Revista Sarava Science, Ano 1, n 0, Dez 2018
revista saravá science – é uma publicação de responsabilidade do Percurso Livre em Psicanálise (PLP), Natal, RN, Brasil. revista saravá science – é uma publicação de responsabilidade do Percurso Livre em Psicanálise (PLP), Natal, RN, Brasil.
ANO 1 | Nº 0 | DEZEMBRO | 2018
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ANO 1 | Nº 0 | DEZEMBRO | 2018
@percursoempsicanalise
www.percursoempsicanalise.com.br
1
EDITOR GERAL
Pedro von Sohsten
EDITOR DE ARTE
Luiz Ricardo Mesquita
EQUIPE EDITORIAL
GRUPO DE TRABALHO CIÊNCIA E PSICANÁLISE
Demétrius Abreu
Joaquim Artur de Almeida Feitosa Pereira
Pedro von Sohsten
Rafaela Santos Amorim
Rebekka Fernandes Santos
CONSELHO EDITORIAL
Ana Yara Monteiro
Anderson Soares
Demétrius Abreu
revista saravá science – é uma produção do Grupo
de Trabalho Ciência e Psicanálise do Instituto André
Green.
revista saravá science - é uma publicação de
responsabilidade do Percurso Livre em Psicanálise
(PLP), Natal, RN, Brasil.
ENTRE EM CONTATO
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Rua Dr. José Gonçalves, 1724, Lagoa Nova, Natal, RN
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84 99904-6006
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CNPJ 13.596.579/0001-49
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2
EM FOCO
3
PHOTO BY IVANOVGOOD
pg.
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Subjetividade?
Com a ponta da caneta no papel perguntei me
sinceramente sobre o que eu entendia sobre o
termo subjetividade, lugar comum no linguajar
psico“lógico”.
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REV. SARAVÁ SCIENCE, Nº 0, DEZEMBRO, 2018.
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EDITORIAL
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F
reud, em seus primórdios da
construção mitológica da
psicanálise, nos põe ante a história
clínica de Anna O. como ponto de
referência do início de um caminho que o levou a
traçar o desenvolvimento da psicanálise, e que ainda
hoje é percorrido por tantos psicanalistas e
psicanalisandos, que se inserem no campo
psicanalítico.
Mas quando trago Anna O. para o cenário deste
editorial de lançamento da Revista SARAVÁ SCIENCE,
psicanálise, ciência e cultura, é, pois, que há algo
neste mito originário da psicanálise. Freud retoma a
expressão usada pela paciente de Breuer, a “talking
cure”, uma cura pela conversação, como um
importante elemento daquele cenário de partida de
nosso campo.
[...] manter viva
estas interseções
deste campo, a
psicanálise, com a
cultura, com as
diversas
modalidades de
saberes científicos,
com as produções
artísticas, com as
manifestações das
massas [...]
Há algo da conversação, do elo relacional de uma
abertura de comunicação, de um campo que se funda
no apelo “comunicacional inter-humano”, para se
valer da expressão de Françoise Dolto, que com
Anna O., começava a despontar um amplo e
importante saber e uma prática clínica engajada com
a singularidade.
E, na origem desse trabalho que aqui se inaugura,
retomamos a origem desse espaço comunicacional
como elã de nossos intentos. A psicanálise tem se
alavancado e prosperado, nos campos da cultura e
dos saberes, em função de um desejo constante e
potente de pares de trabalho engajados na
transmissão viva e criativa desse campo que se inicia
em Freud, inspirado no elo de conversações.
A psicanálise mostrou-se um importante discurso nos
últimos dois séculos, o transcorrido e o que ainda
está em prospecção e produção, e assim, com este
projeto, A saravá science, assumimos este lugar,
ainda que de maneira simples e inicial, de manter viva
estas interseções deste campo, a psicanálise, com a
cultura, com as diversas modalidades de saberes
científicos, com as produções artísticas, com as
manifestações das massas, etc. Visamos assim ser
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REV. SARAVÁ SCIENCE, Nº 0, DEZEMBRO, 2018.
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EDITORIAL
mais um espaço para a “conversação”, para este
diálogo aberto e produtivo, acerca de campos
diversificados, porém que sempre propõem
inserções, interseções, tensões, em nosso campo de
saber e de prática clínica.
Convidamos assim, a todos interessados, leitores e
escritores, pesquisadores e curiosos de saber,
artistas e amadores da arte, que se interessam pelos
temas envoltos em várias diretrizes e direções, mas
que se cambiam e promovem seus produtos, para
que aqui, neste espaço de letras e imagens, de
informações e reflexões, que encontrem algo próximo
ao que Anna O. nos deu como ponto de partida: um
espaço relacional, pautado na conversação, no
vínculo, no desejo de saber, e que visa sempre
rearranjos em nossas subjetividades.
Nossos espaços de conhecimento e saber, dentro da
revista, estão propondo produções, científicas ou
não, acerca dos temas da psicopatologia, psicanálise,
psiquiatria, psicologia, artes, literatura, elementos dos
regionalismos de cidades e/ou estados, espaços para
fatos culturais, história, reflexões filosóficas, entres os
campos de saúde e da assistência social, das
dimensões sócio históricas, ou seja, do humano, este
instigante produtor de sentido e de linguagem, do
sem sentido ao não-dito.
Sendo assim, deixamos a vocês, neste primeiro
exemplar, nossa intenção de que este campo de fala,
de escrita, de diálogo, entre campos e pares de
trabalho, possa oportunizar acréscimos na jornada de
vocês, instigando ainda mais este desejo, que nos
envolve nesta inesgotável fonte de questionamentos:
o humano.
Saravá a todos!
Pedro von Sohsten
EDITOR GERAL
pedrovon@hotmail.com
@percursoempsicanalise
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Sumário
20
Charge Point
@tatithoughts
Tatiana Gomes
21
Seção
Sexualidade, História &
Cultura
A sexualidade como fenômeno discursivo
Anderson Soares
PHOTO BY VZSUZSI
08
Seção Regional
"Retrato pintado: a humanidade precisa
mais de fantasia do que da realidade?”
Joaquim Artur de Almeida Feitosa Pereira
12
Seção Psicopatologia
“Psicopatologias em nosso tempo, porque
discutir é preciso!”
PHOTO BY PRETTYSLEEPY1
Luiz Ricardo Mesquita
16
Artigo
Subjetividade?
Demétrius Abreu
A fotopintura, em uma
ótica psicanalítica, pode
ser um objeto onde as
pessoas vivem e realizam
suas próprias fantasias [...]
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24
Ciência & Psicanálise
“Revistas científicas de psicanálise, eis a
questão...”
Rebekka Fernandes Dantas
Demetrius Abreu
28
Seção Clínica Psicanalítica
“A clínica contemporânea e a justa medida
da técnica”
Rafaela Amorim
32
Indicação de Leitura
Sobre psicanálise
Problemat(r)izações: Indicações e
comentários ao livro “Adoecimentos
psíquicos e estratégias de cura: matrizes e
modelos em psicanálise” (2018).
Pedro von Sohsten
36
Indicação de Leitura
Sobre Literatura
"A via Crucis do Corpo” de Clarice Lispector
(1974).
Rebekka Fernandes Dantas
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PHOTO BY ENGIN_AKYURT
Entrevistas Psicanalíticas
com
Cecília Santos
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"Retrato
pintado: a
humanidade
precisa mais de
fantasia do que
da realidade?”
Joaquim Artur de Almeida
Feitosa Pereira
PHOTO BY IVANOVGOO
a cultura
provoca isenta
marca no
sujeito
Este artigo busca, de forma breve,
apresentar questionamentos sobre o
universo que envolve o retrato pintado,
principalmente no Nordeste brasileiro,
e os relacionar com alguns dos
aspectos pertencentes ao sujeito e a
subjetividade humana. Lacan atribuiu
grande importância ao conceito de
cultura na constituição do sujeito e,
também, em sua psicopatologia. Para
ele, o modelamento imposto pelo
mundo externo é de fundamental
relevância. Já os elementos inatos
(determinismo orgânico) têm pequena
relevância para a constituição do
sujeito. Assim, para Lacan, a cultura
provoca uma intensa marca no sujeito,
pois o inconsciente é efeito e reflexo da
estrutura significante.
transformador da natureza, e que o
objeto dessa transformação é o produto
de uma necessidade de satisfação de
sua condição humana. Este pensador
quebrou com a tradição anterior de
uma concepção aristotélica, de que o
homem é o que é tão somente por
motivo de sua substância racional, pois
para Marx, diferente de Aristóteles, o
homem além de ser um trabalhador,
também é um ser da atitude
deliberativa, da vontade, da liberdade,
do desejo, da linguagem, da cultura e
transformador da natureza em
provento da própria subsistência.
Assim, para Marx a produção humana
não satisfazia somente as necessidades
do “estômago”, mas, também, as
necessidades da fantasia.
Segundo Marx, o homem pode ser
considerado um trabalhador e
O filósofo brasileiro e crítico de arte
Gerd Bornhein considera o século XIV
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Retrato Pintado
Joaquim A. de A. F. Pereira
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como o marco do nascimento de um projeto de classe
burguesa, uma classe universal, a qual todos nós
pertencemos. O individualismo é a raiz de todo o
processo dessa classe, que rompeu com o
teocentrismo e deslocou-se para o antropocentrismo.
Assim, a burguesia é um projeto com uma nova
imagem centrada no homem, pois ele passa a ser a
medida de todas as coisas.
Com o advento da burguesia, das novas tecnologias
e a chegada da modernidade, os retratos começaram
a não só exibir, no primeiro plano, o universal
concreto (Cristo, virgem Maria, santos, deuses,
deusas, heróis, reis). Esses paradigmas que
serviram como modelos para os homens no passado,
foram dando lugar ao retrato das pessoas comuns
que possuíam capital. Houve um auto-centramento
do sujeito no eu e na consciência, substituindo o
discurso teológico pelo discurso da ciência.
No início da pintura flamenga, no século XV, era
comum o pintor introduzir na imagem o próprio
burguês contratante e/ou sua família perto de
imagens do universal concreto. Com o passar do
tempo essas imagens das pessoas comuns com o
universal concreto vão dando lugar a uma pintura
que retratava os próprios burgueses, em primeiro
plano em suas moradias, comércios, terras e com
objetos de valor (ouro, moedas, roupas finas,
alimentos, instrumentos de trabalho).
O pintor Rembrandt foi um desses grandes pintores
modernos, que no século XVII retratou burgueses,
essas pessoas comuns e sem fama, que podiam
pagar pelo seu ofício. Dessa forma, as pinturas, até o
século XIX, quase que exclusivamente, retratavam
os mais ricos, já as pessoas de poucas condições
financeiras, raramente, deixavam os rastros de seus
próprios rostos para posteridade.
Com a invenção da máquina fotográfica no século
XIX, houve uma grande mudança, pois pessoas com
poucas posses financeiras começaram a ter suas
imagens retratadas. Ainda no século XIX, a técnica
do retrato pintado ou fotopintura foi inventada na
França e ficou bastante famosa e popularizada no
Nordeste brasileiro na metade desse século. Hoje,
apesar das mudanças das técnicas, tecnologias e
matérias primas, o retrato pintado ainda vive nas
“A família de Tito” (1668).
Rembrandt pintou essa
obra para retratar a
família de seu filho
paredes das casas, principalmente no interior
nordestino e, até então, resiste, sendo produzido em
pouquíssimos ateliês ou estúdios de retoques na
região Nordeste.
O retrato pintado pode ser compreendido como uma
técnica que soma a foto (ou as fotos) e a pintura, ou
seja, uma técnica sobre a outra. É a foto (ou
conjunto de fotos sobrepostas) onde o artista se
baseia em modelos (ideais, modas, mídias) e constrói
outra imagem pintada a partir da percepção do que
seu cliente pede no retrato.
Acredita-se que foi o português Joaquim Pacheco
que trouxe a técnica do retrato pintado para o
Brasil, precisamente, no Nordeste, em 1856,
inaugurando seu estúdio de retoques no Ceará.
Assim, teve o início às galerias de fotografias
pintadas nas casas das pessoas consideradas
comuns que, de certa forma, se inspiravam nos
retratos das famílias mais nobres e posteriormente,
também, se inspiravam nas pessoas consideradas
belas ou importantes, como as que estavam nas
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Retrato Pintado
Joaquim A. de A. F. Pereira
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revistas, nos jornais, nas TV e na “cidade grande”.
Além do mais, as fotos em preto e branco, com baixa
qualidade ou desgastadas, que não satisfaziam aos
anseios de seus donos, passaram a ganhar novas
cores e novos adereços.
Um fato que chama atenção no retrato pintado, além
das cores e da técnica do artista, é que, também, era
comum os clientes pedirem que os artistas
pintassem em seus retratos retoques e modificações
na fisionomia e, somado a isso, adereços
considerados sofisticados ou caros, como joias,
maquiagens, óculos em armação de ouro, móveis,
eletrodomésticos.
Assim, como na pintura do início da modernidade,
não é raro encontrar nas fotopinturas as pessoas
sendo colocadas ao lado de figuras pertencentes ao
universal concreto, sendo muito comum encontrar
pessoas pintadas, em fotos, ao lado de imagens do
Cristo, anjos e da Virgem Maria. Também é
encontrada nas fotos pintadas a presença de
parentes que moram distante ou que já estão
mortos, esses últimos, através de fotos do próprio
caixão ou retirados de outras fotos mais antigas.
Um dos grandes ícones da fotopintura brasileira, do
século XX e XXI, é o Mestre Júlio Santos que tem
seu estúdio no Ceará. Ele já participou de diversas
entrevistas e documentários sobre o retrato pintado
e faz análises e reflexões interessantíssimas sobre
seu trabalho e a história do retrato pintado no
Nordeste. O Mestre diz que os retratos sofrem
transformações tecnológicas nos ateliês que podem
alterar “geneticamente” as pessoas fotografadas
(feições; cor dos olhos, pele, cabelo) e podem dar uma
“dignidade” (retocar a própria vida sofrida) buscada
pelo seu cliente em suas fotos (que podem ser seu
retrato ou de seus ascendentes e descendentes).
Nessas alterações o artista pode criar e recriar
modas e, nos tempos mais atuais, resgatar um elo,
uma tradição, com seu passado. Para ele, essa arte
ajusta e modifica a vida; aproxima a família que
está separada; faz o morto ficar vivo; e o seu lugar é
a parede, um lugar para ser visto e não escondido.
Antropólogos enxergam que os investimentos de
adereços, acrescidos no retrato pintado e a sua
exposição nas paredes das casas, como sendo uma
forma consciente e/ou inconsciente de perpetuar
para os seus descendentes e outros parentes uma
imagem ou um ideal de uma existência considerada
melhor ou mais abastada economicamente. Mestre
Júlio fala que as pessoas procuravam esses
retratistas para os pintarem para que os seus filhos
e netos não os vissem, lembrassem ou imaginassem
com um chapéu de palha e uma enxada de lado.
Para ele os acréscimos de adereços; como cordões,
maquiagens, anéis, brincos, ternos; poderiam ser
uma forma de mostrar à necessidade de sua família
ir para a “cidade grande” e precisar usar tais
“incrementos”.
À luz do retrato pintado e sua finalidade, podemos
ter a compreensão lacaniana de que o sujeito,
mesmo que tomado pelo seu próprio narcisismo, não
basta em si mesmo e ter a compreensão freudiana de
que o aparelho psíquico não suporta um excesso de
libido canalizada apenas para o eu, sendo assim,
necessário voltá-lo para o Outro, ou seja, estabelecer
laço social.
FOTOPINTURA MESTRE JULIO
Retrato pintado bem tradicional de um casal com roupas
elegantes, penteados sofisticados e outros adereços (costeletas,
batom, maquiagem, colar, brincos).
A fotopintura, em uma ótica psicanalítica, pode ser
um objeto onde as pessoas vivem e realizam suas
próprias fantasias, esquivando-se de um possível
mundo real. Podemos compreender essa fantasia
como uma tela sobre o real, que por trás dela há um
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Retrato Pintado
Joaquim A. de A. F. Pereira
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vazio, ou seja, a falta real. Vale salientar, nesse caso,
que o real pode ser compreendido como a
interpretação que é dada à realidade, assim o real
existe através das ideias, dos símbolos e dos signos
que são atribuídos à realidade percebida.
Esses retratos pintados à amostra em uma parede
pode ser um meio de se mostrar ao outro de uma
forma que queria ser visto. Na visão do psicanalista
Oscar Cesarotto, podemos crer que, na exposição do
retrato pintado, impera “o desejo de ser objeto de
desejo do outro”. Isso nos faz levar em consideração
que “o objetivo do desejo seria, em primeira e última
instância, ser reconhecido pelo outro”.
A pesquisadora Cristiana de Souza Parente, ao
analisar os trabalhos de fotopintura do Mestre Júlio,
disse que acredita que esse tipo de trabalho
permanecerá vivo pelo resto dos dias dos homens,
pois se humanidade precisa sobreviver nas suas
fantasias e não nas suas realidades, o homem ficará
mais nas fantasias do que na realidade, pois a
fantasia dessa arte contribui para o homem superar
o desejo de ser belo aos olhos de cada um. Assim, a
fotopintura recupera lembranças e momentos
especiais e, também, informa como o sujeito quer
ser, como gostaria de se ver e com quem gostaria de
posar em uma fotografia.
FOTOPINTURA MESTRE JULIO
a fotopintura reconta e
reconstrói histórias,
manipula ficções e realiza
sonhos [...]
Dessa forma, o Mestre Júlio nos faz refletir, através
da contemplação de sua arte, sobre a nossa
dependência das fantasias e nos ensina que a
fotopintura reconta e reconstrói histórias, manipula
ficções e realiza sonhos, e que os recursos atuais e
tecnológicos, como o Fotoshop, fazem “sonhos frios”
através da “frieza” das máquinas. Ele nos explica, de
forma poética, que para as máquinas criarem algo
como o retrato pintado necessitará sempre do
homem, da sua sensibilidade e de seu olhar, pois,
para ele, Deus está mais ligado aos homens do que
às maquinas.
Sobre o autor do texto:
Joaquim Artur Almeida Feitosa Pereira
Licenciado em Filosofia e História - UFRN
Bacharel em Direito - UnP
Psicanalista - Percurso Livre em Psicanálise / RN
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REV. SARAVÁ SCIENCE, Nº 0, DEZEMBRO, 2018.
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Seção de Psicopatologia
Psicopatologias em nosso tempo,
porque discutir e preciso!
por
Luiz Ricardo mesquita
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REV. SARAVÁ SCIENCE, Nº 0, DEZEMBRO, 2018.
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AAAAAAAAA
representado
nas ideias da
“clínica do
desvalido”, de
uma “clínica dos
não neuróticos”
e debruçando-se
sobre o
“traumático
arcaico” [...]
s sessões de discussão, “Psicopatologias em Nosso Tempo”, atividade
do programa de formação continuada do Percurso Livre em
Psicanálise (PLP) chega ao final do seu segundo ano de
Afuncionamento com grandes perspectivas para o futuro.
Essa atividade, que foi criada inicialmente para atender uma demanda da primeira
turma do curso de formação em psicanálise (PEAP), cuja entrada na clínica para o
início do estágio expôs a necessidade de oportunizar dispositivos que
propusessem discussões onde o foco seriam os aspectos contemporâneos da
clínica psicanalítica e, como atualmente as diversas entidades clínica se
manifestam no setting psicanalítico. Estas sessões revelaram-se, ao longo dos
encontros, como um dispositivo profícuo e afinado para pensar a clínica e pensar a
nossa contemporaneidade, provendo benefícios substanciais tanto aos candidatos
a psicanalista quanto aos psicanalistas que conduziam os casos, em função do
espaço de troca aberto e produtivo que foi possível ao longo destes dois anos.
A ideia por trás dessa atividade teve preliminarmente, como base, os casos de
Gley P. Costa apresentados em seu livro, “A clínica psicanalítica das
psicopatologias contemporâneas” (2015), cujo marco do ganho clínico
destes escritos pode ser representado nas ideias da “clínica do desvalido”, de
uma “clínica dos não neuróticos” e debruçando-se sobre o “traumático arcaico”,
que atualmente circulam com tanto respaldo em nossos contextos de transmissão
psicanalítica, e que tiveram grande impacto nas escutas de nossas clínicas.
Apesar de que tenhamos quase que esgotado os casos presentes no livro, era
crescente a necessidade de extrapolar esses limites. Assim as atividades que
inicialmente foram conduzidas por mim e pelo psicanalista e Diretor Geral do PLP,
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REV. SARAVÁ SCIENCE, Nº 0, DEZEMBRO, 2018.
14
Seção de Psicopatologia
Luiz Ricardo Mesquita
AAAAAAAAAAAAAAAAAAA
AAA
Pedro von Sohsten, ganharam
novos condutores, que trouxeram
não somente novos casos, mas a
multiplicidade de arcabouços
teóricos-clínicos tão prestigiada e
cuidada por nossa instituição,
estimulando cada vez mais nossa
pluralidade.
encerrados ou em pleno
desenvolvimento, movimento dos
quais já colhemos frutos e que
inegavelmente nos transformaram
em analistas melhores, ou ao
menos, cada vez mais
suficientemente bons.
Mês a mês, temas como histeria,
depressão, suicídio, transtornos
alimentares, psicose, fobia, neurose,
autismo, síndrome do pânico,
perversões, infância e família, foram
colocados em discussão,
fornecendo através das nuances
dos casos, aparato teórico e clínico
para pensar nossos pacientes,
nossa sociedade e a nós mesmo.
Muito embora pareça que tenhamos
caminhado um substancial trajeto
enquanto diversidade de temas, a
singularidade de cada caso, tão
querida e sustentada pela
psicanálise nos permite almejar
ainda mais. Dessa forma,
desejantes, vislumbramos para o
ano 2019, que essa atividade,
intitulada sessão de discussão,
torne-se também uma sessão de
posição e transposição, onde
qualquer psicanalista que deseje,
obtenha um lugar para posicionar
seu fazer clínico em sua
singularidade que possa, no contato
com o outro, transpor seus limites e
constituir-se através das relações
de contraste, rumo a tão cara
alteridade.
Capa do Livro - A Clínica Psicanalítica
das Psicopatologias Contemporâneas
Gley P. Costa (2015)
sessão de posição e transposição, onde
qualquer psicanalista que deseje, obtenha um
lugar para posicionar seu fazer clínico em sua
singularidade [...]
Cada caso escolhido, cada caso
apresentado, cada detalhe que
ganhou significado nesse percurso,
até o momento, promoveu, sem
sombra de dúvidas grandes
mobilizações psíquicas. Fomos
conduzidos a pensar e repensar,
conduta que inevitavelmente
extrapolou para os nossos casos, já
Sobre o autor do texto:
Luiz Ricardo Mesquita
Biólogo, UnP/RN
Psicanalista, Escola Paulista de Psicanálise/SP
Coordenador do Programa de Estágio Clínico
em Psicanálise PEAP | GAPP
Supervisor em Psicanálise, Instituto André
Green/RN
Editor de Arte da Rev. Saravá Science
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Artigo
Subjetividade?
Demetrius Abreu
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Com a ponta da caneta no papel pergunteime
sinceramente sobre o que eu entendia sobre
o termo subjetividade, lugar comum no
linguajar psico“lógico”. Resultado: algumas
expressões, autores e palavras soltas ligadas
por setas, mas na hora de passar para tela,
travei... Tensão. Então decidi iniciar pelos
significados da linguagem vernacular, para
tentar desbloquear minha escrita.
Busquei no “pai dos burros” os verbetes: sujeito,
subjetivo, subjetividade, algumas indicações no
mínimo interessantes que sintetizo a seguir. O
sujeito é um substantivo que tem significações
que predominantemente dão um tom de
submissão, de sujeitado à vontade de outrem,
dependente, habituado ou inclinado a algo. Ou
outras significações menos pejorativas como
indivíduo indeterminado ou como sujeito de
direito.
O significado de subjetivo remete ao que
pertence ou é relativo ao sujeito; como algo que
está em um “eu”; que manifesta ideias ou
preferências da própria pessoa no nível do
pessoal ou individual; ou ainda alguma
explicação que tenha como ponto de partida
uma concepção do espírito, um apriorístico
metafísico, donde são deduzidas as conclusões
do sujeito. E finalmente o verbete subjetividade,
que é um caráter de subjetivo, é a união da
palavra subjetivo mais “dade”. Esse sufixo é
acrescido a adjetivos para formar substantivos
que expressam a ideia de estado, situação ou
quantidade.
Até aqui identifiquei-me em um solo Freudiano
conhecido, pois rapidamente liguei a ideia desse
sujeito sugestionado à vontade de outrem, ao
conceito de Ego (Eu), que está sujeito aos
intemperes do Sobre-eu e as pressões
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Subjetividade?
Demetrius Abreu
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA
constantes do Isso. Por consequência, relacionei o
verbete subjetivo ao “metafísico” Sobre-eu freudiano,
e por conta da dinâmica proporcionada pelo sufixo
“dade” o relacionei as imprevisibilidades do Isso.
Mas me dei conta que outras referências eram caras
ao meu rascunho de subjetividade, e podiam
potencializar os introdutórios verbetes. Como os
significados de sujeito e subjetivo se clarificam com
as considerações de Luis Cláudio Figueiredo (1995),
enquanto que o estado transitório e incipiente do
termo subjetividade pode se exponencializar diante
das propostas de Deleuze e Guattari (1995, 1996).
Figueiredo ao se debruçar sobre os modos de
subjetivação contemporâneos aponta para uma
díade interessante: pessoas e/ou meros indivíduos, e
sujeito. O autor aponta uma forma de
individualidade que exerceria apenas funções
sociais, e utiliza o exemplo dos cavaleiros andantes
do final da idade média, que apesar de estarem
“fora" da sociedade formal, sobreviveram na
medida em que, através de personas, máscaras,
poderiam ocupar lugar na coletividade. Este seria
o protótipo do que ele chamou de “pessoas”, e faz
um adendo ao fato de ter usado este substantivo no
plural, assim como para designação de “meros
indivíduos”: “… há em toda coletividade
estratificada muitos lugares e, assim, muitas
pessoas qualitativamente diferentes; e há
indiscutivelmente, nas sociedades individualistas
uma massa anônima e infinita de meros indivíduos
indiferenciados e intercambiáveis (...)” (Figueiredo,
1995, p. 36).
Para abordar a invenção da modernidade
denominada sujeito, Descartes é colocado como
chave na formação deste protótipo racional e
interiorizado, que assume a condição de fundamento
epistemológico de si mesmo (Figueiredo, 1995). E
também de entes no mundo, que se prestam a uma
representação exata, ou seja, que possam ser
submetidos às mensurações no domínio das técnicas.
Para exemplificar esse sujeito, Figueiredo (1995)
utiliza um personagem de Ítalo Calvino que também
dá nome a obra, o Cavaleiro Inexistente, que
mantém de pé sua armadura apenas pelas forças da
vontade, da consciência onipresente, buscando
controle sobre si e sobre boa parte dos
acontecimentos do mundo, praticante inabalável das
regras morais e legais, contudo, inexistente.
Deixando apenas o rastro dos aspirantes a sujeito:
os meros indivíduos e as pessoas em sua trágica
existência.
Recuperando o verbete subjetividade, podemos
inferir que esse seria um simulacro de substantivo,
sem o peso do artigo definidor, estaria mais no
sentido de uma contração subjetiva, contingente,
múltipla e efêmera. Não tendo as pretensões e
inconvenientes “dO Sujeito” nem as limitações de
um “eu”, pois ele se dá na imanência dos encontros.
Este estado de trânsito de adjetivo para um
substantivo sem sujeito, promovido pelo encontro do
sufixo “dade”, lembra a proposta de Deleuze e
Guattarri (1993, 1995) de subjetividade encarada
como um processo.
Pelo viés da potencialidade, Deleuze e Guattari
(1995) pensam a subjetividade como um devir
contínuo e ativo, como processos de subjetivação ou
produções de subjetividades, onde não sobra espaço
para concepção de sujeito interiorizado, esse é antes
um contínuo vir a ser, ou no máximo uma dobra
(Deleuze, 2005) de um exterior em constante
movimento.
Foucault (1984), por sua vez, considerando as
sociedades disciplinares, cuja ideia principal diz de
uma cultura institucional e institucionalizante
fortemente marcada pelas normatizações e punições,
onde a vigilância e a disciplina marcam corpos e
buscam instituir identidades localizáveis, corpos
dóceis politicamente e úteis economicamente,
entende que estes modos de subjetivação além de
serem atravessados fortemente pelo poder/saber,
também poderiam ser transversalizados por forças
de resistência, perceptíveis, por exemplo, através
das práticas de si, neste sentido propõe uma
guinada teórica que contempla toda uma
hermenêutica deste si que repercute em suas
últimas obras.
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Acompanhando esta guinada teórica, Deleuze (2005)
acopla seu conceito de dobra para evidenciar a não
interioridade psicológica dos modos de subjetivação
traçados por Foucault: “ O lado de fora não é um
limite fixo, mas uma matéria móvel, animada de
movimentos peristálticos, de pregas e de dobras que
constituem um lado de dentro: nada além do lado de
fora, mas exatamente o lado de dentro do lado de
fora” (Deleuze, 2005, p.104).
Deleuze e Guattari buscaram apreender esta
subjetividade, vazia de sujeito, em constante
trânsito e plena de produção, pelo conceito de
agenciamento coletivo de enunciação articulado ao
de máquina. O conceito de máquina transversaliza
boa parte da produção de Deleuze e Guattari, é
associado a uma panaceia de temas e sofre pequenas
mutações dependendo do uso, como no caso de
máquinas desejantes ou inconsciente maquínico, ou
ainda máquinas de guerra nômades em
contraposição às concepções marxistas de aparelhos
de estado, que seriam sedentários.
As máquinas, no sentido lato (isto é, não só as
máquinas técnicas, mas também as máquinas
teóricas, sociais, estéticas, etc.), nunca funcionam
isoladamente, mas por agregação ou por
agenciamento. Uma máquina técnica, por exemplo,
numa fábrica, está em interação com uma máquina
social, uma máquina de formação, uma máquina de
pesquisa, uma máquina comercial.
Guattari e Rolnik (1996) produziram o conceito de
agenciamento coletivo de enunciação, onde tudo se
influencia mutuamente, abre-se um campo de
possibilidades mil e aleatórias e/ou de encontros
marcados pelo desejo, pela estética e outros
agenciamentos a se inventar. Pontuam que o
“coletivo” não se limita a grupos sociais, ele também
engloba o objetos técnicos, fluxos energéticos e
materiais e entidades incorporais.
Um bom exemplo de agenciamento coletivo de
enunciação, são as redes sociais virtuais com os
atravessamentos de vários círculos de sociabilidade:
trabalho, família, amigos, perfis falsos (Fakes),
políticos “fazendo” propaganda, e outros incorporais
e afins como os vírus de computador, marketing
comercial, grupos educacionais, religiosos, bandidos
... Ou até mesmo a própria internet como um todo,
com suas redes rizomáticas planetárias que se
ramificam como uma praga de difícil controle,
compartilhando informações pelas mais
diversificadas mídias, e agora mais recentemente o
compartilhamento de revolta, indignação, novas
utopias e desejos de mudança.
Posto estes elementos, podemos entender o sentido
do termo “produção”, que está ligado justamente a
este devir máquina de nossa sociedade capitalista
em constante mutação, e que associado
organicamente aos agenciamentos coletivos de
enunciação, parece sintetizar o que Deleuze e
Guattari compreendem por produção de
subjetividade. Entendemos que essas abordagens
teóricas não se interessam em apreender ontologias
acerca do sujeito, preferem antes filmar processos,
captar movimentos, que é diferente de fotografar e
analisar a realidade.
Buscando construir uma síntese pessoal, baseado
nestes autores, consideramos que a abordagem
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Subjetividade?
Demetrius Abreu
processual da subjetividade, parte de pressupostos que buscam
reafirmar a imanência de encontros múltiplos que acontecem no
próprio mundo e marcam corpos de “carne e osso” de seres banhados
na linguagem, produzindo enunciados dentro de um tempo histórico
descontínuo e construído considerando saberes e poderes vigentes,
assim como por tecnologias hegemônicas em determinado período.
Em contrapartida opõem-se em suma, ao ideal de um eu cartesiano
interiorizado, as concepções de transcendência, essencialismos,
dualismos platônicos e lógicas aristotélicas. Preferindo antes resgatar
as escolas sofistas, cínicas e estoicas, que em sua tradição reafirmam
norteadores estéticos, e o devir constante do mundo, que podem servir
de base para se pensar subjetividade como processo.
A partir dessas reflexões iniciais pretendemos acoplar o conceito de
subjetividade com o conceito de sujeito do inconsciente (Je) em Lacan
(1984), trabalho que já iniciamos e quem sabe renderá um artigo,
contudo isso é um assunto para uma próxima postagem.
_______________________
Referências:
Deleuze, G. (1988/2005). Foucault. São Paulo:
Brasiliense.
Deleuze, G. & Guattari, F. (1995). Mil Platôs:
capitalismo e esquizofrenia. vol. 1, SP: 34
Deleuze, G. & Guattari, F. (1996). Mil Platôs:
capitalismo e esquizofrenia. vol. 3, SP: 34
Figueiredo, L. C. (1995). Modos de subjetivação no
Brasil e outros escritos. SP: Escuta.
Foucault, M. (1984). História da sexualidade II Uso
dos prazeres. RJ: Graal.
Guattari, F. & Rolnik, S. (1996). Micropolítica
cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes.
Miller, J.A (1978/1985). Jacques Lacan, o seminário:
Livro 2; O eu na teoria de Freud e na técnica da
psicanálise. RJ: Zahar.
Sobre o autor do artigo:
Demetrius Abreu
Psicólogo pela UFJF
Mestre em Psicologia pela UFRN
Especialização em Psicanálise,
Subjetividades e Cultura pela UFJF
Professor e Coordenador do Grupo da
Psicanálise com a Cultura no Percurso
Livre em Psicanálise, Natal/RN
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Formada em psicologia pela Uninassau, Tatiana
Gomes segue seu trabalho na clínica desde 2018
através de um percurso psicanalítico. Fisgada em sua
análise pela psicanálise, ela trabalha com quadrinhos
desde 2017 produzindo cenas do cotidiano com seus
personagens e procurando, pela via do humor, emitir
questionamentos em formato de diálogos. As tiras são
hoje sua maneira de lidar com a falta. Segue
publicando semanalmente pelas suas redes sociais:
Instagram e Facebook.
@tatithoughts
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Seção
Sexualidade,
História & Cultura
A Sexualidade como fenômeno discursivo
Anderson Soares
Ao pensarmos a sexualidade diante da atmosfera
(social, cultural e política) contemporânea,
procuramos entendê-la como um fenômeno
discursivo que se modifica conforme os tempos
históricos e variadas formas de sociedade e
agrupamentos humanos, como temos verificado
ao longo da história das sociedades e
civilizações.
Ao pensarmos a sexualidade como fenômeno
discursivo na sociedade contemporânea,
inevitavelmente, reconhecemos as
particularidades e singularidades intrínsecas ao
tempo presente. São as marcas da
contemporaneidade que vão produzir variadas
modalidades de discursos, elaboração, ações,
formas de prazer e sofrimento com o que
conhecemos como sexualidade. Foucault (2005)*
nos faz refletir sobre:
Ora, considerando-se esses três
últimos séculos em suas contínuas
transformações, as coisas
aparecem bem diferentes: em
torno e a propósito do sexo há
uma verdadeira explosão
discursiva – e bastante rigorosa –
do vocabulário autorizado. Pode
ser que se tenha codificado toda
uma retórica da alusão e da
metáfora. Novas regras de
decência, sem dúvida alguma,
filtraram as palavras: polícia dos
enunciados (p.24).
No pensar as modalidades de discursos
contemporâneos sobre a sexualidade não temos
como dissociar a presença e influência das
ferramentas originárias da cultura on-line,
virtualidade e pela cristalização das redes sociais
na prática interpessoal e nas variadas formas de
intersubjetividade exercida pelos sujeitos atuais.
Merecem atenção as novas formas de conceber
a sexualidade e modos de investimento libidinal
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A sexualidade como fenômeno discursivo
Anderson Soares
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bem distintos de fins do século XIX.
Poderíamos pensar a sexualidade nesta atmosfera
como “libertadora”, em que sujeitos contemporâneos
não sofrem mais com as amarras de controle rigoroso
de seus desejos e práticas que em tempos passados
eram rigidamente vigiados, controlados e punidos por
uma cultura repressora e vigilante da sexualidade. Mas,
curiosamente a mudança do “nada pode” das
sociedades rígidas e autoritárias do passado para o
“tudo pode” contemporâneo não resultaram
exatamente em libertação e melhores condições de
estar e sentir.
Ao pensarmos a sexualidade sob a perspectiva de
sujeitos singulares percebemos a existência de
inomináveis queixas e dificuldades (essencialmente,
parecidas com as concebidas na Era vitoriana, como
bem testemunhou Sigmund Freud) que são originárias
da produção de subjetividade diante da alteridade. E
isso independe do tempo histórico em que o sujeito
está inserido, pois não pensamos a sexualidade na
perspectiva exclusivamente genital (coito) e sim
vinculada aos aspectos constitucionais do sujeito e
contingências de sua matriz afetiva (arcaica/primária)
reproduzidas (via inconsciente) nas variadas formas de
investimento libidinal e psíquico diante do desejo
sexual.
A produção de subjetividade do sujeito contemporâneo
carrega uma marca aparente de libertação, mas
curiosamente esta mesma atmosfera de libertação
também continua a produzir inúmeras formas de
sofrimento e desamparo psíquico. Muito tem se falando
em sintomas de sofrimento como depressão e
ansiedade, muitos deles relacionados exatamente á
questões de ordem narcísica e nas insatisfações
relacionadas aos investimentos libidinais e afetivos.
A sexualidade sempre foi abordada pelo senso comum
como relacionada à prática genital e ao coito
exclusivamente. Como se esta prática fosse regida
apenas pelo ímpeto biológico e com absoluta ausência
de produção de subjetividade e de elementos
inconscientes de cada sujeito. Daí o próprio sujeito em
questão perguntar: “Por que é que eu sofro tanto?”.
É indissociável a discussão entre sexualidade e cultura,
pois as sociedades de massa sempre produziram
sujeitos que acabam por não enxergar sua própria
singularidade e viverem (inconscientemente) conforme
“verdades”, culpas e ditames biológicos, generalistas e
deterministas que são fundamentais para que os
valores dominantes de uma sociedade se reproduzam
e se perpetuem. Daí que a atmosfera do aparente
“tudo pode” e da livre exposição pode ser mais um
estratégia de controle das sexualidades, mantendo os
indivíduos em sofrimento, que se recorrem exatamente
dos recursos e escapes da mesma sociedade que
produz o sofrimento.
E esta atmosfera de “liberdade” pode ser resumida
pela banalizada exposição dos corpos nas redes
sociais, a liberdade dos encontros e de diversas formas
de simulação como a pornografia. Mas é exatamente
esta atmosfera de simulação de liberdade que
aprisiona e adoece o sujeito contemporâneo, que não
consegue dar conta do excesso de estimulação, que
não traz o prazer e a completude desejada.
A grande questão é o lugar do sujeito singular, seja
numa atmosfera repressiva ou de permissividade, pois
em nenhuma destas o sujeito comum elabora
psiquicamente algo sobre sua produção de
subjetividade. Perambula como refém e reprodutor
tanto dos valores repressores como também dos
permissivos da sociedade que lhe sustenta política e
culturalmente no cotidiano.
Discutir sexualidade incluí a sociedade que a concebe.
Pois tenhamos como exemplo o resultado das últimas
eleições em nosso país, em que a pauta da grave crise
econômica e política foi ofuscada por uma bizarra
agenda de costumes que tinha como centro a
sexualidade. Uma observação mais apurada (sob ótica
psicanalítica) sobre o comportamento coletivo
(afetações com a sexualidade) neste contexto dos
últimos anos daria uma substancial publicação sobre
patologias psicossociais.
Os mecanismos de defesa dos psiquismos afetados
protagonizaram expulsão de incômodos internos no
que tange a sexualidade através de projeções**
expostas nas manifestações “políticas” agressivas
direcionadas aos segmentos que são considerados
ilegítimos e que não correspondem aos valores da
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A sexualidade como fenômeno discursivo
Anderson Soares
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heteronormatividade. As projeções estão presentes no
não dito dos discursos, que foram entrelinhas que
acabavam por denunciar o quanto nossa sociedade
está adoecida e os sujeitos a compõe com sérias
inquietações não elaboradas em suas sexualidades.
“normais”, como a superstição. (LAPLANCHE, Jean; PONTALIS,
J.B. Vocabulário da psicanálise. Martins Fontes: São Paulo, 2001).
Um fantasioso e imaginário “kit gay” protagonizou a
produção insana e bizarra de discursos que expunham
uma produção de subjetividade de sujeitos com clara
dificuldade em lidar com o outro que lhe é diferente.
Essa dificuldade estava presente no comportamento
violento quando a perspectiva destes próprios sujeitos
era confrontada com a diferença de natureza (corpo,
política, cultura, etc), em claras demonstrações de
dificuldade de lidar com prática interpessoal
democrática e humanizada.
As dificuldades de lidar com a diversidade expressas
nas demonstrações de agressão e ódio extremos
encontraram, no atual contexto, atmosfera (política e
cultural) favorável para tal manifestação, sem que
houvesse constrangimento. Uma demanda psicossocial
recalcada que agora está sendo impulsionada para
livre vazão, pois agora se tem autoridades que também
pensam assim e essa representação corrobora e
naturaliza discursos de intolerância e tais
demonstrações odiosas na esfera micropolítica.
Importante concluirmos afirmando que a discussão
entre sociedade e sexualidade é algo indissociável,
pois os sujeitos que compõe a sociedade são
produtores de subjetividade e reprodutores de suas
matrizes inconscientes singulares em suas práticas
interpessoais no cotidiano e não meros reprodutores
de condutas homogêneas e biológicas.
___________________
*FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: vontade de saber.
Graal: Rio de Janeiro, 2005.
**No sentido propriamente psicanalítico, operação pela qual o
sujeito expulsa de si e localiza no outro – pessoa ou coisa –
qualidades, sentimentos, desejos e mesmo “objetos” que ele
desconhece ou recusa nele. Trata-se aqui de uma defesa de
origem muito arcaica, que vamos encontrar em ação
particularmente na paranoia, mas também em modos de pensar
Sobre o autor do artigo:
Anderson Soares
Psicanalista - Instituto Amas de Psicanálise e Terapias –
Fortaleza-CE
Mestre em História pela UFRN
Membro e Professor do PLP - RN
Bacharel e licenciado em História pela UFRN
Especialista em Psicopedagogia pela UCB –RJ
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independente de
ser uma ciência ou
não, a psicanálise é
um saber que
ajuda às pessoas a
lidarem com suas
questões e seus
sofrimentos [...]
Ciência & Psicanálise
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Revistas científicas de psicanálise, eis a questão
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Rebekka Fernandes Dantas¹
Demétrius Abreu²
O Grupo de Trabalho sobre Ciência e Psicanálise
iniciou suas atividades em agosto deste ano com o
intuito de discutir a relação entre essas duas formas de
compreender o mundo. Os encontros se norteiam por
questões que dizem respeito a entendermos melhor a
psicanálise e a ciência, visualizarmos onde elas se
localizam, em que medida se aproximam ou se
intercedem. Essas discussões também subsidiam
nosso desejo de elaborar um periódico científico, é
esta revista um embrião disto que nos move.
Sendo está a nossa intenção, logo de início pareceu
importante pesquisarmos periódicos científicos já
existentes que pudessem nos inspirar, servir como
fonte de informações e também de espaço para
publicarmos nossos próprios escritos. Nessa busca nos
deparamos com um artigo intitulado “Periódicos de
psicanálise avaliados pela CAPES em 2009: um esforço
inicial para mapear o campo”[1] publicado na revista
aSEPHallus, que teve como objetivo mapear os
periódicos de 2009 que publicam predominantemente
artigos de psicanálise e com isso facilitar a busca dos
pesquisadores que desejam consultar ou publicar em
periódicos. Para isso os autores utilizaram a lista de
periódicos de psicologia avaliada pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
e nos forneceu uma lista de 65 periódicos.
A partir do Qualis-periódico[2], que é um sistema de
classificação da produção científica dos programas de
pós-graduação, realizamos também uma simples
pesquisa pelos periódicos que continham em seu título
ou subtítulo a palavra “psicanálise”. É importante frisar
que a partir desta busca as revistas que não têm o
termo em seu título, mas que publicam
predominantemente artigos de psicanálise não podem
ser identificadas. Assim, encontramos 18 títulos a mais
além dos que foram pesquisados por Fontes et al.
(2010), que disponibilizamos a vocês:
Lista de periódicos de psicanálise:
1. A Peste: Revista de Psicanálise e Sociedade
2. Analytica: Revista de Psicanálise
3. Arteira: Revista de Psicanálise
4. Calibán: Revista Latino Americana de Psicanálise
5. Círculo Brasileiro de Psicanálise
6. Estudos de Psicanálise
7. Estudos e Pesquisas em Psicologia
8. Estudos Interdisciplinares em Psicologia
9. Gradiva: Revista de Psicanálise
10. Lacuna: Uma Revista de Psicanálise
11. Leitura Flutuante
12. Rabisco: Revista de Psicanálise
13. Revista do Corpo Freudiano do Rio de Janeiro
14. Revista Periódicus
15. Revista Portuguesa de Psicanálise
16. Revista Topía de Psicanálise
17. Sig: Revista de Psicanálise
18. Tópica: Revista De Psicanálise
Quem quiser saber das outras revistas, vale a pena ler
na íntegra o artigo supracitado, além de se inteirar da
análise crítica que aponta entre outras coisas, a
concentração no sudeste do país, o pouco
aproveitamento dos instrumentos informacionais, e a
classificação no Qualis que infelizmente na maioria das
revistas ainda é muito baixa. E para dar um gostinho
citamos as revistas mais bem classificadas, que seria
interessante todo estudante de psicanálise
______________________________________
¹Percursante do PEAP. Nutricionista e mestre em Ciências Sociais (UFRN) com interesse de pesquisa em temas que
envolvem a relação entre Alimentação, Literatura e Ciência.
²Psicólogo e mestre em Psicologia pela UFRN; Professor e Coordenador do Núcleo da Psicanálise com a Cultura no Percurso
Livre em Psicanálise – Natal/RN.
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Revistas Científicas de Psicanálise
Dantas & Abreu
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acompanhar minimamente: Ágora (PPGTP/UFRJ)
Revista Brasileira de Psicanálise; International Journal
of Psycho-analysis; Percurso, Revista de Psicanálise;
Mal-estar e Subjetividade; Estilos da Clínica (USP);
aSephallus.
De todas essas revistas citadas visitamos algumas e
encontramos uma diversidade de temas vistos sob o
olhar da psicanálise, como: saúde, saúde pública,
política, gênero, cultura, literatura, arte e casos clínicos.
Afora os casos clínicos percebemos que estes artigos
transitam por várias áreas de conhecimento e poderiam
ser publicados em outras revistas, e não
especificamente em uma de psicanálise. Isto parece
refletir o que é a Psicanálise, um saber marginal e
limítrofe, que transita por diversos outros: medicina,
filosofia, mitologia, psicologia, antropologia, sociologia,
artes… Como também sinaliza a dificuldade ou melhor,
a impossibilidade de inserirmos a Psicanálise, tal qual é,
no âmbito da ciência moderna.
Esta impossibilidade se dá pelo fato de o
conhecimento científico moderno avançar
predominantemente pela observação sistemática e
rigorosa dos fenômenos naturais e pelo rigor das
medições e dos cálculos matemáticos, pois como
afirma Boaventura Santos: “o mundo é complicado e a
mente humana não o pode compreender
completamente. Conhecer significa dividir e classificar
para depois poder determinar relações sistemáticas
entre o que se separou”[3], como se o todo fosse a
soma das partes.
Enquanto isso, a psicanálise tem como objeto de
estudo os fenômenos inconscientes, fruto de desejos
recalcados e impalpáveis, acessados apenas em parte
pela associação livre e dados a uma interpretação, que
por mais que se tente nunca atinge a idílica
neutralidade científica.
fenômenos do mundo.
No entanto, independentemente de ser uma ciência ou
não, a psicanálise é um saber que ajuda às pessoas a
lidarem com suas questões e seus sofrimentos, e
portanto, “o fato de não ser uma ciência jamais a
destituirá de um significado ou de constituir um saber
pertinente e que produz resultados na clínica”[4]. O que
também não nos isenta da apropriação e produção de
escritos científicos de qualidade, assim como da
potencialização das revistas existentes e as que ainda
estão por vir.
_________________________
[1] FONTES, Flávio Fernandes et al. Periódicos de psicanálise
avaliados pela CAPES em 2009: um esforço inicial para mapear o
campo. Revista eletrônica do Núcleo Sephora, v. 16, n. 5, 2010.
[2] "Qualis Periódicos - Plataforma Sucupira." Disponível em:
https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/
veiculoPublicacaoQualis/listaConsultaGeralPeriodicos.jsf.
Acessado em 6 dez. 2018.
[3] SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as
ciências. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2008, p. 28.
[4] MEDEIROS, Roberto Henrique Amorim de. A Psicanálise não é
uma ciência. Mas, quem se importa?. Psicologia: ciência e
profissão, v. 18, n. 3, p. 22-27, 1998. Disponível em: http://
www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S1414-98931998000300004. Acessado
em 6 dez. 2018, p. 26.
Talvez a psicanálise se aproxime das teorias científicas
que emergem por volta do século XX a partir da
percepção das insuficiências da ciência moderna,
pautando-se na ambiguidade da matéria de Niels Bohr,
no princípio da incerteza de Heisenberg, e no
fortalecimento das pesquisas qualitativas em sua
indissociabilidade entre biológico e social, corpo e
mente, permitindo uma abordagem mais complexa dos
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REV. SARAVÁ SCIENCE, Nº 0, DEZEMBRO, 2018.
27
Rua Dr. José Gonçalves, 1724,
Lagoa Nova
@percursoempsicanalise
www.percursoempsicanalise.com.br
28
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Seção Clínica Psicanalítica
Mais de um século depois de
A Interpretação dos Sonhos, o marco
do início da Psicanálise, algumas
questões que perpassam o fazer
clínico ainda continuam intrigando
analistas e simpatizantes desse
método de escuta [...]
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REV. SARAVÁ SCIENCE, Nº 0, DEZEMBRO, 2018.
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A Clínica contemporânea e a justa medida da técnica
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Rafaela Santos Amorim
Mais de um século depois de A Interpretação dos
Sonhos, o marco do início da Psicanálise, algumas
questões que perpassam o fazer clínico ainda
continuam intrigando analistas e simpatizantes desse
método de escuta. A subjetividade contemporânea
revela novas formas de relação do sujeito com o objeto
e, consequentemente, demanda que o analista
repense sua conduta clínica para aplacar as angústias
que lhe chegam e ofertar espaço para que sejam
trabalhadas. Assim, considerando o manejo em uma
clínica com pacientes em estruturas de estados-limite
ou mais regredidos, a exemplo dos borderlines, aqui
buscarei suscitar uma reflexão acerca das demandas
que essas subjetividades têm requisitado da técnica no
fazer psicanalítico.
Ao se pensar em clínica contemporânea na Psicanálise,
um dos grandes impasses que pode vir a causar
inquietude é a justa medida da técnica na oferta do
cuidado. No trabalho transferencial, a conduta do
analista pode intervir e redirecionar o investimento
libidinal durante as sessões. Assim, ao refletir sobre a
postura dessa figura no setting, Luís Claudio Figueiredo
aponta que o analisando precisa sentir sua presença,
mas ela não pode ser invasiva e, portanto, deve
oferecer um espaço para que as necessidades
psíquicas possam surgir durante a sessão. É
imprescindível que o analista não se deixe levar por
seus próprios elementos narcísicos e ponha-se,
também, em lugar de reserva no setting. Essa postura
não intrusiva é responsável por permitir que o paciente
esteja só, mesmo enquanto na presença de seu
analista. A partir desse lugar, a análise toma forma e o
trabalho analítico ocorre com o protagonismo do
próprio analisando. Ele se escuta e metaboliza o
material traduzido a partir da associação livre e por
meio de um trabalho em conjunto com o par analítico.
Nesse cenário, é importante retomar a definição de
Psicanálise Contemporânea que Candi (2009) traz em
sua leitura de André Green quando afirma que essa
clínica está pautada em pacientes e situações que se
encontram no campo do limite do analisável, os quais,
muitas vezes, possuem lacunas constitutivas que não
lhes permitem lidar com interpretações, investimentos
objetais, castrações, simbolizações e enquadres que a
clínica clássica costuma ofertar. Impasses com horários
e dinheiro, por exemplo, são ainda mais comuns com
esse tipo de paciente, e é aconselhável que o analista
observe a subjetividade de cada analisante para evitar
uma generalização ancorada única e exclusivamente
na Psicanálise Clássica. Não se trata, porém, de
abandonar as orientações técnicas de Freud, mas de
compreender que, para além das questões ritualísticas,
as estruturas psíquicas que encontramos na clínica têm
demandado, cada vez mais, flexibilidade e criatividade
do analista para que este oferte um ambiente em que
as questões de seus pacientes possam surgir e serem
trabalhadas. Ademais, a percepção de estrutura
psíquica nos é útil para refinar a escuta clínica, mas não
pode eliminar a noção de singularidade frisada por
Marion Minerbo (2013) ao falar sobre os diferentes
funcionamentos psíquicos dentro de cada
subjetividade. Aplicar puramente a teoria à prática seria
como tornar o analista surdo às questões do paciente.
Diferente de outros tipos de tratamento, o foco da
Psicanálise não pode ser a cura em si, e sim as
afetações que as questões trazidas para análise
causam no analisando, sem haver preocupação com
uma sequência lógica e regular. O processo deve
andar por si só para que as coisas aconteçam no seu
tempo. A interpretação de um sonho, por exemplo, não
precisa ocorrer como uma obrigação logo após seu
relato, mas de forma cautelosa e de acordo com a
capacidade psíquica que o analisando demonstra ter
para assimilar tal percepção, de forma que essa não
venha a ser vista como um excesso.
É comum que ocorra, em alguma sessão, de o analista
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Sobre a autora do texto:
Rafaela Santos Amorim
Psicanalista – Percurso Livre em
Psicanálise - RN
Graduada em Letras – Língua Inglesa -
UFRN
Professora do Estado do RN
ofertar uma interpretação ou questionar algo ao seu
paciente e note que este não se afetou ou não
entendeu como importante o que lhe fora lançado.
Nesse momento, o analista pode se indagar sobre o
timing de seu comentário e é importante que fique
atento para não permitir que seu narcisismo tome o
protagonismo do tratamento ao ponto de que ele
priorize devolver interpretações a todo custo, mesmo
que estas não sejam captadas pelo analisando. Ao
sentir que está tendo dificuldades em manter uma
postura de reserva, o analista deve procurar auxílio
em sua supervisão para sair desse campo totalitário e
narcisista.
A Psicanálise Contemporânea exige plasticidade do
analista. Tendo a técnica como baliza, é imprescindível
que haja uma disponibilidade para uma clínica versátil
que se adeque às especificidades de seus pacientes.
Não suficiente, deve-se observar e ficar atento para
além das estruturas, considerando que o paciente não
é o mesmo a cada sessão. Ele muda, traz diferentes
demandas a cada dia, portanto, solicita presenças
variáveis – de mais implicação ou de mais reserva. Ao
analista, cabe sempre manter-se flexível ao que o
analisando requer naquele momento e lhe oferte o
necessário para que seu inconsciente se manifeste e
seja escutado.
_________________________
Referências:
CANDI, Talya. Orientações para uma psicanálise
contemporânea. Rev. latinoam. psicopatol. fundam. [online].
2009, vol.12, n.1, pp.221-224. ISSN 1415-4714
FIGUEIREDO, Luís Cláudio. A Psicanálise e a clínica
contemporânea. Contemporânea - Psicanálise e
Transdisciplinaridade. Porto Alegre, n.07, Jan/Fev/Mar 2009.
FIGUEIREDO, Luís Claudio; Coelho Jr, Nelson. Ética e técnica em
psicanálise. São Paulo: Escuta, 2000.
FREUD, S. A questão da análise leiga. Rio de Janeiro: Imago,
v.XX, 1976.
MINERBO, Marion. Neurose e não neurose. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2013.
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OPORTUNIDADE
DE ATENDIMENTO
EM PSICANÁLISE
MAIS INFORMAÇÕES:
084 99897-6966
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Indicação
de Leitura
Sobre
Psicanálise
Problemat(r)izações
por Pedro von Sohsten
Resenha de indicação e comentários
ao livro “Adoecimentos psíquicos e
estratégias de cura: matrizes e
modelos em psicanálise” (2018) de
Luís Cláudio Figueiredo e Nelson
Ernesto Coelho Júnior.
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Problemat(r)izações
Pedro von Sohsten
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Problemat(r)izações
Pedro von Sohsten
sofrimento psíquico e assim, para que possamos nos
propor a pensar, também, o singular caminho ético e
técnico que a clínica poderá ofertar.
O que esperar da dupla – Luís Claudio Figueiredo e
Nelson Ernesto Coelho Junior – quando se juntam,
novamente, para propor “problemat(r)izações” para o
campo psicanalítico? Após as imprescindíveis
considerações traçadas no livro “Ética e técnica em
psicanálise” (2000) vemos, no livro lançado neste ano
de 2018, um acréscimo importante para a compreensão
dos traçados da psicanálise em nossa
contemporaneidade, que, para valer-se de uma
expressão de Figueiredo (2009), está cada vez mais
num inexorável “atravessamento de paradigmas”.
Neste livro, que é necessariamente um deleite de
leitura, podemos acompanhar as proposições dos
autores com uma fluência, e uma generosa transmissão
com os leitores, ao tratar idéias e conceitos
diversificados e complexos com leveza e síntese, sem
excessos e sem simplificações, e ao propor problemas
e soluções teóricas e clínicas de grande abrangência e
relevância para o campo da psicanálise
contemporânea.
Pode-se apontar que o livro parte de duas diretrizes
gerais – a) as formas de compreensão sobre as
etiologias do adoecimento psíquico – elementos
psicopatológicos – ancorados no pensamento
metapsicológico que se inaugura em Freud e que
avança, e até se modifica, com outros teóricos pósfreudianos;
b) as estratégias de cura – elementos
técnicos e éticos – que são passíveis de utilidade
clínica na medida em que corroboram com a escuta
dos elementos psicopatológicos correspondentes.
A partir da leitura da obra, pode-se acompanhar a
proposição do quanto é necessária uma escuta precisa
dos processos psicopatológicos que promovem o
sofrimento psíquico para que seja possível qualquer
direção ética ou técnica do tratamento clínico. E como
“chaves de escuta” para os adoecimentos do qual
cuidamos em nossas clínicas, os autores propõem que
seja diferenciado duas matrizes, que auxiliam a pensar
a constituição destes, diferentes, processos de
O livro é assim dividido inicialmente para pensar as
duas matrizes:
- A matriz freudo-kleiniana, abordada no livro pelo
pensamento arguto e robusto de Luís Cláudio
Figueiredo, aponta a dimensão central desta matriz de
adoecimento através de uma importante revisão do
conceito de angústia na obra de Freud, e que a partir
do primeiro dos psicanalistas, seu traçado teórico deixa
uma inerente marca de pensamento psicopatológico,
no qual o adoecimento psíquico é sempre fruto de uma
atividade, uma ação psíquica, corriqueiramente
convocada como resposta a angústias e conflitos, que
tentam assim solucionar, ainda que aos danos
ocasionados pelo sofrimento, através de uma resposta
ativa e eficiente, os processos psíquicos de angústias,
capazes de desorganizar o psiquismo. Esta matriz teria
início em Freud, através de importantes conceituações
metapsicológicas, tais como o recalque (repressão) na
composição das neuroses, ou nas suas variantes de
qualidade ativa, que foram associados aos
adoecimentos na psicose (repúdio-rechaça) e
perversão (denegação-recusa). Esta Matriz do
pensamento psicopatológico teria saído do frondoso
baobá que é a obra de Freud e se ramifica em outros
pensadores como Melanie Klein, Jacques Lacan,
Wilfred Bion e André Green. Nestes autores, pós Freud,
seria possível denotar a presença de um pensamento
psicopatológico que considera o psiquismo este
incansável e ativo sujeito, que luta, ante aquilo que
insiste em impor os trabalhos com as angústias.
Figueiredo (2018) considera no livro que esta seja a
“matriz fundante e central do pensamento
psicanalítico” (p.35).
- Já para uma segunda matriz, que é tida como
complementar à matriz freudo-kleiniana, temos as
proposições de um exímio problematizador da clínica e
de suas ofertas de escuta, Nelson Ernesto Coelho
Junior, quando traz à tona a matriz ferencziana, que
teria sua ancoragem na obra do pensador psicanalítico
da outra capital do Império da Austro-húngaro. É na
obra deste magnânimo clínico, Sandor Ferenczi, que
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Problemat(r)izações
Pedro von Sohsten
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Bucareste.
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Capa do Livro —
Adoecimentos Psíquicos e
Estratégias de Cura
(Matrizes e Modelos em
Psicanálise)
Luís C. Figueiredo, Nelson
E. Coelho Junior, 1ª ed.
2018.
será apontado a fonte originária de um pressuposto
psicopatológico distinto da matriz freudo-kleiniana.
Nos adoecimentos psíquicos marcados pelo alcance
etiológico da matriz ferencziana, na qual imperariam
processos de adoecimento psíquicos que não seriam
marcados por respostas ativas, mas sim processos
muito arcaicos que apontariam paras falhas primitivas
das relações objetais primárias e primordiais. Nestas
“falhas do ambiente”, em tempos primevos, não há
ainda o impulso ativo de soluções defensivas, sendo
assim, há apenas ao sujeito a situação de assujeitarse,
uma “passivação”, um inerte estado psíquico, que
apontaria para o plano de Tânatos que, já lá em Freud
(1920), visa a inércia e o Nirvana. Estes processos de
“traumatismos precoces” promoveriam no psiquismo
uma impossibilidade de alçar suas muralhas de Tróia
para defender-se dos excessos promovidos pelo
trauma. Estas formulações psicopatológicas são
assentadas como relevantes e determinantes para a
compreensão dos “quadros difíceis” já atendidos por
Ferenczi, e que depois vai disseminando-se pela
psicanálise em diferentes nomenclaturas, tais como
“não-neuróticos”, “borderline”, “paciente limite”,
“patologias narcísicas”, etc. É apontado também que
tal matriz de adoecimento psíquico deixa seu legado
em alguns dos grandes nomes da psicanálise global,
tais como Rene Spitz, Michel Balint e Donald Winnicott.
Autores estes, que teriam apontados caminhos
teóricos e clínicos ramificados às raízes dos ditames e
explorações que surgiram na obra do pensador de
Após esta sucinta apreciação da diretriz sobre os
processos, distintos, acerca do adoecimento psíquico,
podemos avançar para suas intrínsecas relações com
as “estratégias de cura” como assim é apontado no
próprio título do livro. Um dos ápices do livro é sua
proposta de pensar uma escuta clínica
contemporânea que pode ser ancorada numa
perspectiva “transmatricial”.
Este momento da obra é um exímio cântico às
problemat(r)izações; um soar reconfortante e
instigante aos ouvidos de clínicos que se veem
interrogados por experiências psicanalíticas cada vez
mais desafiante. Vê-se nesta obra um passo decisivo e
decidido quanto aos caminhos que a clínica
psicanalítica parece reivindicar percorrer.
Buscando sempre o já citado “atravessamento de
paradigmas” têm-se, com a leitura, assertivas reflexões
quanto a tarefa técnica de escutar as pertinentes
demandas da constituição psíquica, calcadas nas
angústias e suas defesas, ou de suas inauditas formas
silentes e inertes.
Acompanha-se Figueiredo denotar que o exercício da
clínica contemporânea já encontra autores que nos
permitem “pontos de referências” quanto a propostas
teóricas e clínicas “transmatriciais”, sendo possível
este passo a partir da obra de um grande pensador da
psicanálise francesa: André Green. Este autor é
apontado como um pioneiro no “reconhecimento” das
diferentes matrizes do adoecimento e de suas
correspondentes estratégias de cura, também
distintas. Porém, seus passos não foram apenas no
sentido do saber, de um simples reconhecimento de
tais distinções. Pode-se ver na obra de Green um
legítimo legado de uma prática clínica que visa uma
técnica com aportes “transmatriciais”, quando em sua
obra são traços marcantes uma intricada e complexa
trama metapsicológica que envolve Freud, Klein,
Winnicott, Lacan, Bion, entre outros.
O livro também nos encaminha para as propostas
transmatriciais na obra de René Roussillon e seu
abrangente estudo sobre as patologias narcísico-
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Problemat(r)izações
Pedro von Sohsten
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identitárias, suas agonias primitivas, sua cisão primária
enquanto recurso último aos traumatismos precoces,
que impõe um retirar-se da existência, uma estratégia
de passivação, de deixar morrer partes de si. Porém, é
também encontrado na obra deste autor recursos de
“sutura por ativação” que manifestariam “soluções
sexualizadas”, “soluções somáticas”, “soluções grupais
e institucionais” e a “solução delirante ou psicótica” (p.
216).
Este momento do livro ainda segue pelas propostas
da autora inglesa Anne Alvarez, que com seu conceito
técnico da “reclamação” (reclaiming), no qual seu uso
clínico é proposto na medida em que o analista é
convocado a dar vida àquilo que perdeu a esperança,
onde Eros não mais comparecia. Há uma
suplementação da atividade psíquica, realizada pelo
analista, ali onde não há criação e/ou “cri-atividade”
alguma.
É possível citar, para encerrar este norte referencial de
uma psicanálise transmatricial, a obra de Thomas
Ogden, que é colocado também como imprescindível
suporte para os desígnios da clínica contemporânea
através de suas conceituações como a “posição
autista contígua” que apontaria para um desconexão
radical, um isolamento, que poria a própria vida em
suspenso, um isolamento como forma primária de
vida; ou a noção do “terceiro analítico” elencada a
partir de uma importante releitura do uso da
identificação projetiva – conceito cunhado por Klein –
na obra de Bion e suas reverberações para o campo
da experiência analítica. As suas contribuições são
ancoradas numa diversidade teórica e clínica que
trança ambas as matrizes propostas pelo livro, e
navega com autores que vão desde o Clássico: Freud,
Klein, Winnicott, Bion; mas o autor também se permite
elucubrar a partir de Green, Fairbairn, Searls, Lacan,
entre outros.
O livro ainda nos delicia com dois “anexos”, onde
encontramos dois excelentes textos que acompanham
as problemáticas lançadas pelo livro. No primeiro
temos as contribuições de Paulo de Carvalho Ribeiro
que trata do lugar transmatricial da obra de Jean
Laplanche. E no segundo anexo temos um texto, da
autora Ivanise Fontes, que traz para debate o lugar e a
obra de Pierre Fédida reverberando as proposições da
matriz ferencziana de compreensão do adoecimento e
de suas estratégias de cura.
Pode-se assim conotar, neste breve trajeto sobre o
livro, que temos uma leitura que requisitará um
desprendimento de pré-conceitos, para que seja
possível transpassar por diversos autores, por
conceitos distintos, mas que visam um objetivo claro e
bem trabalhado. Se ao leitor, for possível dar tal passo,
será surpreendido por um desejo imenso de seguir
até o final de cada momento do livro, que nos conduz
com magistral sapiência a problemat(r)izações cada
vez mais caras e necessárias ao campo psicanalítico
que se erige neste século.
Sendo assim, basta dizer que há nestes escritos, deste
profícuo livro, um selo de qualidade ímpar, de autores
que estão, ao meu ver, na vanguarda de nossa pátria
psicanalítica e que já deixam seus legados em nossas
clínicas.
_________________________
Referências:
Figueiredo, L. C. (2018) Adoecimentos psíquicos e estratégias
de cura: matrizes e modelos em psicanálise / Luís Claudio
Figueiredo, Nelson Ernesto Coelho Junior; com a colaboração
de Paulo de Carvalho Ribeiro, Ivanise Fontes. – São Paulo:
Blucher.
Figueiredo, L. C. (2009) As diversas faces do cuidar: novos
ensaios de psicanálise contemporânea / Luís Claudio
Figueiredo. – São Paulo: Escuta.
Figueiredo, L. C. (2000) Ética e técnica em psicanálise / Luís
Claudio Figueiredo, Nelson Ernesto Coelho Junior. – São Paulo:
Escuta.
Sobre o autor do texto:
Pedro von Sohsten de Miranda
Psicanalista
Mestre em Psicologia - UFRN
Licenciado em Psicologia – UnP-RN
Especialista em Psicologia Clínica – Psicanálise –
EPSI/PB
Membro Fundador e Professor do Percurso Livre em
Psicanálise - RN
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Indicação
de Leitura
Sobre
Psicanálise Sobre
Literatura
-Clarice Lispector-
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Indicação de Leitura
Rebekka Fernandes Dantas
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“A Via Crucis do Corpo” de Clarice Lispector
Rebekka Fernandes Dantas
N
o dia 10 de dezembro deste ano a
escritora Clarice Lispector estaria
completando 98 anos. Nesta sessão
escolhemos um livro de sua autoria para
homenagear esta mulher misteriosa,
dotada de uma escrita igualmente enigmática. Para
tanto selecionamos a obra “A via crucis do corpo”, livro
composto por 13 contos e um prefácio, publicados
originalmente em 1974, gerando polêmica e críticas
impiedosas, e reeditado em 1998 pela editora Rocco
(78 páginas).
mas acaba por se permitir experimentar o prazer
sexual com um ser de outro mundo; o relacionamento
bígamo entre Xavier, Carmem e Beatriz em “O corpo”;
a gestação da virgem Maria das Dores em “Via
Crucis”; o desejo de prazer que nunca acaba da
octogenária dona Cândida Raposo; e todas os outros
nove contos que nos trazem uma reflexão desse
corpo feminino permeado pelo desejo e pelo prazer.
“Explicação”, título do prefácio, apresenta este livro
curto, mas denso. Seus três primeiros escritos: “Miss
Algrave”, “O Corpo” e “Via Crucis” foram
encomendados pelo poeta Álvaro Pacheco. Clarice
conta que diante do pedido respondeu não saber
fazer história por encomenda, mas enquanto se
falavam ao telefone já ia nascendo em si a inspiração.
Ela mesma afirma ter ficado chocada com a realidade
das histórias, e se resguarda: “Se há indecências nas
história a culpa não é minha. Inútil dizer que não
aconteceram comigo, com minha família e com meus
amigos” (p. 11). Ainda que sejam contos ficcionais,
alguns deles inclusive dotados de um caráter
fantasioso, realmente é difícil não encontrarmos
nestes escritos algo de nós e dos outros.
O corpo é o elemento central dos contos desta obra.
Ele é o que temos de mais íntimo e ao mesmo tempo
de mais estranho, é ele que impõe limite aos outros
corpos ao mesmo tempo que proporciona uma
abertura para a relação, o contato e confronto. No
entanto, Clarice Lispector não trata de qualquer corpo,
mas do corpo feminino, que é dotado de desejos
singulares e encarcerado por regras que não atinge a
todos igualmente.
Sobre a autora do texto:
Rebekka Fernandes Dantas
Percursante do PEAP, PLP, NATAL – RN
Licenciada em Nutrição – UFRN
Mestre em Ciências Sociais – UFRN
E assim conhecemos a história de “Miss Algrave”, que
considera pecado até mesmo comer carne vermelha,
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ENTREVISTA PSICANALÍTICA
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Cecília Santos
"[..] entendendo que as minhas faltas também podem
reverberar a posteriori em possíveis conduções técnicas e
movimentos para a análise daqueles a quem dedico minha
escuta [...]"
Psicanalista da primeira turma do curso de formação em
psicanálise do PLP, Cecília Santos foi ao longo de sua
formação um exemplo de compromisso, dedicação e cuidado
com seus pares de trabalho e com seus pacientes. Sua conduta
implicada e ética tornou-se pavimento sólido para que hoje
ocupe lugar de destaque no PLP, coordenando a clínica do
GAPP com competência e sensibilidade."
(Luiz Ricardo Mesquita - Psicanalista)
uma oportunidade de aproximação a este campo do saber científico,
em linguagem mais dinâmica e fluida, e não menos respeitável que
logo tornou-se identificação e ideal de possível método às minhas
futuras práticas clínicas que se aproximavam com o término de minha
graduação em psicologia: me vi capturada. Penso que o PIP me fez
encantar com a abordagem sem que eu deixasse de reconhecer os
riscos desse apaixonamento.
1Como você chegou até o PLP?
Conheci o Percurso Livre em Psicanálise através dos colegas de
faculdade, que já haviam estudado os módulos de introdução com o
professor Pedro Von Sohsten, fundador da instituição.
Como foi seu contato com a psicanálise
através do PIP?
2O Percurso de Introdução em Psicanálise do PLP conta com a
transmissão performática e atrativa, daquele que tem como missão
engravidar os outros de psicanálise: Pedro von Sohsten. Para mim, essa foi
O que mobilizou a busca por uma
formação mais aprofundada em
3Psicanálise?
Após as experiências com os dois módulos introdutórios, o
que me restou foi o desejo de saber, descobrir e conhecer, seja sobre
as histórias dos autores e suas teorias, as técnicas, as ferramentas para
manejo clínico, e o melhor, conhecer a mim mesma, pois em contato
com todos esses ditos, os meus não ditos inevitavelmente me
conduziram ao início de meu processo de análise pessoal. Nesta
ocasião, me vi preocupada que a instituição organizasse e programasse
a continuidade desse processo, em uma formação mais aprofundada
em psicanálise, sem que a angústia do não lugar me tomasse conta ao
fim de mais um semestre. Ao meu ver, é isso também que as
instituições podem oferecer: um lugar, que para além do espaço físico
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REV. SARAVÁ SCIENCE, Nº 0, DEZEMBRO, 2018.
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promova a segurança necessária ao desenvolvimento do sujeito e
criação de algo novo, como afirma Winnicott quando relaciona que a
mãe enquanto ambiente suficientemente bom favorece a capacidade
criativa no sujeito. Contudo, em ambiente a mim favorável, o desejo
de saber uniu-se a necessidade de construir ferramentas possíveis para
lidar com as demandas que em breve se endereçariam a minha prática
clínica. E isso, sentia eu, ser possível com a psicanálise ofertada pelo
PLP. Hoje me vejo feliz com a assertividade desta escolha.
Como foi lidar com uma formação que
atravessa vários autores?
4Entre outras particularidades o PLP oferece uma formação
plural em psicanálise e isso muito me agradou, considerando que foi
possível apreciar variados autores de escolas e manejos diferentes.
Ficou claro para mim que a psicanálise não se faz a partir das teorias
já criadas, mas da capacidade de escutar a singularidade do sujeito
psíquico que se endereça a clínica através de modos subjetivos de
sofrimento e que muitas vezes surgem em roupagens que se
distanciam das demandas que recebia a clínica psicanalítica clássica.
Com isso, a pluralidade na oferta de conhecimento teórico
é mais um suporte de cuidado para o cuidado, ou seja, ferramentas a
serem utilizadas ou contrapostas em nossa clínica cotidiana. Para
mim, isso movimenta e enriquece esse campo em teoria e prática.
5
Para
Como é a perspectiva de ter uma
formação clínica dentro do PEAP? E
como foi sua experiência no GAPP?
a participação no grupo de estágio GAPP (grupo de
atendimentos psicoterapêuticos em psicanálise), foi premissa
indispensável que o tripé freudiano (análise pessoal, estudo teórico e
supervisões) estivesse em constante andamento. Enquanto analista que
iniciava a experiência de escuta nos estágios clínicos, as supervisões
tornaram-se para mim uma espécie de baliza entre as falhas/faltas que
apontavam para o campo pessoal a ser trabalhado em minha análise, e
aquelas que apontavam para a necessidade de aprimorar os recursos
éticos e técnicos, visualizando me aproximar daquela analista por mim
idealizada, sem deixar de reconhecer a importância da impossibilidade
de ocupar este lugar, entendendo que as minhas faltas também podem
reverberar a posteriori em possíveis conduções técnicas e movimentos
para a análise daqueles a quem dedico minha escuta, assim como
refletiu em amadurecimento ao longo de minha formação em
psicanálise, até os dias atuais.
aos variados fenômenos que se apresentam na contemporaneidade.
Retratando o campo clínico, há a necessidade de muitas vezes
reconhecer as demandadas que impelem ao analista sair de um lugar
rígido e clássico e de modo mais plástico se tornar uma ambiência
possível a acessar os novos moldes do desamparo.
Dessa maneira, o nosso tempo, parece nos exigir pensar a
clínica psicanalítica a partir dos novos modos de reedição do
desamparo, tendo em vista que, neste contexto, se produzem modos
singulares de subjetivação, e que muito reflete da cena social atual.
Atento a isso, o psicanalista deve dispor de flexibilidade na condução
do processo psicoterapêutico, considerando a psicanálise como meio
para reinventar possíveis destinos ao que Freud não propôs cura: o
desamparo humano.
7
Vislumbro
Como você vislumbra sua relação com
a psicanálise nos seus próximos passos
com o campo psicanalítico?
que os meus próximos passos com a psicanálise
possam tornar cada vez mais sólida a caminhada nesta área repleta de
desafios, mas também de possibilidades, a fim de sustentar os
elevados investimentos necessários a boa atuação profissional que
muitas vezes nos exige repensar a prática e acrescentar a teoria para
que os espaços alcançados se propaguem por outros ainda não
ocupados. Com isso, desejo que através da psicanálise eu possa
continuar escutando as resistências dos discursos que ainda silenciam
o sofrimento humano na contemporaneidade.
6A partir deste seu percurso, qual o seu
olhar sobre a psicanálise na
contemporaneidade?
O caminho até aqui percursado com a psicanálise me
permitiu perceber que os recursos deste campo do saber em constante
desenvolvimento, oferecem novas possibilidades de leituras e olhares
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40
Nada vos oferto
além destas mortes
de que me alimento
Caminhos não há
Mas os pés na grama
os inventarão
Aqui se inicia
uma viagem clara
para a encantação
Fonte, flor em fogo,
quem é que nos espera
por detrás da noite ?
Nada vos sovino:
com a minha incerteza
vos ilumino
Ferreira Gullar
"VISTA INTERNA DO FORTE DOS REIS MAGOS - NATAL/RN"
PHOTO BY BIRON