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aceitar a responsabilidade pelos meus problemas, vencer meus medos e
incertezas, admitir meus fracassos e aceitar rejeições: tudo ficou mais leve por
causa da minha clareza sobre a morte. Quanto mais olho para a escuridão, mais
clara a vida fica, quanto mais quieto o mundo se torna, menos resistência
inconsciente sinto em relação a… tudo.
* * *
Fico ali sentado no Cabo por alguns minutos, absorvendo tudo. Quando
finalmente decido me levantar, coloco as mãos para trás e me arrasto.
Lentamente levanto. Verifico o chão ao redor em busca de qualquer pedra solta
pronta para me sabotar. Reconhecendo que estou seguro, começo a voltar para a
realidade — um metro, um metro e meio —, meu corpo vai se restaurando a
cada passo. Meus pés ficam mais leves. Deixo o ímã da vida me puxar.
Quando passo por cima de algumas pedras, de volta à trilha principal, ergo o
rosto e vejo um homem me olhando. Eu paro e o encaro.
— Hum. Eu vi você sentado lá na borda — diz ele.
Sotaque australiano. Ele aponta para a Antártica.
— É. A vista é maravilhosa, não é?
Eu sorrio. Ele, não. Está com uma cara séria.
Limpo as mãos na bermuda, ainda com o corpo vibrando por causa da
entrega que tinha acabado de vivenciar. Faz-se um silêncio constrangedor.
O australiano fica ali parado por um instante, perplexo, ainda me olhando.
Depois de um momento, ele acha as palavras:
— Está tudo bem? Como você está?
Faço uma pausa, ainda sorrindo.
— Vivo. Muito vivo.
O ceticismo dele enfim cede e abre caminho para um sorriso. Ele assente de
leve e começa a percorrer a trilha. Fico lá em cima, olhando a vista, esperando
meus amigos chegarem ao topo.