Revista Sarava Science, Ano 2, n 1, Jun 2019
revista saravá science – é uma publicação de responsabilidade do Percurso Livre em Psicanálise (PLP), Natal, RN, Brasil.
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Erotomania
Cecília Santos
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA
social atual. Frente a isto, acompanha-se Menezes
(2012) quando pensa que tal cenário impele ao analista
dispor de criatividade e flexibilização na condução
terapêutica convocadas por tal desamparo.
Gilberto, 31 anos, solteiro e vendedor de imóveis,
motivado pelas dificuldades enfrentadas ao realizar
suas atividades cotidianas (acadêmicas e de trabalho),
as quais descreve associadas à uma sensação de
aprisionamento e impedimento, busca a análise com a
expectativa de alcançar a capacidade de reinvestir sua
libido aos projetos intelectuais, pois se aproxima à
conclusão de uma pós-graduação e se põe
preocupado com a produção de seu trabalho final do
curso, ao mesmo tempo que precisa lidar com as
demandas de sua profissão, o que lhe provoca
ansiedades, tendo em vista o revés por ele
experimentado e descrito, diante das necessidades em
progredir nos campos mencionados.
Durante as sessões iniciais também foram trazidas por
Gilerto demandas de seu cotidiano, que tinha como
cerne um certo sofrimento frente à alteridade, tais
como: a necessidade e dificuldade de encontrar uma
companheira; pensamentos compulsivos e paranoides
de agressividade ao outro, o que se somava a
sensação de estar sendo perseguido, apontados
através de relatos de rompimentos drásticos e bruscos
nos vínculos com os pares relacionais (familiares,
assim como pessoas de seu convívio no trabalho e da
faculdade) que lhe fizesse experimentar alguma
frustração.
No decorrer das sessões, alguns elementos de sua
infância emergiram, ainda que em relatos pontuais. Tal
situação demonstrava que, através da dificuldade em
recordar sobre sua infância, se operavam fortes
resistências, agora erigidas ante as demandas
inerentes ao seu processo analítico. E tais resistências,
ancoradas no esquecimento, ali se postavam para
impedir que emergisse em seu discurso: situações
marcadas por duras privações, fossem de ordem
material, como também afetivas; alguns momentos
tempestuosos de agressividade sofridos na infância;
desamor e vulnerabilidade ante o vínculo primitivo com
sua mãe; além disso, o fato de nunca ter conhecido o
seu pai.
Todas estas questões eram trazidas como experiências
de alta intensidade afetiva, memórias em sentimentos,
às quais nada era associado. Eram narradas, como
experiências de excesso. Gilberto ainda relatou ter
vivido a maior parte de sua infância com os seus avós,
os quais parecem ter desempenhado as funções
materna e paterna em sua história de vida. Porém,
apontava também, que ao longo dos anos, uma certa
distância para com a mãe fora por ele alimentada, e
com isto se direcionavam e se nutriam uma gama de
sentimentos ambivalentes quanto ao papel dela na
história e na vida psíquica de Gilberto, e em breve, em
nossa história analítica.
Tais relatos me ecoavam um psiquismo frágil,
desamparado, que se mobilizava nos limites das
fronteiras estruturais, e que se valia de mecanismos de
defesa mais arcaicos, a fim de proteger e manter
íntegro um ego incipiente. Pôde-se pensar, aqui, o uso
recorrente da cisão como mecanismo de defesa
operante em seu psiquismo. Tal defesa indica relações
objetais mais primitivas, nas quais há dificuldade em
lidar com a ambivalência dos afetos frente aos objetos/
pessoas de sua vida relacional e por isso realizar
movimentos de rompimento nos vínculos relacionais
torna-se uma saída possível.
Pode-se exemplificar essas dinâmicas de uso da cisão
presentes em Gilberto quando este me trazia relatos
sobre desejar romper os vínculos no trabalho, em
função de colegas que apresentavam características
que o incomodavam... E não demorou para que
Gilberto me incluísse, com mais ênfase, neste hall de
pessoas com as quais ele se valia de tal dinâmica
relacional, pois em determinada circunstância, entra em
contato comigo, tarde da noite, solicitando antecipação
no dia de sua sessão, e ao não receber resposta
imediata, durante a espera, me envia uma mensagem
dizendo: “Fazem 30 min que espero um retorno, e
nada. Esperando... E com raiva... puto”. (sic).
Pode-se pensar que, nestas situações, a frustração
experimentada com a analista fora vivida como excesso
de energia incapaz de ser elaborada, e neste sentindo,
acompanha-se Minerbo (2013), que aponta, na
presença de certas identificações cindidas, a relação
estabelecida se torna do tipo tudo ou nada, onde o
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REV. SARAVÁ SCIENCE, Nº 1, JUNHO, 2019.