Revista Sarava Science, Ano 2, n 1, Jun 2019
revista saravá science – é uma publicação de responsabilidade do Percurso Livre em Psicanálise (PLP), Natal, RN, Brasil. revista saravá science – é uma publicação de responsabilidade do Percurso Livre em Psicanálise (PLP), Natal, RN, Brasil.
38InconscientePedro von SohstenPara esta dualidade, presente em cada vivente, é que sedelineiam os escritos psicanalíticos, e que promovem umadificultosa construção de conhecimento no campo dapsicanálise ante as nuances das discursividades científicas.Ou ainda, sobre esta dificuldade, põe-se as palavras deFreud (1910/1987) que nas “Cinco Lições de Psicanálise”explicita:AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAO orgulho da consciência (...) pertence ao forteaparelhamento disposto em nós de modo geralcontra a invasão dos complexos inconscientes.Esta é a razão por que tão dificultoso é convenceros homens da realidade do inconsciente e darlhesa conhecer qualquer novidade emcontradição com seu conhecimento consciente. (p.37).A construção de saber, no campo psicanalítico, parececonter essa dificuldade presente em cada humano eapontado acima por Freud. Essa análoga relação deemergir a Desrazão, o campo do inconsciente, a partir deferramentas e dispositivos da Racionalidade, sempreoperante e vigente no consciente, é o que faz cada sujeitoem análise, e aqui se propõe, também, para os construtosteóricos que se fundam a partir do campo psicanalítico.Já que o sábio Sócrates inicia um campo estruturante paraas andanças do conhecimento científico – Razão –, e queas bases da ciência traziam em suas entranhas umacorrente sanguínea desse iluminador apolíneo enquantoforte pressuposto da proposta humana de construção deconhecimento, o que se encontra, a partir da propostalançada em Freud, é fazer um resgate desse campo outro,desse elemento que ficou as margens da teorização;trabalhar com esse não-trabalhado e não-nomeado comociência: a Desrazão?E nessa dimensão de contradição, entre o que se fez como“Conhecimento” e o que se faz ao “Não-conhecer”, é queavança a mais de um século o campo da teorizaçãopsicanalítica. Traz-se ainda, algumas palavras acerca dessemovimento de contraposição, visto a partir de Foucault(1966/1999) quando este pensador francês caracterizaalgumas relações epistêmicas da psicanálise com aetnologia, e cita:Pode-se dizer de ambas o que Lévi-Strauss diziada etnologia: elas dissolvem o homem. Não que setrate de reencontrá-lo melhor, mais puro e comoque liberado; mas, sim, porque elasremontam em direção ao que fomenta suapositividade. Em relação às “ciênciashumanas”, a psicanálise e a etnologia sãoantes “contraciências”; o que não quer dizerque sejam menos “racionais”, ou “objetivas”que as outras, mas que elas se assumem nocontrafluxo, reconduzem-nas a seu suporteepistemológico e não cessam de “desfazer”esse homem que, nas ciências humanas, faze refaz sua positividade. (p.525-526).É nesse suporte epistêmico distinto e próprio, numcaminho de contrafluxo, “des-fazendo” o conhecimentosobre o homem, ou como citado acima, de um lugar de“contraciência”, porém não sem sua des-racionalidade,que o saber psicanalítico traça sua produção.Arraigado nas condições primeiras de sua ontologia, demanifestação desse discurso do inconsciente, Freuddepara-se com um lugar de produção de conhecimentonovo e peculiar, e arrasta sua vida para destrinchá-lo. Epara falar desse intento de Freud, no conflito deemersão de um saber entre Razão e Desrazão, cita-sea magistral metáfora de Rocha (2010):A exemplo de Nietzsche, Freud tambémapela para o outro da razão quandodescobre que grande parte da vida psíquica,tanto das pessoas sadias, quanto daspessoas doentes, é regida por forças que nãosão controladas pela razão. Mas,diferentemente de Nietzsche, ele, quandocritica a racionalidade moderna, faz trabalhara razão. Fazendo uso de uma expressãometafórica, diria que Freud tentou colocar umpouco de sangue de Dionísio nas veias deApolo, e sonhou o sonho impossível decolocar um pouco de sangue de Apolo nasveias de Dionísio. (p. 38)Esse diálogo entre psicanálise e a filosofia dacientificidade tentou trazer, apenas pela construçãoideacional do binômio – Razão/Desrazão –, um enlevo,entre as problemáticas que estão vigentes no depurardessas aproximações da psicanálise com as jornadasdo conhecimento proferido como ciência. Aludindo ametáfora acima, a psicanálise evocou-se desse outrofluxo sanguíneo (Desrazão) quando decidiu transitar nocorpus do conhecimento, através de seu própriosuporte epistêmico de construção de saber.....................................................................................................................................................................................................REV. SARAVÁ SCIENCE, Nº 1, JUNHO, 2019.
39InconscientePedro von SohstenPoder-se-ia traçar inúmeros outros elementos que seinterpõe, nesse breve ensaio, com a construção eprodução de saber que se faz da psicanálise e a partirdela. Porém, trouxe-se apenas esse recorte relacional –Inconsciente entre Razão e Desrazão – como núcleodessa sucinta exposição de paradigmas distintos.Esse lugar novo e peculiar, inaugurado por Freud,deixa suas ranhuras, mas também abre espaços deaproximações frutíferas e produtivas. E assim, desselugar de produção, como o desejo em sua busca, em suarevelação do inconsciente, a psicanálise vai traçandosuas idéias, contidas em suas bases de significações,acerca do psiquismo humano.NIETZSCHE, F. (1872) O nascimento da tragédia ouhelenismo e pessimismo / Friedrich Nietzsche;tradução, notas e posfácio: J. Guinsburg. – São Paulo:Companhia das Letras, 2007.ROCHA, Z. (2010) Freud entre Apolo e Dionísio –recortes filosóficos, ressonâncias psicanalíticas/Zeferino Rocha. – São Paulo: Ed. Loyola. 2010.______. O desejo na Grécia Antiga / Zeferino Rocha. –Recife: Ed. Universitária da UFPE. 2011._________________________REFERÊNCIAS:FOUCAULT, M. (1966) As Palavras e as Coisas: umaarqueologia das ciências humanas / Michel Foucault;tradução Salma Tannus Muchail. – 8ª ed. – São Paulo:Martins Fontes, 1999.FREUD, S. (1900) A Interpretação dos Sonhos / SigmundFreud; tradução de Walderedo Ismael de Oliveira; Rio deJaneiro: Imago Ed., 2001.______. (1910) Cinco Lições de Psicanálise, volume –XI.Edição Standard Brasileira das obra s psicológicascompletas de Sigmund Freud. Ed Imago: Rio de Janeiro,1987.______. (1915) O inconsciente, In: Introdução aonarcisismo: ensaios de metapsicologia e outros textos(1914-1916) / Sigmund Freud; tradução e notas PauloCésar de Souza – São Paulo: Companhia das Letras,2010.______. (1920) Além do princípio de prazer, volume –XVIII. Edição Standard Brasileira das obras psicológicascompletas de Sigmund Freud. Ed Imago: Rio de Janeiro,1987.Sobre o autor do texto:Pedro von Sohsten de MirandaPsicanalistaMestre em Psicologia pela UFRNPsicólogo pela UnP/RNEspecialista em Psicologia Clínica ePsicanálise, EPSI/PBMembro Fundador e Professor do PercursoLivre em PsicanáliseEditor Geral da Rev. Saravá ScienceMONTENEGRO, M. A. de P. Pulsão de morte eracionalidade no pensamento Freudiano / MariaAparecida de Paiva Montenegro. – Fortaleza: EditoraUFC. 2002.....................................................................................................................................................................................................REV. SARAVÁ SCIENCE, Nº 1, JUNHO, 2019.
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Inconsciente
Pedro von Sohsten
Para esta dualidade, presente em cada vivente, é que se
delineiam os escritos psicanalíticos, e que promovem uma
dificultosa construção de conhecimento no campo da
psicanálise ante as nuances das discursividades científicas.
Ou ainda, sobre esta dificuldade, põe-se as palavras de
Freud (1910/1987) que nas “Cinco Lições de Psicanálise”
explicita:
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA
O orgulho da consciência (...) pertence ao forte
aparelhamento disposto em nós de modo geral
contra a invasão dos complexos inconscientes.
Esta é a razão por que tão dificultoso é convencer
os homens da realidade do inconsciente e darlhes
a conhecer qualquer novidade em
contradição com seu conhecimento consciente. (p.
37).
A construção de saber, no campo psicanalítico, parece
conter essa dificuldade presente em cada humano e
apontado acima por Freud. Essa análoga relação de
emergir a Desrazão, o campo do inconsciente, a partir de
ferramentas e dispositivos da Racionalidade, sempre
operante e vigente no consciente, é o que faz cada sujeito
em análise, e aqui se propõe, também, para os construtos
teóricos que se fundam a partir do campo psicanalítico.
Já que o sábio Sócrates inicia um campo estruturante para
as andanças do conhecimento científico – Razão –, e que
as bases da ciência traziam em suas entranhas uma
corrente sanguínea desse iluminador apolíneo enquanto
forte pressuposto da proposta humana de construção de
conhecimento, o que se encontra, a partir da proposta
lançada em Freud, é fazer um resgate desse campo outro,
desse elemento que ficou as margens da teorização;
trabalhar com esse não-trabalhado e não-nomeado como
ciência: a Desrazão?
E nessa dimensão de contradição, entre o que se fez como
“Conhecimento” e o que se faz ao “Não-conhecer”, é que
avança a mais de um século o campo da teorização
psicanalítica. Traz-se ainda, algumas palavras acerca desse
movimento de contraposição, visto a partir de Foucault
(1966/1999) quando este pensador francês caracteriza
algumas relações epistêmicas da psicanálise com a
etnologia, e cita:
Pode-se dizer de ambas o que Lévi-Strauss dizia
da etnologia: elas dissolvem o homem. Não que se
trate de reencontrá-lo melhor, mais puro e como
que liberado; mas, sim, porque elas
remontam em direção ao que fomenta sua
positividade. Em relação às “ciências
humanas”, a psicanálise e a etnologia são
antes “contraciências”; o que não quer dizer
que sejam menos “racionais”, ou “objetivas”
que as outras, mas que elas se assumem no
contrafluxo, reconduzem-nas a seu suporte
epistemológico e não cessam de “desfazer”
esse homem que, nas ciências humanas, faz
e refaz sua positividade. (p.525-526).
É nesse suporte epistêmico distinto e próprio, num
caminho de contrafluxo, “des-fazendo” o conhecimento
sobre o homem, ou como citado acima, de um lugar de
“contraciência”, porém não sem sua des-racionalidade,
que o saber psicanalítico traça sua produção.
Arraigado nas condições primeiras de sua ontologia, de
manifestação desse discurso do inconsciente, Freud
depara-se com um lugar de produção de conhecimento
novo e peculiar, e arrasta sua vida para destrinchá-lo. E
para falar desse intento de Freud, no conflito de
emersão de um saber entre Razão e Desrazão, cita-se
a magistral metáfora de Rocha (2010):
A exemplo de Nietzsche, Freud também
apela para o outro da razão quando
descobre que grande parte da vida psíquica,
tanto das pessoas sadias, quanto das
pessoas doentes, é regida por forças que não
são controladas pela razão. Mas,
diferentemente de Nietzsche, ele, quando
critica a racionalidade moderna, faz trabalhar
a razão. Fazendo uso de uma expressão
metafórica, diria que Freud tentou colocar um
pouco de sangue de Dionísio nas veias de
Apolo, e sonhou o sonho impossível de
colocar um pouco de sangue de Apolo nas
veias de Dionísio. (p. 38)
Esse diálogo entre psicanálise e a filosofia da
cientificidade tentou trazer, apenas pela construção
ideacional do binômio – Razão/Desrazão –, um enlevo,
entre as problemáticas que estão vigentes no depurar
dessas aproximações da psicanálise com as jornadas
do conhecimento proferido como ciência. Aludindo a
metáfora acima, a psicanálise evocou-se desse outro
fluxo sanguíneo (Desrazão) quando decidiu transitar no
corpus do conhecimento, através de seu próprio
suporte epistêmico de construção de saber.
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