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E tinha mesmo, de certa forma. Meus pais me prenderam em casa. Eu não
teria amigos no futuro próximo. Fui expulso da escola, e terminaria o ano letivo
estudando em casa. Minha mãe me fez cortar o cabelo e jogar fora todas as
camisetas do Marilyn Manson e do Metallica (o que, para um adolescente em
1998, equivalia a ser condenado à morte por tosquice). Meu pai me arrastava
para o trabalho de manhã e me fazia arquivar documentos por horas a fio.
Depois que a educação domiciliar terminou, fui matriculado numa pequena
escola cristã, onde — o que não deve ser uma surpresa — eu não me encaixava
muito bem.
E, quando enfim tomei jeito, entregando os trabalhos no prazo e consciente
do valor de uma boa responsabilidade clerical, meus pais decidiram se divorciar.
Estou contando tudo isso só para ilustrar como minha adolescência foi uma
bosta. Perdi todos os meus amigos, meu ambiente, direitos legais e família num
intervalo de nove meses. Como diria a psicóloga que me atendia aos vinte e
poucos anos, foram eventos “traumatizantes pra cacete”, e eu passaria uma
década e mais um pouco tentando entendê-los e deixar de ser um bestinha
egoísta e arrogante.
O problema com a minha vida doméstica naquela época não foram todas as
coisas horríveis que foram ditas e feitas, e sim tudo que deveria ter sido dito e
feito, mas não foi. Minha família ignora problemas como Warren Buffett ganha
dinheiro ou Michael Jordan enterra no basquete: somos os melhores nisso. A
casa podia estar pegando fogo e diríamos: “Ah, não, está tudo bem. Só um pouco
quente aqui, talvez, mas sério, tudo bem.”
Quando meus pais se divorciaram, não houve pratos quebrados, portas
batidas nem discussões histéricas sobre quem chifrou quem. Depois que
garantiram para mim e para o meu irmão que não era culpa nossa, eles abriram
para perguntas — sim, você leu direito — sobre a logística da nossa nova vida.
Nem uma única lágrima foi derramada. Nem uma única voz foi erguida. O
máximo que meu irmão e eu chegamos de entrever a vida emocional declinante
dos nossos pais foi o esclarecimento de que “ninguém traiu ninguém”. Ah, que
ótimo. O ar estava meio abafado ali na sala, mas tranquilo, tudo certo.
Meus pais são boas pessoas. Não os culpo por nada disso (pelo menos não