais,
essencial nos tempos em que a tecnologia lança
inovações fugazes, que estimulam o consumo
desenfreado e o descarte do que é programado
para rapidamente se tornar obsoleto. A
possibilidade proporcionada pela gambiologia, por
meio do estímulo à multiplicidade do olhar, que
permite enxergar novas possibilidades e, portanto,
inventar novas utilidades para objetos inutilizados,
leva ao questionamento do desperdício e da
relação limitada com os objetos gerada pelas
novas práticas de consumo.
A utilização da gambiologia como abordagem
na educação oferece fortes contribuições para
o processo de apropriação do mundo, porque
enriquecer o ambiente com artefatos de
produção própria leva as crianças à percepção da
possibilidade de interferência em seu contexto,
de impacto no espaço e isso, portanto, impulsiona
o processo de empoderamento. Além disso,
54
Em 2013, o CEO da Techshop, Mark Match,
organizou o “The Maker Movement Manifesto:
rules for innovation in the new world of crafters,
hackers and tinkerers”, com os princípios que
devem estar por trás de todo produto, projeto ou
ideia desenvolvida por criadores e pessoas que
pautam inovações. O manifesto foi traduzido e
interpretado pela plataforma Gato Mídia, a partir
da realidade do contexto periférico.
Dentre os princípios, estão: fazer, criar, como
ato de expressão para se sentir completo;
compartilhar, cujo gesto completa o significado
da criação; dar sua criação, como forma de dar
um pouco de si mesmo, e de adotar a cultura
de que o código aberto é fundamental para
a produção de impacto social; aprender, que
compreende um processo constante; ter as
ferramentas certas, sendo que, hoje, estão muito
mais acessíveis, ou, quando não estão, é possível
hackear e adaptar; brincar e experimentar, que
corresponde à capacidade de emocionar pelo
que foi criado; participar, pois é preciso criar
rede e mecanismos para que as pessoas estejam
cada vez mais conectados ao movimento maker;
apoiar, seja financeira ou intelectualmente para a
expansão dessa cultura; mudar, e não ter receio
de transformar o contexto. Por último, pode ser
acrescentado ao manifesto, a gambiarra como
ferramenta e estética; e a gambiologia, o estudo
das gambiarras como ciência maker, porque é
fundamental considerar o low tech neste contexto.
“Assim como para o movimento maker
tradicional, a impressora 3D é uma das
principais ferramentas de criação, a gambiarra
é a essência da cultura maker no Brasil. Todas
as criações populares, em favelas e periferias
do Brasil, inventadas para resolver problemas
cotidianos, a escassez ou a presença seletiva
do Estado, tem mostrado a potência criativa
nesses territórios. O mototáxi resolvendo
o problema de mobilidade, os “gatos”
resolvendo a falta de abastecimento contínuo
de água e luz, o puxadinho solucionando
a moradia. O modo de vida diverso e em
comunidade ensina que é preciso olhar sobre
o que é inovação no Brasil. A gambiarra como
estética, a ‘sevirologia’ [a arte de ‘se virar’]
como modo de vida, a ‘mecnologia’ [relativa à
gíria ‘tá mec’] como a ciência da tranquilidade
favelada e a criatividade popular vai nos
apontar o futuro”. (Gato Mídia)
55
Arte e Tecnologia
A Poética da Gambiarra está relacionada ao
processo, ao modo de fazer, que representa um
gesto estético-político e, enquanto manifestação
artística engajada, está ligada à coletividade e
ao ativismo. Corresponde à abordagem estéticafilosófica
que entende a arte como ferramenta
de reflexão e experimentação. A Poética da
Gambiarra está ligada à transformação da relação
forma-função, que interferem no campo funcional
e simbólico e, portanto, permitem apropriar-se,
interferir e reinventar.
das escolhas e das trocas econômicas e culturais.
Isso resulta na subjugação de determinados
grupos socias, já que aqueles que não têm
acesso às possibilidades de alterar consensos e
programas mais abrangentes, bem como o núcleo
de geração dos mesmos, terminam por servir
como operadores para o teste de aprimoramento
de rotinas pré-determinadas (Flusser, 2002).
A união de arte com tecnologia oferece
articulação política entre três ordens de
ecossistemas: ambiental, social e subjetividade
(Guattari, 1995). Afinal, as artes oferecem
oportunidades de abordagens múltiplas e
complexas para a reflexão sobre as implicações
socioculturais do desenvolvimento dos
dispositivos de produção e, consequentemente,
dos conhecimentos e poderes codificados e
difundidos a partir deles.
A contínua expansão do ambiente mundial
de informação e comunicação digital aumenta
as camadas de informação que circundam os
indivíduos em um mundo codificado, de natureza
secundária, construído de símbolos (Flusser,
2007), com os quais temos que lidar no cotidiano
57
A solução desenvolvida neste projeto é o
“Bonde da Gambiarra”, que, inicialmente, é um
movimento de inserção da metodologia de projeto
de design para a construção de gambiarras como
dinâmica de educação tecnológica. Futuramente,
pretende-se que o “Bonde” se torne um coletivo
que realizará ações em diversas escolas e outros
espaços de formação. Além disso, pretende-se
a continuação da pesquisa no mestrado, que se
voltará mais profundamente para a atuação de
professoras/es, buscando o entendimento das
possibilidades de inserção delas/es no universo
da educação tecnológica, por meio do dinâmica de
projetos de design-gambiologia.
O conceito de ‘bonde’ contempla a ideia
das relações colaborativas e do senso de
coletividade, fortemente características da cultura
de favela, além de representar o estímulo do
empretecimento do cenário da tecnologia.
Não se pode gerar uma mudança no contexto
apenas a partir da inserção esporádica de meninas
e mulheres negras nas áreas de estudo
e profissionais relacionadas à inovação e
tecnologia. É necessário que essa inserção seja
feita em “bonde”.
“Vir de bonde é muito melhor”
Sil Bahia (2019)
O desenvolvimento do projeto
no contexto da pandemia
A fase de desenvolvimento efetivo do projeto,
após a fase de pesquisa e conceituação, teve
início em março de 2020, com a previsão de dar
continuidade à parceria com a professora Bianca,
a partir da realização de experimentações com
as crianças na Escola Municipal Luiz Paulo Horta,
dessa vez, nas aulas de educação artística da
turma do 5º ano do ensino fundamental.
Entretanto, no dia 17 de março, data
correspondente à segunda semana de retorno às
aulas da PUC-Rio, após as férias, foram suspensas
as atividades de escolas, universidades e outros
espaços e serviços por conta da pandemia do
COVID-19. Portanto, foi necessária a suspensão
das experimentações na escola e a adaptação da
dinâmica de desenvolvimento do projeto.
Desta forma, a pesquisa de campo precisou
passar por uma série de transformações para
uma transição para o mundo digital. A dificuldade
de comunicação com as crianças limitou o
processo de desenvolvimento da metodologia
apoiada pela construção de gambiarras, diante da
impossibilidade de realização das dinâmicas
com elas. Portanto, foi necessário focar no
refinamento da metodologia, para a realização
da aplicação em sala de aula assim que o retorno
às aulas for possível, resguardando a necessidade
de adaptação para respeitar às orientações que
forem necessárias.
58
Um material que será analisado e aprofundado
nas pesquisas futuras é o conteúdo de narrativas
geradas pela comunidade da Escola Luiz Paulo
Horta durante o período de isolamento social,
frequentemente compartilhadas na página de
Facebook da Escola. Os resultados de alunas/os
das atividades propostas pelas/os professoras/
es estão registrados na rede social e podem servir
como objeto de estudo para o entendimento das
possibilidades de utilização das redes sociais a
favor da educação tecnológica.
Clique no ícone abaixo
para acessar à página
da luiz paulo horta e
ver os resultados das
atividades propostas:
A metodologia orientada
pela experimentação
A solução do projeto, para atendimento do
objetivo de “gerar metodologia de ‘Educação para
o Século XXI’ por meio de vivências periféricas”
é o desenvolvimento da metodologia baseada
em projeto de design, a partir da abordagem da
gambiologia. A utilização de dinâmica de projeto
está sendo utilizada com a finalidade de permitir
o pensamento não-convencional das crianças,
além de corresponder a uma abordagem do
design como impacto positivo para o futuro.
A dinâmica de experimentação, por meio da
construção de gambiarras, tem como propósito
a aproximação da linguagem da tecnologia ao
cotidiano da favela.
De acordo com Cass Holman, designer de
brinquedos “educativos e construtivistas”, a
experimentação permite o aprendizado e
o crescimento, além de fornecer respostas
e resultados a professoras/es, que são
observadoras/es desse processo, e podem
aprimorar cada vez mais as dinâmicas a partir da
análise dessas respostas e resultados. Ela acredita
que oferecendo às crianças as ferramentas para
serem confiantes e poderem entender como
podem ser criativas, empáticas e boas pessoas,
elas serão capazes de criar um futuro melhor para
si e para a sociedade como um todo.
O intuito da metodologia, em que a mediação
deve ser feita por professoras/es e o total
protagonismo deve ser das crianças, é levá-las
59
a entenderem, participarem e amadurecerem
nelas o processo tecnológico, o pensamento
computacional, com base no algoritmo
enquanto planejamento; o processo de projeto,
o desenvolvimento processual: estabelecer
onde se quer chegar, reunião de materiais,
pensamento criativo, encontrar soluções.
Mesmo que, talvez, o resultado não seja como
o esperado e planejado, a importância está
no processo e, portanto, ainda assim, será possível
que as/os alunas/os se transformem
em indivíduos criativos, com alto nível de
percepção do ambiente.
O principal sentido é capacitar as crianças;
gerar pessoas críticas, reflexivas, pensantes;
que vão ser capazes de projetar, resolver e ter
acesso a conhecimentos que, provavelmente não
teriam. Afinal, a partir do momento em que elas
não usufruem das possibilidades que o universo
tecnológico pode oferecer, porque as soluções do
mercado se resumem a uma ideia de tecnologia
desconectada da realidade periférica, elas acabam
ficando defasadas em relação aos contextos
privilegiados. Então, elas desenvolverem seus
projetos com os recursos aos quais têm acesso,
aproveitando-se de características de sua vivência
na favela para hackear a sociedade, pode levá-las
a um processo de “empoderamento” e maiores
possibilidades de perspectivas de futuro, por se
tornarem capazes de construir tecnologia.
De acordo com o que Ana Carolina da Hora
defende, o “bonde” também é um conceito
importante para que as crianças da favela possam
aproveitar suas vivências para a formação de
conexões, redes de apoio e troca de experiências
e conhecimento sobre tecnologia. Além disso, Cris
dos Prazeres, ativista e feminista, coordenadora
do “Vai na Web”, “Reciclação” e “Grupo Proa”,
defende que as/os alunas/os precisam ser
“escultores da tecnologia”, com os professores
sendo instruídos pelas/os alunas/os, o que poderia
proporcionar um encontro de gerações, sendo
assim, um “lugar de paz” do conflito de gerações,
por meio do compartilhamento de informações e
conhecimentos sobre a tecnologia. A condução de
professoras/es do aprendizado sobre tecnologia
de forma lúdica, deve permitir as possibilidades de
criação, além de considerar as potencialidades e
os interesses das/os alunas/os, para garantir um
aprendizado mais prazeroso.
60
61
Projeto de design gambiológico
As etapas da dinâmica metodológica
desenvolvida neste projeto serão exemplificadas
aqui por meio da construção da SOMBIARRA,
que representa apenas uma das possibilidades
de gambiarra que a metodologia permite gerar.
Afinal, as crianças é quem devem assumir todo o
protagonismo, observar o ambiente, perceber as
necessidades, identificar o que precisam construir,
quais materiais estão disponíveis e desenvolverem
suas próprias gambiarras.
O estilo interrogatório citado anteriormente
como abordagem para a mediação das/os
professoras/es se aplica na metodologia de
projeto de design gambiológico a partir do viés da
problematização, que aparece essencialmente na
etapa de reflexão após a construção da gambiarra.
62
Percurso metodológico
A metodologia parte da etapa de OBSERVAÇÃO, cujos
dados coletados serão analisados na etapa de REFLEXÃO.
Esses dados permitem a IDENTIFICAÇÃO da necessidade do
ambiente. A partir disso, inicia-se a etapa de PLANEJAMENTO,
para a CONSTRUÇÃO da gambiarra. Nesta etapa, é necessário
retornar à REFLEXÃO, por meio da problematização dos
resultados da construção e, em seguida, ao PLANEJAMENTO.
Então, inicia-se a nova fase de CONSTRUÇÃO e, após a
finalização, o COMPARTILHAMENTO dos resultados.
63
Observação do ambiente e registros
textuais, fotográficos, audiovisuais
para identificação de necessidades
Um dia, sentada na cozinha enquanto minha
mãe preparava o almoço, reparei que ela estava
ouvindo música no celular, mas o som estava
muito baixo. Sugeri que ela usasse um fone de
ouvido, para que pudesse ouvir melhor, mas ela
recusou a ideia, dizendo que além de atrapalhar
sua movimentação por causa do fio, e se sentir
incomodada pelo “isolamento” de sua audição
durante as tarefas na cozinha.
Então comecei a observar o cenário e buscar as
necessidades, possibilidades e potencialidades
existentes, a fim de pensar uma solução para o
som do celular.
64
Análise dos dados coletados a partir
da observação
Após realizar o registro da observação, comecei a
levantar reflexões sobre os elementos envolvidos
no cenário da tarefa da minha mãe na cozinha:
-o som do celular precisa se propagar por todo
o ambiente
-o celular precisa ficar apoiado na mureta
-a tela do celular precisa ficar visível e acessível
65
Identificação da necessidade do
ambiente e definição do objeto a
ser construído para cumprir uma
função, ou da função para gerar um
objeto, a partir de análise da função
e pesquisa de similares
De acordo com a observação da situação, é
possível perceber a necessidade de um objeto
que cumpra a função de ampliar o som do celular.
Por isso, parti da função para chegar ao objeto e,
então, pesquisei alguns exemplos de objetos que
amplificam o som, que já existem, para pensar o
formato da gambiarra do som.
66
Planejamento da construção da
gambiarra: desenhos de princípio,
listagem de materiais, desenhos
de construção
Desenho do princípio
da função:
AMPLIAR SOM
67
Para desenvolver a forma,
parti do desenho da
função para pensar no
material que poderia ser
utilizado e cheguei à parte
de cima da garrafa PET
Para compor a forma,
escolhi o rolo de papel
absorvente para
desenvolver a parte
do apoio para o celular
68
DESENHO DE CONSTRUÇÃO
MATERIAIS
- Garrafa PET 600 ml
- Rolo de papel absorvente
- Círculo de papelão
FERRAMENTAS
- Tesoura
- Estilete
- Fita adesiva
69
Construção da gambiarra acompanhada
por registros
01
PROBLEMATIZAÇÃO
O cone foi posicionado do lado de fora
do rolo do papel, o que não garantiu a passagem
canalizada do som
70
02
PROBLEMATIZAÇÃO
Primeiro, o cone foi colado no rolo com a boca da garrafa
na parte interna, no entanto, a boca foi retirada após
teste que mostrou que o som ficou abafado; e o cone foi
novamente colado na parte interna, dessa vez, sem a boca
A caixa de som do celular fica em cima, na parte de trás
e, construída dessa forma, a gambiarra exige que o
celular seja encaixado de cabeça para baixo, dificultanto
sua manipulação
O formato de joelho provoca uma “quebra” no caminho
feito pelo som, fazendo com que ele perca sua intensidade,
de acordo com o trajeto que precisa percorrer
71
03
PROBLEMATIZAÇÃO
A amplitude do som ainda não atingiu
o necessário
O celular precisa ficar “deitado” apoiado
na mureta e, por isso, ainda fica difícil o
acesso à tela
72
Problematização da forma das primeiras
versões construídas e geração de novas
ideias de composição
Para construir a versão 04 da Sombiarra resolvi
voltar ao desenho da ampliação de som, que levou
à escolha da garrafa como material. Então, pensei
em criar uma composição em que a garrafa estivesse
posicionada diretamente na saída de som do celular
e, assim, pudesse captar melhor as ondas sonoras
para a ampliação.
73
Planejamento da construção das
novas versões da gambiarra, a partir
das problematizações da construção
Para selecionar o material que funcionará como apoio
para o celular na composição da Sombiarra, pensei
em algo que tenha um formato que permita ser
encaixado na garrafa e cheguei até a caixa de suco
74
Construção da gambiarra acompanhada
por registros
04
VISTA FRONTAL VISTA LATERAL VISTA SUPERIOR
PROBLEMATIZAÇÃO
É preciso deixar uma borda para criar
dupla espessura
A lateral muito aberta deixa o celular
solto dentro da Sombiarra e, por isso,
quando manipulado, ele sai do lugar e
atrapalha o acesso à tela
A garrafa foi colada na caixa, o que
não garantiu uma fixação tão eficaz
05
75
VISTA FRONTAL VISTA LATERAL VISTA SUPERIOR
PROBLEMATIZAÇÃO
A borda da frente junto com a dobra
lateral deram maior sustentação às
faces da Sombiarra
A maior largura na parte de baixo da
borda permitiu o melhor encaixe do
celular dentro da Sombiarra, mas
a borda na parte de cima impede a
manipulação dos botões de volume
e bloqueio de tela
Utilizei a tampa da garrafa para fixar
a boca na caixa, o que permitiu uma
melhor fixação e firmeza
06
76
VISTA FRONTAL VISTA LATERAL VISTA SUPERIOR
PROBLEMATIZAÇÃO
Abertura na parte da frente para melhor
visualização do celular
Abertura na lateral permite o acesso aos
botões de volume e de bloqueio de tela,
mas fragiliza a parte em que o celular
fica apoiado
A abertura no fundo permite o acesso
do cabo do carregador, mas quando
a Sombiarra está apoiada, o cabo
atrapalha a estabilidade do apoio
07
77
VISTA FRONTAL VISTA LATERAL VISTA SUPERIOR
PROBLEMATIZAÇÃO
A borda da parte da frente fica só a partir
da altura onde fica o celular, e foi inserida
uma base por dentro, que faz o celular
ficar mais para cima e, portanto, mais
fácil de manipular a tela
Além da borda, as aberturas nas laterais
permitem o acesso aos botões de
volume e bloqueio de tela, mas nesta
versão, a posição da abertura ainda não
facilita esse acesso
A abertura para acesso do cabo do
carregador fica na base para o celular
e também no fundo da caixa. O espaço
entre a base e o fundo permite que o
cabo não atrapalhe o apoio da Sombiarra
na superfície
Nesta versão, existe também um
suporte para que a Sombiarra fique em
pé também e, assim, possa ser utilizado
em outra posição, além da demonstrada
anteriormente. Para voltar a essa
posição, basta virar a aba para frente
78
08 - VERSÃO FINAL
79
VISTA FRONTAL VISTA LATERAL (E) VISTA LATERAL (D)
80
81
Compartilhamento do conteúdo
produzido a partir dos registros do
processo de construção, associada
à ideia de hackeamento por meio
da lógica de disseminação de
conhecimento e informação
82
Lean Canvas
Parcerias Chave
Bianca Silva
E. M. Luiz Paulo Horta
Alunas e alunos da escola
Ana Maria Quintela
(diretora)
Famílias das crianças
PretaLab
Olabi
Atividades chave
Sistema de metodologia
de educação tecnológica
baseado em educação
para o século XXI,
que utiliza-se de vivência
periférica por meio
do estudo gambiológico
como abordagem
educacional
Recursos Chave
Conteúdos informacionais
em redes sociais
Proposta de valor
Fomento da formação
tecnológica das crianças
da favela, a partir
da valorização da
cultura local
Iniciação de meninas
negras nos estudos
voltados para inovação e
tecnologia, como caminho
para a ampliação de
perspectivas de futuro
Relacionamento
com clientes
Mediação conjunta
com os professores de
atividades de estudos
gambiológicos com as
alunas e os alunos
Troca de experiências
com alunos e
professores sobre
estudos gambiológicos
Canais
Segmento de clientes
Alunas e alunos da rede
pública de ensino
Professores e educadores
Escolas da rede pública
Ana Carolina da Hora
Sil Bahia
Estrutura de Custos
Profissionais da
tecnologia para ministrar
palestras e oficinas
Materiais para construção
de gambiarras
Palestrantes
Mediadoras/es de oficinas
Espaço para depósito e preparação de materiais
Fontes de receita
Financiamento
Patrocínios
Oficinas em escolas
Palestras em eventos
83
Planos para o futuro
A linguagem utilizada no desenvolvimento da
metodologia está voltada par o universo das
crianças. Nos próximos passos, será aprofundada
uma linguagem intermediária que contemple
o universo das crianças ao mesmo tempo
que apresente o universo técnico do design,
principalmente por meio de desenhos.
O desenvolvimento do projeto neste período teve
foco na experimentação da metodologia a partir
da construção de gambiarras sem a intermediação
da experimentação com as crianças na escola.
Um dos próximos passos é a alimentação do
Instagram como plataforma de conteúdo para
experimentação com as crianças, a partir da
reformulação e produção de conteúdos.
A linguagem estética que será aprofundada
está ligada ao afrofuturismo, a partir de uma
abordagem gambiológica. Portanto, dentro dos
próximos passos, está também o aprofundamento
da pesquisa e problematização do conceito de
afrofuturismo, além da produção de ilustrações
com linguagem de “afrofuturismo gambiológico”.
85
Silvana Bahia é comunicadora social, mestre
em Territorialidades na UFF, comunicadora do
KBELA (filme dirigido por Yasmin Thayná) e do
AFROFLIX, canal de produção audiovisual, feito
por pretas e pretos, trabalhou no Observatório de
Favelas, na Maré, e, hoje, atua como coordenadora
no Olabi Makerspace. Embora tenha se formado
em jornalismo, ela nunca se viu atuando como
jornalista, diante das realidades do mercado,
por nunca ter se visto representada e não se
encaixar no perfil normalmente procurado nas
vagas. Foi a partir daí que entrou em contato com
o jornalismo ativista, social e, então, se encontrou
dentro da profissão. Sil é curiosa, trabalhadora
e apaixonada por histórias, narrativas e pessoas.
Após se inserir no universo da tecnologia e circular
em diversos espaços voltados para este contexto,
movida pelo incômodo de ser a única pessoa
negra na maioria desses lugares, criou como uma
das iniciativas do Olabi, a PretaLab, projeto
de estímulo às mulheres negras nas áreas de
tecnologia e inovação.
86
Ana Carolina da Hora é cria de Duque de
Caxias, Baixada Fluminense, e cientista da
computação em construção pela PUC-Rio,
apaixonada por robótica e sempre na busca da
democratização do entendimento da ciência da
computação no Brasil. Motivada pela vontade de
explicar para a avó sobre como é o trabalho de
uma cientista da computação, criou o canal no
YouTube, Computação da Hora. Em seus vídeos,
ela busca explicar os conceitos relativos
à programação por meio de lingaguem mais
simples e acessível, estabelecendo analogias
com o cotidiano. Pesquisadora de novas
possibilidades, como ela mesma se intitula,
é também criadora do Ogunhê, plataforma que
tem como objetivo apresentar os cientistas
do continente africano, por meio de jogos e
narrativas interativas. Ana pensa as ciências
exatas a partir de uma abordagem humanizada,
representando uma vertente ainda muito pouco
explorada nesse contexto, partindo do princípio
que as tecnologias se relacionam com os seres
humanos e, por isso, não podem ser pensadas
sem considerar as ciências sociais.
87
Hamilton Werneck é doutorando,
pós-graduado em educação, pedagogo e
professor do ensino superior reconhecido
pelo CFE. Autor de 26 livros publicados,
alguns já traduzidos para o espanhol
e inglês, e com 9 DVDs educativos,
Hamilton Werneck já realizou mais de
1.950 conferências em todo o Brasil
envolvendo colégios, secretarias de
educação, sindicatos patronais e de
classe e universidades. Com experiência
em educação desde as classes
multisseriadas do interior até a pósgraduação,
vem participando ativamente
da vida educacional do país através de
programas de TV e congressos nacionais
e internacionais de educação. Pertenceu,
como conselheiro, de conselhos municipais
e do Conselho Estadual de Educação do
Estado do Rio de Janeiro e atualmente
é Membro da Academia de Letras de
Nova Friburgo. Foi também Secretário de
educação do município de Nova Friburgo
- RJ, e escreve para sites educacionais,
revistas e jornais especializados, como a
revista Profissão Mestre, fazendo parte
também de seu respectivo Conselho
Editorial. Atualmente trabalha na
Universidade Candido Mendes.
Entrevista com Sil Bahia (2017)
88
89
PESQUISA DO PROJETO “(IN)VISIBILIDADE
DA MULHER NEGRA NA SOCIEDADE
Entrevista realizada por Vitória Flores,
com registro em vídeo realizado por Ricardo Godot
e registro textual realizado por Ilana Guilland,
com perguntas elaboradas pelo grupo, também
composto por Juliana Barbosa
Eu queria que você falasse um pouquinho sobre
você primeiro, quem é você, no geral, sem ter
muito a ver com o Olabi...
SIL: Quem sou eu? (risos). Eu sou a Silvana...
Silvana Bahia, eu me formei em jornalismo.
Durante o tempo que eu fiquei na universidade
fiquei pensando o que eu ia fazer com aquilo
ali, porque eu não me via atuando como uma
jornalista, como a minha universidade preparava
os alunos pro mercado de trabalho, que era um
padrão que eu nunca consegui me encaixar. Então,
eu passei muito tempo da faculdade fazendo
processo seletivo pra fazer estágio, eu passava
nas provas, mas quando chegava na entrevista,
eu não ficava. E eu não sabia muito bem por que
eu não ficava, porque acho que também é um
processo você se entender no mundo e eu já não
era uma novinha, eu já tinha uns 23, eu acho,
quando entrei na faculdade... Ou 22... Mas, enfim,
suportei, e fui até o fim da universidade e o que
eu mais gostava, na verdade, eram as matérias
teóricas, mais ligadas à teoria, e nem tanto às
práticas, porque eu não me via muito naquele
lugar. Tinha toda essa atmosfera de pensar: “Cara,
eu tô ferrada, porque eu tô aqui investindo uma
grana, minha mãe podia, sei lá, ter dado entrada
numa casa com essa grana que ela tá gastando
aqui, e eu não sei se vou ter retorno mínimo disso”.
E aí eu caio pra fazer um estágio de cultura digital
num projeto que era novo, na época, em 2011,
chamado “Agência de Redes para Juventude”. E ali
na Agência minha vida começa a mudar, porque
eu descubro que existia todo um lado social,
que era o que eu me identificava, e que eu podia
trabalhar com comunicação dentro dessa área.
Ainda na Agência, comecei a fazer um estágio
no Observatório de Favelas, onde eu conheci a
Raika Julie e o Thiago Ansell, que foram duas
pessoas fundamentais na minha vida profissional,
primeiro, porque são duas pessoas negras. E,
quando eu chego na comunicação do Observatório,
eu falo: “Gente, que comunicação mais negra,
nunca vi uma comunicação dessas!” E dali nasceu
uma amizade e uma parceria que dura até hoje.
Então, fiquei uns 5 anos, quase, trabalhando no
Observatório, entrei como estagiária, virei trainee,
saí de lá jornalista sênior e vim trabalhar no Olabi...
Quem é a Silvana? Silvana é uma jornalista, que
terminou o mestrado muito suado em Cultura
e Territorialidades na UFF, sou filha de uma
empregada doméstica, neta de uma empregada
doméstica, tenho um irmão... Enfim, sou uma
pessoa interessada pelas pessoas, sobretudo. Eu
gosto de gente! E muito focada em tentar fazer
uma transformação nesse mundo tão cruel muitas
vezes, né? Essa sou eu.
E como você chegou até aqui, no Olabi?
SIL: Então, o Olabi... É muito engraçado, porque,
desde 2012, existe um projeto chamado “Rodada
Hacker”, que é uma oficina de programação
com foco em mulheres. Esse projeto foi criado
pela Daniela Silva, que é uma pesquisadora em
tecnologia também, e eu já conhecia o projeto,
mas eu nunca tinha tido grana pra ir até São Paulo
e participar. E aí, em 2014, eu já tinha escutado
falar da Gabriela Agustini, que é muita amiga
de vários amigos meus, que trabalharam junto
na Casa de Cultura Digital, em São Paulo, e ela
tava vindo pro Rio, e tava abrindo o Olabi. Então,
sempre ouvi falar da Gabi, queria muito conhecer
a Gabi, todo mundo falava: “Nossa, você tem que
conhecer a Gabi!”
No dia que eu conheci a Gabi, realmente, eu me
apaixonei por ela, assim... E aí, ela tava abrindo
o Olabi, isso era 2014, e ela falou: “Sil, vamos
fazer uma edição da Rodada em parceria, Olabi e
Observatório?” Eu trabalhava no Observatório, na
época. Aí eu fiquei maluca, falei: “Claro, vamos!” E,
na época, eu tinha ideia de fazer o site do Kbela,
que era um projeto que a gente tava começando
a tocar... E até hoje o site não tá pronto, eu morro
de vergonha disso, mas é a realidade! (risos) E a
gente fez a Rodada, na Arena Carioca Dicró, que
é lá na Penha, porque a ideia era descentralizar,
sair desse lugar Centro-Zona Sul, né? Pra mim,
foi um sucesso, porque foi a primeira vez que eu
entendi que eu podia trabalhar com tecnologia,
de alguma forma. Aprender a programar, aquilo
me empoderou muito. Também teve uma pessoa
muito fundamental nesse processo, que foi a
90
Steffania Paola, que foi minha tutora, porque
eu fiquei num grupo que queria fazer site no
wordpress... E a Steffania pirou com o projeto
do Kbela e ela falou: “Sil, se você quiser, posso
continuar te acompanhando, te ensinando,
construindo o site”. Aí eu falei: “Pô, claro que
eu quero aprender!” E aí, depois disso, a gente
teve inúmeros encontros, eu fui começar a
entender o que era programação e tal, um pouco
dessa linguagem. O site não ficou pronto até
hoje, eu também não sou uma “programadora
desenvolvedorona”, mas foi importante conhecer
esses mecanismos. E aí conheço ali o Olabi e é
nossa primeira ação juntas, né, Gabi e eu.
Aí 2015 foi o ano que eu tava muito focada no
Kbela, foi o ano que a gente filmou, que a gente
estreou, que a gente tinha que fazer várias coisas
e eu tava a fim de fazer outras coisas da minha
vida também, porque eu já tava há um tempo
trabalhando ali na Maré, né... O Observatório
de Favelas fica na Maré, que é um complexo de
favelas aqui na Zona Norte. E eu queria fazer
outros caminhos na cidade. Eu tava muito a fim
de dar uma volta, de pegar outro ônibus e seguir
outra direção... E aí a Gabi me chamou pra produzir
um ciclo de Rodadas Hacker, em São Paulo, porque
o Olabi tinha ganhado um Prêmio Tech Sampa,
que é um prêmio da Prefeitura de São Paulo, que
reconhece atividades na área da tecnologia, que
têm esse recorte de gênero. Nossa ideia sempre
foi descentralizar, né?
A gente fez seis rodadas e eu não queria fazer
só em Pinheiros e na Vida Madalena, porque eu
achava que ali já tem muita coisa. Eu morei um
período da minha vida no Capão Redondo, onde
minha família que migrou do Pará, por parte de
mãe, vive até hoje, e eu queria fazer alguma coisa
com as minhas amigas no Capão. Essa maratona,
é importante dizer também, que foi feita com
vários parceiros, vários coletivos de mulheres,
Minas Programam, PrograMaria... Não vou
lembrar de todos, mas RedBull também cedeu
espaço... Casa de Lua... E a gente também queria
levar pra fora desses espaços mais tradicionais,
onde essa discussão já acontece, então a gente
fez no Capão Redondo, com as meninas do
Coletivo “Fala Guerreira”, que são mulheres que
atuam ali na região do Jardim São Luiz e também
no Céu Parelheiros, que é extremo sul da Zona Sul.
Parelheiros é uma periferia grande de São Paulo.
Esse encontro com as meninas do Coletivo
“Fala Guerreira” foi muito legal, porque eu pude
perceber, de fato, não só pro discurso, mas a
concretização do que é diversidade na produção
de novas tecnologias, né? Porque elas tiveram
duas ideias super interessantes que só poderiam
partir delas. Uma era mapear os lugares mais
perigosos, onde as mulheres estão mais
vulneráveis ali, naquela região, que, hoje, tem
vários aplicativos assim, mas ali em 2015,
ainda, não era tão popular e eu também acho
que não seja tanto hoje em dia, mas aquela
ideia vindo delas, sabe? E outra era de coletar
histórias positivas sobre aquela região e deixar
isso disponível em QR Code pela cidade, enfim,
trabalhar com essa coisa de pertencimento e
também de uma memória mais positiva sobre
aquele espaço. Eu sempre me perguntava: o que
pode ser diferente quando outros tipos de pessoas
91
trabalham pra produzir essas tecnologias que a
gente usa e que cada vez mais permeiam a nossa
vida? Isso foi acho que em outubro, novembro...
Quando foi dezembro de 2015, a Gabriela me
chamou pra trabalhar no Olabi. Na época, eu era
coordenadora de comunicação, meio produção
também e, na verdade, a gente é muito pequeno,
né, a gente sempre foi uma equipe muito pequena.
Naquela época, a gente tinha, sei lá, seis ou sete
pessoas... Hoje, a gente tem isso também... Só
que aí eu comecei a entender mais o que eram
esses processos, o que era cultura maker, o que
eram essas máquinas, o que elas podiam fazer...
Impressão 3D, pra que isso serve, né? E o Olabi
sempre teve essa pegada, a nossa missão é
trabalhar pela diversidade na produção de novas
tecnologias. Aí, pra isso, a gente tem algumas
estratégias, porque a gente acha que é isso: não
dá pra tá só num lugar, sabe? Não pode ser só
os homens brancos do Norte que pensam essas
aplicações, né? Como é quando as mulheres
negras do Sul também podem pensar essas
aplicações? Ou quando outros tipos de pessoas
têm esse acesso?
Então, já entra, basicamente, no que eu ia
perguntar, que é o que é o PretaLab e como foi
essa aceitação do Olabi?
SIL: Então, eu chego no Olabi, e eu sei que o
espaço que eu ocupava já, no Olabi, que eu já
entro numa coordenação... Ele, também, além
de tudo, era um espaço político, né? E eu sempre
tive muita abertura pra pensar e pra propor, por
ser uma equipe pequena, mas porque também
tem um afeto entre a gente, a gente se respeita, a
gente se admira. O Olabi é o lugar, não é só porque
eu tô aqui agora, mas é o lugar que eu mais me
identifiquei no meu trabalho. Observatório foi a
grande escola, uma grande casa, eu amo tudo que
eu vivi ali, todas as pessoas que eu encontrei, mas
chegar no Olabi foi um outro momento da minha
vida, né, que ainda tá sendo.
E aí, como eu te disse, eu comecei a circular
muito. Eu tive que correr um pouco na frente,
pra entender esses processos, porque eu sou
jornalista, né? Eu não sacava muito! Então,
entender essa linguagem, entender essa
linguagem mais técnica, entender o que é essa
cultura maker, o que isso tem a ver com educação,
como a gente pode fazer links que tirem essa
impressão da cultura digital e da tecnologia
restrita ao conhecimento técnico, sabe? O que
esse empoderamento, essa apropriação pode
levar pra transformação social. E isso sempre
foi uma preocupação do Olabi, e muito minha
também. Quando comecei a circular muito,
participar de eventos e representar o Olabi,
uma das minhas missões, na época, era ser
tipo uma porta-voz do Olabi, então, todos os
convites quem pegava era eu.
92
Quando foi no ano passado, eu fui chamada pra ir
pro Latinidades e eu sempre quis ir no Latinidades,
a vida inteira, só que eu nunca tive grana pra ir
até Brasília, pra ir assistir um seminário tão rico
como é o Latinidades. E eles me chamaram pra
participar, pra ser uma das palestrantes. Eu fiquei
super honrada! Por conta do trabalho que eu tinha
feito no Kbela, que, depois, culmina na Afroflix, que
também não é um trabalho só meu, é um trabalho
em parceria. Tem o Bruno F. Duarte, que também é
um grande parceiro nessa comunicação aí.
Naquela época, fiquei pensando que eu tinha que
ter alguma coisa... Já tinha 6 meses, 7 meses, que
eu tava trabalhando no Olabi, era importante falar
do Kbela, de toda essa trajetória, mas eu queria
falar um pouco do que eu tava fazendo agora, que
lugar era esse que eu tava inventando pra mim.
E aí eu já tava com uma ideia de fazer algo
relacionado a mulheres negras e tecnologia,
mas eu não sabia muito bem o que fazer...Se
eu chamava um coletivo... E aí, nem pensando
tanto no âmbito institucional, quando essa ideia
tava dentro de mim, eu ficava pensando, sei lá,
será que eu chamo um coletivo? Será que eu me
encontro com outras mulheres negras que estão
interessadas nesse assunto, e a gente começa a
formar grupos e discutir e tal? Aí eu trago essa
ideia pra Gabi, e eu já tinha o nome, né, que era
PretaLab. Eu queria fazer alguma coisa com
o nome PretaLab! E aí ela falou: “Cara, vamos
investir nessa ideia aí! O que a gente pode fazer?”
Num primeiro momento, eu queria que fosse um
espaço de formação. Um espaço de troca entre
mulheres negras sobre tecnologia. Só que quando
eu comecei a contar as mulheres negras que eu
conhecia nesse campo, da tecnologia, no Rio, eu
não conseguia contar mais de 6 na minha mão.
Óbvio que minha timeline é muito limitada, né, é
uma bolha, eu sei disso, mas eu não tava dentro
dessa rede ou eu não sabia onde essas meninas
estavam. E aí só tinha as meninas de São Paulo,
que vinham à minha cabeça, que são meninas
também que me inspiram muito. Esses coletivos:
Minas Programam, PrograMaria, Infopreta... E essa
cena, que tem lá, queria que acontecesse aqui.
E aí a gente pensou: vamos mudar a estratégia,
talvez agora não seja o melhor momento pra
essa formação; por que a gente não começa uma
iniciativa pra mapear quem são essas mulheres
negras no campo da tecnologia?
E aí a gente começa a pesquisar se tinha esses
dados sobre mulheres negras. Se tinha algum
dado que dissesse a relação de mulheres na
tecnologia, com recorte de raça também. Hoje, a
gente vê que tem uma produção grande de dados,
essa discussão tá muito em pauta, a discussão de
gênero e tecnologia. Mas eu nunca tinha visto uma
discussão que fosse focada mais nessa questão
interseccional, que eu acho que uma coisa não dá
pra separar da outra no Brasil que a gente vive.
E aí, circulando muito, eu percebi que nós éramos
poucas as mulheres nesses espaços de tecnologia.
E eu sempre olhava pro lado e eu era a única
negra, e aí eu tô falando de homens negros e
mulheres negras também. Aí eu falei: cara, não
é possível! Eu não acredito que não tenham
mulheres negras na tecnologia, sabe? E isso
parte também de uma metodologia que foi muito
93
provocativa pra gente na época do Kbela, que
era uma pesquisa que tinha saído do Gema,
dizendo que, de 2002 a 2012, só 4% dos filmes
de maiores bilheterias do Brasil tinha a presença
de mulheres negras, tanto na técnica, quanto na
frente das câmeras.
Esse mesmo pensamento me fez buscar essas
mulheres, aí a PretaLab nasce, enquanto um
projeto apoiado pela Fundação Ford, é uma
iniciativa do Olabi. Eu sempre tenho esse cuidado,
porque, às vezes parece que são duas coisas, mas,
na verdade, é uma coisa só. Esse é um braço das
atividades que o Olabi faz e ele é protagonizado
por mulheres negras, mas ele tem mulheres
brancas também, trabalhando nesse projeto, como
a equipe do Olabi, mas todo o protagonismo é de
mulheres negras. Toda a linguagem que é pensada,
é pensada por mulheres negras.
Então, hoje, a PretaLab é um mapeamento
colaborativo que tá rolando na rede e que a gente
tem feito um esforço muito grande pra mobilizar
outros espaços; e também pra sair desse eixo
Sudeste, porque a gente tá aqui é tá também num
lugar de privilégio geográfico. E eu acredito que
existam outras meninas pelo Norte, Nordeste,
região Centro-Oeste, enfim, Sul, que também
estão nessa pegada, mas que também não estão
ainda nessa rede, talvez, ou que não estejam
nesse mainstream.
94
E, nesse primeiro momento, a gente quer fazer
esse mapeamento. Desse mapeamento, a gente
quer fazer alguns vídeos com essas meninas que
a gente vai encontrar, pra inspirar outras meninas.
Basicamente, hoje, o nosso projeto é um projeto
de mobilização, inspiração e comunicação.
O que a gente pretende fazer num segundo
momento do Preta, quando a gente entender
esses dados, né... Porque ali, no formulário, é
importante dizer que a gente não tá em busca só
de mulheres negras ou indígenas que trabalham
na área técnica da tecnologia, que tem um
conhecimento técnico, mas também as mulheres
produtoras de conteúdo. Então, as fotógrafas, as
youtubers, as blogueiras...
Porque é isso, a tecnologia, ela permeia toda nossa
vida hoje, né? Então, eu acho que a gente faz um
esforço também de ampliar o que é tecnologia.
A gente, aqui no Olabi, sempre fala que a gente
tem uma pegada de entender tecnologia de uma
forma muito ampla, que vai desde o crochê à
impressão 3D, né? O que é tecnologia, afinal? É um
conhecimento técnico aplicado. É importante dizer
que gambiólogas, makers, meninas que aprendem
coisas com tutoriais na internet são bem-vindas a
responder esse formulário.
A gente quer gerar dados sobre essas mulheres
e a situação delas, entender um pouco qual é a
demanda delas e, talvez, conectar as meninas
que têm interesse numa área formativa ou
profissional a esses espaços, porque a gente
entende que existem muitos espaços formativos,
que trabalham com a questão da tecnologia. Como
a gente força essa pauta dentro desses espaços e,
talvez, quem sabe, criar um espaço de formação.
95
Qual é a importância do recorte pra mulher?
Porque poderia ser PretosLab, PretesLab,
mas não, é esse recorte pro feminino... E qual
a importância de ter a mulher hackeando
esse sistema?
SIL: Eu entendo hackear como se apropriar,
entendeu? Se apropriar, entender aquele código
ali, pra você poder ressignificar... Pra mim,
hackeamento é isso. Mas só que isso só acontece
se você consegue significar a coisa, se você
consegue entender a coisa. E aí acho que hackear
serve pra várias caixinhas que existem no mundo,
não só no campo das tecnologias, embora seja
um termo que vem daí. Mas a minha ideia sempre
foi, quando eu penso em hackeamento é abrir
brecha. Como é que eu crio brecha? Não pode ser
só a Sil falando de mulheres negras na tecnologia,
tem que ter outras meninas também falando. E
eu tenho certeza que essas meninas existem!
E, penso, mais ainda, que, onde elas estão, elas
fazem a diferença. Então, assim, cadê elas? Hoje,
a minha missão é meio que dar uma hackeada
e dar uma empretecida nesse cenário. Por que
mulheres? Cara, porque a gente é um grupo,
infelizmente, muito vulnerável na sociedade. E
aí que entra também essa questão do por que
mapeamento, né? Por que gerar dados? A gente
vive hoje uma guerra de informações, de dados...
E quem produz esses dados? Também acho que
é uma coisa que a gente sempre tem que se
perguntar... E sem dado, sem informação, não tem
política. Nem pública, nem privada. Então, nosso
primeiro momento é esse esforço de gerar dados,
pra poder falar: olha, a gente sabe que somos
poucas mulheres negras e indígenas nesse campo,
mas a gente existe e tem uma noção. A gente sabe
que não vai ter a completude desses números,
mas que a gente tenha, pelo menos, uma amostra,
pra gente poder pensar o que a gente pode fazer
com isso, quais são as demandas das mulheres.
E aí, por que mulher e por que negra? Porque,
dentro dessa pirâmide, as mulheres negras são as
mais vulneráveis e são as que mais precisam de
políticas que fortaleçam o seu fazer e que possam
criar outras possibilidades pra gente nesse mundo,
né? Então, o Preta nasce muito de uma ideia de
que a falta de mulheres negras nesse campo
se dá muito por conta do acesso e pela falta de
referência. E aí, dentro desse “guarda-chuva”
acesso, tá tudo: dinheiro; questão econômica; os
lugares que você frequenta; onde você circula na
cidade; a própria questão do inglês, que é uma
barreira. E a questão da referência, é essa coisa
que tá muito ligada à memória, né?
A gente tem um país que é racista, que é machista,
e toda a memória que a gente tem do povo negro
aqui é uma memória da pessoa subalterna, é
do escravizado. Isso faz parte muito da minha
trajetória, porque eu também não queria ser negra
durante muitos anos da minha vida. Eu queria ser
tudo, menos negra. E, por ser filha de índio com
negro, o meu cabelo sempre foi o que me salvou
da negritude. Tipo assim: você não é negra! Você
é morena, você é índia, você é morena cor-dejambo...
Então, até essa coisa de tornar-se negro
é um processo mesmo. Você não nasce já com...
Não gosto da palavra “consciência” negra, porque
a consciência você pode bater a cabeça e perder
a consciência, entendeu? (risos) Não sei se é uma
consciência, não sei se é essa a palavra, mas
essa coisa de se entender enquanto esse sujeito
político. Porque você é um sujeito político, o seu
corpo é político.
96
vai vir só eu, porque aqui não tá só a Sil falando.
Tem toda uma ancestralidade que me acompanha
e que não é uma ancestralidade que eu tô falando
de pessoas que viveram há 500 anos atrás, tô
falando também da minha mãe, da minha avó,
que são minhas ancestrais diretas e que estão
aqui sempre comigo. Então, eu acho que não dá
pra ser só eu, entendeu? Se eu puder levar 2 ou
3 pretinhas, pra mim, já valeu a pena ter vindo
até aqui. E aí o fato de criar referência é também
inspirar outras mulheres, né? Tá tão dado pra
gente, que a gente tem que seguir determinados
caminhos, e eu não acredito que isso seja natural,
isso é uma construção, isso é cultural, que a gente
só vai conseguir romper isso quando a gente
hackear esses caras. Entender os códigos deles
e ressignificar isso, mas só que, pra ressignificar,
você tem que entender.
E é assim que eu fui me descobrindo também e,
por gostar muito de estudar memória, história,
eu sempre fui muito fascinada por essas histórias
que contam e quem conta a história... Eu falei:
cara, a gente tem uma possibilidade muito grande
hoje, que, óbvio que a gente tem mais acesso às
tecnologias, mas isso não serviu pra diminuir a
desigualdade, muito pelo contrário, isso acirra
desigualdades. Só que eu acho que um dos
caminhos é fazer, é abrir brecha. É, tipo assim, não
E aí eu acho que parte de uma coisa que é questão
de estudar, sabe? Eu tenho cada vez mais falado
dessa importância do estudo e aí eu não tô
falando de estudo na universidade, eu acho que
estudar não se restringe apenas à academia. Hoje,
com essa cultura digital, toda essa revolução da
comunicação, a gente pode aprender muito no
YouTube, sabe? Eu acho que o caminho também
pode ser esse.
Eu fico pensando que, cada vez mais, a gente
precisa entender a nossa história enquanto negros
e entender o que a gente vai fazer agora com
isso. E entender, mais ainda, que a gente vive na
diferença. Então, eu não tô no mundo pra criar
muro, sabe? Eu quero criar ponte.
E, isso, eu tô passível, inclusive, de ser criticada
por isso, mas eu não acho que vá existir um
mundo onde ficam os negros e um mundo onde
ficam os brancos. Eu acho que a gente vai ter quer
continuar negociando, só que essa negociação
ainda acontece de forma muito desigual. Então,
como a gente pode conseguir uma equidade maior
dentro desse campo? Que a gente é diferente,
isso já tá dado, isso eu já entendi. E até se você
for pensar mulheres negras, não são todas iguais,
existem vários tipos de mulheres negras.
Mulher é um guarda-chuva, mulher negra é outro
guarda-chuva. Mas o que a gente tem de comum?
Onde a gente pode se conectar? O que a gente
pode ter de comum, pra caminhar em prol de, pelo
menos, ter uma pauta em comum? Enfim, eu acho
que isso é uma questão hoje, no país, também, em
diversos grupos, mas eu tenho perguntado muito
97
sobre essa coisa de como é que a gente avança,
sabe? Como a gente cria algo que seja comum,
dentro dessa nossa diferença?
O que eu senti no dia da inauguração do PretaLab
foi que... Sim, eu tô muito acostumada a me
reunir com outras mulheres negras e discutir
muitos assuntos negativos, vamos dizer assim:
solidão da mulher negra, as dificuldades de ser
mulher negra, a falta de acesso. E era sempre
uma coisa do ruim, e até é importante pra
entender onde a gente tá, mas é pouco olhar pra
frente. No dia, aqui, foi totalmente falar do que
tá sendo feito, do que tá indo pra frente, então, é
muito importante!
SIL: Nossa, é muito bom ouvir isso de você, o
encontro foi pensado pra isso. E eu acho que
espaços de cuidado, né, porque, pra mim, isso é
cuidado, de você poder falar das mazelas, eles
têm que existir. Mas tem que existir também um
espaço de inspiração. Naquele dia, o que foi brifado
ali com as meninas, nossas convidadas foi: a gente
quer inspirar! A gente quer que as meninas que
vierem aqui saiam daqui pensando assim: cara,
eu posso fazer o que eu quiser! Sabe? Dentro das
minhas limitações, eu posso fazer muita coisa!
E, assim, isso também tem a ver muito com
esse papo, que a gente fala muito hoje em
dia, de empoderamento, né? E que eu acho
importante dizer que empoderamento não é algo
que você chegou, ah, me empoderei, agora, não
“desempodero” mais, sabe? Empoderamento,
tem uma manutenção daquilo ali... Você não acha
que... Cheguei num lugar e nunca mais vou sofrer!
Tipo, nunca mais vou sofrer racismo... Enfim...
Meu trabalho é uma das camadas da minha vida,
existem várias outras, minha família, enfim...
E tudo isso precisa tá, de alguma forma, em
comunhão, pra que a gente consiga caminhar.
Então, eu acho que tem que ter, sim, espaços onde
a gente vai falar das mazelas, de como é difícil
ser mulher negra, porque não é fácil! E eu acho
que a gente ainda tá aprendendo sobre isso, acho
que isso ainda é novo pra gente... A gente cuidou
muito do filho dos outros a vida inteira, a gente
cuidou da família dos outros. Agora, a gente tá
num momento que a gente tá podendo cuidar da
gente. Então, eu acho que esse cuidado, quando
ele é coletivo, eu fico arrepiada de falar, porque
isso me emociona! Isso transformou a minha vida!
Ser cuidada! Desde pequena, foi uma coisa que
sempre me fez ser a mulher que eu sou.
Eu nasci no centro da cidade, que hoje é cool, né,
mas, naquela época, anos 80, anos 90, não era
esse bairro gentrificado que é hoje... E, ali, no
Centro, minha mãe sempre foi vendedora, não
tinha muita grana, meu pai, músico. Mas uma
coisa que, na minha casa nunca faltou foi amor!
Eu nunca vi meus pais brigarem, entendeu? Então,
tinha toda uma relação ali muito forte e isso
sempre me tocou muito, essa coisa do cuidado.
Então, hoje, eu vejo que a gente consegue fazer
isso de uma forma muito mais coletiva e isso é
muito legal. E aí, beleza, essa é uma etapa. Uma
outra é: como a gente gera referências positivas
sobre a gente? E aí eu acho que a internet, ela tem
98
uma função muito central, da gente conseguir
se conectar mais. Embora, assim, a internet, ela
não é um lugar neutro, né, ela é um lugar que
reflete o comportamento da sociedade, então, ela
é machista, ela é homofóbica, ela é racista. E a
gente tem que aprender a lidar com isso também,
porque é um mundo novo. Só que ela também
possibilitou que a gente conseguisse falar mais e
ter um alcance muito maior a nossa voz. Ou seja,
a gente tá falando pra lugares que, antes, a gente
não conseguia falar. E eu acho que isso é muito
importante, entendeu?
Eu gosto de olhar pra frente, mas nunca deixar
de olhar pra trás! É bem sankofa mesmo, de você
olhar pra trás, pra poder projetar esse futuro,
mas o que a gente pode fazer hoje, sabe? Acho
que a gente precisa tá mais unido, o que é muito
difícil! Acho que o maior desafio do povo negro
é tá junto, mas assim... A gente tem que fazer
as coisas, sabe? E se a gente fica nessa inércia
também, de que tudo é difícil, porque é mesmo...
Eu não sei! Então, eu adotei pra minha vida modus
trator (risos), tipo, vamo fazendo, vamo passando,
porque senão, sei lá, se ficar parado... E é como já
dizia o Chico Science: “um passo a frente e você
já não tá no mesmo lugar”. Então, isso aconteceu
comigo e acredito que possa acontecer com outras
meninas também.
Entrevistas com Hamilton
Werneck e Ana Carolina
da Hora (2018)
PESQUISA DE TENDÊNCIAS
Entrevista realizada por Ilana Guilland, por
meio de áudios, sob o contexto da tecnologia
como ferramenta de ensino-aprendizagem no
ensino fundamental
Fase I
O estabelecimento do ensino fundamental de
nove anos trouxe uma melhoria significativa
no que se refere ao histórico de retenção
e rendimento. Na prática, os alunos estão
realmente saindo mais preparados do último ano
do ensino fundamental após essa mudança?
HAMILTON: A minha resposta é, em princípio,
não, por uma razão simples: aumentaram um
ano letivo, mas não fizeram os ajustes que
deveriam ser feitos em relação aos programas.
Os programas ainda continuam defasados; o
que se ensina está muito além, às vezes, do
desenvolvimento psicológico da criança, então
a criança não entende o que o professor está
explicando. Com mais um ano, era pra haver uma
adequação do conteúdo anterior, com mudanças
significativas, adequando-os aos vários anos
letivos. De fato, isso não foi feito. Antecipou-se,
em alguns casos, conteúdo do ensino médio, o que
é um dano para quem está estudando.
99
A maior parte das matrículas dos anos iniciais
do ensino fundamental está no âmbito da rede
pública municipal, correspondendo a cerca
de 68,3%, de acordo com o Censo Escolar
de 2013. Considerando os tempos de crise
financeira que temos vivido hoje, em que os
municípios, por sua vez, sofrem em larga escala,
como se sustenta a situação do investimento nas
instituições de ensino?
HAMILTON: Há uma dificuldade bastante grande
por parte dos municípios, mas, apesar das verbas
terem sido cortadas do Ministério da Educação,
existem muitos programas ainda em vigor. O
que acontece na prática das escolas públicas
municipais é uma questão marcadamente política.
Os prefeitos enchem de apadrinhados a Secretaria
Municipal de Educação. Com isso, ele atende os
desejos da maioria dos vereadores e consegue
ter sempre a Câmara de Vereadores apoiando
seu próprio governo, de modo que as Secretarias
estão inchadas, tem gente demais, gasta-se
dinheiro demais, quando, na verdade, deveriam
ser aplicados no desenvolvimento da educação
fundamental. Mas há municípios que podemos
citar e pinçar, que não são municípios ricos e que
têm um resultado excelente, como o de Caculé, na
Bahia, que é um município pobre, pequeno, e teve
um Ideb de 6,4 na última prova.
Os maiores desafios do contexto da educação
brasileira estão voltados para a equidade, a
inclusão e a qualidade. Algumas medidas estão
sendo tomadas, como a elaboração do PNE.
Considerando o cotidiano nas escolas, essas
transformações provenientes do cumprimento
de metas do plano da educação vêm sendo
sentidas? Se sim, de que maneira?
HAMILTON: Não se sente ainda uma equidade,
nem uma inclusão verdadeira, e, muito menos, a
qualidade, porque é necessário, primeiro, adequar
o conteúdo ao desenvolvimento psicológico da
criança; criar condições dignas de trabalho para
o professor; melhorar o salário do professor e
que a criança tenha mais tempo na escola,
para poder ter acompanhamento, para fazer
os exercícios, resolver os problemas e, assim,
completar o entendimento que teve na aula que
o professor ministrou.
Qual é o papel da tecnologia no processo
de ensino e aprendizagem? Quais são suas
vantagens e desvantagens?
HAMILTON: Costumo falar, nas minhas palestras,
que nós temos duas grandes vertentes da
educação: precisamos ensinar com tecnologia,
e precisamos educar com sensibilidade. Só a
tecnologia poderá promover o “monstrinho
treinado”, ou seja, aquele que é capaz de ter
um diploma debaixo do braço, e jogar um filho
ou filha do sexto andar de um prédio. Temos
que pensar nos dois aspectos. A escola precisa
ensinar a conviver, precisa ter tecnologia – quanto
100
mais tiver, mais os alunos vão progredir -, mas
não se pode, de maneira alguma, deixar de lado
a formação do caráter, a formação do afeto,
senão não teremos um cidadão, teremos um
“monstrinho treinado”.
“(...) precisamos ensinar com
tecnologia, e precisamos educar
com sensibilidade. A escola precisa
ensinar a conviver, precisa ter
tecnologia – quanto mais tiver, mais
os alunos vão progredir -, mas não
se pode, de maneira alguma, deixar
de lado a formação do caráter, a
formação do afeto (...)”
Qual é a sua opinião e percepção a respeito da
queda das matrículas na rede pública em face do
aumento das matrículas na rede privada?
HAMILTON: Bom, no ensino fundamental, não é
isso que ocorre. Pelo contrário. As pessoas, com a
crise econômica, não podendo fazer o pagamento
de mensalidades em muitas escolas estão
procurando a rede pública, de modo que a rede
pública que já tem muita gente, no total da rede
pública, do ensino municipal, estadual e tudo mais,
representa já 95% do alunado brasileiro. 5% nessa
faixa está na escola particular. O que acontece é
que as pessoas estão buscando ainda mais a rede
pública e ela vai se “inchando” cada vez mais.
Baseado no panorama oferecido pelos
resultados do Censo Escolar de 2013, em
relação à infraestrutura na rede pública,
75,7% das escolas possuem biblioteca, 80,6%
possuem laboratório de informática (índice,
inclusive, acima da média da rede privada),
82,3% possuem acesso à internet, 61,4%
possuem quadra. Em que condições realmente
estão essas estruturas?
HAMILTON: Essas estruturas estão melhores
no ambiente da escola urbana, e estão bastante
carentes na escola rural. A rede rural carece de
biblioteca, carece de computador, muitas vezes
não possui internet, e, muito menos, quadra
esportiva. Então, na realidade, há, ainda, uma
diferença, no Brasil, que reporta um dos livros
do Gilberto Freire, “Sobrados e Mocambos”,
sobrados na cidade e mocambos na zona rural,
que é aquela ideia de 100 anos atrás; que se
construía uma escola rural, com um termo
péssimo, que era “escola pra desasnar criança”.
Isso era uma coisa caótica. Mas, muitas vezes,
essas escolas rurais não conseguem atender
àquilo que deveriam, porque tem eletricidade,
mas, por relaxamento de governos e falta
de atuação das famílias junto à escola, da
comunidade educativa junto à escola, elas não
têm o progresso que deveriam ter.
Ainda relacionado à infraestrutura, apenas
36,8% possuem preocupações voltadas para
acessibilidade. Como um dos princípios
direcionados à melhoria do ensino, como você
vê a tentativa de inclusão na rede pública de
101
ensino? Que tipo de esforços estão realmente
voltados para esse ponto?
HAMILTON: Fala-se muito em inclusão, mas
não se concretiza muito esta inclusão. Primeiro,
porque as universidades não estão preparando
professores para atender crianças com deficiência
visual, crianças com deficiência auditiva... E as
escolas que, nem biblioteca, nem quadra e nem
computadores possuem, relegam ao último dos
últimos interesses colocar uma rampa ou colocar
uma inclinação, tirando o meio fio da calçada, para
que um cadeirante possa chegar à escola. Então,
esse tipo de esforço precisa quebrar todos os
paradigmas que formaram a nossa mentalidade,
desde o paradigma do mundo dos Hebreus,
quando se pensava que um defeito físico era
proveniente de um pecado cometido seja pelo
próprio indivíduo, seja por um antecessor seu, até
as demais atitudes de relegar essas pessoas a um
plano secundário, o que hoje é inadmissível.
Uma das tendências no contexto educacional
da atualidade é a educação em tempo integral.
Qual a sua opinião em relação a esse sistema?
De que a maneira a rede pública pode comportar
essa estrutura?
HAMILTON: Há dois conceitos aqui: educação em
tempo integral e educação integral. Educação
em tempo integral, a criança tem oito horas na
escola. Isso está expresso na Emenda 20, feita à
Constituição de 1988. Nenhuma criança deve estar
entregue a outro tipo de atividade, até mesmo
degradante, porque não está na escola. Agora,
educação integral é a educação da formação ampla
da pessoa humana. Ela deve existir, portanto, nos
dois sentidos, e o Plano Nacional de Educação tem
essa meta, embora tenha sido mitigada. Pensavase
que até 2024 deveríamos ter a metade das
escolas de tempo integral, mas na verdade, nós
passamos isso pra 25%, vamos atingir. O que é
necessário pra que isso ocorra? Primeiro, que o
município tenha dinheiro. Com as últimas emendas
feitas para ajustar a economia brasileira nós
não temos este dinheiro. Segundo, precisamos
de espaço físico. E, terceiro, precisamos educar
os docentes pra eles entendam o que é uma
educação em tempo integral e uma educação
integral da pessoa.
Dentro das metas do Plano Nacional estão
iniciativas que visam a atratividade da carreira
do professor. Você acredita que, nesse sentido,
poderiam e/ou deveriam ser combinadas ações
dos próprios professores, como forma de tirar
alguns estigmas da profissão?
HAMILTON: Sim, inclusive, nesta última semana,
participei de um evento, em Minas, na cidade
de Lagoa Santa, promovido pelo Sindicato dos
Professores das Escolas Particulares. Mas, no
mês passado, participei de um grande congresso
na cidade de Redenção, no Pará, onde houve
a participação de 1200 professores. Então, os
próprios sindicatos da área pública e da área
particular podem e devem organizar atividades
para que o professor possa manter a sua
formação continuada. O mesmo deve acontecer
com os municípios, porque, sem a formação
continuada seria impossível que o professor
atenda às necessidades de uma clientela
altamente antenada e ligada aos meios
de comunicação social.
102
Considerando o cenário político atual, qual a
perspectiva pro segmento educacional do ensino
fundamental?
HAMILTON: Enquanto persistirem e se persistir
por vinte anos toda esta trava com os gastos na
educação, nós não temos uma boa perspectiva.
Tudo vai depender se o próximo governo federal
vai flexibilizar, antes de 10 anos, essa questão.
Se isso não for flexibilizado, nós não vamos ter
progressos educacionais e, sem progressos
educacionais, nós não teremos progresso. E,
se nós não tivermos progresso, o governo não
vai resolver a sua situação fiscal. Hoje, um país,
para ser potência, geralmente são observados
cinco aspectos: espaço territorial, o Brasil tem;
grande quantidade de água, o Brasil tem; grande
quantidade de matéria-prima diversificada, de
commodities, o Brasil tem. Quais são as outras
duas, que são falhas no Brasil? Educação e saúde.
Enquanto nós não investirmos além do que é
especificado pelo valor da inflação anual, nós
não sairemos deste atoleiro, que atrapalha a
vida do país, o desempenho das empresas, uma
mão de obra qualificada e, consequentemente,
o progresso, a distribuição de renda e a melhoria
da vida das pessoas, nos aspectos sociais e nos
aspectos econômicos.
Fase II
“Hoje, um país, para ser potência,
geralmente são observados cinco
aspectos: espaço territorial, o Brasil
tem; grande quantidade de água,
o Brasil tem; grande quantidade
de matéria-prima diversificada, de
commodities, o Brasil tem. Quais
são as outras duas, que são falhas
no Brasil? Educação e saúde.”
Um dos maiores desafios da educação, hoje,
é geracional: alunos e professores vivem
em “tempos diferentes”, portanto, possuem
compreensões distintas do tempo. Enquanto os
professores foram educados com base numa
lógica ordenada, as crianças de hoje estão se
desenvolvendo a partir de um conceito de “non
order”. De acordo com as teorias estruturadas
por Zygmunt Baumann sobre a “modernidade
líquida”, pode-se perceber que o “exílio” nas
telas dos computadores, tablets, smartphones,
que levam as crianças a outro mundo, resultam
em ações líquidas e, por consequência, gera o
não estabelecimento de grupos de amigos na
escola. De que maneira o professor pode exercer
o papel de estimular e construir relações mais
sólidas com e entre os alunos?
ANA CAROLINA: Vivemos na era da tecnologia e
seu avanço trouxe um conflito mais direto entre
gerações. Conflito entre gerações sempre existiu
mas, agora, com o desenvolvimento desenfreado
da tecnologia este conflito está mais evidente.
O professor não irá perder seu papel na sala de
“O professor não irá perder seu
papel na sala de aula como muitos
pensam, mas ele precisará assumir
uma outra postura (...) Jovens
querem ser protagonistas de
suas histórias e, mais do que
isso, querem ser “facilitadores”
do conhecimento assim como os
professores sempre foram.”
103
aula como muitos pensam, mas ele precisará
assumir uma outra postura, uma postura mais
de facilitar o entendimento da informação do que
uma postura de compartilhar a informação, digo,
o professor não é mais o único canal que o aluno
tem para estudar ou aprender sobre determinado
assunto. Para o professor entender o seu novo
papel na sociedade, talvez ele tenha que aprender
mais sobre esse novo mundo. Jovens querem ser
protagonistas de suas histórias e, mais do que
isso, querem ser “facilitadores” do conhecimento
assim como os professores sempre foram.
HAMILTON: Vou me basear no livro “Culturas
Extremas”, do Máximo Canivacci. Este autor tem
feito muitas palestras no Brasil, já há mais de
20 anos, ele é italiano e, neste livro, ele aborda
muito essas questões relativas a uma lógica
diferente que os alunos, sobretudo, adolescentes
e jovens têm hoje, muito diferente da lógica
dos professores. Os professores vivem num
tempo diferente. Nós temos que tomar cuidado,
porque fomos educados no século passado e os
programas, muitas vezes, são do século XIX, e
isso é um perigo muito grande, porque há uma
distância enorme em relação à linguagem e a tudo
que o aluno tem necessidade e admiração. Por
exemplo, a ‘‘non order’’: não existe por parte dos
alunos uma ordem, por exemplo, de leitura. Eles,
às vezes, leem a história do final para o começo.
Eu conheço um livro de avaliação da professora
Jussara Hoffmann, de Porto Alegre, que ele
começa, aparentemente, do começo até o meio
e depois, você lê do final até o meio. Você vira o
livro de cabeça para baixo e faz a leitura. Este tipo
de leitura atende a esta ‘‘non order’’. Eu aproveitei
e fiz experiência comigo mesmo quando li o livro
“Código da Vinci”. Eu percebi que Dan Brown tinha
uma grande capacidade de escrever, só que ele
não completava a história. Ele caminhava por um
pedaço de história e pulava pra outra. Então, eu
fazia o seguinte: procurava no livro onde a primeira
história continuava e, assim, ia até o fim e acabava
a última história, e tinha certeza de não ter
chegado a lugar algum, mas ele havia prendido a
minha atenção. Assim, fiz com a segunda história,
com a terceira história e cheguei a essa conclusão
final: você procura, procura e nada acha, mas ele te
prende o tempo todo. O livro pode ser lido por uma
‘‘non order’’, não pela lógica normal, mas por uma
falta de lógica. É uma outra lógica. É, portanto,
uma maneira de certa aporia, que o Máximo
Caravacci trabalha muito bem no livro dele.
Outra questão é a questão do exílio. ‘Exilado’,
antigamente, para nós, através da história, era
uma pessoa que era mandada pra fora do seu
país, não podia voltar, poderia ficar livre, mas em
outra terra, outra cultura, tendo que aprender
uma outra língua. Hoje, o exílio, este “escape”, que
também é abordado por Canivacci, é exatamente
104
o exílio diante da tela do computador. Vamos a
um exemplo: na linguagem html, que já tem uns
20 anos, aproximadamente, o aluno encontra
um texto e, em letra vermelha e destacada, está
lá ‘delta’. Ele deveria pesquisar sobre o ‘Delta do
Parnaíba’, no entanto, ele resolve clicar na palavra
‘delta’ e acaba no ‘Delta do Nilo’. No ‘Delta do Nilo’,
ele vê a palavra ‘pirâmides’, ele clica em ‘pirâmides’.
Quando está dentro da leitura sobre pirâmides,
aparecem ‘múmias’ e ‘sarcófagos’, ele clica. Então,
ele começa numa pesquisa sobre o ‘Delta do
Parnaíba’ e, minutos depois, ele está de frente
para uma múmia, dentro do sarcófago, do Delta
do Nilo e, se alguém o chamar, é provável que ele
não ouça e não atenda o chamado. Não por falta
de educação, mas porque ele está completamente
exilado na tela de cristal líquido do computador.
“Os professores vivem num tempo
diferente. Nós temos que tomar
cuidado, porque fomos educados
no século passado e os programas,
muitas vezes, são do século XIX,
e isso é um perigo muito grande,
porque há uma distância enorme
em relação à linguagem e a tudo
que o aluno tem necessidade
e admiração.”
O professor deve se inteirar de como orientar seus
alunos numa pesquisa através da internet. Precisa
fazer esta experiência. Por exemplo, quando
um professor for fazer uma leitura de um livro
qualquer, leia em outra lógica. Eu, por exemplo,
encontrei um livro chamado ‘‘O Capelão do Diabo”.
Resolvi ler o livro completamente fora de ordem,
estava lendo conforme a garotada costuma ler.
O que aconteceu ao final? Consegui fazer uma
síntese do que o autor disse naquele livro. O que é
importante notar é o seguinte: os alunos, muitas
vezes, não têm a capacidade de síntese que a
gente tem, então a gente não pode incentivar,
sem mais, que eles façam sempre assim. É preciso
ir aos poucos e nós também irmos aos poucos,
para conseguirmos compreender este novo
modelo de pensar.
A diferença geracional dos professores em
relação aos alunos afeta diretamente a
implementação da tecnologia como ferramenta
no processo de ensino-aprendizagem. Falta
conhecimento, domínio dos recursos e, em certa
medida, ainda existe preconceito. O que pode ser
feito para que os professores entendam como os
recursos tecnológicos podem ser incorporados
à rotina escolar e, dessa forma, colaborar com
a promoção de novas práticas pedagógicas?
Como fazer com que os professores conheçam
as possibilidades das tecnologias digitais e se
apropriem de algumas dessas ferramentas?
ANA CAROLINA: Como disse acima, por conta dos
conflitos diretos entre as gerações, a comunicação
acaba sendo prejudicada e com isso a troca de
conhecimento entre os mesmos também. Nós
jovens temos o papel de tentar ajudar os adultos
nessa transição da sociedade. Nascemos na
era da tecnologia e por conta disso temos mais
facilidade para lidar com ela. Quando o aluno
dá abertura para o professor entender o seu
mundo, o professor acaba se sentindo mais à
105
vontade com as ferramentas e percebe como dito
anteriormente que a postura autoritária de “eu
tenho o conhecimento total e você deve somente
me ouvir” não cabe mais neste novo modelo
educacional que está surgindo. Então, acredito
nisso numa forma de fazer com que comunicação
entre jovens e professores seja mais de troca.
“(...) a postura autoritária de ‘eu
tenho o conhecimento total e
você deve somente me ouvir’ não
cabe mais neste novo modelo
educacional que está surgindo.”
HAMILTON: O professor precisa estar muito
antenado em todo o processo digital. Isso faz
parte, inclusive, hoje, da proposta da base nacional
comum curricular. Eu tenho que construir e
reconstruir, por exemplo, um fato histórico sobre
as bases físicas, culturais e digitais. Então, nós,
professores, temos que dominar isto. Nós, por
exemplo, entramos num carro, ligamos o Google
Maps e ele manda a gente virar à esquerda,
direita, seguir em frente e a gente obedece. O
que é isto? Ele está mandando na gente e a gente
obedecendo. Nós estamos acreditando que o
algoritmo que o robô está utilizando nos serve e
seguimos. Isso é uso de inteligência artificial, que
vai muito além daquele comando pela internet
para ligar o forno de micro-ondas, aquecer a
banheira da sua casa, acender as luzes do jardim
etc. Então, em plena aplicação da inteligência
artificial, o professor não pode deixar de estudar
todo o processo de trabalho com o uso de
computadores, para poder gerenciar uma aula,
orientando pesquisas dos alunos, para que eles
possam utilizar esses meios adequados que, na
realidade, fornecem-nos mais tempo, propiciamnos
mais tempo, até para lazer, além da pesquisa.
A organização tradicional das salas de aula
estabelece uma hierarquia, que, de certa forma,
distancia o professor do aluno. Entretanto,
justamente devido à importância da construção
de relações sólidas, o professor deve se manter
próximo dos alunos, estabelecendo diálogos. Por
quais mudanças deveria passar a organização do
ambiente de sala de aula, para reduzir possíveis
“barreiras” existentes?
ANA CAROLINA: Promover espaços de discussões
dando abertura para os alunos compartilharem
as suas ideias para os professores conhecer e
tentar adaptar para suas aulas. Acredito que uma
das coisas que faltam é o aluno se reconhecer nas
salas de aula. Digo, eles verem um pouco do seu
dia-a-dia sendo representado nas aulas, formas
que eles possam fazer analogias com as suas
vidas. Fazendo com que o conhecimento adquirido
não seja perdido.
“(...) uma das coisas que faltam é
o aluno se reconhecer nas salas de
aula (...), eles verem um pouco do
seu dia-a-dia sendo representado
nas aulas, formas que eles possam
fazer analogias com as suas vidas.”
106
HAMILTON: Em 50 minutos, com 50 alunos,
um atrás do outro, eu desenvolvo um conteúdo,
controlo a disciplina e os aprovo com nota 50,
num espaço de 50 metros quadrados. Essa era
a ideia do Henry Ford, passando da indústria
automobilística para a sala de aula, para você
trabalhar numa escola. Um industrial pensou uma
escola, a escola não evoluiu, continuou assim,
como se fosse uma linha de montagem, quando,
na realidade, a sociedade mudou. Uma sala de aula
disposta dessa maneira, não facilita a interação.
Trabalhos de grupo facilitam a interação, círculos
facilitam a interação, grupo de verbalização e
grupo de observação facilita a interação.
“Um industrial pensou uma escola,
a escola não evoluiu, continuou
assim, como se fosse uma linha de
montagem, quando, na realidade, a
sociedade mudou.”
É preciso que as pessoas se enxerguem na sala
de aula, uns aos outros; que enxerguem o
professor e que o professor os veja, para poder
trocar ideia. Isso facilita. Um atrás do outro só
proporciona estudo de ‘‘nucologia’’, um olha e
vê a nuca do outro, então, é necessário mudar a
estrutura física da sala de aula. Se são carteiras
ainda antigas, nem que o aluno vire pra trás, nem
que as carteiras sejam mudadas um pouco, para
que eles possam trocar ideias, mas alguma coisa
precisa ser feita.
Eu me lembro que, na década de 60, em Nova
Friburgo, existiam escolas que entendiam a
disciplina escolar de tal maneira que as carteiras
eram parafusadas no chão, para que não houvesse
mobilidade! Então, era muito curioso, que se
falava em participação, falava-se em democracia,
mas, na realidade, a sala de aula não permitia
democracia. Permitia apenas que um mandasse
e os outros obedecessem! Não havia processo
participativo! Processo participativo começa,
portanto, no momento em que você muda a sala
de aula, no momento em que você permite que o
aluno pesquise e ele traga subsídios para a sala de
aula. E, evidentemente, tudo isso usando também
redes sociais, grupos de trabalho, você pode
interagir com os alunos de modo muito positivo.
107
O plano de educação integral voltado para o
ensino fundamental, sob a forma do Programa
Novo Mais Educação, promovido pelo
Ministério da Educação, apresenta-se como
um desafio, porque trata-se de um divisor
de opiniões. Considerando a importância
do acompanhamento pedagógico e da
formação humana, da realização de atividades
extracurriculares, no âmbito cultural, social ou
esportivo, é importante que as crianças passem
mais tempo no colégio. No entanto, de acordo
com a dinâmica atual dessa proposta, isso pode,
além de provocar um afastamento do convívio
familiar, o que, por sua vez, pode gerar crianças
com pouca afetividade, frias e calculistas,
pode também retirar a responsabilidade dos
pais sobre a educação dos filhos. Como podese
chegar a um equilíbrio entre uma formação
completa na escola e a formação de valores no
ambiente doméstico, por meio da tecnologia?
ANA CAROLINA: Percebo uma falta de interação
entre familia e ambiente escolar e isso poderia
ser melhor explorado. Vivemos uma época de
muitos estímulos nas crianças, o que tem gerado
muita ansiedade nelas. Acho que a tecnologia
pode intermediar, tentar colocar um equilíbro
entre estes estímulos. Tem criança que faz mais
de 6 atividades diferentes no mesmo dia. Isso é
muita coisa. Ao mesmo tempo que é necessário
diferentes atividades, torna-se um peso para
elas viver ativas o tempo todo. Espaços que
promovam meditação ou atividades que sejam de
interesse do jovem e que não necessariamente
seja importante para o seu futuro - essa palavra
tem um peso enorme quando pronunciada por
pais ou escola. A tecnologia pode melhorar a
comunicação entre família e escola, até fazendo
uma aproximação para que sejam promovidas
atividades familiares.
HAMILTON: Bom, existe uma diferença entre
educação integral e educação em tempo integral.
Educação em tempo integral você tem sete horas
da criança na escola mais uma hora para ela
fazer uma refeição, oito horas. Isso está previsto,
inclusive, na Emenda 20 da Constituição Federal
de 1988. Como que uma escola de um município
pode ter tempo integral? Ela precisa de alguns prérequisitos.
Primeiro: ela precisa ter espaço físico
para acomodar os alunos; segundo: ela precisa
adequar todos os conteúdos a este novo tempo;
terceiro: ela precisa preparar os professores para
trabalhar com os alunos em dois turnos e quarto:
o município precisa fazer um equacionamento
econômico para saber se tem verba para esse fim.
Educação integral você vai trabalhar, muitas vezes,
só a parte conteudista e de recuperação durante o
dobro do tempo.
Mas a ideia básica é de uma educação integral em
tempo integral. Ou seja, um trabalho para atingir
toda a pessoa humana, nos seus aspectos de
socialização, nos aspectos culturais, para que ele
possa realmente atingir aqueles quatro pontos
propostos pelo mesmo no relatório Ford de 1971,
de Edgar Ford, Abduja Sacadura, Felipe Herrera,
Arthur Petrovski, que propuseram aprender a
conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e
aprender a ser: assim forma-se o cidadão. Mas,
para você ter uma escola de tempo integral,
é necessária uma vontade política realmente
muito forte. Eu posso citar a partir de municípios
pequenos, e que não têm tantos recursos, que
aplicam a educação em tempo integral: por
exemplo, município de Andaraí na região do
interior da Bahia, Chapada Diamantina; Brumado,
na Bahia, já no sertão, tem tempo integral
funcionando muito bem; a educação de Caculé no
oeste da Bahia ainda não tem tempo integral em
todas as turmas, mas tem um dos maiores Idebs
do Brasil: 6.4; 25% dos alunos do município de
Salvador, na Bahia, já estão estudando em tempo
integral; muitas escolas também no Rio de Janeiro.
Enfim, as coisas vão caminhando conforme a
vontade política do administrador público.
108
Sabe-se que um dos maiores problemas do
contexto educacional brasileiro está voltado para
a inclusão. Além da falta de preparo e formação
dos professores para lidar com crianças com
dificuldade de socialização e/ou deficientes,
portadoras de necessidades especiais, uma
questão que afeta tanto o aprendizado, quanto
o desenvolvimento socioemocional da criança é
a exclusão desses alunos por parte dos colegas.
Como sensibilizar os alunos a respeito da
importância da incorporação dessas crianças?
ANA CAROLINA: Atividades que possam tirar as
crianças das suas zonas de conforto. Uma troca.
Nesta idade é importante a empatia, pois é uma
idade em que as crianças são egoístas, mas
quando colocadas em uma realidade ou ambiente
diferente tentam entender aquele ambiente .
Acredito que atividades que promovam essa troca
de papeis. Por exemplo, uma criança que mora na
zona sul conhecer o dia-a-dia de um amigo que
more na Maré e entender como aquela criança
sobrevive, mesmo sem o melhor brinquedo.
Existem filmes muito legais que tratam disso.
HAMILTON: Conheço uma experiência muito
boa, na cidade do Recife, numa escola particular,
chamada Escola Apoio. Esta escola incluiu muitas
crianças com necessidades especiais, crianças
com deficiência e proporcionou aos alunos que
não tinham deficiência melhoria da convivência
entre uns e outros. O que depende, em primeiro
lugar, é que o professor tenha conhecimento
para trabalhar com alunos que tenham estas
dificuldades. As faculdades precisam preparar
professores para esse fim. Entregar crianças com
deficiência para professores despreparados, que
não tiveram a oportunidade de se preparar, é um
crime contra o professor e contra a criança, de
modo que não se pode pensar que, de uma hora
para outra, eu possa incluir todo mundo.
Aí talvez alguém diga: mas a mãe, que não fez
curso algum, quando nasceu uma criança com
deficiência, ela se adaptou. Mas a criança chegou
‘‘de colo’’, pequenininha e houve um tempo de
um ano ou dois para ela ir aprendendo e muitas
continuam aprendendo pelo resto da vida. Conheci
há um mês uma mãe de um deficiente, que cuida
deste filho, que tem mentalidade de criança,
mas tem vinte e oito anos de idade. Ela continua
aprendendo, continua estudando, mas o professor,
ele tem que chegar à sala de aula, saber que vai ter
um auxiliar lá dentro para que ele possa trocar de
atividade com esse auxiliar, para cuidado dos que
não têm deficiência e dos que têm deficiência.
Então, é um problema complexo. Eu não posso
colocar gente demais numa sala. Outra questão
que, sobretudo, a escola particular reclama, é que
você não pode cobrar taxa extra dessas crianças.
Bom, a solução que o colégio Apoio apresentou
para não cobrar taxa extra é justamente aumentar
o número de crianças com deficiência. Você não ter
um auxiliar para uma criança, terá um auxiliar para
cinco, seis crianças. E distribui a despesas.
A educação, no Brasil, passou a ser um direito
que deve ser garantido pelo Estado apenas a
partir da Constituição de 1988. Essa medida
tardia aponta para as dificuldades que o sistema
109
enfrenta desde então: baixo desempenho
nos índices de qualidade, elevadas taxas
de evasão, sistema de ciclos e aprovação
automática, perda de interesse e motivação
dos alunos, falta de inclusão e acessibilidade,
qualidade das condições de trabalho dos
professores, falta de manutenção das estruturas
das escolas públicas, falta de material didático,
falta de acesso à internet, entre muitos outros.
Considerando o contexto governamental atual e
as perspectivas políticas, pode-se concluir que
não haverá tantos esforços em direção à solução
desses problemas. Que alternativas poderiam ser
tomadas para que a tecnologia possa ser levada
para as salas de aulas?
ANA CAROLINA: Acredito que, antes de ser
colocada na sala de aula, precisamos entender
que tecnologia é essa. Como ela vai nos
ajudar? Acredito em uma educação pautada no
entendimento desta tecnologia e depois no seu
uso para algum fim. Nesta etapa acredito na teoria
e no poder de relacionar a tecnologia com o nosso
dia-a-dia . Fica muito mais fácil a aplicação dela
quando entendemos seu uso em vários contextos
do dia-a-dia.
“Acredito em uma educação
pautada no entendimento desta
tecnologia e depois no seu uso
para algum fim. (...) Fica muito
mais fácil a aplicação dela quando
entendemos seu uso em vários
contextos do dia-a-dia.”
HAMILTON: Há muita confusão quanto a essas
questões aqui apresentadas. Muita gente fez
uma leitura deficiente da proposta de progressão
continuada. Quando uma criança é reprovada, das
duas uma: ou não se ensinou a esta criança ou
não se deu suporte para que ela pudesse se
recuperar. Ela não precisaria repetir o ano todo.
Ela pode ir adiante no ciclo ou dentro da
progressão continuada.
110
Agora, nunca houve, no Brasil, na área estadual
ou federal, municipal, nem num projeto do Cesar
Maia, no Rio de Janeiro, que se tenha falado em
aprovação automática. Foi uma distorção que
muitos cometeram, afirmando que era automática,
quando a proposta era de progressão continuada.
Para você ter progressão continuada, você precisa
preparar o corpo docente, senão ela se transforma
em aprovação automática. Essa que é a diferença.
Existe ensino que pode ser feito por ciclo, e que
funciona, mas a mentalidade de quem ensina
precisa mudar. É como se o ano escolar tivesse,
em vez de 800 horas, 1600 ou 2400. O fato é que
simplesmente reprovar um aluno não significa que
a escola é boa. Ela é incompetente, ela não sabe
ensinar e ela não tem compromisso com o avanço
do aluno. Mas quando a escola aprova sem que ele
saiba, ela falta com a ética. Então você pergunta:
‘‘Meu Deus, como é que eu vou sair desta situação,
desta sinuca?’’ Meu caro, não há saída fácil. É
preciso estudar muito, é preciso ter mais tempo
da criança na escola, é preciso adequar os
conteúdos ao desenvolvimento psicológico da
criança, para que ela possa assimilar os conteúdos
que são apresentados.
Entrevistas com Ana Carolina
da Hora e Sil Bahia (2019)
111
PESQUISA DO PROJETO
“BONDE DA GAMBIARRA”
Entrevistas realizadas por Ilana Guilland, com
registros em vídeo realizados por Ricardo Godot
Ilana e Ricardo
Entrevista com Ana
112
Em que colégio você estudou no ensino
fundamental?
ANA: No ensino fundamental, estudei em dois
colégios. Primeiro, estudei no Educandário Maria
Tenório, que era no Pantanal, que é um bairro lá
de Duque de Caxias. Depois, estudei ali na Itatiaia,
no Colégio Flama. O Maria Tenório, na época,
eu estudava, porque minha mãe trabalhava no
colégio. Minha mãe é professora. O colégio era
público, aí fiquei até o quinto ano. No quinto ano,
fiz uma prova pro Flama, que era um colégio
particular, aí passei pro Flama, estudei da sexta
série até o nono ano.
E como era sua relação com o colégio
nessa época?
ANA: (Risos) No ensino fundamental? Cara, então,
no primeiro colégio, era muito engraçado, porque
eu só tinha aula com a minha mãe, né? E eu não
podia chamar ela de ‘mãe’ na sala. Eu nunca tive
problemas, assim, com nota. Minha mãe brinca
que, na real, eu era muito independente desde
criança. Então, eu não tinha aquela coisa de só
porque minha mãe era professora eu pedia a ela
pra fazer as coisas. Pelo contrário, eu virava pra ela
e falava: “Mãe, já fiz o dever de casa!”. Então, não
deixava minha mãe botar a mão no meu caderno.
Minha mãe chegava e falava assim: “Filha, tem
um trabalho, né, que fulana comentou na sala de
professores?” Eu falava assim: “É, mãe, já fiz!”
Então, eu não deixava... Eu tinha essa questão de...
Não era porque minha mãe era professora que eu
113
ia ficar me aproveitando disso. Então, eu tentava
muito fugir desse esquema, no primeiro colégio.
Eu gostava muito desse colégio, por conta dos
laboratórios que tinham. Eles não davam acesso
pra gente, do fundamental, mas aí eu conseguia
uns acessos, porque eu fazia amizade com os
alunos da minha mãe, que eram mais velhos. Aí
eles deixavam eu entrar nos laboratórios.
Esse colégio tinha um sistema de recompensa
pros alunos, que eram medalhas, né? E aí entra
numa coisa que eu não curtia muito, porque era
muito legal receber o certificado e a medalha
de melhor aluno todo final de bimestre, só
que eu sentia que, já lá no fundamental, afetava
muito a galera em torno de mim... Porque é
uma coisa assim: ao mesmo tempo que você tá
se destacando, as outras pessoas estão, de
alguma forma, ficando mal com isso, e estão te
tratando diferente.
E, tipo, eu já sou uma mina negra, então, ficar num
ambiente onde você já vai meio que enfrentar uma
hostilidade, querendo ou não... E, depois, você
ter esse destaque, se as pessoas não souberem
lidar muito bem com isso, vira um problema.
Apesar de que lá eu tive poucos problemas
com relação a isso, porque era um colégio bem
misturado. Então, como ficava no Pantanal, que é
um bairro de Duque de Caxias que tem bastante
pessoas negras, eu não sentia tanto isso. Quando
cheguei no Flama, que continuou esse sistema
de recompensa, e, em colégio particular, que até
aumenta... Tipo, em outubro eu já tava de férias,
porque os alunos que tirava as médias 10 no
primeiro [bimestre], no quarto, já tava liberado...
Mas, eu continuava indo pra escola, porque eu
gostava. Então, no Flama, a hostilidade já era
diferente: “Pô, por que você continua vindo se
você não precisa? Gosta de se mostrar!” Não,
era porque eu gostava do ambiente da escola,
eu gostava de estudar. Era um lugar onde eu
tinha internet, que eu não tinha em casa, tinha o
laboratório de informática, que eu não tinha em
casa... Então, eu passava muito mais tempo lá, por
conta dessas coisas.
“(...) eu gostava do ambiente da
escola, eu gostava de estudar. Era
um lugar onde eu tinha internet,
que eu não tinha em casa, tinha o
laboratório de informática, que eu
não tinha em casa...”
E aí, no Flama, é onde eu comecei a praticar
esportes. Teve um ano que Caxias tava passando
por uma dificuldade e, nas escolas particulares,
teve alguma coisa de queda de bolsa, aí eu corri
pro esporte, pra poder continuar com a bolsa, né?
Eu joguei futsal e basquete, porque vôlei eu era
péssima... E handebol também, eu joguei. Quando
cheguei no oitavo, nono ano, eu já tava muito
preocupada, com o terceiro ano do ensino médio.
O fundamental, pra mim, foi muito maneiro disso,
de experimentar várias coisas e tal. Mas também
eu vejo que me gerava muito ansiedade, porque
eu era uma pessoa que, como eu tava estudando
sempre, eu já tava pensando, tipo, lá na frente!
Então, eu parei de praticar esportes no oitavo
ano... Até educação física (risos)! Não sei nem se
114
eu posso falar isso aqui, mas eu deletei educação
física da minha mente e só fazia relatório, pra
poder ter mais tempo estudando. Tempo de
educação física, pra mim, era pra ficar estudando!
Eu vejo essa diferença do Flama pro Maria Tenório,
mais de forma de tratamento das pessoas. Por
mais que eu tivesse destaque no Maria Tenório, eu
não era tão hostilizada... Hostilizada, no sentido,
assim, tipo, “destacada”... Ou as pessoas me
pressionavam muito esperando de mim. E, no
Flama, sim, porque eu era uma das poucas negras
na sala, e na escola, por mais que meu irmão
estudasse lá também.
Então, rolava aquela coisa do tipo, ah, aula de...
Ai, era ridículo (risos)... Aula de história, né, e tal, o
professor tinha que usar o exemplo, então: “não
sei o que, não sei o que, né, Ana?” Aí eu ficava tipo
assim: eu não tô a fim, sabe? (risos) Hoje, eu não tô
a fim, eu só quero ficar aqui assistindo à aula, não
quero ficar militando! Não é toda hora que a gente
tem que ficar: “Êêê!!!!” Então, eu só não tava a fim,
rolava essas coisas!
Mas também foi um colégio que gostei muito de
estudar, fiz muitos amigos lá, são amigos que eu
tenho até hoje. Meu melhor amigo saiu do Flama.
Então, quando finalizou o Flama, e eu tive que
ir pra outra escola, por mais que eu estivesse
estudando só em Caxias, a gente escreveu uma
carta, cada um do grupo de amigos, dizendo o que
cada um queria pros 10 anos seguintes. Perdemos
amigos no meio desse caminho, um amigo nosso,
muito querido, morreu. E, então, a gente tentou
manter a amizade e tenta manter esse reencontro.
Por mais que seja difícil, a gente tenta manter um
dia ou um dos aniversários, a gente tem que todo
mundo tá reunido. Então, foi uma escola que eu
gostei muito de estudar!
Você falou que gostava muito de laboratórios e
tal... Quando você era criança, você já tinha essa
tendência pras exatas, imaginava que quando
crescesse iria pra área de exatas?
ANA: Sim, eu tinha, mas eu não sabia muito bem
qual a área e exatas, né? O que eu falo é que o
importante mesmo foi o incentivo de dentro de
casa, porque eram as referências que eu tinha.
Por mais que elas não entendessem de ciências
exatas, elas incentivavam dando presente e tal.
Quando viam algum programa, falavam assim:
“Carol, vi alguma coisa de robô!” Não sabia o que
era, às vezes, não era o robô, não era falando
sobre robô, mas elas viram a palavra robô, elas já
me indicavam o programa!
Então, eu ficava assistindo muito Telecurso 2000,
porque eu tinha que acordar muito cedo, pra ir pra
aula, e eles tinham uma parte da matemática, que
era “explicando a matemática com cenas do diaa-dia”,
então era aqueles diálogos super robóticos,
né (risos)? Tipo: “Oi, fulano, eu tenho que preparar
uma vitamina hoje! Mas eu não sei a quantidade
água que eu tenho que colocar!” Aí eles simulavam
isso e eu gostava dessa brincadeira, achava muito
engraçada! Eu chegava na aula, queria
dar o exemplo disso, o professor tipo assim:
“Por que você assiste Telecurso 2000? Ninguém
mais assiste isso! Passa 5 horas da manhã, e
115
ninguém para pra assistir!” (risos) Então, os
professores ficavam meio que zoando. E, sábado,
também tinha o Globo Universidade. Então, eu
aproveitava muito a televisão, os programas que
tinham na televisão, pra poder chegar na aula
e tentar associar.
No laboratório, a gente não tinha muito foco,
assim, em programação, era mais mexer no
computador, fazer trabalho... Às vezes, a gente
jogava aquele jogo de cartas, que não tem mais,
do baralho do Windows... Tinha vezes que a gente
usava a calculadora, na aula de ciências, pra fazer
um experimento... Mas, eu lembro que, na aula de
ciências, que era ciência geral, tinha uma Feira de
Ciência, que era junto com a gincana.
Outra coisa que eu amava no Flama! Nunca
ganhamos uma gincana, teve um ano que a
gente foi roubado. Era uma gincana que envolvia
esporte, envolvia a parte de dança, e envolvia a
parte das ciências. O último dia que era a Feira
de Ciência. Então, era aquela coisa que gerava
competição, mas eu tava ali pra zoar. Tanto que
a gente sempre era colocado em equipes, que a
gente já sabia que não ia ganhar, mas a gente tava
ali pela participação.
Num dos anos, que foi o oitavo ano, a Feira, no
final dessa gincana, foi dividida... Eram dados os
países, sorteados os países e aí você teria que
fazer uma pesquisa desses países, pra saber
que tipo de catástrofe, que tipo de problema
da natureza tinha nesse país, que causava, sei
lá, furacão... Se ele tava no meio das placas
tectônicas ou não... Então, você misturava ciência
natural e geografia. E a gente tinha que fazer toda
a pesquisa da história desse país, aí depois ver a
parte geográfica dele, se ele tava entre as placas
tectônicas ou não... E, se ele estivesse, o que isso
gerava. Aí eu lembro que a gente foi pro vulcão.
Todo mundo já fez um vulcão na vida, em algum
momento! (risos)
E aí, eu lembro que eu não quis ficar fazendo
o vulcão. Eu quis explicar... Porque você tinha
três posições dentro do grupo: ou você fazia o
experimento, ou você era o cara que pesquisava,
ou você era o cara que, depois, apresentava. Aí eu
queria apresentar, poque eu, esperta, vi que, pra
apresentar, eu tinha que tá entre fazer o vulcão e
pesquisar, então, tipo, “melhor dos dois mundos”,
ia tá um pouco dos dois lados, porque eu não
conseguia decidir.
E aí foi um projeto super legal. A gente não levou
10, porque tiveram vários problemas com o vulcão.
Na execução, a galera brigou. A galera que tava
fazendo a parada do vulcão brigou. Aí eu falei:
“Gente, isso tá atrapalhando todo o projeto!”
Mas, assim, a gente conseguiu levar um oito, por
conta da pesquisa que o outro grupo tinha feito.
O legal do Flama é que ele me deu muito essa
noção de trabalho em equipe, porque aconteceram
muitos problemas lá. Eram brigas de grupos por
tudo! Pelo ar-condicionado! (risos) Então, toda
vez que eu vejo alguma coisa do tipo na faculdade
ou na vida, eu só lembro do Flama e falo assim:
cara, meu Deus, parece até que eu tô na minha
sala de aula de novo, do oitavo ano, onde a gente
brigava por ar-condicionado ou trabalho em grupo.
116
Então, eu tive essas experiências que não eram só
computação, mas, de alguma forma, era ciência.
Diante dessa realidade que a gente sabe,
que existe uma defasagem tanto no processo
de formação dos professores, quanto nos
recursos tecnológicos que existem dentro das
escolas públicas, como você acredita que, hoje,
os professores podem aprender mais sobre
tecnologia e inserir mais tecnologia em sala
de aula?
ANA: É uma pergunta complicada, justamente
pelo problema que o Brasil enfrenta, estrutural, na
educação. Mas eu vejo também que é pela falta
de uma melhor comunicação entre a galera que
entende de tecnologia e os professores. Porque o
que eu vejo de problemática é que os professores
acham que a tecnologia vai substituir eles em sala
de aula. E eu não vejo dessa forma. Eu vejo que
o papel do professor, hoje, é um papel muito de
direcionar o aluno, né?
E o direcionar não impede a troca do professor
e aluno. Então, não temos porque ter mais
essa visão de que o professor tem todo o
conhecimento. Se o professor não conseguir
dar toda a aula dele, a gente não vai conseguir
achar aquilo em lugar nenhum. A internet veio,
justamente, pra expandir esse conhecimento que,
antes, parecia estar só no professor, só na pessoa
que tinha se formado e ido à faculdade.
117
Eu vejo que nós precisamos desconstruir essa
palavra: tecnologia. Porque, hoje, tecnologia
tá muito atrelada a ter tablet, iPad, celular,
computador... E não é isso! Nós temos que
entender que a tecnologia é uma ferramenta.
Os conceitos por trás da tecnologia, nós que
temos esse acesso. Então, eu acho que esse
processo de entender esse pensamento das
tecnologias tem que estar acessível para os
professores. Porque se eles entenderem que
um aplicativo, o final dele é que vai necessitar
de um computador, mas pra pessoa pensar um
aplicativo, pensar as funcionalidades dele, a gente
só precisa ter papel e caneta, e ir pra rua, ir a
campo pesquisar, o professor vai conseguir inserir
na aula dele uma solução que envolva aplicativo,
se for de um colégio público e não tiver acesso a
computador. Porque ele precisa ter acesso a esse
tipo de informação.
E não é o que eu vejo nos cursos que formam...
“Ah, vamos fazer um curso daqui de dois meses,
três meses, com professores, pra ensinar pra
elas uma ferramenta pra usar em sala de aula...”
Mas, cara, como você vai ensinar essa ferramenta
pro professor... Dizer assim: “Ah, professor, usa
aqui o moodle”... Mas não sabe se o aluno tem
computador em casa, pra acessar o moodle,
pra acessar os materiais que o professor colocou
lá. Então, assim... Não sabe se tem celular, se
tem internet!
Então, o que eu vejo é uma desconexão muito
grande entre a galera que cria as tecnologias,
os professores que vão usar, e a galera que tá
recebendo. E tá todo mundo batendo palma,
e achando assim: “pô, ai, que maravilhoso!”
Mas eu fico vendo, assim: gente, tá totalmente
desconectado! Porque, a partir do momento que
a pessoa não tem acesso a isso em casa, não
tem como o professor ser ensinado a usar isso. E
também vai ensinar o professor uma ferramenta
que ele vai achar que aquela ferramenta vai mudar
a aula dele e não é isso!
Então, eu vejo que o que acontece é que estão
tentando tapar buracos na educação tecnológica,
que é defasada no Brasil. Ponto. A educação
tecnológica, as pessoas resumem a aprender a
programar, aprender robô com Lego... Tipo assim,
todas essas coisas são muito legais, mas tem
o processo de aprendizado disso e o processo
pra ensinar isso. Então, acho que o processo é
que precisa ser ensinado. Não as ferramentas,
não pegar o professor e fazer ele ir todo sábado
durante três meses aprender a mexer com Lego!
Esse não é o intuito! Isso vai ser usado como parte
do processo. Agora, esse processo de formação
precisa tá muito mais nessa construção dos
conceitos de tecnologia do que a tecnologia em si.
Dentro dessa ideia de representatividade
feminina negra, como você acha que as mulheres
que já trabalham com tecnologia podem
contribuir, tanto nessa ideia de se conectar com
os professores/educadores, quanto também com
o estímulo em relação às meninas negras, que
estão no ensino fundamental?
ANA: Em relação ao estímulo, eu vejo que,
primeiro, partir dos professores apresentarem
essas mulheres, porque hoje nós temos acesso
a essas informações. Tá toda hora passando no
jornal, uma professora, uma diretora ou que, sei
lá, a USP, a UFRJ, pela primeira vez, tem reitoras
mulheres nos institutos de tecnologia, ou de
ciências exatas, ou de engenharia... E essas
informações estão nos jornais, estão no rádio,
onde os professores mais acessam informação,
não só na internet.
Então, acredito que apresentar isso pros alunos é
o primeiro passo. E, depois, se possível, fazer uma
roda de conversa, fazer trabalhos que envolvam
isso. Então, assim, pra galera que dá aula de
história... Poxa, passa uma pesquisa: pesquisa
aí três mulheres – vou puxar sardinha – três
mulheres negras da computação do ano 2000...
Sabe? Já que a gente estuda muito temporalidade,
muito o tempo na história, tudo cronologicamente,
faz uma linha do tempo e faz cada grupo de aluno
pesquisar de um ano diferente, sabe? São coisas
que dá pra serem feitas, porque a gente faz muita
pesquisa na escola. Então, isso dá pra ser feito.
118
E apresentar de uma forma diferente. Pode ser
assim: os alunos simularem um podcast, gravar
áudio, sabe? Os alunos fingirem que eles estão
num jornal e que eles estão apresentando essas
mulheres... Assim, eu vejo que essas coisas são
possíveis de serem feitas em todos os espaços,
com materiais muito simples.
E vejo que as mulheres que já estão trabalhando
com tecnologia... Normalmente... Tem pesquisas
que falam que as mulheres são mais observadoras
e mais detalhistas. Então, é por isso que,
normalmente, a gente acaba criando projetos
e softwares muito mais pontuais e que sejam
melhores direcionados... E que, de fato, vai
impactar a sociedade. Ponto.
Tem um problema, porque a gente tá muito
nesse mercado tecnológico, a gente tem que ficar
brigando muito pra gente ficar provando que a
gente é muito boa, então, é um trabalho muito
cansativo. E, às vezes, não sobra tempo, dentro
desse trabalho técnico, da gente conseguir pensar
em como ajudar uma escola, como ajudar um
professor, como ajudar um grupo de alunos... E
isso passa pela nossa cabeça, o problema todo é
o tempo, né? Então, eu acredito que aproveitar,
já que nós não temos muito tempo, às vezes,
de se juntar a grupos de mulheres da área já de
tecnologia, que existe muito hoje, por exemplo,
Pyladies, de meninas que programam Python...
A gente impulsionando, pode ser investindo com
recursos financeiros, porque não é barato, se
você for fazer um projeto, estar perto de escolas,
porque envolve transporte, alimentação... Você
não sabe imprevistos que podem acontecer nesse
meio do caminho... Então, assim, pessoas que
já estejam estabilizadas na tecnologia, que tem
dinheiro, ajudar esses projetos que estão surgindo.
A gente vê que tá se destacando muito as
meninas nas Olimpíadas de Matemática, Física,
Astronomia... Tipo, ano passado, uma menina
da Escola Parque, a Laura, foi a primeira menina
da Escola Parque a ganhar uma Olimpíada de
Astronomia. Conheci a Laura, e conheci a Maria
Clara, que foi uma das cinco meninas agora, em
maio [2019], que ganharam a Olimpíada Mundial
de Meninas da Matemática, que foi o primeiro
grupo que o IMPA [Instituto de Matemática Pura
e Aplicada] investiu. Então, assim... Pô, pega
esse exemplo do IMPA, o IMPA tem várias áreas
de pesquisa, tem muito recurso. Ele viu e falou
assim: “Putz, eu já tô estabilizado no mercado, o
meu nome já é conhecido, então eu vou dar uma
ajuda nesse movimento de ter mais meninas
na matemática, ter mais meninas nas ciências
exatas”, investiu nesse grupo de meninas e o
resultado foi super positivo.
Então, eu acredito que o papel que essas mulheres
e essas instituições que já estão estabilizadas
têm é, justamente, desse investimento. Agora, se
você não é uma mulher ainda estabilizada na área
de tecnologia, mas tem muita vontade de ajudar,
é meio que pensar como um trabalho voluntário
mesmo! Eu sei que é horrível, às vezes, falar isso,
no momento que a gente vive no Brasil, só que
as pessoas que mais fazem trabalho voluntário,
são as que mais necessitam de recursos. Então,
infelizmente, é essa a cultura do Brasil, porque
119
quem mais tem recurso é quem menos faz
trabalho voluntário, ou nem faz, na real. Tipo,
nem passa pela cabeça deles fazer uma coisa
dessas. Então, infelizmente, a gente tem que
ter um tempo pra fazer isso, porque se nós não
fizermos, ninguém vai fazer. Então, é pensar que,
infelizmente, a gente não pode ficar contando com
a ajuda do governo, ou com a ajuda de grandes
empresas. Quando a gente tem a noção de que
não podemos contar com a ajuda desses grandes
pilares, a gente começa a hackear o sistema.
Assim... Tem a Geisa, que ela é do interior de
Salvador... Eu sou muito fã dela! A Geisa Santos.
Ela faz um trabalho incrível, com um grupo de
indígenas e também com um grupo de alunos da
periferia de Salvador. E aí a gente se encontrou
num evento, em Recife, de programação, e ela
veio falar comigo uma coisa que eu não sabia.
Ela tinha contado pra Sil, só que a Sil falou: “Vou
deixar você falar pra ela!” Que ela baixa os vídeos
do Computação sem Caô e passa pra esses
alunos, porque ela falou que é a linguagem mais
acessível pra eles e que eles ficaram felizes e
falaram assim: “Tia, ela usa gíria, ela fala de uma
forma que a gente entende, ela não fala como
se a gente fosse burro! Então, ela usa exemplos
que estão aqui no meu dia-a-dia! Eu pego trem,
eu pego metrô, eu pego ônibus”. Então, assim, eu
fiquei extremamente emocionada, porque, cara,
olha só! Ela poderia ter falado sabe o que pra
mim? “Ah, Ana, seu projeto não serve, porque lá
não tem acesso à internet!” Mas ela falou: “Não,
peraí, eu tenho acesso à internet em casa”, ela
tem o trabalho de baixar esses vídeos e passar
pros alunos. Aí ela brincou: “Pô, eu não tô te
dando view”, eu falei: “Cara, você tá me dando
uma coisa muito melhor, que é, tipo, espalhando
nos lugares que eu não tenho acesso!” Eu não
tenho como ir pra periferia de Salvador todo dia,
gravar o Computação sem Caô e dar aula pra eles.
Então, pra mim, é o exemplo de uma pessoa que já
entendeu que ela não vai conseguir ajuda desses
pilares e ela tá hackeando o sistema com o que ela
tem. Então, pra ensinar programação, ela ensina
com crochê, que são as ferramentas que ela tem
naquele momento.
Então, é pensar que você não precisa de... “Ah,
meu Deus, eu preciso de um super computador pra
poder ensinar isso pras crianças, então, eu não vou
fazer o projeto!” Porque quando você pensa assim,
você já tá limitando, aí quando você vê, você não
vai fazer nada mesmo. Então, a Geisa é um ótimo
exemplo de como você ensina esse processo
de aprender a programar, esse processo sobre
a computação, sem usar grandes ferramentas.
E, com isso, ela tá conquistando super o espaço
dela, porque tá dando resultado pra essa galera!
Eles fazem Pipa com LED! Eu falei: como assim?
120
(risos) Eu não tinha visto isso! Eu fiquei super
curiosa de entender mais como surgem essas
soluções. Então, eles pensam soluções assim...
Criar uma rede de internet pra comunidade deles!
Que tem como você fazer isso com softwares com
licença gratuita. Então, os alunos estão vendo
essa possibilidade de fazer uma rede que consiga
comportar a comunidade deles, pra eles terem
acesso à internet!
Olha o pensamento dessa galera, que é da
periferia, que tem acesso a um pouco de
tecnologia, porque eles têm acesso ao processo,
e não à tecnologia em si... O pensamento deles
é coletivo. A galera que tem o acesso desde
criança, o pensamento deles é, tipo, “vou criar
um aplicativo de 1 milhão de dólares”, assim,
sabe? “Quem é que vai usar o meu aplicativo?
Não importa! Eu só quero ganhar 1 milhão de
dólares!” Por isso, que é importante você ensinar
o processo. Pra galera entender que soluções
realmente são eficazes para a sociedade e não fica
delirando, criando soluções que não vão impactar
em nada a sociedade, mas vai deixar a pessoa
muito rica. É muito bizarro ver essa distância!
Entrevista com Sil
121
Quais suas expectativas e quais vão ser os
próximos passos depois do lançamento da
plataforma do PretaLab?
SIL: Bom, a nossa expectativa depois do
lançamento da plataforma é de conseguir chegar
em mais mulheres negras na área de tecnologia.
A gente entende que vir de bonde é muito melhor.
Então quando a gente fala que quer mostrar a
cara dessas meninas, mostrar que tem mulher
negra em tecnologia, a gente sabe que não adianta
ter só uma, duas, três, quatro ou cinco... Que é
importante vir de bonde, com muita gente.
E nossos planos pro futuro é conseguir furar
essas bolhas, chegar em mais meninas e entender
também como se faz esse diálogo, essa ponte,
entre um mercado de trabalho, que quer se
entender mais diverso, que quer trabalhar por
mais diversidade, e mulheres negras que querem
trabalhar. Porque a gente entendeu, ao longo do
PretaLab, desde que a gente lançou o projeto,
que a gente vai ter que falar sobre essa questão
da empregabilidade. Que não é só fazer pesquisa,
não é só fazer curso, mas se a gente quer, de fato,
mover alguma estrutura, a gente precisa também
trabalhar pra que mulheres negras, que são
27% da população, que lideram os piores índices
de desemprego, tenham trabalho. Não existe
empoderamento sem você ter seu dinheiro, pagar
suas contas, seu aluguel, criar seus filhos...
122
Você acredita que o movimento de trazer essas
mulheres, essas meninas, para se apropriarem
desse universo tecnológico pode ser a pauta
comum desse contexto?
SIL: Quando a gente fala de questões raciais, de
mulheres negras, a gente tem um recorte muito
específico, só que a gente também entende que,
dentro desse mundo “mulheres negras”, que já
tem dois recortes bem grandes, também tem um
mar de pluralidades. Eu sou uma mulher negra,
mas eu posso pensar diferente de outras mulheres
negras! Enfim... A gente não pensa igual, e o
racismo faz muito isso, de botar todo mundo numa
mesma caixa e achar que todo negro é igual, que
toda mulher é igual... A gente entende que existem
diferenças, e a diferença, eu acho que é a grande
riqueza, que faz a diversidade ser tão rica.
Acho que pensar, hoje, a sociedade numa pauta
comum é um grande desafio em qualquer questão
que a gente queira lidar. Quando a gente fala de
tecnologia, é outro guarda-chuva super amplo. De
que tecnologia você está falando? Qual área da
tecnologia? O que se entende como tecnologia?
Mas a gente entende que a tecnologia é um lugar,
seja você desenvolvedor, cientista de dados, uma
menina que trabalha com inteligência artificial,
física, engenheira... Mas, existe esse mote, esse
campo da tecnologia.
Eu acho que sim, pode ser um caminho pra uma
pauta comum. Mas quando eu penso em pautas
comuns eu também gosto de pensar: como a
gente caminha junto olhando para as nossas
diferenças? Porque eu acho que esse é o grande
desafio, não só na tecnologia, não só quando se
fala em diversidade, mas sim, quando a gente fala
de sociedade. A gente é diferente, mas precisamos
criar caminhos e pontos que sejam comuns, que
façam tanto sentido pra mim, quanto pra uma
mulher negra de porto alegre, e como a gente
pode caminhar juntas. Então, eu acho que é, sim,
um caminho, mas talvez existam muitos outros.
E sempre olhando... A gente vai caminhar por
aqui, mas a gente vai caminhar de mãos dadas, e
olhando pras diferenças que a gente tem!
123
E aí a segunda coisa é estimular. Eu acho que, no
geral, meninos e meninas, quando a gente vai
crescendo e sendo criado pelos nossos pais, a
gente ganha panela, boneca... Os meninos ganham
ferramentas... E isso já é um estímulo a ser uma
dona de casa, a ser uma mulher que vai cuidar.
Porque é muito nesse lugar que, socialmente, as
mulheres sempre estiveram. Eu acho que tem um
caminho inverso que dá pra ser feito e que pode
ser muito interessante, que é de estimular essas
meninas, ainda crianças, a experimentarem esses
aparatos tecnológicos.
Aí eu acho que, nesse sentido a gente tem um
ganho, que é que hoje todo mundo consome
tecnologia, as crianças querem consumir
tecnologia desde pequenas. Meu afilhado tem
quatro, cinco anos, e ele já quer ter o celular
dele, então tem essa perspectiva muito grande
de consumo, mas uma perspectiva muito pequena
de produção. E acho que não vão ser todas
as meninas que vão ser tecnicistas, mas é
importante poder experimentar, até pra falar:
não, isso eu não gosto.
De que maneira você acredita que é possível
fazer com que dentro do contexto nacional
do ensino fundamental, as meninas negras
entendam esses códigos, para poder ressignificar
esses códigos, essa ideia da tecnologia?
SIL: A primeira coisa é aproximar a tecnologia
dessas pessoas, porque acho que quando a
gente fala de tecnologia, geralmente, é uma coisa
que você olha e pensa: cara, tecnologia, robô...
Primeiro, significa o que é tecnologia.
Então, acho que tem uma coisa, principalmente
nas escolas, que é um desafio muito grande hoje:
como é que a gente ensina, educa se o garoto não
sai do Whatsapp, ou então, se a menina não sai
do Facebook? Então, vamos pegar essas redes
sociais e usar ao nosso favor! Como a gente pode
fazer isso? E aí, tem que criar metodologia, porque
esse estímulo passa por criar metodologias
de aproximação, de trazer essas meninas pra
perto... Vamos fazer alguma atividade, então,
no Whatsapp, ou então, vamos criar alguma
coisa no Facebook... Que são tecnologias muito
populares, que todo mundo quer tá lá, todo mundo
quer estar no Facebook, todo mundo quer estar
no Instagram, todo mundo quer usar o Twitter,
enfim... Como que a gente usa isso?
Acho que o educador, ele tem um grande desafio
na mão dele hoje, que é de se munir desses
conhecimentos e entender como ele traduz isso
pras crianças. Mas, o primeiro desafio acho que,
talvez, seja olhar pra essas ferramentas e pensar
que elas podem ser aliadas, né? E não: “Sai do
Facebook, garoto, deixa o celular! Olha, todo
mundo deixa o celular!” Porque isso já... A escola
já é um ambiente muito hostil, muitas vezes, né?
E quando você é todo tempo punido, ou podado
por alguma coisa, você fica... Você já não quer
tá ali! Então, fico pensando que, por mais que
existe esse desafio, também existe... A gente tá
num momento que a gente tem ferramentas pra
transformar isso, né? Então, a gente fala muito,
aqui no Olabi, de uma ‘Educação pro Século XXI’...
Os nossos modelos de educação ainda são século
XIX, entendeu? Então, assim... O mundo mudou,
as coisas mudaram, e a educação, ela precisa,
também se atualizar nesse sentido, né?
124
A gente sabe que os avanços tecnológicos
acabaram provocando, também, um acirramento,
né, das desigualdades, porque o acesso
dessas meninas à tecnologia tanto nesse
ambiente acadêmico, quanto em casa, ainda
é muito uma dificuldade. De que forma você
acredita que é possível colocar essas meninas
em contato com essas tecnologias, tentar
introduzir esses processos tecnológicos dentro
da realidade delas?
SIL: Acho que, talvez, encontrar pares certos.
Não sei. Eu parto, também, de um lugar
muito mais de questionamentos do que de
respostas, assim... Mas, pelo que a gente vem
pesquisando, entendendo, geralmente, quando
tem pessoas parecidas com você... Parecida,
não necessariamente fisicamente, mas parecida
territorialmente, ou vir do mesmo lugar que você...
Existe uma empatia, né? E aí você pode trabalhar
com outros conteúdos, que, às vezes, são muito
mais distantes. Esse é um caminho... Eu acho
que... Assim... O maior de todos é o interesse!
Existe interesse realmente em estimular essas
meninas a pensar essas coisas? Porque existem
mil oficinas, formas de aprender usando materiais
de baixo custo... Aqui, a gente fez muita oficina pra
criança, por exemplo, visualizar o DNA das frutas,
oficina de fotografia usando lata de sardinha!
Tem muitos projetos abertos na internet, que
dão conta de mostrar que a gente não precisa,
necessariamente, tá no hi-tech, do hi-tech, do
hi-tech... Que a gente pode explicar processos
que são, às vezes, muito densos e que usam
linguagens que a gente não tá acostumado a usar,
por outros caminhos.
Então, dá pra você fazer robô de papelão,
dá pra você visualizar DNA das frutas com sabão
em pó... Que são coisas que, normalmente,
a gente tem em casa!
Então, pra gente, aqui no Olabi, sempre teve essa
coisa de olhar pra esse mundo e falar: cara, não
adianta eu chegar com Arduino, e falar “gente,
isso aqui é um Arduino, um microcomputador
controlador, que eu posso fazer piscar a luz lá de
baixo, acender a luz lá de cima...” “Tá, Sil, mas pra
mexer o Arduino tem que entender um pouco de
programação...” Minimamente, você tem que saber
programar aquilo ali! Então, vamos um passo
atrás? Como que a gente pode entender um pouco
disso sem ter que meter a mão no computador,
ou que seja uma tecnologia muito hi-tech? Eu
acho que o pensamento, a forma de pensar, ela
não é digital, entendeu? E ela é na madeira, ela
é no papelão, ela é no sabão... Ela pode ser mil
formas de pensar! Não necessariamente você tem
que tá no digital pra que alguém entenda sobre
tecnologia, entendeu? Então, acho que a gente
tem que ser um pouco mais criativo!
125
Dentro do contexto da favela, existe muito essa
cultura da coletividade, do colaborativo, de
gambiarras, tentar fazer as coisas com o que
a gente tem na mão. Então, como você acha
que essa cultura pode contribuir na inserção da
tecnologia dentro dessa realidade das crianças
da favela, dentro dos espaços que elas circulam,
diante da escassez de recursos?
SIL: Acho que, primeiro, talvez, seja reconhecer
que a favela é um lugar extremamente criativo,
onde as pessoas criam soluções pra mil
problemas, que o Estado não dá conta de resolver.
Em 2015, criamos um curso chamado “Gambiarra
Favela Tech”, lá no Observatório [de Favelas]. Eu
nem trabalhava no Olabi, na época, eu trabalhava
no Observatório. E o Olabi e o Observatório
criaram esse curso, e foi um curso muito
interessante, porque a gente não tava focado em
criar um produto, a gente tava focado em criar um
projeto que tivesse um foco especial no processo.
Então, a gente foi criando traquitanas com coisas
que a gente coletava no ferro velho na Maré.
Como que a gente podia criar a partir dali, com
um pouquinho de tecnologia, sei lá, trazer um
“ledzinho”, uma coisinha, mas pegar essas coisas
do ferro velho e dar uma outra cara praquilo,
recriar aquilo, né? E esse processo, que era uma
imersão de, sei lá, não lembro agora, mas um mês,
um pouco menos, 12 dias...
A gente foi conhecendo outros espaços também
fora da Maré, que trabalhavam com ferro velho,
essas coisas... E a gente pôde perceber, uma
coisa que a gente já sabia, o quanto as pessoas
na favela, estão inventando a todo tempo coisas
novas, e é, sei lá, desde costurar uma chaleira com
arame, entendeu?
Só que a gente olha pra isso... E, assim, a gente,
quando eu falo, sociedade tanto dentro da favela,
quanto fora da favela... Não olha isso como uma
inovação! A gente não olha isso como uma forma
criativa! Se as pessoas no Leblon estivessem
fazendo isso, seria: “Carácolis! Que inovação! Os
caras são perfeitos!” Só que por vir de um estrato
da sociedade que não é tão privilegiado, aliás,
que não tem privilégio nenhum, isso é visto como
’jeitinho brasileiro’... Ai, gambiarra... Hum... Tem
uma disputa enorme na tecnologia também, de
falar que gambiarra não é tecnologia! A galera
que é mais tech, ‘high Society’, vai falar: “Isso
não é tecnologia!” Mas isso é tecnologia! O que é
tecnologia, então?
Se a gente for olhar ali num dicionário, numa
definição um pouco mais formal, a gente vai
ver: tecnologia é um conhecimento técnico
aplicado. Basicamente, né? Então, isso, não
necessariamente, é no digital e, o conhecimento
técnico aplicado, ele tá em várias áreas. Então,
acho que tem uma coisa que é de entender que
esses espaços criam soluções pra problemas!
Eu, particularmente, acho que tecnologia
tinha que servir pra isso. A gente tem um
monte de problema, hoje, na sociedade... A
gente tem um monte de problema real! E um
monte de tecnologia, também, funcional e que
poderia mudar a vida das pessoas, que podiam
transformar a vida das pessoas, que podiam
126
melhorar a vida das pessoas. Só que a gente não
vê isso acontecer, né? Então, sei lá, em 2010,
2011, quando eu comecei a pensar um pouco mais
em tecnologia, eu achava que a tecnologia ia salvar
a humanidade! Eu achava: “Cara, a gente, tá, tipo,
encontramos! Eureca! Algo que vai mudar, né, a
nossa realidade!” Só que não! Hoje, 2019, quase
10 anos depois, a gente olha e fala: “Carácolis,
o quanto que isso pode acirrar desigualdades,
quanto que isso aumenta um abismo social...”
Essa coisa do reconhecimento facial, essas coisas
de biometria... A gente sabe qual o estereótipo que
é visto como bandido, como uma pessoa que não
merece ter dignidade, por exemplo. Então, eu acho
que tudo isso tá muito junto, muito imbricado,
sabe? Tanto quanto pensar quanto tecnologia
tem a ver com direitos humanos, por exemplo.
Parecem pautas muito distantes, mas elas são
completamente complementares, porque, cara,
porque todos impactos disso tudo é na vida da
gente! E a gente não sabe ainda mensurar quais
são os impactos disso! Daqui a 10 anos, 20 anos,
talvez a gente consiga entender melhor o que
127
foi que aconteceu em 2017/18, sabe? Agora, a
gente ainda não tem essas respostas. Então, por
isso, que eu acho, também, que a gente vive um
momento na sociedade de... Tipo assim, mano, a
gente só tem pergunta agora, porque a resposta,
ainda, a gente vai entender! Então, acho que
passa, sim, por esse lugar de ver a favela como
um celeiro criativo, de inovação! Não olhar isso
como, ai, “jeitinho brasileiro”, porque esse “jeitinho
brasileiro” sempre esteve num lugar pejorativo,
num lugar menor.
Eu fiquei três meses na Finlândia, que é um país
super top em tecnologia, os caras são os reis da
educação, da metodologia, os caras são muito
bons de verdade! Só que eu não acho que eles
sejam inovadores, porque eles têm os processos
deles muito engessados. Se tirar uma peça do
lugar, a pessoa não sabe mais. E aí é o que eu acho
que é o grande mote. Brasil é um lugar que tem
tanta sabedoria! A gente tem tanto conhecimento
em tantas áreas, em tantas coisas, só que a gente
não olha pra isso como uma coisa boa. A gente
fica olhando pra gente como primitivos, como
qualquer outra coisa, colonizados, mas não como
pessoas potentes de fato, que criam soluções pra
problemas, e a gente fica o tempo todo tentando
importar modelos de fora. E não entende que, o
contexto local, ele é fundamental, tem que ser
considerado! Você tá falando de um lugar que tem
mais de 200 milhões de pessoas, e que o Norte
é totalmente diferente do Sul, que Laranjeiras já
é diferente de Honório Gurgel, entendeu? Não
precisa ir tão longe, mas, sabe?
E aí, é obvio... Quando você pensa em criar políticas
públicas, você tem que ter alguma unidade. Não
vai dar pra, de repente, contemplar todos os
estratos, mas como a gente pode fazer algo que
seja menos excludente? Eu acho que na tecnologia
é assim. Na favela, também é assim!
Eu não me sinto muito à vontade desse lugar da
favela, porque eu não sou de lá, né? Eu trabalhei
muito tempo na Maré, a gente faz projetos na
favela, a gente realiza as coisas, mas tem um
monte de gente aí também, que também tá
fazendo, que tá criando... E que já entendeu
que esse é um lugar que precisa ser ocupado, e
ocupado de uma forma segura, por pessoas que
estão propondo outras experiências também,
outras vivências, a partir desses aparatos
tecnológicos que estão mais disponíveis, hoje,
sim! Então, como a gente faz pra pegar isso tudo e
ressignificar isso, sabe?
Eu sempre lembro dessa coisa de quando a
internet que chegou pra gente ali... Pra gente
pobre... Nos nossos celulares! Sabe? Sei lá,
demorei muitos anos pra ter computador na
minha casa. Eu já tava na universidade quando
fui ter computador em casa. Mas tinha essa coisa
do smartphone, produzir conteúdo, rede social e
tudo mais... E, cara, isso já é uma coisa que mudou
as pessoas. Mudou a minha geração e mudam
as pessoas que vieram depois de mim. Porque é
isso... É tanto de criar uma referência, de eu falar:
“Caramba! Tem uma mina do Amapá que é negra
também e, durante a vida dela toda, ela sempre
usou o cabelo dela esticado...” Eu me reconheço
nisso, entendeu?
Eu fui ser essa Silvana, quando eu já tinha 28 anos,
sei lá, 29, quase 30, então, demorou um pouco
pra isso acontecer. Já não é uma coisa que vai
acontecer com essas gerações que já vêm muito
mais empoderadas, etc.
Só que eu acho que tem tudo isso: tem desde a
estética, tem desde o emprego, tem o estudo, mas
tem, assim... Tem que ter um desejo, dentro dessa
pluralidade nossa entre ser negro, ser pobre... E aí
todas as nossas diferenças... De tentar caminhar
junto, que é a pergunta que você colocou no início!
Qual é a pauta comum, né? Tem que ter uma! E
que seja, sei lá, a vivência, não a sobrevivência!
Que seja a transformação da gente pra ter uma
vida mais confortável, pra não sofrer tanto! Enfim,
eu acho que são várias camadas...
128
A gente precisa meio que olhar pra isso e
reconhecer, também, os nossos saberes, os
nossos valores enquanto sociedade favelada,
negra, periférica, pobre... E olhar e falar: não, peraí,
isso aqui tem um valor! Né?
Porque uma coisa que eu tenho falado muito
com uma amiga nos últimos tempos, é que,
talvez, o maior valor do mundo, hoje, seja o axé, a
energia, entendeu? Às vezes, você não sabe fazer
determinada coisa, mas, a tua energia, ela é tão
boa, que você chega num lugar, e aí você pode se
aliar com quem sabe fazer, entendeu? “Eu não
sei filmar, mas eu vou me juntar com meu amigo
que sabe filmar” Então, esse axé essa energia, eu
acho que é uma coisa também... Não querendo ser
‘poliana’ e nem holística demais, mas é uma coisa
que, cara, faz a diferença, entendeu? Porque tá
difícil! Tá difícil ser gente... Esse mundo tá... Sabe?
A gente tem mil motivos pra não levantar todo
dia de manhã... Mas eu acho que a gente tem que
encontrar outros mil, pra gente levantar! Como
tem um poema do Sergio Vaz, que eu amo que é:
“Enfia o dedo na cara do seu dia e diz que você vai
ser feliz hoje e que nada vai te impedir!”
Então, assim... Acho que, a esperança, ela é
coletiva. Não tem como, a gente não faz nada
sozinho, a gente não é sozinho, a gente não foi
feito pra ficar sozinho, mas também entendo que
a gente pode ter pautas diferentes, caminhos
diferentes. Mas eu sempre acho que quando a
barragem estoura, a gente tá do mesmo lado da
barragem, então, acho que a gente não precisa
todo mundo se amar e passar por cima de várias
coisas, mas acho que todo mundo precisa se
respeitar pra caminhar junto, pra algum lugar que
não é esse que a gente tá hoje! Porque tá difícil
e a gente sabe muito bem que, quando tá difícil
pra uma parcela da população, pra outra, tá muito
mais difícil, né? Então, como a gente soma nesse
processo e não diminui, sabe?
Como você acredita que os professores do ensino
fundamental do contexto da rede pública, diante
da falta de recursos, podem trazer a tecnologia
pra dentro da sala de aula?
SIL: Cara, eu acho que a situação dos professores
é bem desafiadora! Por tudo, né? Pelas políticas
públicas, porque ser professor no Brasil é uma
coisa que você tem que tá amando muito a sua
causa, o seu trabalho. Quando eu penso nos
professores, acho que tem dois lugares, né? Um,
que é o estímulo do professor. Como que o cara
se motiva? Como que a professora se motiva, pra
fazer o que ela faz? E como que ela, enquanto
uma educadora, estimula, motiva seus alunos,
seus estudantes, né? São perguntas difíceis de
responder e que, de fato, têm um impacto em
toda uma sociedade, em todo o ecossistema
129
educacional. Mas eu acho que, talvez, um dos
caminhos seja buscar esses conhecimentos...
Que seja pelo YouTube... Tem tanto canal de
informação, sabe? Tem tanto projeto aberto na
internet... Infelizmente, no Brasil, as pessoas
tem muito uma visão de que a internet é o
Facebook, ou Instagram, ou rede social, mas não
é, entendeu? Então, assim... Aí eu acho que passa
por esse letramento digital mesmo, que é: como
que a gente aprende a pesquisar na internet, por
exemplo? Porque, às vezes, é isso: “Tá bom, mas
eu não sei como pesquisar na internet! O que eu
vou procurar lá? Nem sei o que eu tô procurando!”
Mas assim... Se desafiar, né? É isso!
Quando eu falo da motivação dos professores,
também, é um pouco olhar pra esse lugar de
“vou continuar acreditando na minha causa, vou
continuar acreditando no que eu tô fazendo... E aí,
quais caminhos eu busco pra isso”, que eu acho
que pode ser, desde se juntar com pessoas... Ou se
você quer um processo mais autodidata, solitário,
vai no YouTube, porque o YouTube é um canal
que tem muita coisa, né? Tipo, eu, por exemplo,
sou uma pessoa que, quando não sei fazer
algo, eu pergunto pro Google, ou pro YouTube,
e tem tutoriais, sabe? E, assim... Tem muitas
metodologias abertas, que estão disponibilizadas
na internet, só que eu acho também que,
enquanto o sistema educacional não estimula os
profissionais a isso também, eu acho que não é só
os professores estimularem os alunos. Como os
professores também são estimulados a isso, né?
Quais brechas os professores enxergam, pra poder
criar outras coisas? Talvez não sejam muitas.
130
E aí é que tá um dos grandes gargalos também
de tudo isso, né? Não é porque o cara não quer!
Tem uma estrutura, que ela é estruturante
e é estruturada. O sujeito faz a estrutura e é
estruturado por ela também. Então, tem que ter
muito amor no coração! Eu acho que a verdade é
essa, sabe? Porque não é fácil tá nesses espaços,
não é fácil ser um professor no Brasil, não é fácil tá
na escola. Pros estudantes também a escola é um
lugar que tá muito engessado, que já é hostil, que
você não quer ir... Sabe? “Pra que que eu tenho que
vir pra cá? Isso não vai me servir de nada!”
Porque eu acho que esse modelo de educação
que a gente tem hoje tá fadado ao fracasso! Não
é um lugar, que estimula a gente a tá, mas precisa
ser! Quando eu falo isso, eu não quero dizer: ah,
então, vamos acabar com as escolas! Não! Óbvio
que não! A escola é fundamental, mas como a
gente pode repensar a escola? Como a gente pode
pensar que esse sistema que a gente usa, hoje,
do século XIX, não cabe mais no século XXI? Se eu
consigo perceber uma mudança gigante de 2017
pra cá, quando a gente lançou o PretaLab, pros
dias de hoje, por exemplo, ver o quanto as pessoas
estão falando mais dessa coisa de raça, gênero e
tecnologia... Eu não via isso antes! Não tô dizendo
que a gente foi o primeiro a falar disso, mas tô
dizendo que, de dois anos pra cá, muita coisa já
mudou... Imagina século XIX pro XXI! Então, não
dá pra ser esses métodos. A gente tem que pegar
essas ferramentas que estão disponíveis nesse
tempo agora e tentar usar de uma forma que seja
a favor da gente, a favor das nossas causas.
Então, é um desafio gigante, mas eu acredito que
tenha uma possibilidade ali, sabe? Talvez a gente
não vá ver essa transformação, mas eu acredito
que a árvore que a gente quer ver, a gente tem
que plantar a semente agora, né? A gente fala
muito de futuro, e de pautar o futuro, construir
um futuro mais inclusivo. Mas esse futuro mais
inclusivo, ele começa a ser desenhado agora no
presente. O que a gente tá fazendo pra isso ser
diferente, sabe? Então, é agora! É o presente que
determina o futuro!
APRESENTAÇÃO &
AGRADECIMENTOS
Muito prazer, sou uma
designer periférica
Eu sou Ilana Guilland, tenho 23 anos, nasci em
Nova Friburgo, região serrana do estado do Rio
e me mudei sozinha para a cidade do Rio de
Janeiro para cursar a graduação em Design na
PUC-Rio. Sou de origem pobre, vim da periferia,
onde até hoje minha família mora, mas meus
pais sempre fizeram questão de colocar em
primeiro lugar meus estudos, por isso, investiram
o pouco que tinham para que eu pudesse estudar
em bons colégios.
Embora eu reconheça meu privilégio de jamais
ter sofrido qualquer tipo de preconceito por causa
da minha cor, toda uma ancestralidade negra
e indígena me acompanha. Pela maior parte
da minha família ser negra, sempre tive muito
próximos de mim os exemplos de como o racismo
opera em vários níveis, mesmo que só tenha sido
capaz de analisar e refletir sobre depois que me
tornei pesquisadora. Por isso, quando comecei a
me entender na área do design, não conseguia não
sentir um incômodo com a abordagem sempre
pautada pela lógica do consumo.
132
Eu queria utilizar do meu potencial de
transformação social enquanto designer, para
contribuir com contextos que o design que pensa
soluções meramente lucrativas e comerciais,
geralmente, não costuma olhar. Minha perspectiva
e visão de mundo não me permitiam ignorar o
fato de que o poder do conhecimento que eu
tinha poderia ser útil para gerar transformações
positivas. Foi assim que me voltei para a área de
pesquisa, pensada sob a abordagem do design
social, com o objetivo de questionar dinâmicas e
desenvolver projetos que possam oferecer novas
perspectivas para o público ao qual me direciono.
O projeto apresentado aqui representa o princípio
da minha atuação enquanto pesquisadora em
design que busca questionar as relações sociais
e, principalmente, impulsionar ações que possam
gerar transformações na vida de pessoas que
vieram de realidades parecidas com a minha ou
ainda mais precárias e desprivilegiadas.
A escolha do tema tem a ver com a minha visão
sobre o mundo, que está muito voltada para a
ideia de que é a partir do cuidado com a maneira
como a educação opera no país, principalmente
nas camadas periféricas, que será possível
construir um futuro melhor. E, por isso, precisamos
pensar nisso e plantar a semente agora.
Fé nas crianças da favela!
Não se faz nada sozinho...
133
Este projeto não teria sido possível sem a
participação de pessoas queridas que me
acompanharam. Por isso, deixo aqui meus
agradecimentos:
Ao meu orientador Felipe Rangel, que acreditou
em mim e defendeu o meu trabalho desde o início;
Ao meu co-orientador Gamba Jr, que me guiou a
destravar processos;
À professora Bianca Silva, que foi extremamente
receptiva ao abrir as portas de sua sala de
aula para mim e permitiu que eu interferisse
em suas dinâmicas;
À diretora Ana Maria Nogueira e toda a
equipe, por terem me recebido tão bem na
Luiz Paulo Horta;
À Sil Bahia por toda sua contribuição desde
sempre e principalmente, por ser inspiração para
tantas mulheres;
À Ana Carolina da Hora por me ajudar a entender
melhor o universo da tecnologia e oferecer
seus relatos pessoais para o desenvolvimento
do projeto;
À Juliana Barbosa, pela parceria e por aceitar
meu convite para desenvolver ilustrações
para o projeto;
Ao Caio Laundos, por me incentivar, por sempre
colaborar, por acompanhar todo o processo passoa-passo
e sempre me ajudar a pensar além;
Aos meus pais, Girlan e Rosi, que sempre me
apoiaram e me deram forças;
Ao meu irmão, Ílan, que levantou questões
durante a pesquisa de tendências que foram
disparadoras para o desenvolvimento do projeto;
Ao Ricardo Godot por me acompanhar para
filmar as entrevistas, por me apoiar sempre
e por tecer críticas que contribuíram com
o desenvolvimento do projeto e com
minha formação;
Ao professor Jorge Langone, por ter intermediado
meu contato com a Bia e por exercer sua
profissão de educador com tanto afeto,
contribuindo intensamente na minha
formação como designer;
Ao professor Flávio Carvalho, pela orientação
da pesquisa de tendências, que ofereceu
fundamento para o desenvolvimento do projeto;
À professora Gabriela Vaccari, por suas
orientações ao longo da fase de desenvolvimento;
Ao professor Hamilton Werneck pelas disposição
às entrevistas que muito bem embasaram os
aspectosteóricos educacionais;
À Maria Julia Ferreira, que fez indicações
preciosas para a pesquisa;
À Vitória Flores, à Mariana Oliveira, ao Ívanno
José e ao Henrique Almeida, que colaboraram
fortemente no processo de ideação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
134
AITTA, A e FACCI, M. Subjetividade: uma análise pautada na Psicologia históricocultural.
Universidade Estadual de Maringá (UEM), 2011.
SILVA, F. Subjetividade, individualidade, personalidade e identidade: concepções
a partir da psicologia histórico-cultural. Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP), 2009.
TRINDADE, A. Racismo no cotidiano escolar. Fundação Getúlio Vargas, Instituto de
Estudos Avançados em Educação - Departamento de Psicologia da Educação, Rio
de Janeiro, 1994
RODRIGUES, O e MELCHIORI, L. Aspectos do desenvolvimento na idade escolar e
na adolescência. Departamento de Psicologia da Faculdade de Ciências da Unesp
– Bauru.
SANTOS, A, KUHNE, R e NÉLIO, T. Aprendizagem e comportamento social. Uma
análise diante dos conflitos inerentes à fase da adolescência. RevDia, 2016.
Mapeamento EdTech – Investigação sobre as tecnologias no Brasil. Associação
Brasileira de Startups (abstartups) e Centro de Inovação para a educação
brasileira (CIEB), 2018.
HORA, D. Arte e hackeamento. Diferença, dissenso e reprogramabilidade
tecnológica. Departamento de Artes Visuais. UnB, 2010
GONTIJO, J. Distopias Tecnológicas. 1ª ed. - Rio de Janeiro: Editora Circuito, 2014
BOUFLEUR, R. Fundamentos da Gambiarra. A improvisação utilitária
contemporânea e seu contexto socioeconômico. USP, 2013
MENDONÇA, R e ASSUNÇÃO, H. A estética política da gambiarra cotidiana. Revista
“Compolítica”, 2016.
MELO, V e SILVEIRA, L. Coletivo Gambiologia: por uma produção artística em favor
do estímulo do pensamento crítico sobre a contemporaneidade. Ícone – Revista
Brasileira de História da Arte, 2015
ROSAS, R. Truquenologia – Elementos para se pensar uma teoria da gambiarra
tecnológica, 2015
Revista Facta, 1ª a 4ª edição
135
Ruckert D, Guillén CV, Scheffer A, Rodrigues K, Galvan TC, Thomazi CPF, Corrêa PS.
Ergonomia da sala de aula: restrições posturais impostas pelo ambiente escolar e
a utilização da dança como intervenção. R. Perspect. Ci. e Saúde 2018;3(2): 44-53.
PRETA LAB. Disponível em: <https: /www.pretalab.com/>
OLABI. Disponível em: <https: /www.olabi.org.br/>
INTELECTUAIS NEGRAS. Disponível em: <https: /www.intelectuaisnegras.com/>
GELEDÉS. Um olhar sobre mulheres negras e o ensino superior no Brasil.
Disponível em: <https: /www.geledes.org.br/um-olhar-sobre-mulheres-negras-eo-ensino-superior-brasil/>
EDUCAÇÃO INTEGRAL. Especiais - Práticas Inovadoras para o ensino médio.
Disponível em: https: /educacaointegral.org.br/especiais/praticas-inovadoraspara-o-ensino-medio
PORVIR. Especiais – Personalização. Disponível em: <http: /porvir.org/especiais/
personalizacao/>
OI FUTURO. Trazendo o universo maker para a sala de aula. Disponível em:
<https: /oifuturo.org.br/historias/artigo-trazendo-o-universo-maker-para-a-salade-aula/>
OI FUTURO. Disponível em: <https: /oifuturo.org.br/o-instituto/>
MULTIRIO. Disponível em: <http: /www.multirio.rj.gov.br/index.php/multirio/amultirio>
POSITIVO – TECNOLOGIA E EDUCAÇÃO. Steam – Metodologia que você precisa
conhecer. Disponível em: <https: /www.positivoteceduc.com.br/blog-inovacao-etendencias/steam-metodologia-que-precisa-conhecer/>
TV ESCOLA. Azoilda Trindade. Disponível em: <https: /api.tvescola.org.br/tve/
salto-acervo/w;jsessionid=63B8CB5DAEF0D2E1307196D0E92AA8C4?idIntervi
ew=8505>
EXAME. Oficina dos Inventores: depois dos slow food, agora é a vez do low
tech. Disponível em: <https: /exame.abril.com.br/negocios/releases/oficina-dos-
inventores-depois-do-slow-food-agora-e-a-vez-do-low-tech/>
136
CORTE CERTO. Low Tech. Disponível em: <https: /cortecerto.com/glossario/lowtech/>
TAXGROUP. Low Tech: paradoxo do mundo globalizado. Disponível em: <https: /
www.taxgroup.com.br/low-tech-paradoxo-do-mundo-globalizado/>
HYPENESS. Como o racismo algoritmo se vale da ausência de negros na
tecnologia. Disponível em: <https: /www.hypeness.com.br/2019/08/como-oracismo-algoritmo-se-vale-da-ausencia-de-negros-na-tecnologia/>
GELEDES. Dossiê Afrofuturismo. Disponível em: <https: /www.geledes.org.br/
dossie-afrofuturismo-saiba-mais-sobre-o-movimento-cultural/>
REVISTA CULT. Afrofuturismo: tecnologia e ancestralidade. Disponível em:
<https: /revistacult.uol.com.br/home/afrofuturismo-tecnologia-ancestralidade/>
CANAL TECH. Conheça o Afrofuturismo. Disponível em: <https: /canaltech.com.br/
comportamento/conheca-o-afrofuturismo-genero-artistico-que-mescla-culturaafricana-com-sci-fi-111584/>
GAMBIOLOGIA. Disponível em: <http: /www.gambiologia.net/blog/apresentacao>
FUNDAÇÃO TELEFÔNICA. Gambiologia: a arte de ser criativo com o pouco que
se tem. Disponível em: <http: /fundacaotelefonica.org.br/noticias/gambiologia-aarte-de-ser-criativo-com-o-pouco-que-se-tem/>
GAMBIOLOGIA. Tecnologia Reciclável. Disponível em: <http: /www.gambiologia.
net/blog/wp-content/uploads/2015/09/otempo_12set2015-sesc-trata.jpg>
WAISBERG’S ARCHITECTURAL ADVENTURE. Considerações gambiológicas.
Disponível em: <https: /waaadv.wordpress.com/2014/11/24/consideracoesgambiologicas/>
MEDIUM. Afrofuturismo: ensaios sobre narrativas, definições, mitologia e
heroísmo. Disponível em: <https: /medium.com/@ka_bral/afrofuturismoensaios-sobre-narrativas-defini%C3%A7%C3%B5es-mitologia-ehero%C3%ADsmo-1c28967c2485>
CORREIO BRAZILIENSE. Entenda o afrofuturismo, movimento que une
tecnologia e cultura negra. Disponível em: <https: /www.correiobraziliense.com.
br/app/noticia/diversao-e-arte/2017/11/28/interna_diversao_arte,643896/
entrenda-o-afrofuturismo-movimento-que-une-tecnologia-e-cultura-negra.
shtml>
137
PREZI. Tecnologia Africana. Disponível em: <https: /prezi.com/p/4kdkbvaadbd4/
tecnologia-africana/>
GATO MÍDIA. Gambiarra: a essência da cultura maker no Brasil. Disponível em:
<https: /gatomidia.com/2019/01/21/gambiarra-a-essencia-da-cultura-makerno-brasil/>
CARTA CAPITAL. A atualidade e a urgência de Lélia Gonzalez em 2020. Disponível
em: <https: /www.cartacapital.com.br/blogs/sororidade-em-pauta/a-atualidadee-a-urgencia-de-lelia-gonzalez-em-2020/>
CIESPI. Histórico Rocinha. Disponível em: <http: /www.ciespi.org.br/Cartografia/
Historico-Rocinha-1038>
VEJA. Na trajetória da Rocinha, uma história carioca. Disponível em: <https: /veja.
abril.com.br/brasil/na-trajetoria-da-rocinha-uma-historia-carioca/>
GLOBO PLAY. Fantástico: Favela da Rocinha, no Rio, já foi roça de verdade;
conheça suas origens. Disponível em: <https: /globoplay.globo.com/v/6170955/>
DESIGN COM CAFÉ. Design social. Disponível em: <https: /designcomcafe.com.br/
design-social/>
VITRUVIUS. Os sentidos do design social. Disponível em: <https: /www.vitruvius.
com.br/revistas/read/arquitextos/18.216/6991>
RIO ON WATCH. Museu Sankofa da Rocinha preserva história e memória dos
moradores. Disponível em: <https: /rioonwatch.org.br/?p=22823>
QEDU. Escola Municipal Luiz Paulo Horta. Disponível em: <https: /www.qedu.org.
br/escola/276800-0918096-escola-municipal-luiz-paulo-horta/sobre>
LIGADO NO RIO. Prefeitura inaugura escola do amanhã na Rocinha. Disponível
em: <http: /ligadonorio.blogspot.com/2016/11/prefeitura-inaugura-escola-doamanha-na.html>